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Capítulo 5 | Hifas por toda parte




     AUGUSTO DE FRANCO
  Vida humana e convivência social nos novos
mundos altamente conectados do terceiro milênio



                      1
2
5
                                 Hifas por toda parte



                           Toda rede miceliana é um clone fúngico,
                  o filho distante de uma única linhagem genética.
    Acima do solo, os fungos produzem esporos que flutuam no ar,
             alguns dos quais você está inalando neste momento.
 Quando pousam, os esporos crescem onde quer que seja possível.
     Fazendo brotar redes tubulares, as hifas, no substrato úmido,
 novamente os fungos produzem quantidades copiosas de esporos,
        os quais se disseminam, espalhando sua estranha carne...
                 Lynn Margulis e Dorion Sagan em O que é vida? (1998)



      Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos israelitas.
  Ninguém saía e ninguém entrava... O Senhor disse então a Josué:
                       “No sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes,
                              e os sacerdotes tocarão as trombetas.
             Quando derem um toque prolongado, quando ouvirdes
          o som da trombeta, todo o povo lançará um grande grito;
o muro da cidade virá abaixo, o povo subirá, cada um à sua frente”.
                                                         Josué 6: 1-5




                             3
Enquanto isso, porém, crescem subterraneamente as hifas, por toda
      parte. Os alicerces das organizações hierárquicas vão sendo corroídos
      e seu muros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vão
      agora virando “membranas sociais”, permeáveis à interação e
      vulneráveis ao outro-imprevisível. Pessoas conectadas com pessoas
      vão tecendo articulações que estilhaçam o mundo-único-imposto em
      miríades de pedaços, não pelo combate, mas pela formação de redes.
      E outras identidades – mais-fluzz – vão surgindo nos novos mundos
      altamente conectados do terceiro milênio.




Não se decepcione: provavelmente você não vai ver nada mesmo! As hifas
crescem, em geral, abaixo do solo. Os esporos espalham-se pelo ar, mas
são tão pequenos que a gente nem percebe.

Quando você notar as conseqüências, aí não adiantará mais se desesperar.
Pois se o processo, por enquanto, ainda é lento e invisível (em parte
“aéreo”, em parte “subterrâneo”), seus desfechos poderão ser bem
concretos e fulminantes nos mundos em que ocorrerem.

Nos Highly Connected Worlds não há como fechar nada. Trancar, chavear,
cerrar as fronteiras, isolar por meio de paredes opacas não é a solução para
manter a identidade ou preservar a integridade de nenhum aglomerado.
Quando os fluxos aumentam de intensidade, os muros não conseguem mais
contê-los.

Parece que a vida “sabia” disso: tanto é assim que não encerrou seu
“átomo” (a célula) em nenhuma estrutura fechada, separando-o do meio
com paredes opacas: antes, construiu membranas – uma interface de
sustentabilidade, um convite à conexão. Um convite ao sexo, já que
estamos agora explorando um paralelo biológico: nos fungos – que são
“organismos realmente fractais”, como percebeu a bióloga Lynn Margulis
(1998) – o ato sexual (chamado de conjugação) é uma conexão (1).



                                     4
Muros caindo por toda parte anunciarão “membranas sociais” surgindo por
toda parte. Ou não: o que não virar “membrana social” será escombro.

O que as hifas – esses filamentos ou tubos finos que formam a estrutura
em rede dos fungos – têm a ver com isso? Ora, tudo. Pois são elas (ou o
processo espelhado, em termos biológicos, pela clonagem fúngica) que
estão operando tal mudança.




                                  5
A perfuração dos muros

              Quando a porosidade aumentar, os muros vão começar a ruir




Eis como paredes opacas vão se tornando inadequadas para conter o fluxo:
elas vão sendo perfuradas por hifas. Essa possibilidade existe
concretamente desde que os subordinados em uma organização hierárquica
não podem mais ser proibidos de se conectar com quem está do lado de
fora do muro pelas polícias corporativas (os departamentos de segurança,
os departamentos de pessoal e, inclusive – e hoje principalmente –, os
departamentos de tecnologia da informação).

