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Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                               22
                  (Corresponde à introdução do Capítulo 3,
                         intitulado Pessoa já é rede)




Toda pessoa é uma pequena sociedade.
Novalis em Pólen (1798)



Não passamos de remoinhos num rio de água sempre a correr.
Não somos material que subsista,
mas padrões que se perpetuam a si próprios.
Norbert Wiener em Cibernética e sociedade (1950)



Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas.
(“Umuntu ngumuntu ngabantu”: Máxima Zulu)
Todas as pessoas são feitas de todas as outras pessoas.
http://twitter.com/augustodefranco (08/07/10)



Toda pessoa é uma nova porta que se abre para outros mundos.
John Guare em "Six degrees of separation"
Peça de teatro na Broadway (1990)




                                       2
Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida
      humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os
      “tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente
      humanos. Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas
      sociais”.

      Os tanques onde somos formados como pessoas são clusters,
      “regiões” da rede social a que estamos mais imediatamente
      conectados.

      Um tipo especial de ghola: não um clone de um indivíduo, mas um
      “clone” de uma configuração de pessoas. Toda pessoa, como dizia
      Novalis (1798), é uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa já é
      rede! Pessoa é um ente cultural que replica uma configuração. É um
      ghola social.




Em um mundo fracamente conectado, os caminhos são individuais. Cada
pessoa vive sua vida, faz suas escolhas, estabelece suas rotinas e toma
suas iniciativas sob a influência das demais, é claro, mas como se fosse
uma unidade separada. Convive, por certo, com as demais, mas essa
convivência é vivida como distinta daquela outra vida, que seria a sua
própria vida. Pode viver a ilusão de que vive sua vida, fazendo suas
escolhas, estabelecendo suas rotinas e tomando suas iniciativas de modo
autônomo. Pode alimentar a crença de que já surgiu no mundo como
pessoa, quer em virtude de uma instância super-humana que assim a tenha
criado, quer por força da genética (o “sangue”) e das experiências
particulares pelas quais passou logo após seu nascimento (o “berço”).

Em mundos altamente conectados tende a se esvair essa separação entre
vida humana e convivência social. Nossas escolhas racionais raramente são
nossas: reproduzimos padrões, imitamos comportamentos e cooperamos
com outras pessoas sem ter feito individualmente e conscientemente tais
escolhas. Adotamos princípios, escolhemos carreiras, compramos produtos


                                   3
e priorizamos atividades em função do que fazem as pessoas que se
relacionam conosco ou que estão ligadas a nós em algum grau próximo de
separação, muitas vezes pessoas que nem conhecemos (como os amigos
dos amigos de nossos amigos).

Vivemos então, cada vez mais, a vida do nosso mundo constituído pela
convivência e não apenas a nossa vida individual. Isso ocorre na razão
direta da interatividade do mundo em que estamos imersos. O fluxo da
nossa timeline pode chegar a atingir tal intensidade ou densidade que, no
limite, não podemos mais afirmar inequivocamente que há um eu que
deseja, julga, raciocina, escolhe e almeja de forma autônoma em relação à
nuvem de conexões que nos envolve. Ao mesmo tempo, sentimos e
sabemos que continuamos sendo uma pessoa, única, totalmente
diferenciada. Mas ao viver a nossa vida (a vida humana única dessa pessoa
que somos), vivemos, na verdade, a convivência (social, também única,
desse mundo construído pelo emaranhado de conexões onde estamos
fluindo e que nos constitui como seres propriamente humanos).

O social passa ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos
novos mundos-fluzz. Em outras palavras, passamos a constituir um
organismo humano “maior” do que nós. Passamos a compartilhar muitas
vidas, com tudo o que isso compreende: memórias, sonhos, reflexões de
multidões de pessoas, que ficam distribuídas por todo esse superorganismo
humano. Podemos, como nunca antes, ter acesso imediato a um conjunto
enorme de informações e, muito mais do que isso, podemos gerar
conhecimentos novos com uma velocidade espantosa e com uma
inteligência tipicamente humana (não de máquinas, computadores ou
alienígenas), porém assustadoramente “superior” a que experimentamos
em todos os milênios pretéritos.

E tudo isso pode ocorrer sem a necessidade de termos consciência
(individual) do que está se passando. Ao viver a vida da rede, apenas
vivemos a convivência: não precisamos mais tentar capturá-la e introjetá-
la, circunscrevê-la ou mandalizá-la para conferir-lhe a condição de
totalidade, erigindo um grande poder interior de confirmação para nos
completar da falta dos outros e nos orientar nos relacionamentos com eles.
Tal necessidade havia enquanto podia haver a ilusão da existência do
indivíduo separado de outros indivíduos; ou quando um (ainda) não era
muitos. Toda consciência é consciência da separação, inclusive a
consciência da unidade, da totalidade, ou da unidade na totalidade, é uma
resposta à separação. No abismo em que estamos despencando ao entrar
em fluzz, não há propriamente isso que chamávamos de consciência.




                                    4
Como epígrafe de um dos capítulos de "Os filhos de Duna", o escritor de
ficção Frank Herbert (1976) colocou na boca de Harq al-Ada, cronista do
Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas inteligentes) (1):

     "O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar
     melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela
     uma perigosa ignorância. Essa tem sido freqüentemente a abordagem
     ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e
     tecnólogos".




