Este documento discute a deficiência auditiva, desde o diagnóstico até a participação social da pessoa surda. Aborda como detectar a perda auditiva em crianças, as causas da surdez, as primeiras medidas a serem tomadas e formas de avaliação audiológica. Também diferencia entre deficiente auditivo e surdo e explica que a comunicação oral é enfatizada no método oralista de tratamento da surdez.
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
A surdez na infância: diagnóstico precoce e reabilitação
1. C A D E R N O S D A
Este Caderno complementa a série de vídeos da tv escola
Deficiência Auditiva
Maria Cristina da F. Redondo &
Josefina Martins Carvalho
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
N. 1/2000
3. Programa 1 5
A PESSOA SURDA:
DO DIAGNÓSTICO
À PARTICIPAÇÃO SOCIAL
[…] o homem pode construir seu mundo simbólico com os materiais
mais pobres e escassos. (Cassirer)
deficiência auditiva traz muitas limitações para
A o desenvolvimento do indivíduo. Consideran-
do que a audição é essencial para a aquisição
da linguagem falada, sua deficiência influi no relacio-
namento da mãe com o filho e cria lacunas nos pro-
cessos psicológicos de integração de experiências,
afetando o equilíbrio e a capacidade normal de de-
senvolvimento da pessoa.
Mesmo assim, ainda hoje, a sociedade conhece bem
pouco os portadores de deficiência. Esse desconhecimen-
to se reflete por exemplo na ausência de estatísticas bra-
sileiras tanto a respeito de seu número real quanto das
formas de assistência disponíveis, de sua integração so-
cial e de sua inclusão no mercado de trabalho.
O retrato da ausência de informação se reflete na
rara presença desse assunto em noticiários, e na pe-
quena oferta de serviços adequados a portadores de
deficiência – apesar de eles corresponderem a cerca
de 10 por cento da população de países em desenvol-
vimento, como o Brasil.
No Brasil existem muitas leis voltadas para os por-
tadores de deficiência, indicando a necessidade de di-
ferenciação em relação aos demais cidadãos. No en-
tanto, mesmo após decretadas, as leis são implanta-
das de modo lento e parcial, sendo ignoradas pela
maior parte da população. Os portadores de deficiên-
4. 6 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 7
Como as pessoas ouvem? Ossículos auditivos
O ouvido humano possui três partes – ouvido externo, no ouvido médio
(martelo, estribo e
ouvido médio e ouvido interno –, sendo que cada uma Canais bigorna)
semicirculares
desempenha funções específicas:
• Ouvido externo: é composto pelo pavilhão auricular e Nervo auditivo
pelo canal auditivo, que é a porta de entrada do som.
Nesse canal, certas glândulas produzem cera, para pro-
Ouvido interno
teger o ouvido. (cóclea)
• Ouvido médio: formado pela membrana timpânica e
por três ossos minúsculos, que são chamados de mar-
telo, bigorna e estribo, pois são parecidos com esses
objetos. Em contato com a membrana timpânica e o Trompa de
Eustáquio,
ouvido interno, eles transmitem as vibrações sonoras que leva à
nasofaringe
que entram no ouvido externo e devem ser conduzidas
Tímpano Canal auditivo
até o ouvido interno. interno
• Ouvido interno: nele está a cóclea, em forma de caracol,
que é a parte mais importante do ouvido: é responsável Qualquer tipo de problema em uma das partes do ouvido
pela percepção auditiva. Os sons recebidos na cóclea são pode prejudicar a audição, em maior ou menor grau. Há
transformados em impulsos elétricos que caminham até diferentes tipos de perda auditiva, conforme o local afeta-
o cérebro, onde são ‘entendidos’ pela pessoa. do (ouvido médio, interno etc.).
cia precisam sempre recorrer à legislação para reivin- Se o bebê for exageradamente quieto, não virar a
dicar seus direitos de cidadão. cabeça procurando a origem de algum barulho forte
– como um trovão, por exemplo – ou continuar o cho-
ro, mesmo que a mãe tente acalmá-lo apenas com a
Como detectar a
perda auditiva em uma criança? voz, talvez seja o caso de se preocupar. A mãe precisa
comentar isso com o pediatra, para que ele avalie a
Sempre é mais fácil descobrir a perda severa ou pro- necessidade de encaminhamento a um especialista.
funda do que a leve ou moderada. De qualquer for- Quando a perda auditiva é detectada precocemen-
ma, é importante que os familiares e o pediatra se- te, o profissional se preocupa inicialmente em forne-
jam observadores e atentos, para detectar eventuais cer informações aos pais, para que eles saibam o que
sinais de perturbação, desde as primeiras semanas fazer e, principalmente, possam acolher esse filho e
após o nascimento. aprender a lidar com a situação inesperada.
5. 8 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 9
Idealmente, a surdez deve ser diagnosticada o época em que ocorreu a surdez e grau de prejuízo;
mais cedo possível, mas não é o que acontece na tipo de atendimento reabilitacional recebido, oral ou
maior parte das vezes. Com freqüência a criança fica oral com sinais/gestos; estimulação feita para a aqui-
sem atendimento até o momento de ir para a escola. sição da linguagem; aproveitamento dos resíduos
Quanto mais tempo se passa, maiores são as dificul- auditivos –, bem como o trabalho com a família,
dades de desenvolvimento – tanto no campo da lin- auxiliando-a a aprender a lidar com a diferença do
guagem quanto nos níveis social, psíquico e cognitivo. filho, têm contribuído para que a pessoa com surdez
Quando há problemas, o diagnóstico precoce per- ocupe seu lugar na sociedade.
mite que a família seja orientada desde o primeiro
momento, recebendo informações de profissionais Como evitar ou prevenir a perda auditiva?
(médico, psicólogo, fonoaudiólogo) e tendo apoio • Todas as mulheres devem ser vacinadas contra a ru-
para cuidar do desenvolvimento da criança. béola, que constitui uma das principais causas de
Depois de o médico diagnosticar uma perda au- surdez congênita em nosso País.
ditiva, e identificar o grau dessa perda, ele precisa en- • A criança jamais deve tomar remédio sem receita
caminhar a criança para um tratamento fonoaudioló- médica; um antibiótico, por exemplo, pode conter
gico integrado, a ser feito pelo fonoaudiólogo, com a aminoglicosídeo, substância que geralmente preju-
equipe que for considerada necessária. Dependendo dica a audição de forma irreversível. (Corrêa, 1999)
do caso, o profissional competente indicará o uso de
um aparelho auditivo.
Primeiras medidas
As causas da surdez
Inicialmente, a linguagem oral não é a mais impor-
Em muitos casos, o diagnóstico médico consegue tante na comunicação de qualquer criança com sua
identificar a causa mais provável da perda auditiva, família; o contato depende mais da sensibilidade,
mas nem sempre isso é possível. A ocorrência de ges- que se traduz em um toque, uma expressão de feli-
tações e partos com histórico complicado, bem como cidade ou de tristeza. No caso da deficiência auditi-
a manifestação de doenças maternas no período pró- va, os pais não devem se desesperar, mas sim apren-
ximo ao nascimento da criança, podem inviabilizar a der como participar da educação de sua criança. O
identificação dessa causa. futuro dela vai depender muito da atuação deles, em
Por isso mesmo, em cerca de 50 por cento dos parceria com profissionais como fonoaudiólogo e
casos, a origem da deficiência auditiva é atribuída a otorrinolaringologista.