O aprisionamento de corpos e sua contenção física em prédios fechados,
com salas e andares isolados um dos outros, controlados por portarias ou
por barreiras eletrônicas que não deixam passar quem não tem o código
válido no seu cartão magnético funcional, já não resistem adequadamente a
aglomeração física não-prevista pelos protocolos de segurança; por
exemplo, dos amigos que se encontram após o expediente em bares,
restaurantes, shoppings e em suas próprias casas, ou até mesmo dos
fumantes que são obrigado a se encontrar na rua, do lado de fora das
sedes, por imposição legal. E muito menos é capaz de resistir à
comunicação à distância, por celular, e-mail, pelos programas de
mensagens e comunicação instantânea ou pelos sites de relacionamento na
Internet.

É inútil proibir e não há como manter uma vigilância eficaz. Os
departamentos de tecnologia da informação (TI) podem tentar barrar (como
ainda insistem em fazer) o acesso às chamadas mídias sociais e aos vários
serviços de comunicação web na sua própria rede de computadores, mas
qualquer um que tenha um celular (3G, equivalente ou sucedâneo), ou
melhor, um dispositivo móvel de interação conectado à Internet ou
conectável a outros dispositivos por rádio (incluindo bluetooth quando seu
alcance for ampliado) já pode – ao mesmo tempo em que trabalha (ou finge
que trabalha) em uma empresa fechada – desenvolver outros projetos
conjuntos com pessoas de outras empresas fechadas, inclusive
concorrentes (2).

Tudo isso aumenta a porosidade dos muros. À medida que a porosidade
aumentar, os muros vão começar a ruir.




                                    6
Só então as organizações fechadas se darão conta de que estão
irremediavelmente vulneráveis à interação e correrão desesperadas atrás
das membranas. Aí já poderá ser tarde: uma membrana é um dispositivo
ultracomplexo, que só pode ser construído pela dinâmica de um organismo
vivo em interação com o meio, com outros organismos e partes de
organismos. Uma empresa que não aprendeu a se desenvolver conversando
com as outras empresas por medo de perder mercado ou de ter roubadas
as suas inovações ou seus funcionários, não conseguirá, da noite para o dia,
fazer uma reengenharia de suas, por assim dizer, boundary conditions. Uma
corporação que insistiu em manter intranets mesmo depois de ter sido
inventada a Internet, dificilmente estará preparada para operar, em tempo
hábil, tal mudança.




                                     7
A construção de “membranas sociais”

Deixar a interação pervadir um sistema não significa propriamente fazer,
mas – ao contrário – não-fazer: não-proibir, não-selecionar caminhos...




A derruição dos muros não esperará que os sacerdotes toquem as
trombetas em Jericó (se bem que na saga bíblica de Josué foi o grito em
uníssono do povo que derrubou as muralhas que trancavam a cidade). De
qualquer modo, não há mais tempo para aprender a construir verdadeiras
membranas. Na verdade, membranas não podem ser construídas, stricto
sensu, como um ato voluntário de alguém que segue uma planta, um
projeto, um esquema. As membranas são “construídas” pela interação
biológica, elas surgem em função da autopoese: da produção contínua da
vida por ela mesma.

No caso das membranas celulares (plasmalemas), sua estrutura e
funcionamento complexos dependem da dinâmica de rede, de redes dentro
de redes, com canais protéicos (proteínas de transporte – espécies de
atalhos entre clusters) que atravessam suas camadas, passando por
numerosos arranjos moleculares (3) até chegar, na interface com o
citoplasma, a um emaranhado de “hifas” composto por filamentos e
microtúbulos de citoesqueleto... tudo isso fluindo (imerso em fluido
extracelular). E tudo isso com a função de ser uma porta seletiva que a
célula usa para captar os elementos do meio exterior que são necessários
ao seu metabolismo e para liberar as substâncias que a célula produz e que
devem ser enviadas para o exterior (excreções que devem ser libertadas e
secreções que ativam várias funções de seus, por assim dizer, “stakeholders
externos”).

Esse produto de bilhões de anos de evolução biológica funciona, é claro,
como um sistema não-hierárquico, sem-administração, auto-organizado
para permitir o que chamamos de vida e não pode ser substituído por
cancelas corporativas que sigam protocolos alfandegários burros,
destinados a disciplinar a interação.

Seria inútil simular, nas organizações que voluntariamente construímos,
mecanismos semelhantes às membranas celulares. E nem seria o caso de
tentar fazê-lo, abusando do paralelo biológico. O que se deve captar aqui é
o padrão, não reproduzir o mecanismo ou simular o organismo. E o padrão
é o padrão de interação em rede.




