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Conhecendo Chico ―Atrás da Porta‖
Chico




       Conviveu com grandes escritores, compositores:
        Vinícius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto,
        Manoel Bandeira, entre muitos outros;
       Artista consagrado nos Anos de Chumbo (após o
        Golpe Militar de 1964);
       Consciente da responsabilidade social (―Mas eu
        continuo achando que é melhor ser censurado do que
        omisso‖ BUARQUE, Chico. Revista 365,            1976.
        Disponível no site;
       Primeira peça teatral: Roda Viva;
       Optou , após a repressão sobre a peça de teatro Roda
        Viva, auto-exílio na Itália;

       Julinho da Adelaide
   Ranking    dos    músicos          do        século:

   1º     Chico      Buarque     -     76,48%
    Autor de "A banda" e "Apesar de você" um
    dos poetas mais exuberantes da MPB.
   2º Tom Jobim - 73,78% - Compositor
    popular     brasileiro  mais     conhecido
    internacionalmente.
   3º Vinícius De Moraes - 59,76% - Poeta que
    deu qualidade à música popular
                        O músico do século. Istoé - 28/02/99
   ―A poesia de Chico Buarque é a tentativa de
    encontrar um sentido para o homem num
    mundo desfigurado pela técnica, projetando-se
    como      uma     interrogação,    O     espaço
    externo, entendido não como uma dimensão
    limitada do real, mas todo o contexto humano-
    existencial do século XX como totalidade do
    real, atravessado pela angústia e incerteza da
    humanidade, carece de sentido.‖
CHARTIER, Roger ., op. Cit., p. 52-53

―a obra só adquire sentido através das
estratégias de interpretação que constroem
suas significações. A do autor é uma dentre
outras, que não encerra em si a
―verdade‖, suposta única e permanente da
obra. Através disso, pode ser restituído um
justo lugar ao criador, cuja intenção (clara
ou inconsciente) não contém mais toda a
compreensão possível de sua criação, mas
cuja relação com a obra não é, no
entanto, eliminada.‖
   Mario Prata;
   Autores Independentes;
   Literatura Contemporânea, não possui
    um estilo;
   Caracois (Roberto Carlos)
   As entrelinhas
Tem dias que a gente se sente      A roda da saia, a mulata
Como quem partiu ou morreu         Não quer mais rodar, não senhor
A gente estancou de repente        Não posso fazer serenata
Ou foi o mundo então que cresceu   A roda de samba acabou
A gente quer ter voz ativa         A gente toma a iniciativa
No nosso destino mandar            Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva      Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá         E carrega a viola pra lá
Roda mundo, roda-gigante           Roda mundo (etc.)
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante         O samba, a viola, a roseira
Nas voltas do meu coração          Um dia a fogueira queimou
                                   Foi tudo ilusão passageira
A gente vai contra a corrente      Que a brisa primeira levou
Até não poder resistir             No peito a saudade cativa
Na volta do barco é que sente      Faz força pro tempo parar
O quanto deixou de cumprir         Mas eis que chega a roda-viva
Faz tempo que a gente cultiva      E carrega a saudade pra lá
A mais linda roseira que há        Roda mundo (etc.)
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)
   Composta em 1967 é um protesto contra a
    falta de liberdade de expressão;
   A gente tem que ter voz ativa (a roda viva -
    ditadura/exercito - que matava a voz das
    pessoas);
   Nosso destino mandar/Mas eis que chega
    roda viva/E carrega o destino pra lá... (destino
    carregado pela roda viva, as pessoas não
    podiam escolher o destino);
   A gente toma iniciativa/Viola na rua a
    cantar/Mais eis que chega a roda viva/E
    carrega a viola pra lá... (a roda viva -
    ditadura/exercito protesto contra o
    militarismo   –   pessoas     presas   e
    torturadas);

   Faz tempo que a gente cultiva/
    A mais linda roseira que há/
    Mas eis que chega a roda viva/
    E carrega a roseira prá lá... (rosa como
    símbolo do socialismo);
   O     samba,     a    viola,  a    roseira
    Que um dia a fogueira queimou
    Foi       tudo      ilusão     passageira
    Que a brisa primeira levou... (samba,
    viola é o fim da liberdade de expressão e,
    roseira/rosa = socialismo é a ilusão
    queimada pela ditadura);

            OLIVEIRA, Walklenguer H. de. Disponível no site
         http//analisedeletras.com.br/chico-buarque/roda-viva/
   Sentimento de impasse:construção de
    uma vida com a responsabilidade do
    cotidiano, a rotina circular e repetitiva,
   Roda vida como onipresente (forma de
    sentir a vida);
   Primeiros versos transmitem impotência
    (partiu, morrei, estocou) a alienação da
    pessoa com o mundo, o mundo cresce e
    você não, a roda viva o impede;
   A repetição da estrofe ao fim de cada
    verso dá a ideia de rotação (roda-
    gigante, moinho e peão);
   As roseiras cultivadas por nós é levada
    pela roda-viva antes que floresça, tirando a
    capacidade de viver);