‘causas desconhecidas’. Quando se consegue desco- Existe uma diferença significativa no desenvolvimen-
brir a causa, o mais freqüente é que ela se deva a to da linguagem e da comunicação de crianças que so-
doenças hereditárias, rubéola materna e meningite. frem perda auditiva antes dos 2 anos de idade, em com-
O conhecimento da história de cada pessoa – paração com as que ficam surdas após ter adquirido a
6. 10 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 11
linguagem (por exemplo, no caso de surdez causada por tiva; as respostas são dadas em decibéis (medida de
meningite, depois dos 4 anos de idade). As maiores já som, cujo símbolo é dB).
tiveram a oportunidade de estruturar a memória auditi- Já a criança maior pode cooperar e, nesse caso, é
va e um sistema lingüístico próprio. feito o exame audiométrico, que identifica seu nível
Saber em que momento se instalou a surdez é mínimo de audição. Esse exame permite avaliar a audi-
fundamental para planejar as necessidades de ção das diferentes freqüências de tons puros – do grave
estimulação da criança, seja qual for a idade. Mas tam- ao agudo –, com especial atenção para a ‘zona da pala-
bém são necessárias outras informações, tais como: vra’, que fica nas freqüências de 500 a 4 mil hertz (Hz).
• se a surdez se instalou antes ou depois do nas-
Com base no trabalho de Roeser & Downs,
Martinez (2000) propõe a seguinte classificação dos
cimento, ou durante o parto;
limiares de audição:
• se foi detectada nos primeiros anos de vida, e
Limiares tonais*
em que fase isso aconteceu;
Audição normal 0 a 15 dB
• qual o grau da perda auditiva – leve, moderada,
severa ou profunda; Deficiência auditiva suave 16 a 25 dB
• se a criança recebeu atendimento especializado
Deficiência auditiva leve 26 a 40 dB
(e foi indicada a utilização de aparelho de am-
plificação sonora individual); Deficiência auditiva moderada 41 a 55 dB
• como a audição foi estimulada, desde o início; Deficiência auditiva moderadamente severa 56 a 70 dB
• qual a reação da família e que tipo de assistên-
Deficiência auditiva severa 71 a 90 dB
cia ela recebeu;
• se a surdez está ou não associada a outra defi- Deficiência auditiva profunda acima de 91 dB
ciência, ou a problemas de saúde. * Média dos limiares tonais em 500, 1.000 e 2.000 Hz.
Há mais de uma forma de fazer a avaliação
Deficiente auditivo ou surdo?
audiológica, para constatar se houve perda de audi-
ção. E os graus de perda também variam bastante. Há Deficiente auditivo é como se autodenominam mui-
pessoas que escutam muito pouco, sendo incapazes tos dos surdos adultos, principalmente aqueles que
de ouvir um avião passando; outras conseguem ou- apresentam perda auditiva de leve a moderada, que
vir a voz humana, mas não chegam a discriminar o não se consideram totalmente surdos. Essa atitude
que está sendo dito. resulta do processo educacional e reabilitacional a
Quando a criança é bem pequena, se realiza o di- que foram submetidos, nos anos 70 e 80, época em
agnóstico objetivo, como o Bera (Brain Stam Evocated que era dada grande ênfase ao oralismo.
Response: respostas evocadas do tronco cerebral). Esse Na abordagem oralista, ainda hoje adotada por
teste permite avaliar a perda de audição por via audi- algumas instituições, a comunicação se baseia na fala:
7. 12 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 13
Audiometria tonal: audição normal no ouvido Audiometria tonal: perda auditiva severa no
esquerdo e perda leve no ouvido direito ouvido esquerdo e profunda no direito
250 500 1K 2K 4K 8K Hz 250 500 1K 2K 4K 8K Hz
-10 -10
0 0
10 ○ ○ ○○ ○ ○ ○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○
10
X
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○ ○ ○
○○ ○
○
20 ○
○ X
○○
20
○
○○
30 ○ ○
X 30
X X
○
○ ○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○
40 X○ ○
40
50 50
60 60
70 70 ○ ○ ○ ○
80 80 ○○ ○ ○
X
○
90 90
○ ○ ○ ○
X○○
○
○
○○ ○ ○ ○
○○ ○
○ ○
X ○○
○ ○
100 100 ○
○
○
X ○ ○ ○ ○ ○
X
○
110 110
120 120
dB dB
○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito ○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito
○
X
○ ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo ○
X
○ ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo
Audiometria tonal: perda Audiometria tonal: perda auditiva
auditiva moderada em ambos os ouvidos profunda em ambos os ouvidos
250 500 1K 2K 4K 8K Hz 250 500 1K 2K 4K 8K Hz
-10 -10
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 ○ ○ ○
X
○○ ○ ○
X
60
X X
○
70
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○
○
○
○
○ ○
○
X ○ ○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
70
X
○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○ ○ ○
○ ○
80
○
80
○ ○
90 90
X○
○
100 100 ○
○ ○
X
○ ○ ○
○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○
○
110 110 ○
○
○
○
○ ○
○
120 120 X ○ ○ ○ ○
X
○○
X
○ ○○ ○ ○ ○
X
○ ○ ○ ○ ○ ○
dB dB
○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito ○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito
○
X
○ ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo ○
X
○ ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo
8. 14 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 15
não se aceita a utilização de gestos ou sinais para re- surdez vem obtendo oportunidades cada vez mais
presentar ou indicar coisas, objetos etc. No oralismo, amplas e melhores de ser vista como um cidadão
os resíduos de audição servem como parâmetro para comum e de freqüentar escolas comuns, além das clas-
a aquisição da fala e da linguagem, sendo associados ses ou escolas especiais. A inclusão do portador de
à leitura da expressão facial. deficiência no sistema escolar pode permitir que ele
Entre os mais jovens, e particularmente entre gradualmente passe a contar com os mesmos benefí-
aqueles que apresentam perdas auditivas severas e cios oferecidos aos demais educandos.
profundas, existe um movimento para que assumam Seja qual for o tipo de educação recebida, espe-
a própria surdez. Lutam por seus direitos e buscam cial ou não, o surdo não precisa apenas de escola. É
divulgar a Língua de Sinais Brasileira (LSB), mostran- indispensável que lhe seja oferecido atendimento nos
do que se trata de uma língua com regras próprias, aspectos médicos relacionados com a surdez, bem
como a língua portuguesa. como orientação familiar e suporte emocional, pro-
Os que adotam essa linha valorizam sua fala, le- curando facilitar o desenvolvimento de suas
vando em conta que é uma fala diferente, e valorizam potencialidades, levando-o a fazer escolhas e respon-
também seu direito de usar recursos variados para se sabilizar-se por elas e oferecendo-lhe as mesmas
comunicar, na busca de uma melhor participação so- oportunidades disponíveis para as pessoas que não
cial. Rejeitam o termo ‘deficiente’, que embute um são portadoras de deficiência.
conceito de déficit, e defendem uma atitude na qual Mas a luta por sua participação social não é uma
seja dado valor ao indivíduo, e não à deficiência da luta apenas do surdo e de seus familiares. Ao se falar
qual ele é portador. em integração (ou, atualmente, em inserção), é fun-
damental que a sociedade faça sua parte, usando de
Para que a sociedade possa melhor conhecer as pes- todos os meios para atenuar as dificuldades impos-
soas que têm perda de audição, é importante pensar tas pela surdez.
em cada indivíduo como um ser único, repleto de Receber o surdo e facilitar seu acesso a todos os
possibilidades. espaços sociais (escola, parques, festas, empresas,
teatros, cinema, museus etc.) é a contrapartida para
Os recursos de comunicação adotados pelo surdo, que exista realmente integração e participação.
seja ele mais ou menos oralizado, não podem ser
usados para caracterizá-lo como pessoa. É preciso Se o surdo não pode ficar esperando que a sociedade
levar em conta seu percurso de vida e a forma pela faça tudo por ele, também não pode lutar sozinho e
qual seu modo de se comunicar possibilita sua competir com os ouvintes, como se fosse ouvinte.
integração nos diferentes meios sociais que freqüen-
ta, fazendo com que se sinta mais feliz.