                                    8
“Membranas sociais”, seja o que forem (e como forem), serão sempre redes
(mais distribuídas do que centralizadas), interfaces. A única solução-fluzz
parece ser articular comunidades móveis (no ecossistema composto pelos
stakeholders da organização) e deixar a interação configurar tais interfaces,
esperando que elas cumpram funções equivalentes, no mundo social, às
que são desempenhadas pelas membranas celulares no mundo biológico.

Na verdade, ao estabelecer contornos, estabelece-se a estrutura e a
dinâmica do que está dentro dos contornos. Membranas são o que são (e
como são) porque os meios que elas conectam são o que são (e como são).
Mas tais meios são, eles próprios, constituídos pela interação, quer dizer,
não se constituem como tais antes da interação. A membrana é um sistema
complexo porque é, simultaneamente, uma interseção de conjuntos, uma
zona de transição entre um ser e os outros seres nos quais se insere (ou,
mais genericamente, com os quais interage), uma forma de ligação ou uma
espécie de conjunção.

Ainda não sabemos muito sobre membranas e, sobretudo, sobre
“membranas sociais”. Algumas coisas, porém, já sabemos. Sabemos, por
exemplo, que deixar a interação pervadir um sistema não significa
propriamente fazer, mas – ao contrário – não-fazer: não-proibir, não-
selecionar caminhos (estabelecendo apenas alguns caminhos, proclamando-
os como válidos e exterminando todos os demais caminhos, decretando-os
inválidos); fundamentalmente, não gerar artificialmente escassez (4).

Sabemos também que as interfaces devem ser sociais stricto sensu e não
organizacionais (em termos das teorias da administração baseadas em
comando-e-controle). Ou seja, devem ser baseadas na livre conversação
entre pessoas e na sua espontânea clusterização e não na designação, ex
ante à interação, de caixinhas departamentais para alocar essas pessoas.
Simples assim? É, mas a conversação é algo bem mais complexo do que
parece. E os novos procedimentos e mecanismos, os novos processos de
netweaving e as novas tecnologias interativas que inventamos para
viabilizar e potencializar a conversação, alteram completamente o
multiverso das interações que chamamos de social.

“Membranas sociais” são interworlds. Ao constituí-las multiplicamos os
mundos, dando origem – se quisermos fazer uma comparação quantitativa
para efeitos ilustrativos – a bilhões de organizações (em vez de milhões que
existem atualmente). Uma mesma pessoa participará de muitas
organizações, comporá numerosas empresas, entidades, movimentos,
enfim, redes – pois tudo isso é válido, claro, na medida em que tudo for
rede. Para tanto, não será necessário fazer quase nada adicionalmente ao



                                     9
que já se faz hoje. Bastará não proibir a conexão, não querer disciplinar a
interação.

Um bom exemplo, hoje, são as plataformas interativas digitais, chamadas
de “redes sociais”. A quantas “redes sociais’” alguém pertence (ou seja, em
quantas mídias sociais está registrado)? O número é grande e só tende a
crescer.

Os emaranhados se adensarão a tal ponto, as timelines ficarão tão
caudalosas, que as identidades organizacionais não se manterão por muito
tempo. Despencaremos da escala de décadas e anos (que é a vida média da
imensa maioria das organizações que ainda temos) para a escala de meses
e dias (ou, quem sabe, de horas e minutos).

Não é bem como disse Andi Warhol (1968) – “no futuro todo mundo será
famoso por quinze minutos” – mas é parecido (5). Não é bem como ele
disse porque ninguém será muito famoso, no sentido de visto por todo
mundo, porque não haverá mais o mundo único forjado pelo broadcasting.
Mas é parecido porque no futuro (um conceito que também será
aposentado, de vez que não haverá mais um futuro único, um mesmo
futuro para todos), as organizações serão sempre transitórias, estarão
sempre fluindo para configurarem outras organizações e uma mesma
configuração não poderá perdurar por muito tempo.

É assim porque redes são móveis. Novamente as mídias sociais oferecem
uma boa imagem do que ocorre. Sites de relacionamento e plataformas
interativas nunca são as mesmas ao longo do tempo e a velocidade com
que mudam (em anos, dias ou horas) é função da sua interatividade. O
exemplo mais flagrante é o twiver (as centenas de milhões – que logo serão
bilhões, se considerarmos os sucedâneos do Twitter – de timelines fluindo
no twitter-river).