   Os versos representam a fraqueza do
    protesto, a liberdade é oprimida;

   O ultimo verso dito por várias pessoas
    representa o que todos pensam sobre a
    supressão ―Pare o mundo que eu quero
    descer‖
   Os cantores revolucionários foram
    proibidos de cantar (os cantores do
    Tropicalismo) surgindo assim a criação
    do POP, a imagem e produto de novos
    ídolos;
   A indústria constrói um sistema musical
    que atinja a massa, padronizando as
    diferenças;
   Foram oferecidas atrações para distrair o
    povo do que estava acontecendo no Brasil
    (ditadura), abrindo espaço ao Fino da Bossa
    com Elis Regina e Jovem Guarda
    comandado por Roberto Carlos e sua turma
    do iê-iê-iê do Zé-do-Mato, (copiando as
    guitarras estrangeiras);

   Roda-Viva descreve o tortuoso caminho de
    um recente ídolo (que não sabe cantar)
    dentro dessa máquina poderosa em que se
    transformou o mercado de consumo;
    (JÚNIOR, Egon Hamann Seidler. Acadêmico do Curso de Artes
    Cônicas – Centro de Artes – UNDESC. Artigo Científico: A encenação
    no Brasil entre os anos 1967 e 1974 – O tropicalismo no teatro.
   A peça Roda-viva nada tinha de político.
    Refletia tão somente o am-biente em que
    Chico vivia e com o qual estava
    assustado: o show business. Ele descreve
    a trajetória do cantor popular Benedito
    Silva, engolido pelo esquema da
    televisão. Num primeiro momento o
    Anjo, seu empresário, o transforma em
    Ben Silver, depois em Benedito
    Lampião, para, finalmente, quando não
    mais     atende   aos    interesses   da
    máquina, induzi-lo à morte.
                         HOMEM, Wagner. Histórias de Canções              -
                         Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 55, 56, 57)
Construção
Construção
Amou daquela vez como se    Sentou pra descansar como
fosse a última              se fosse sábado
Beijou sua mulher como se   Comeu feijão com arroz como
fosse a última              se fosse um príncipe
E cada filho seu como se    Bebeu e soluçou como se
fosse o único               fosse um náufrago
E atravessou a rua com      Dançou e gargalhou como se
seu passo tímido            ouvisse música
Subiu a construção como     E tropeçou no céu como se
se fosse máquina            fosse um bêbado
Ergueu no patamar quatro    E flutuou no ar como se fosse
paredes sólidas             um pássaro
Tijolo com tijolo num       E se acabou no chão feito um
desenho mágico              pacote flácido
Seus olhos embotados de     Agonizou no meio do passeio
cimento e lágrima           público
                            Morreu na contramão
                            atrapalhando o tráfego
Construção
Amou daquela vez como se    Comeu feijão com arroz como
fosse o último              se fosse o máximo
Beijou sua mulher como se   Bebeu e soluçou como se
fosse a única               fosse máquina
E cada filho seu como se    Dançou e gargalhou como se
fosse o pródigo             fosse o próximo
E atravessou a rua com      E tropeçou no céu como se
seu passo bêbado            ouvisse música
Subiu a construção como     E flutuou no ar como se fosse
se fosse sólido             sábado
Ergueu no patamar quatro    E se acabou no chão feito um
paredes mágicas             pacote tímido
Tijolo com tijolo num       Agonizou no meio do passeio
desenho lógico              náufrago
Seus olhos embotados de     Morreu na contramão
cimento e tráfego           atrapalhando o público
Sentou pra descansar
como se fosse um príncipe
Construção
Amou daquela vez como se        Por me deixar respirar, por me
fosse máquina                   deixar existir,
Beijou sua mulher como se       Deus lhe pague
fosse lógico                    Pela cachaça de graça que a
Ergueu no patamar quatro        gente tem que engolir
paredes flácidas                Pela fumaça e a desgraça, que
Sentou pra descansar como se    a gente tem que tossir
fosse um pássaro                Pelos andaimes pingentes
E flutuou no ar como se fosse   que a gente tem que cair,
um príncipe                     Deus lhe pague
E se acabou no chão feito um    Pela mulher carpideira pra
pacote bêbado                   nos louvar e cuspir
Morreu na contra-mão            E pelas moscas bicheiras a
atrapalhando o sábado           nos beijar e cobrir
Por esse pão pra comer, por     E pela paz derradeira que
esse chão prá dormir            enfim vai nos redimir,
A certidão pra nascer e a       Deus lhe pague
concessão pra sorrir
   “Amou daquela vez como se fosse a última /Beijou
    sua mulher como se fosse a última/E cada filho seu
    como se fosse o único /E atravessou a rua com seu
    passo tímido ”. O sujeito da canção é um
    homem, pai de família, ainda sugere que é de
    baixa condição social, devido ao andar
    tímido, e também pelo número de filhos.
   ―Subiu a construção como se fosse máquina‖.
    O desempenho no emprego é comparado
    a uma máquina, o que nos revela que o
    homem trabalha sem questionar o que
    faz. Pelo fato da letra ter sido escrita na
    época da ditadura, nos remete a pensar
    que Ele, ou faz aquilo que mandam ou é
    punido.