No tocante à escolaridade, a pessoa portadora de
9. Programa 2 17
O BEBÊ SURDO: TORNANDO-SE
INDEPENDENTE
[…] o bebê precisa de alguém que, por um tempo, o coloque
em primeiro lugar numa lista de prioridades. (D.W. Winnicott)
ssim que nasce, e ao longo dos primeiros me-
A ses de vida, o bebê ainda não é capaz de esta-
belecer ligações entre suas emoções e o signi-
ficado delas. Ele depende totalmente da mãe, para ser
compreendido e para ser atendido em suas necessi-
dades básicas.
Em sua mente adulta, a mãe elabora um significa-
do simbólico daquilo que o bebê necessita. Em segui-
da, ela transmite – pelo olhar, na voz, na maneira
como o segura e o amamenta – ‘algo’ que permite tam-
bém a ele construir um significado simbólico das
emoções que experimenta.
Assim, nos momentos em que o bebê vive um des-
conforto, uma tensão, é a mãe que decodifica a ori-
gem do problema e oferece o alívio necessário para
restabelecer o equilíbrio.
A repetição constante dessas vivências com signi-
ficado é uma condição para o desenvolvimento da
capacidade de pensar – daí a importância da relação
mãe-bebê. O conhecimento real e verdadeiro vem da
experiência com o outro.
O bebê abandonado a seu próprio entendimento,
deixado a sós, certamente criará significados estra-
nhos para suas vivências.
É freqüente que a surdez seja descoberta pelos pais
apenas quando a criança tem 1 ou 2 anos. Isso implica
10. 18 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 19
uma dificuldade maior na transmissão de significados sim- aspecto a ser lembrado é que a criança surda, em seus
bólicos às experiências do bebê. Um exemplo: o bebê cho- primeiros meses de vida, é um bebê com necessida-
ra, e a mãe procura acalmá-lo conversando com ele – sem des peculiares, pois a ausência da audição, interferin-
que ela saiba, sua voz não chega até ele para tranqüilizá- do na aquisição da linguagem e na maneira de conhe-
lo, acalmá-lo e marcar a presença materna. Somente ao vê- cer o mundo, deixará marcas para o resto da vida.
la ele pode se assegurar de sua proximidade. Principalmente nos casos em que se pode suspei-
À medida que se repetem experiências desse tipo, tar desse tipo de quadro – como nascimento de alto
o bebê pode desenvolver sentimentos de inseguran- risco, casos de surdez hereditária na família, casamen-
ça e abandono, o que talvez traga como conseqüên- tos consangüíneos, ocorrência de rubéola na gravidez
cia uma auto-estima rebaixada. ou um quadro de meningite após o nascimento – é
Por outro lado, quando descobre a surdez do fi- fundamental que o bebê seja encaminhado para ava-
lho, a grande maioria das mães passa a usar menos a liação médica o quanto antes.
voz para se comunicar com ele. Outras diminuem suas
falas diretas com o filho, ou até deixam de se utilizar Aprender a falar
da palavra. Todos caem no silêncio. Por meio da audição, e do ambiente familiar adequa-
As atitudes maternas de acentuado desalento ou de do, a criança ouvinte aprende naturalmente o modelo
superproteção podem ser compreensíveis, mas não de sua língua, processo que ocorre em três estágios:
servem para incentivar o desenvolvimento da criança. Linguagem receptiva: a recepção ocorre por intermé-
Os pais (e, principalmente, a mãe, pois ela tem con- dio da audição: a criança recebe a linguagem de seu
tato mais intenso e freqüente com o bebê) devem com- ambiente lingüístico; ao ouvir a palavra muitas ve-
preender que há muitas formas de comunicação com o zes, acaba por armazená-la.
bebê, além da linguagem oral: toques, sorrisos, carinhos. Linguagem compreensiva: a criança passa a compre-
Todas essas linguagens devem ser utilizadas no trato ender que a palavra ‘papai’ se refere a determinada
com o bebê, inclusive a oral. Deve-se falar sempre de pessoa (relaciona significante e significado).
frente para a criança, olhando para ela, permitindo que
Linguagem expressiva: a criança emite a palavra ‘papai’,
ela perceba a existência dessa forma de comunicação.
quando já possui a segurança de seu significado.
O diagnóstico precoce
Ninguém nasce falando. Esses estágios fazem parte
É de grande importância que a surdez seja diagnosti- da natureza humana e se sucedem em um espaço
cada o mais cedo possível. E que, assim que for cons- mínimo de um ano após o nascimento, quando a
tatada, se inicie o atendimento especializado, que não criança passa a emitir as primeiras palavras.
se resume ao trabalho com a criança — deve incluir Nos primeiros meses de vida, a criança não precisa da
também os pais. audição para falar. É a fase de balbucio (primeiro estágio
No trabalho de estimulação precoce, o primeiro da linguagem expressiva), na qual ela emite sons
11. 20 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 21
inarticulados de sensação de prazer e desprazer. É como se pelos familiares, ignorando a compreensiva, invisível mas
estivesse treinando a emissão de sons, sem perceber o que dedutível? Pensamos que, desde os primeiros choros e
interações com a mãe, a linguagem começa a despontar
está fazendo – não precisa da audição, para essa atividade.
como um todo. (Solange Issler, in Corrêa, 1999, pp. 23-24)
O bebê com perda auditiva interrompe o balbu-
cio devido à falta de audição normal; não escuta os
próprios sons, e assim seu desenvolvimento lingüís-
O aparelho auditivo
tico não tem estímulos. Em alguns casos, o exame audiométrico indica a pos-
sibilidade de adoção de um aparelho de amplificação
Apoio e orientação à família
sonora individual (A.A.S.I.). Trata-se de um equipamen-
Identificada a surdez, o primeiro passo consiste em to pequeno, colocado junto ao ouvido da criança, que
dar apoio à família e orientá-la em relação às neces- amplia a intensidade dos sons e os traz para um nível
sidades de seu bebê. A estimulação precoce realizada confortável para quem precisa usá-lo. Atualmente, há
no ambiente doméstico, aliada ao trabalho educacio- aparelhos com alto nível de sofisticação, que ampliam
nal de profissionais, permitirá que a criança adquira o som de maneira cada vez mais seletiva. Por exem-
condições de se comunicar da melhor forma possível, plo, nos momentos de comunicação, os sons da fala têm
situando-se de modo adequado na sociedade. ‘prioridade’ sobre os ruídos ambientais.
No trabalho com os pais, não basta orientá-los em Os benefícios advindos do uso do aparelho audi-
relação à melhor forma de estimular a audição dos tivo não são percebidos de imediato; é necessário um
filhos. Eles precisam ter a oportunidade de manifes- período de aprendizagem e de adequação auditiva
tar suas preocupações e receber esclarecimentos su- que, às vezes, desanima a criança e seus familiares.
ficientes para que se sintam mais seguros. É impor- Mas os pais precisam entender o que esse aparelho
tante que possam falar de suas angústias por ter um pode representar para o filho, os benefícios que pode
filho diferente do esperado. trazer e suas limitações. O uso do aparelho pode ser
Os pais precisam aprender a escutar os sons emi- comparado com o dos óculos, para quem tem deficiên-
tidos pelo bebê, sabendo que eles contêm significa- cias de visão, embora neste último caso a aceitação seja
dos, ou seja, constituem uma linguagem. Essa atitude mais fácil, pois o resultado – ver melhor – é imediato.
equivale à da mãe da criança ouvinte: quando o bebê O aparelho de surdez costuma gerar grandes ex-
emite ‘pá’, a mãe dá um sentido ao som, completando pectativas, como se fosse capaz de realizar milagres.
a palavra de acordo com o que entendeu – ‘papai’, Muitos pais imaginam que, a partir do uso do apare-
‘papa’, ‘você quer comer’ etc. lho, seu filho deixará de ser surdo e se transformará
em ouvinte. Mas não é assim.