Onde e quando tudo isso vai acontecer? Vai acontecer nos Highly Connected
Worlds do terceiro milênio. Para aqueles mundos que já estão no terceiro
milênio.




                                    10
Hifas por toda parte | 5



(1) MARGULIS, Lynn & SAGAN, Dorion (1998). O que é vida? Rio de Janeiro: Zahar,
2002.

(2) A quase totalidade dos procedimentos e mecanismos de obstrução de fluxos,
estabelecidos nas organizações a pretexto de segurança, não se justifica (em mais
de 90% dos casos, não há nada de realmente decisivo, estratégico ou sigiloso que
deva ser protegido ou não-compartilhado, fechado e trancado em vez de
permanecer aberto e disponível). Isso vale para os protocolos de segurança
impostos pelas áreas chamadas de “tecnologia da informação”. Não há qualquer
ganho em proibir o acesso dos funcionários de uma organização ao Youtube ou ao
Messenger, ao Slideshare ou ao 4shared, ao Facebook ou ao Twitter. Não há
nenhuma razão para impor programas de e-mail proprietários, lentos, pesados e
com limitações enervantes de poucos megabytes no lugar de adotar correios
eletrônicos web mais eficazes, rápidos, com alta capacidade e, além de tudo,
gratuitos (como o gmail ou o ymail). Não há nenhum motivo para editar hierarquias
de permissões diferenciais e preferências de acesso a conteúdos que, se fossem
realmente secretos (como listas de espiões ou processos de fabricação de artefatos
de destruição em massa), não poderiam mesmo estar em rede. E não há explicação
plausível para a manutenção de intranets, sobretudo em uma época em que já
existe a Internet.

(3) Por exemplo, cabeças hidrofílicas com caudas hidrofóbicas em conjugação com
fosfolípidos, aglomerados de proteínas globulares, glicoproteínas, glicolipídios,
colesterol, proteínas extrínsecas etc.

(4) Cf. FRANCO, Augusto (2009). A lógica da abundância. Slideshare [2.172 views
em 23/01/2011]