                                   5
Nota

(1) HERBERT, Frank (1976). Os filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.




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Pessoa já é rede: vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 22 (Corresponde à introdução do Capítulo 3, intitulado Pessoa já é rede) Toda pessoa é uma pequena sociedade. Novalis em Pólen (1798) Não passamos de remoinhos num rio de água sempre a correr. Não somos material que subsista, mas padrões que se perpetuam a si próprios. Norbert Wiener em Cibernética e sociedade (1950) Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas. (“Umuntu ngumuntu ngabantu”: Máxima Zulu)
  • 2. Todas as pessoas são feitas de todas as outras pessoas. http://twitter.com/augustodefranco (08/07/10) Toda pessoa é uma nova porta que se abre para outros mundos. John Guare em "Six degrees of separation" Peça de teatro na Broadway (1990) 2
  • 3. Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os “tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente humanos. Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas sociais”. Os tanques onde somos formados como pessoas são clusters, “regiões” da rede social a que estamos mais imediatamente conectados. Um tipo especial de ghola: não um clone de um indivíduo, mas um “clone” de uma configuração de pessoas. Toda pessoa, como dizia Novalis (1798), é uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoa é um ente cultural que replica uma configuração. É um ghola social. Em um mundo fracamente conectado, os caminhos são individuais. Cada pessoa vive sua vida, faz suas escolhas, estabelece suas rotinas e toma suas iniciativas sob a influência das demais, é claro, mas como se fosse uma unidade separada. Convive, por certo, com as demais, mas essa convivência é vivida como distinta daquela outra vida, que seria a sua própria vida. Pode viver a ilusão de que vive sua vida, fazendo suas escolhas, estabelecendo suas rotinas e tomando suas iniciativas de modo autônomo. Pode alimentar a crença de que já surgiu no mundo como pessoa, quer em virtude de uma instância super-humana que assim a tenha criado, quer por força da genética (o “sangue”) e das experiências particulares pelas quais passou logo após seu nascimento (o “berço”). Em mundos altamente conectados tende a se esvair essa separação entre vida humana e convivência social. Nossas escolhas racionais raramente são nossas: reproduzimos padrões, imitamos comportamentos e cooperamos com outras pessoas sem ter feito individualmente e conscientemente tais escolhas. Adotamos princípios, escolhemos carreiras, compramos produtos 3
  • 4. e priorizamos atividades em função do que fazem as pessoas que se relacionam conosco ou que estão ligadas a nós em algum grau próximo de separação, muitas vezes pessoas que nem conhecemos (como os amigos dos amigos de nossos amigos). Vivemos então, cada vez mais, a vida do nosso mundo constituído pela convivência e não apenas a nossa vida individual. Isso ocorre na razão direta da interatividade do mundo em que estamos imersos. O fluxo da nossa timeline pode chegar a atingir tal intensidade ou densidade que, no limite, não podemos mais afirmar inequivocamente que há um eu que deseja, julga, raciocina, escolhe e almeja de forma autônoma em relação à nuvem de conexões que nos envolve. Ao mesmo tempo, sentimos e sabemos que continuamos sendo uma pessoa, única, totalmente diferenciada. Mas ao viver a nossa vida (a vida humana única dessa pessoa que somos), vivemos, na verdade, a convivência (social, também única, desse mundo construído pelo emaranhado de conexões onde estamos fluindo e que nos constitui como seres propriamente humanos). O social passa ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos novos mundos-fluzz. Em outras palavras, passamos a constituir um organismo humano “maior” do que nós. Passamos a compartilhar muitas vidas, com tudo o que isso compreende: memórias, sonhos, reflexões de multidões de pessoas, que ficam distribuídas por todo esse superorganismo humano. Podemos, como nunca antes, ter acesso imediato a um conjunto enorme de informações e, muito mais do que isso, podemos gerar conhecimentos novos com uma velocidade espantosa e com uma inteligência tipicamente humana (não de máquinas, computadores ou alienígenas), porém assustadoramente “superior” a que experimentamos em todos os milênios pretéritos. E tudo isso pode ocorrer sem a necessidade de termos consciência (individual) do que está se passando. Ao viver a vida da rede, apenas vivemos a convivência: não precisamos mais tentar capturá-la e introjetá- la, circunscrevê-la ou mandalizá-la para conferir-lhe a condição de totalidade, erigindo um grande poder interior de confirmação para nos completar da falta dos outros e nos orientar nos relacionamentos com eles. Tal necessidade havia enquanto podia haver a ilusão da existência do indivíduo separado de outros indivíduos; ou quando um (ainda) não era muitos. Toda consciência é consciência da separação, inclusive a consciência da unidade, da totalidade, ou da unidade na totalidade, é uma resposta à separação. No abismo em que estamos despencando ao entrar em fluzz, não há propriamente isso que chamávamos de consciência. 4
  • 5. Como epígrafe de um dos capítulos de "Os filhos de Duna", o escritor de ficção Frank Herbert (1976) colocou na boca de Harq al-Ada, cronista do Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas inteligentes) (1): "O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela uma perigosa ignorância. Essa tem sido freqüentemente a abordagem ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e tecnólogos". 5
  • 6. Nota (1) HERBERT, Frank (1976). Os filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 6