As crianças adquirem a linguagem, obviamente. A questão
agora é a que tipo de linguagem nos referimos quando di- Para saber quando a criança vai aprender a perceber
zemos que só aos 24 meses a criança ‘tem’ linguagem. os sons com o aparelho auditivo, deve-se levar em conta
Referimo-nos à linguagem expressiva, ouvida e percebida a perda auditiva e, mais ainda, a estimulação recebida.
12. 22 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 23
res, que precisam valorizar tais manifestações como
O desenvolvimento auditivo não acontece logo após
uma forma de comunicação e mostrar compreensão.
a colocação e o uso do aparelho. Depende de um pro-
A criança não vai desenvolver a linguagem oral es-
cesso, que vai ocorrendo com o passar do tempo: os
pontaneamente, sem estímulos.
pais e profissionais não podem desanimar.
Com o início da escolaridade em creches e insti-
tuições de educação infantil – comum, ou especial –
Quando os pais não têm oportunidade de discutir
a criança começa a partilhar com outras as brincadei-
suas expectativas e de receber esclarecimentos, às ve-
ras, as conversas e a atenção do professor.
zes se cria uma sensação de decepção e frustração. E
esses sentimentos trazem grandes prejuízos ao desen-
Para que possa expressar seus desejos e suas neces-
volvimento emocional, cognitivo e social da criança.
sidades, utilizando gestos e/ou sons, a criança surda
Há crianças que passam a não querer usar o apare-
deve ser exposta a uma linguagem compreensível
lho, ao perceber que essa sua diferença traz sofrimen-
para ela, como contribuição a sua socialização.
to para os pais.
Algumas famílias deixam às vezes de colocar o
Os pais e professores precisam colaborar para que
aparelho na criança pelos mais diversos motivos:
a criança com deficiência auditiva se comunique com
porque ela acordou chorando, porque a babá não
os colegas e com outros adultos. Para isso, é impor-
chegou… ou seja, há sempre uma desculpa para não
tante deixar claro quais são suas limitações e quais
utilizá-lo. Há casos em que o aparelho fica mais tem-
suas possibilidades.
po na gaveta do que no ouvido da criança.
O desafio do trabalho precoce com a criança sur-
Não é suficiente usar o aparelho auditivo durante
da está em criar situações de comunicação que favo-
algumas horas por dia. Ele precisa ser colocado ao
reçam sua expressão e sua interação contínua com as
acordar e só pode ser retirado para tomar banho e
pessoas, utilizando-se do olhar, dos gestos, dos sinais,
para dormir. Seu uso é tão importante quanto o hábi-
da linguagem oral etc.
to de se alimentar.
Toda criança adquire a linguagem naturalmente,
por meio da interação; a fala é uma das manifesta-
O aprendizado do convívio
ções da linguagem, tal como os sinais, os gestos e a
A partir de 2 a 3 anos toda criança, mesmo que seja escrita – são formas de estabelecer a comunicação e
surda, busca conhecer o mundo, se torna cada vez possibilitar a representação do pensamento.
mais consciente de si mesma como pessoa, no conví- O atendimento precoce à família e à criança per-
vio com outras crianças e com adultos. mite diminuir as dificuldades dos pais em aceitar seu
Para a criança surda o contato é feito por meio de filho diferente, ajudando-os a ter uma visão mais re-
sinais espontâneos e expressões faciais, cujo signifi- alista e positiva das verdadeiras possibilidades de
cado deve ser compreendido pelos pais e professo- desenvolvimento de seu filho surdo.
13. Programa 3 25
A CRIANÇA SURDA:
CAMINHOS DA APRENDIZAGEM
[…] Agora que eu tenho 6 anos, sou o mais
esperto dos espertos. Então, acho que vou
continuar com 6 anos pra sempre. (A.A. Milne)
objetivo central da educação infantil é favorecer
O o desenvolvimento físico, motor, emocional,
cognitivo e social de todas as crianças – ouvin-
tes ou surdas. As experiências e os conhecimentos são
promovidos e ampliados, por meio de jogos e brinca-
deiras, bem como do convívio com outras crianças e
outros adultos, fora do ambiente doméstico.
A socialização, que se inicia antes dos 3 anos, vai
se consolidando entre os 4 e os 6 anos de idade. A
criança escolhe com quem quer brincar e conversar,
de quem quer ser amiga.
A educação da criança surda em fase de socializa-
ção precisa se adequar a suas características pesso-
ais. A observação de suas respostas aos primeiros
atendimentos escolares e clínicos (estimulação audi-
tiva, socialização etc.), serve para indicar o caminho
a seguir: optar pelo ensino especializado (escola e
classe especial), ou pelo ensino comum.
Cada criança deve receber atendimento de acordo com
sua realidade e suas condições, para vivenciar e ex-
plorar ao máximo suas potencialidades.
Algumas crianças surdas têm possibilidade de
adquirir e desenvolver a linguagem oral, utilizando a
fala para se comunicar. Outras, por características pes-
14. 26 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 27
soais e também em decorrência do ambiente familiar leitura da escrita, enfim, tudo aquilo que sirva de meio
em que cresceram, apresentam linguagem oral míni- para ajudar a desenvolver o vocabulário, linguagem e
ma, que deve ser complementada com outras formas conceito de idéias entre o indivíduo surdo e o outro”.
de comunicação (escrita e por sinais). (Marta Ciccone, in Corrêa, p. 22)
A criança também pode desenvolver a leitura oro- Bilingüismo: essa abordagem pretende que ambas as
facial, isto é a leitura labial e a fisionômica, capaci- línguas – os sinais (LSB, a Língua de Sinais Brasileira)
dade de ler os lábios e a expressão facial de quem fala. e a oral (português) – sejam ensinadas e usadas sem
Mesmo quando usam um aparelho auditivo adequa- que uma interfira/prejudique a outra. Elas se desti-
do, os deficientes auditivos em geral fazem também a nariam a situações diferentes.
leitura labial, para compreender melhor a fala do
outro. A leitura labial é uma capacidade inata em to- A comunicação com a criança surda
das as pessoas, mas apenas aquelas que têm perda
auditiva desenvolvem tal habilidade. Muitas vezes os pais, professores e outros adultos
tomam atitudes inadequadas em relação a crianças
Métodos de treinamento com perda auditiva, ignorando suas reais limitações.
Por exemplo:
Há vários métodos para o desenvolvimento da lingua- • Com freqüência tratam a pessoa com deficiência
gem de deficientes auditivos empregados no Brasil: auditiva como se ela fosse incapaz de compreen-
Método oral unissensorial: usa apenas a pista auditi- der. Falam de maneira pouco natural, apenas com
va. Por meio do aparelho auditivo, integra a audição gestos; se usam palavras, falam ‘como índio’, sem
à personalidade da criança com perda auditiva; não artigos ou frases completas, utilizando apenas
enfatiza a leitura labial, nem utiliza a língua de sinais. palavras soltas, como se o outro fosse incapaz de
Exemplos: método Pollack e método Perdoncini. entender as formulações completas.