<http://www.slideshare.net/augustodefranco/a-lgica-da-abundncia>

(5) WARHOL, Andi (1968). Cf. “15 minutes of fame” em

<http://en.wikipedia.org/wiki/15_minutes_of_fame>




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Fluzz capítulo 5

  • 1. Capítulo 5 | Hifas por toda parte AUGUSTO DE FRANCO Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 1
  • 2. 2
  • 3. 5 Hifas por toda parte Toda rede miceliana é um clone fúngico, o filho distante de uma única linhagem genética. Acima do solo, os fungos produzem esporos que flutuam no ar, alguns dos quais você está inalando neste momento. Quando pousam, os esporos crescem onde quer que seja possível. Fazendo brotar redes tubulares, as hifas, no substrato úmido, novamente os fungos produzem quantidades copiosas de esporos, os quais se disseminam, espalhando sua estranha carne... Lynn Margulis e Dorion Sagan em O que é vida? (1998) Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos israelitas. Ninguém saía e ninguém entrava... O Senhor disse então a Josué: “No sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes, e os sacerdotes tocarão as trombetas. Quando derem um toque prolongado, quando ouvirdes o som da trombeta, todo o povo lançará um grande grito; o muro da cidade virá abaixo, o povo subirá, cada um à sua frente”. Josué 6: 1-5 3
  • 4. Enquanto isso, porém, crescem subterraneamente as hifas, por toda parte. Os alicerces das organizações hierárquicas vão sendo corroídos e seu muros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vão agora virando “membranas sociais”, permeáveis à interação e vulneráveis ao outro-imprevisível. Pessoas conectadas com pessoas vão tecendo articulações que estilhaçam o mundo-único-imposto em miríades de pedaços, não pelo combate, mas pela formação de redes. E outras identidades – mais-fluzz – vão surgindo nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio. Não se decepcione: provavelmente você não vai ver nada mesmo! As hifas crescem, em geral, abaixo do solo. Os esporos espalham-se pelo ar, mas são tão pequenos que a gente nem percebe. Quando você notar as conseqüências, aí não adiantará mais se desesperar. Pois se o processo, por enquanto, ainda é lento e invisível (em parte “aéreo”, em parte “subterrâneo”), seus desfechos poderão ser bem concretos e fulminantes nos mundos em que ocorrerem. Nos Highly Connected Worlds não há como fechar nada. Trancar, chavear, cerrar as fronteiras, isolar por meio de paredes opacas não é a solução para manter a identidade ou preservar a integridade de nenhum aglomerado. Quando os fluxos aumentam de intensidade, os muros não conseguem mais contê-los. Parece que a vida “sabia” disso: tanto é assim que não encerrou seu “átomo” (a célula) em nenhuma estrutura fechada, separando-o do meio com paredes opacas: antes, construiu membranas – uma interface de sustentabilidade, um convite à conexão. Um convite ao sexo, já que estamos agora explorando um paralelo biológico: nos fungos – que são “organismos realmente fractais”, como percebeu a bióloga Lynn Margulis (1998) – o ato sexual (chamado de conjugação) é uma conexão (1). 4
  • 5. Muros caindo por toda parte anunciarão “membranas sociais” surgindo por toda parte. Ou não: o que não virar “membrana social” será escombro. O que as hifas – esses filamentos ou tubos finos que formam a estrutura em rede dos fungos – têm a ver com isso? Ora, tudo. Pois são elas (ou o processo espelhado, em termos biológicos, pela clonagem fúngica) que estão operando tal mudança. 5
  • 6. A perfuração dos muros Quando a porosidade aumentar, os muros vão começar a ruir Eis como paredes opacas vão se tornando inadequadas para conter o fluxo: elas vão sendo perfuradas por hifas. Essa possibilidade existe concretamente desde que os subordinados em uma organização hierárquica não podem mais ser proibidos de se conectar com quem está do lado de fora do muro pelas polícias corporativas (os departamentos de segurança, os departamentos de pessoal e, inclusive – e hoje principalmente –, os departamentos de tecnologia da informação). O aprisionamento de corpos e sua contenção física em prédios fechados, com salas e andares isolados um dos outros, controlados por portarias ou por barreiras eletrônicas que não deixam passar quem não tem o código válido no seu cartão magnético funcional, já não resistem adequadamente a aglomeração física não-prevista pelos protocolos de segurança; por exemplo, dos amigos que se encontram após o expediente em bares, restaurantes, shoppings e em suas próprias casas, ou até mesmo dos fumantes que são obrigado a se encontrar na rua, do lado de fora das sedes, por imposição legal. E muito menos é capaz de resistir à comunicação à distância, por celular, e-mail, pelos programas de mensagens e comunicação instantânea ou pelos sites de relacionamento na Internet. É inútil proibir e não há como manter uma vigilância eficaz. Os departamentos de tecnologia da informação (TI) podem tentar barrar (como ainda insistem em fazer) o acesso às chamadas mídias sociais e aos vários serviços de comunicação web na sua própria rede de computadores, mas qualquer um que tenha um celular (3G, equivalente ou sucedâneo), ou melhor, um dispositivo móvel de interação conectado à Internet ou conectável a outros dispositivos por rádio (incluindo bluetooth quando seu alcance for ampliado) já pode – ao mesmo tempo em que trabalha (ou finge que trabalha) em uma empresa fechada – desenvolver outros projetos conjuntos com pessoas de outras empresas fechadas, inclusive concorrentes (2). Tudo isso aumenta a porosidade dos muros. À medida que a porosidade aumentar, os muros vão começar a ruir. 6