• Não conseguem agir com naturalidade. Não infor-
Método oral multissensorial: usa todos os sentidos:
mam, por exemplo, o que está acontecendo: a mãe
audição com apoio de aparelhos auditivos, visão com
sai sem dizer onde está indo, como se a criança
apoio da leitura labial, tato etc.; também não utiliza a
não pudesse participar da vida em comum.
língua de sinais. Exemplos: método áudio + visual de
• Ao conversar, viram o rosto para outro interlocutor,
linguagem.
de modo que a criança não perceba o que está
Método de comunicação total: “É uma filosofia, não sendo falado. Além de ser uma falta de respeito,
simplesmente um outro método, cuja premissa básica é diminui a auto-estima da criança.
utilizar tudo o que seja necessário para o indivíduo com • Alguns pais enfatizam a deficiência auditiva, es-
deficiência auditiva como meio de comunicação: quecendo que a criança tem um potencial a de-
oralização, prótese auditiva, gestos naturais, linguagem senvolver. Já outros cobram excessivamente dos
de sinais, expressão facial, alfabeto digital, leitura labial, filhos, achando que devem compensar a defi-
15. 28 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 29
ciência com atitudes perfeccionistas. Ambos os teúdo que queremos transmitir a ela. Toda situação é
extremos são prejudiciais. boa para falarmos de assuntos variados, de coisas que
podem acontecer ou aconteceram.
O desenvolvimento da linguagem Por exemplo: quando a criança come, se lava, se
veste, ou passeia pela rua se oferecem ótimas oca-
A escola, comum ou especializada, deve preparar a
siões para falar com ela a respeito das coisas que está
criança surda para a vida em sociedade, oferecendo-
vendo, de como as pessoas estão agindo, das sensa-
lhe condições de aprender um código de comunica-
ções dela e das nossas.
ção que permita seu ingresso na realidade sociocul-
tural, com efetiva participação na sociedade.
O trabalho de linguagem, tanto em língua portu- É indispensável interagir com a criança surda a cada
guesa (oral) quanto na Língua de Sinais Brasileira momento, utilizando perguntas e respostas que vão
(LSB), é desenvolvido de forma a dar à criança surda se tornando conhecidas e que ela vai aprendendo.
um instrumento lingüístico que a torne capaz de se
comunicar. A partir dessas situações espontâneas de relacio-
Os principais recursos utilizados nesse trabalho são namento, o professor e os pais podem realizar ativi-
atividades de imitação, jogos, desenhos, dramatizações, dades e brincadeiras que estimulem a interação com
brincadeiras de faz-de-conta, histórias infantis etc. Tais a criança, mantendo sua atenção e ajudando-a a se
atividades possibilitam, ao mesmo tempo, a aquisição expressar a partir de gestos, sinais, atitudes corporais
de linguagem e a aprendizagem de conceitos e regras e linguagem oral.
de um código de comunicação, aspectos importantíssi- Pela repetição das palavras e pela vivência no dia-
mos para o processo de integração escolar. a-dia, as crianças aprendem a compreender uma lín-
A criança surda adquire sua linguagem ao relacio- gua e a usá-la. Isso vale tanto para as crianças ouvin-
nar a experiência que está vivendo com a verbalização tes quanto para aquelas com perda auditiva. No en-
e/ou os sinais que ela observa em outra pessoa (co- tanto, as que têm perda auditiva precisam de mais
legas, pais, professores etc.), bem como ao relacionar estímulos, de mais repetições e de mais vivências. A
o que está sendo falado pelo outro com suas próprias partir do momento em que a criança surda percebe
experiências e também ao comunicar seus pensamen- que cada coisa ou pessoa tem um nome, seu progres-
tos e experiências de forma oral, escrita ou com sinais. so se torna mais rápido.
Para Piaget, a linguagem é um sistema para repre- O jogo, o brincar de faz-de-conta e o relato de his-
sentar a realidade. É ela que torna possível a comu- tórias infantis são experiências que permitem ampliar
nicação entre os indivíduos, a transmissão de infor- seu âmbito de informações e ajudá-la a buscar, a pe-
mações e a troca de experiências. dir, a fazer perguntas, enriquecendo cada vez mais sua
A situação comunicativa em um contexto espon- comunicação.
tâneo ajuda a criança a compreender melhor o con- Qualquer situação corriqueira, em particular quan-
16. 30 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 31
do vinculada às idéias e aos interesses da criança meta. É fundamental conversar com os pais a respei-
surda, pode ser útil para estimular e desenvolver seu to desses objetivos e adequar o programa, de manei-
processo de comunicação. Por exemplo: se ela gosta ra a permitir que a família colabore, aproveitando os
de carros, de motos, ou de bonecas, seu brinquedo contextos naturais e cotidianos para estimular a lin-
predileto pode servir de motivação para a aprendiza- guagem do filho.
gem. Ela irá se interessar por saber seus nomes, re- A intervenção do professor no campo da comuni-
produzir o ruído que fazem, sentir as vibrações dos cação e da linguagem com a criança surda pequena não
veículos que passam pela rua, observar as cores das pode partir de programas rígidos quanto ao conteúdo
diferentes motos, ou reproduzir com suas bonecas o – como por exemplo listas preestabelecidas de pala-
cuidado materno, dando nome aos sentimentos – ‘eu vras. Sempre devemos ter presente o interesse de cada
gosto’, ‘eu choro’, ‘eu estou triste’, ‘eu estou alegre’ etc. criança, ‘conversando’ com ela sobre o que vivenciou
A compreensão e a realização de uma tarefa exi- em casa, com os colegas ou com outros adultos.
gem da criança surda um grande esforço de atenção. Precisamos abordar o desenvolvimento da lingua-
Por isso, é compreensível que ela não goste de fazer gem de uma criança surda em toda sua variedade e
exercícios de articulação durante muito tempo. O ide- em todas suas possibilidades, dando um papel signi-
al é apresentar esses exercícios disfarçados, na forma ficativo às funções comunicativas que ela realiza com
de jogos e brincadeiras. suas próprias expressões e ao vínculo comunicativo
É conveniente aproveitar situações lúdicas para que ela estabelece com o outro (adulto ou criança).
favorecer a aquisição lingüística. Mas não se pode Para a criança, não é importante apenas ‘falar algo’,
esquecer que essa estimulação não tem por objetivo mas ser capaz de utilizar a linguagem para transmitir
criar um ouvinte falante, suprimindo ou ignorando as diferentes intenções, como pedir, afirmar, perguntar etc.
características peculiares da criança surda. Devemos ainda evitar transmitir apenas o nome
dos objetos, procurando sempre mencionar outros
Levar em conta as potencialidades e limitações da aspectos importantes que suscitem a curiosidade da
criança surda permite que ela manifeste sua espon- criança, levando-a a perguntar (por quê? para quê? o
taneidade e suas diferenças. Diferenças que não a tor- que é?) e a expressar seus sentimentos (eu quero, eu
nam um ser inferior ou menos capaz, mas apenas di- não quero, eu gosto). Isso permitirá estabelecer uma
ferente – como todo ser humano. comunicação mais completa, natural e próxima à da
criança ouvinte, sem se limitar à mera nomeação ver-
bal de objetos.