  • 7. Só então as organizações fechadas se darão conta de que estão irremediavelmente vulneráveis à interação e correrão desesperadas atrás das membranas. Aí já poderá ser tarde: uma membrana é um dispositivo ultracomplexo, que só pode ser construído pela dinâmica de um organismo vivo em interação com o meio, com outros organismos e partes de organismos. Uma empresa que não aprendeu a se desenvolver conversando com as outras empresas por medo de perder mercado ou de ter roubadas as suas inovações ou seus funcionários, não conseguirá, da noite para o dia, fazer uma reengenharia de suas, por assim dizer, boundary conditions. Uma corporação que insistiu em manter intranets mesmo depois de ter sido inventada a Internet, dificilmente estará preparada para operar, em tempo hábil, tal mudança. 7
  • 8. A construção de “membranas sociais” Deixar a interação pervadir um sistema não significa propriamente fazer, mas – ao contrário – não-fazer: não-proibir, não-selecionar caminhos... A derruição dos muros não esperará que os sacerdotes toquem as trombetas em Jericó (se bem que na saga bíblica de Josué foi o grito em uníssono do povo que derrubou as muralhas que trancavam a cidade). De qualquer modo, não há mais tempo para aprender a construir verdadeiras membranas. Na verdade, membranas não podem ser construídas, stricto sensu, como um ato voluntário de alguém que segue uma planta, um projeto, um esquema. As membranas são “construídas” pela interação biológica, elas surgem em função da autopoese: da produção contínua da vida por ela mesma. No caso das membranas celulares (plasmalemas), sua estrutura e funcionamento complexos dependem da dinâmica de rede, de redes dentro de redes, com canais protéicos (proteínas de transporte – espécies de atalhos entre clusters) que atravessam suas camadas, passando por numerosos arranjos moleculares (3) até chegar, na interface com o citoplasma, a um emaranhado de “hifas” composto por filamentos e microtúbulos de citoesqueleto... tudo isso fluindo (imerso em fluido extracelular). E tudo isso com a função de ser uma porta seletiva que a célula usa para captar os elementos do meio exterior que são necessários ao seu metabolismo e para liberar as substâncias que a célula produz e que devem ser enviadas para o exterior (excreções que devem ser libertadas e secreções que ativam várias funções de seus, por assim dizer, “stakeholders externos”). Esse produto de bilhões de anos de evolução biológica funciona, é claro, como um sistema não-hierárquico, sem-administração, auto-organizado para permitir o que chamamos de vida e não pode ser substituído por cancelas corporativas que sigam protocolos alfandegários burros, destinados a disciplinar a interação. Seria inútil simular, nas organizações que voluntariamente construímos, mecanismos semelhantes às membranas celulares. E nem seria o caso de tentar fazê-lo, abusando do paralelo biológico. O que se deve captar aqui é o padrão, não reproduzir o mecanismo ou simular o organismo. E o padrão é o padrão de interação em rede. 8
  • 9. “Membranas sociais”, seja o que forem (e como forem), serão sempre redes (mais distribuídas do que centralizadas), interfaces. A única solução-fluzz parece ser articular comunidades móveis (no ecossistema composto pelos stakeholders da organização) e deixar a interação configurar tais interfaces, esperando que elas cumpram funções equivalentes, no mundo social, às que são desempenhadas pelas membranas celulares no mundo biológico. Na verdade, ao estabelecer contornos, estabelece-se a estrutura e a dinâmica do que está dentro dos contornos. Membranas são o que são (e como são) porque os meios que elas conectam são o que são (e como são). Mas tais meios são, eles próprios, constituídos pela interação, quer dizer, não se constituem como tais antes da interação. A membrana é um sistema complexo porque é, simultaneamente, uma interseção de conjuntos, uma zona de transição entre um ser e os outros seres nos quais se insere (ou, mais genericamente, com os quais interage), uma forma de ligação ou uma espécie de conjunção. Ainda não sabemos muito sobre membranas e, sobretudo, sobre “membranas sociais”. Algumas coisas, porém, já sabemos. Sabemos, por exemplo, que deixar a interação pervadir um sistema não significa propriamente fazer, mas – ao contrário – não-fazer: não-proibir, não- selecionar caminhos (estabelecendo apenas alguns