O papel do professor É importante utilizar os mais variados recursos de
comunicação: além da linguagem oral, recorrer sem
O trabalho do professor deve estar marcado pelos
restrições aos gestos, às expressões faciais e corporais
objetivos que ele pretende alcançar na área da lingua-
e a um sistema estruturado de sinais.
gem e por um programa concreto para cumprir essa
17. Programa 4 33
ATENDIMENTO ESCOLAR:
UM PROCESSO INTEGRADOR
Deixe uma criança comigo até os 7 anos, e então qualquer
pessoa poderá cuidar dela. (Inácio de Loyola)
artindo do princípio de que a educação é um
P direito de todos, o atendimento educacional às
pessoas com necessidades especiais, em am-
biente escolar comum ou em grupos especializados,
está assegurado na Constituição Brasileira.
Ações como a proposta no capítulo V – “A educa-
ção especial” – da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB 9.394/96), vêm demonstrando a
abertura do processo de atendimento educacional e
a garantia de introduzir nele inovações, objetivando
assegurar maiores possibilidades de integração do
portador de deficiência à sociedade.
Nessa nova visão, a inclusão social passa a ser vista
como um processo de adaptação da sociedade, que in-
clui as pessoas com necessidades especiais em todos os
ambientes sociais. Isso torna possível que, ao mesmo
tempo, essas pessoas se preparem para assumir seu lu-
gar na sociedade, e para desempenhar os papéis ade-
quados a cada situação (Ver Sassaki, 1997, p. 41).
A inclusão da criança com surdez na escola regular
requer uma boa preparação tanto do aluno quanto da
escola, para que ambos se sintam capacitados a par-
ticipar dessa integração.
Para pedagogos como Frazão de Sousa (1999, pp.
65-68), a inclusão no ambiente escolar consiste em:
18. 34 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 35
• possibilitar à criança um desenvolvimento den- todo seu potencial de comunicação.
tro de seus limites pessoais, e não de padrões Antigamente, a criança surda freqüentava a esco-
impostos socialmente; la comum e se convertia em uma ‘grande copiadora’;
• acreditar que a criança portadora de necessida- mas essa atitude não pode servir de exemplo para as
des especiais é capaz de uma aprendizagem rica novas vivências.
e construtiva.
As crianças portadoras de necessidades educacionais
Integração à escola
especiais, que outrora iam para escolas especializadas, Na proposta atual, mais inclusiva, a criança com sur-
têm atualmente direito de ser matriculadas em qual- dez participa do sistema educacional, não está fora
quer escola da rede regular. Essa mudança gerou um dele. É esperado que ela, bem como os professores e
intercâmbio de experiências, de profissionais e de toda a escola, conte com dispositivos que auxiliem seu
material, provocando a aproximação dos dois sistemas pleno desenvolvimento escolar, sem sacrifícios.
educacionais: o especial e o regular. No entanto, a inclusão na escola comum deve
A integração, verbalizada como a melhor prática constituir um processo gradativo, que respeite as di-
no processo de educação de crianças portadoras de ferentes necessidades e interesses de cada criança.
necessidades especiais, implica reciprocidade. Mas o Antes de tudo, é necessário verificar se ela está pre-
processo pedagógico baseado na integração deve ser parada para freqüentar uma classe comum, na qual as
gradual e dinâmico, adequado às necessidades de diferenças (principalmente as que se referem à lingua-
cada indivíduo. gem) serão evidenciadas pela comparação com os
Na verdade, a integração efetiva implica uma colegas ouvintes.
mudança total de atitude. Implica desmistificar a
questão do convívio e da educação da criança porta- A integração da criança com surdez em classe comum
dora de necessidades especiais e, para isso, é da má- da escola regular terá mais chances de sucesso se for
xima importância o papel dos profissionais e espe- gradativa e resultar de um estudo de cada caso, indi-
cialistas. vidualmente.
Quando o professor recebe em sua classe (de ou-
vintes) um aluno surdo, é freqüente que sua primeira A família precisa fornecer aos professores os da-
reação seja pensar: Como vou falar com esse aluno? dos necessários para que eles entendam melhor tudo
Não sou especialista! Como posso assisti-lo? que a falta de audição pode acarretar e possam pre-
Não se pode ‘jogar’ a criança surda em uma esco- ver o tipo de reação da criança no ambiente escolar.
la ou em uma classe comum, alegando a necessidade Esses dados incluem parecer médico, resultados das
de ‘inseri-la’ na escola regular; isso corresponderia a avaliações audiológicas periódicas, informações da
ignorar sua necessidade de ter um atendimento cui- fonoaudióloga etc.
dadoso, capaz de possibilitar o desenvolvimento de Como condição para participar de uma classe co-
19. 36 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 37
mum, o aluno surdo precisa ter adquirido um nível programático escolar e adquirir conhecimento do mun-
de linguagem (incluindo um bom vocabulário) sufi- do e de si mesmo (social/escolar/psíquico).
ciente para permitir um diálogo, mesmo que simples,
com professores e colegas, além de certo domínio de O que caracteriza o aluno (surdo ou não) é sua capa-
leitura e escrita. Só assim ele poderá expressar seus cidade de aprendizagem, e não a deficiência que
pensamentos e sentimentos, e conseguir compreen- apresenta. Existe um sujeito com potencial, no qual
der e aplicar os conceitos utilizados nas diferentes se deve investir.
disciplinas.
A escola comum, por sua vez, também precisa dis- Conforme expõe Marques (1999, p. 38) , o obstá-
por de recursos que tornem viável o processo de in- culo sensorial cria situações comunicativas específi-
clusão, como por exemplo: cas para o surdo, sem impedi-lo de adquirir uma lin-
• assessoria em relação à língua de sinais, se a guagem e desenvolver sua capacidade de representa-
criança tiver linguagem oral restrita, e às estra- ção. Os mecanismos mentais envolvidos nesse proces-
tégias adequadas para propiciar o diálogo, na so também não são os mesmos da pessoa ouvinte; por
linguagem oral e/ou escrita. isso, tornam-se responsáveis pela construção de es-
• material concreto e visual que sirva de apoio quemas de pensamento e de estratégias intelectuais
para garantir a assimilação de conceitos novos. que dependem da natureza do desenvolvimento
linguístico-cognitivo de cada um.
• contato com professores que tenham vivenciado
situações semelhantes. Tanto no ensino comum quanto no especializado
o aluno precisa se sentir envolvido no processo de
• orientação de professores de educação espe-
aprendizagem, participar de fato e ser capaz de fazer
cial – itinerantes ou de salas de recursos. Po-
escolhas com responsabilidade, programando-se para
dem ser feitas reuniões para trocar experiên-
cias, discutir diferentes enfoques do conteúdo o futuro.
e esclarecer dúvidas a respeito dos planos de O conteúdo curricular a ser desenvolvido pelo
atuação e de avaliação. professor de escola comum é exatamente o mesmo
trabalhado com os alunos ouvintes, com base nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). E o mes-
O processo de aprendizagem
mo ocorre com a metodologia de ensino.
Em todos os níveis escolares (infantil, fundamental, O uso de materiais variados (jornais, revistas, pro-
médio e superior), e principalmente quando o aluno pagandas, noticiários de TV, computadores etc.) con-
apresenta perda auditiva severa ou profunda, é neces- tribui para motivar os alunos, mantê-los atualizados
sário levar em conta, tanto para o atendimento escolar em relação aos acontecimentos do mundo e dar-lhes
comum quanto para o especializado, que existe um su- uma visão ampla dos conhecimentos.
jeito que precisa se desenvolver, aprender o conteúdo Todos os alunos serão beneficiados se o profes-
20. 38 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 39
sor proporcionar atividades a partir de centros de tos humanos e sociais. A construção da subjetividade
interesse, integrando diferentes disciplinas. ocorre no contato com uma pluralidade de existênci-
Uma sugestão interessante de um trabalho desse as. Portanto, a proposta de integração não permite
tipo consiste em planejar um estudo do bairro. Os apenas o acesso democrático; a ‘troca’ de experiências
professores de Matemática e de Estudos sociais po- promove desafios que interferem tanto no comporta-
dem discutir e trabalhar juntos, organizando várias mento acadêmico quanto no social.
atividades relacionadas com o assunto, como: locali- O envolvimento da família é fundamental para a
zar bairros diferentes (em relação à escola ou à resi- integração do aluno surdo na escola ou na classe comum.
dência), calcular distâncias, enumerar locais comer- Participando do processo escolar, os pais acompanham
ciais, hospitais, fábricas etc. Trata-se de uma ativida- o desenvolvimento de seu filho e colaboram para que ele
de que pode ser desenvolvida satisfatoriamente tan- se entrose e se sinta valorizado pessoalmente.
to pelos alunos surdos quanto pelos ouvintes. À medida que se integra, a criança se torna mais
O principal papel do professor consiste em pro- participativa e consegue cursar o ensino fundamen-
mover a compreensão das informações para todos os tal sem que ocorra muita defasagem em relação aos
alunos. As propostas dos Parâmetros curriculares na- alunos ouvintes.
cionais e o próprio conteúdo curricular favorecem a Ao primeiro indício de descompasso da criança surda
integração, pois se baseiam na interação dos alunos em relação à média da classe, o professor deve buscar for-
entre si ao longo das atividades – no grupo, na clas- mas de atenuar as dificuldades (indicar a procura de refor-
se, na escola e na comunidade. ço escolar, orientação da psicóloga ou da coordenação).
Faz parte do processo educacional aprender a respei- A avaliação contínua permite ponderar se é o caso de
tar as diferenças e a exercer atividades solidárias. manter a criança na escola comum, ou se seria me-
lhor que ela freqüentasse um ensino especializado.
O processo de integração
Se não existir entrosamento da família e da crian-
Integrar pressupõe o encontro de diversidades, quer ça surda com a escola e com o professor do ensino
sejam pessoas, idéias, ou culturas. Ora, para que o regular, o risco de fracasso é grande, principalmente
diferente seja identificado como tal, é preciso que haja para o surdo. As conquistas serão lentas e os resulta-
um padrão considerado ‘normal’. Que padrão é esse? dos exigirão muito sacrifício (para ambos os lados).
Para a pedagoga Frazão de Sousa (1999, p. 69), No final, podem ser levantadas questões do tipo: Va-
considera-se como normalidade a capacidade de cada leu a pena? Será que este aluno está aprendendo? O ‘fa-
um, dentro de suas possibilidades, ser produtivo para lar bem’ significa uma aprendizagem efetiva?
a sociedade em que vive, demonstrando talento, ap- Na visão inclusiva, que depende do compromis-
tidão, e inteligência em relação a determinados aspec- so de todos, a criança com perda auditiva deve ser
21. 40 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 41
acolhida dentro de uma proposta globalizadora, que idéias, seus pensamentos e sentimentos. Em termos
valorize a escolaridade, os hábitos e as atitudes pre- educacionais, o profissional deveria enfatizar apenas
paratórios para a vida adulta e que possibilite ao alu- a pista auditiva (abordagem unissensorial), ou recor-
no se tornar responsável pelo próprio processo esco- rer à leitura oro-facial, a gestos, à pista auditiva e à
lar e consciente de seus direitos (que são os mesmos escrita, tendo sempre como apoio a fala (abordagem
dos ouvintes). Também os aspectos cognitivos, emo- multissensorial).
cionais e afetivos devem ser considerados. Na verdade, poucos conseguiam bom desempe-
nho na linguagem oral – em geral, isso era possível
As escolas vêm buscando adotar métodos e técnicas apenas para aqueles que podiam contar com atendi-
que propiciem ao aluno com surdez a aquisição ne- mento especializado de outros profissionais, o que
cessária de conhecimentos e habilidades, bem como não faz parte da realidade da maioria da população
a formação de valores que o identifiquem como pes- brasileira.
soa única e como parte integrante da sociedade. Em função dos resultados obtidos no oralismo e das
pesquisas que reconhecem a língua de sinais como lín-
Não existe uma metodologia única, específica para gua, os sinais começaram a ser adotados na educação
a educação de surdos, mas são necessárias adaptações dos surdos na forma sintática da língua portuguesa, no
curriculares para atender às especifidades da cliente- método denominado Comunicação Total.
la, seja na escola especial ou na regular. Os educado- A Comunicação Total é uma filosofia segundo a qual
res devem considerar, além da metodologia, as neces- os surdos devem ter acesso a todas as modalidades de
sidades específicas dos alunos, com o objetivo de fa- comunicação disponíveis, escolhendo aquela, ou aque-
vorecer sua adaptação e sua integração. las, que atende melhor a suas necessidades:
• fala;
A educação especial
• escrita;
Ao longo do tempo, a educação especial tem adotado • pista auditiva: aproveitamento dos resíduos de
diferentes abordagens para atender às necessidades audição, por meio de aparelhos de amplificação
das pessoas com surdez e instrumentalizá-las para sonora;
atuar socialmente. • leitura oro-facial: leitura dos movimentos dos
No entanto, apesar da posição individual dos pro- lábios e dos músculos do rosto;
fissionais, os pais das crianças surdas devem ser in-
• expressão corporal;
formados e orientados em relação às vantagens e li-
mitações de cada uma das diferentes abordagens, para • sinais: movimentos com as mãos representando
que eles possam participar da decisão. idéias, usados por comunidades de surdos;
Até recentemente, acreditava-se que o surdo de- • alfabeto digital: movimentos com as mãos que
via fazer uso exclusivo da fala para transmitir suas representam as letras de nosso alfabeto.
22. 42 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 43
Os sinais são extraídos da Língua de Sinais Brasilei- guesa, o surdo tem a seu alcance um leque mais am-
ra: o professor, ao ler um texto, se expressa em sinais. plo de recursos lingüísticos, que atendam melhor a
A língua de sinais não segue a mesma organização da suas necessidades.
língua portuguesa, pois não possui a mesma sintaxe,
nem as mesmas regras gramaticais. Por exemplo:
O alfabeto manual
Língua de Sinais aula, ir
Língua Portuguesa (eu) vou à aula
Fonte: Quadros, 1997, p. 74.
A reivindicação dos surdos para ter assegurado o
direito de usar a língua de sinais em sua vida e na
educação fez com que algumas escolas especiais para
surdos propusessem o bilingüismo na educação.
No bilingüismo, a criança surda é exposta à língua
de sinais desde pequena, por uma pessoa que domi-
ne essa forma de comunicação, de preferência um
surdo. A língua portuguesa, em sua forma oral e/ou
escrita, é ensinada como segunda língua.
O impedimento na audição faz com que as pes-
soas surdas tenham maior acesso ao canal visual,
tornando a língua de sinais biologicamente natural
para elas.
A língua de sinais, que sempre existiu, tem passa-
do de geração para geração de pessoas surdas. Ficou
esquecida e desvalorizada por muito tempo, em vista
da valorização da língua oral, que é a falada pela co-
munidade ouvinte majoritária.
Naquela época, a linguagem de sinais não era vis-
ta como língua, mas sim como mímica, sem uma or-
ganização. Essa perspectiva predominou até 1960,
quando os estudos lingüísticos comprovaram que se
trata de uma língua, com regras próprias.