caminhos, proclamando- os como válidos e exterminando todos os demais caminhos, decretando-os inválidos); fundamentalmente, não gerar artificialmente escassez (4). Sabemos também que as interfaces devem ser sociais stricto sensu e não organizacionais (em termos das teorias da administração baseadas em comando-e-controle). Ou seja, devem ser baseadas na livre conversação entre pessoas e na sua espontânea clusterização e não na designação, ex ante à interação, de caixinhas departamentais para alocar essas pessoas. Simples assim? É, mas a conversação é algo bem mais complexo do que parece. E os novos procedimentos e mecanismos, os novos processos de netweaving e as novas tecnologias interativas que inventamos para viabilizar e potencializar a conversação, alteram completamente o multiverso das interações que chamamos de social. “Membranas sociais” são interworlds. Ao constituí-las multiplicamos os mundos, dando origem – se quisermos fazer uma comparação quantitativa para efeitos ilustrativos – a bilhões de organizações (em vez de milhões que existem atualmente). Uma mesma pessoa participará de muitas organizações, comporá numerosas empresas, entidades, movimentos, enfim, redes – pois tudo isso é válido, claro, na medida em que tudo for rede. Para tanto, não será necessário fazer quase nada adicionalmente ao 9
  • 10. que já se faz hoje. Bastará não proibir a conexão, não querer disciplinar a interação. Um bom exemplo, hoje, são as plataformas interativas digitais, chamadas de “redes sociais”. A quantas “redes sociais’” alguém pertence (ou seja, em quantas mídias sociais está registrado)? O número é grande e só tende a crescer. Os emaranhados se adensarão a tal ponto, as timelines ficarão tão caudalosas, que as identidades organizacionais não se manterão por muito tempo. Despencaremos da escala de décadas e anos (que é a vida média da imensa maioria das organizações que ainda temos) para a escala de meses e dias (ou, quem sabe, de horas e minutos). Não é bem como disse Andi Warhol (1968) – “no futuro todo mundo será famoso por quinze minutos” – mas é parecido (5). Não é bem como ele disse porque ninguém será muito famoso, no sentido de visto por todo mundo, porque não haverá mais o mundo único forjado pelo broadcasting. Mas é parecido porque no futuro (um conceito que também será aposentado, de vez que não haverá mais um futuro único, um mesmo futuro para todos), as organizações serão sempre transitórias, estarão sempre fluindo para configurarem outras organizações e uma mesma configuração não poderá perdurar por muito tempo. É assim porque redes são móveis. Novamente as mídias sociais oferecem uma boa imagem do que ocorre. Sites de relacionamento e plataformas interativas nunca são as mesmas ao longo do tempo e a velocidade com que mudam (em anos, dias ou horas) é função da sua interatividade. O exemplo mais flagrante é o twiver (as centenas de milhões – que logo serão bilhões, se considerarmos os sucedâneos do Twitter – de timelines fluindo no twitter-river). Onde e quando tudo isso vai acontecer? Vai acontecer nos Highly Connected Worlds do terceiro milênio. Para aqueles mundos que já estão no terceiro milênio. 10
  • 11. Hifas por toda parte | 5 (1) MARGULIS, Lynn & SAGAN, Dorion (1998). O que é vida? Rio de Janeiro: Zahar, 2002. (2) A quase totalidade dos procedimentos e mecanismos de obstrução de fluxos, estabelecidos nas organizações a pretexto de segurança, não se justifica (em mais de 90% dos casos, não há nada de realmente decisivo, estratégico ou sigiloso que deva ser protegido ou não-compartilhado, fechado e trancado em vez de permanecer aberto e disponível). Isso vale para os protocolos de segurança impostos pelas áreas chamadas de “tecnologia da informação”. Não há qualquer ganho em proibir o acesso dos funcionários de uma organização ao Youtube ou ao Messenger, ao Slideshare ou ao 4shared, ao Facebook ou ao Twitter. Não há nenhuma razão para impor programas de e-mail proprietários, lentos, pesados e com limitações enervantes de poucos megabytes no lugar de adotar correios eletrônicos web mais eficazes, rápidos, com alta capacidade e, além de tudo, gratuitos (como o gmail ou o ymail). Não há nenhum motivo para editar hierarquias de permissões diferenciais e preferências de acesso a conteúdos que, se fossem realmente secretos (como listas de espiões ou processos de fabricação de artefatos de destruição em massa), não poderiam mesmo estar em rede. E não há explicação plausível para a manutenção de intranets, sobretudo em uma época em que já existe a Internet. (3) Por exemplo, cabeças hidrofílicas com caudas hidrofóbicas em conjugação com fosfolípidos, aglomerados de proteínas globulares, glicoproteínas, glicolipídios, colesterol, proteínas extrínsecas etc. (4) Cf. FRANCO, Augusto (2009). A lógica da abundância. Slideshare [2.172 views em 23/01/2011] <http://www.slideshare.net/augustodefranco/a-lgica-da-abundncia> (5) WARHOL, Andi (1968). Cf. “15 minutes of fame” em <http://en.wikipedia.org/wiki/15_minutes_of_fame> 11