Ao ter acesso à língua de sinais e à língua portu-
23. Programa 5 45
ADOLESCÊNCIA: CONSTRUÇÃO
DA IDENTIDADE PESSOAL
— Eu quero ser EU.
— A vida é minha.
— Quero ter vida própria.
— Confie em mim.
(Falas de um adolescente)
desenvolvimento do ‘eu’ e da identidade pes-
O soal é o tema mais importante na adolescên-
cia, pois se refere tanto ao mundo interno da
pessoa quanto a seu comportamento (no mundo ex-
terno). Esse processo se vincula estreitamente à his-
tória pessoal de cada adolescente.
Nos primeiros anos de vida, até o momento da en-
trada na escola, a família constitui para a criança o
grupo mais importante e quase único de referência.
Na adolescência, as interações sociais se expandem de
maneira extraordinária, para além da referência fami-
liar, nos diferentes grupos aos quais o adolescente
pertence – dança, teatro, escola, igreja ou esportes.
Muitas vezes, o adolescente surdo vive sob os cui-
dados de pais superprotetores, que não acreditam nas
potencialidades do filho e vêem a surdez como uma
doença, imaginando que o surdo é incapaz de se cui-
dar e de pensar. Nesses casos, a liberdade e a auto-
nomia do adolescente são seriamente prejudicadas e
ele sente insegurança para se comunicar e conviver
com pessoas ouvintes.
A precariedade das referências familiares diminui
a capacidade de iniciativa do jovem para buscar no-
vas referências fora de casa, podendo gerar uma ima-
turidade emocional, associada a um enrijecimento
24. 46 Programa 5 Adolescência: construção da identidade pessoal 47
geral da personalidade – que se traduz em padrões ção sexual enfoca diferentes temas: direito à sexuali-
infantis, carentes da elaboração correspondente a sua dade, iniciação, responsabilidade, necessidade de
idade cronológica e física. proteção (em relação a doenças e gravidez), casamen-
Muitos adolescentes com surdez – tal como mui- to etc. A abordagem dos temas tanto é feita de forma
tas pessoas, ouvintes ou não – fazem uma associação específica quanto associada a determinadas discipli-
errônea entre inteligência e boa comunicação oral, ou nas, como as referências biológicas ao conhecimento
seja, à capacidade de falar bem. do próprio corpo dadas em Ciências.
Tal atitude equivocada é prejudicial para o jovem Hoje, a educação sexual é vista com maior natu-
que, diante de sua dificuldade de comunicação oral, ralidade, pois o interesse infantil pelo assunto é re-
começa a se sentir menos competente. conhecido como um aspecto positivo do desenvolvi-
mento sadio, tanto quanto as dúvidas e questões vi-
A baixa estima pode levar à acomodação, ao desâni- vidas pelos adolescentes.
mo e ao conformismo, induzido pelo medo de enfren-
tar situações novas e conflitos. A preparação para o trabalho
É comum os adultos se queixarem de que o adoles-
O próprio surdo com comunicação restrita tende
cente se sente perdido, sem interesses em relação a
às vezes a delegar mais status ao colega que ‘fala bem’
seu futuro profissional; que sua auto-imagem é defor-
(produz fala mais compreensível) e a elegê-lo como
mada e confusa; que ele apela para soluções pouco
representante e porta-voz de seus interesses.
refletidas, ou influenciadas por amigos e familiares;
A orientação sexual que dá prioridade ao retorno financeiro e deixa de
lado valores como ‘gostar’ e ‘poder’.
Tema sempre presente na adolescência, a orientação Para contornar essas dificuldades se torna ne-
sexual busca hoje tratar o assunto de um ponto de cessário, ao longo do ensino fundamental e médio,
vista cultural, com base na aceitação de diferentes um processo de orientação educacional que colo-
valores, e não mais como um modelo padronizado de que à disposição do adolescente, surdo ou não, re-
comportamento. Apesar de ser abordado com maior cursos para combater o desconhecimento de si pró-
liberdade, o assunto ainda provoca conflitos entre as prio, a incapacidade para identificar o que ele pre-
gerações. fere e o que são escolhas dos outros. O adolescente
Algumas escolas, com o apoio dos familiares, cos- precisa aprender a compatibilizar suas aspirações
tumam convidar médicos e especialistas para ofere- pessoais com as oportunidades sociais e as condi-
cer palestras aos alunos adolescentes, buscando am- ções familiares.
pliar o nível de informações disponíveis e sanar mui- O adolescente portador de surdez sofre também
tas dúvidas. as conseqüências de outras circunstâncias: poucas
Tratando o assunto com naturalidade, a orienta- oportunidades de cursos profissionalizantes, desin-
25. 48 Programa 5 Adolescência: construção da identidade pessoal 49
formação generalizada sobre as exigências e as opções mitações e potencialidades e ao reconhecimento das
do mercado de trabalho, pouca visualização das pos- condições reais do mercado de trabalho.
sibilidades profissionais em campos de trabalho não
muito conhecidos e ainda restritos. Um processo de orientação profissional efetivo per-
O ideal é que o jovem possa ser ativo em suas mitirá que o adolescente surdo encontre elementos
escolhas, baseando-se na auto-análise, na compreen- para vir a competir profissionalmente com trabalha-
são pessoal, no reconhecimento das vantagens e das dores ouvintes, em condições semelhantes.
exigências de cada ocupação e de seu interesse por
ela. É preciso, ainda, que identifique os requisitos A questão da capacitação profissional é outro as-
profissionais e analise as próprias características pes- pecto importante a ser analisado na educação do ado-
soais, para que possa escolher o que fará e venha a lescente com surdez. Embora muitos tenham acesso
ser feliz com sua decisão. a cursos profissionalizantes, com freqüência tendem
Para que o surdo possa ampliar seu conhecimen- a se concentrar na área de informática. É compreen-
to sobre o mundo do trabalho, que a cada dia se tor- sível, já que, cada vez mais, as tarefas do dia-a-dia
na mais competitivo, é imprescindível que ele, como dependem da informatização.
qualquer outro adolescente, vivencie diferentes re- No entanto, o mercado de trabalho está em cons-
alidades do universo ocupacional, por meio de vi- tante transformação e é preciso tomar consciência
sitas a empresas, observação e entrevista com pro- dessas mudanças, antes de qualquer decisão. Por
fissionais no próprio ambiente de trabalho e está- exemplo: nos anos 70, o surdo foi apontado como um
gios visando a sondagem de habilidades e interes- ótimo profissional para operar máquinas de perfurar,
ses profissionais. dado o intenso ruído advindo dessa operação, preju-
dicial para as pessoas ouvintes.
O processo escolar deve propiciar ao adolescente, Mais recentemente, ele foi considerado um
surdo ou não, oportunidades de discutir as diferen- digitador muito produtivo, por sua maior capacidade
tes situações conflitantes, procurando amadurecê-lo de concentração. Mas, qual será seu futuro se essas
para superá-las ou, pelo menos, atenuá-las. funções desaparecerem, tal como já vem acontecendo?
Será que o surdo poderá competir no mercado de
trabalho de igual para igual, uma vez que suas opor-
É fundamental que a escola crie condições para
tunidades dependem da lacuna deixada pelos traba-
ampliar as possibilidades dos jovens para que eles
lhadores ouvintes?
planejem sua carreira profissional durante o proces-
so de ensino fundamental e médio.
A opção escolar
O plano de vida de cada aluno se enriquecerá ao
ser compartilhado com seus colegas de classe, ajudan- Cursar uma escola especializada, ou encaminhar-se
do a conduzi-lo à identificação de suas aspirações, li- para uma de ensino regular? Esta é uma das escolhas