   ―Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
    /Tijolo com tijolo num desenho mágico.”
    Comprova o emprego do Homem na
    construção civil.
   O sentimentalismo se faz presente em “
    Seus olhos embotados de cimento e lágrima“
    ou seja nos olhos do trabalhador , reflete
    o sofrimento dessa condição social.

   ―Sentou pra descansar como se fosse sábado/
    Comeu feijão com arroz como se fosse um
    príncipe ‖. Retrata a necessidade de
    descansar e o fato de comer arroz e feijão
    é a rotina que não pode escapar.
   ―Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
    /Dançou e gargalhou como se ouvisse música .‖
    O alcoolismo que é comum nas classes
    inferiores que ajuda manter a força
    muscular       dos     trabalhadores       de
    construção. A alegria barata da bebida
    proporcionou a queda ―E tropeçou no céu
    como se fosse um bêbado /E lutou no ar como se
    fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um
    pacote flácido ―, tropeçar no prédio alto é
    como tropeçar no céu.
    ―Agonizou no meio do passeio público
    /Morreu na contramão atrapalhando o
    tráfego‖, os últimos momentos do
    homem que foi indiferente, a única
    preocupação      do    povo     era  que
    atrapalhava o tráfego. A contradição
    existente é que dentro de casa o homem é
    o líder, mas na rua é um sujeito
    qualquer, um parafuso da engrenagem
    capitalista.
   A ultima estrofe é de um modo mais
    acelerado, com sons vindo de todos os
    lados, ilustra a vida sem rumo daquele
    trabalhador, como outros trabalhadores
    por aí, invisíveis à sociedade.


                SENKEVICS, Adriano. Disponível no site
     http//analisedeletras.com.br/chicoBuarque/Construção/
   A música difere três antagonismo da
    sociedade brasileira: a diferença social, a
    vida profissional, familiar e a visão social
    sobre eles;
   A primeira estrofe retrata o pobre
    trabalhador: ―Beijou sua mulher como se
    fosse a última ―, ―Sentou pra descansar
    como se fosse sábado ― qualquer
    descanso como se fosse sábado, ―Comeu
    feijão com arroz como se fosse um
    príncipe‖ qualquer feijão com arroz é
    banquete      porque     é   trabalhoso
    conseguir,    e por fim, ―Morreu na
    contramão atrapalhando o tráfego‖
    pessoa ignorada pelo povo.
   A segunda a classe média (talvez um
    engenheiro): ―Beijou sua mulher como se
    fosse a única ―, ―Sentou pra descansar
    como se fosse um príncipe ― na hora em
    que o trabalhador trabalha, ―Comeu
    feijão com arroz como se fosse o
    máximo‖, não é o máximo poderia ir a
    uma churrascaria, por fim, ―Morreu na
    contramão          atrapalhando       o
    público‖, atrapalha o trânsito porque
    ainda não é conhecido.
   A terceira os militares: ―Beijou sua
    mulher como se fosse lógico―, ―Sentou
    pra descansar como se fosse um pássaro
    ―, por fim, ―Morreu na contramão
    atrapalhando o sábado‖ atrapalhando o
    sábado de todo o Brasil, mexendo com a
    mídia, funeral com todas as obrigações
    como se fosse mais importante que o
    trabalhador e o engenheiro...

                      João Paulo, disponível no site
        http//analisedeletras.com.br/chicobuarque/Construção
    /
   A consciência social de Chico Buarque de
    Holanda, em Construção, como em toda a sua
    obra, é evidente. Sabe o poeta que a poesia é
    seu instrumento, o seu veículo de
    denúncia, de crítica, de representação de
    uma realidade desumana e injusta. Pois é
    preciso    que     o   homem      não    seja
    ―máquina‖, nem ―pacote‖. Mas que
    signifique. Mas também que possa exercer
    sua liberdade. Assim deve ser visto pela
    sociedade, assim deve ser
entendido por todos. Chico aponta para
    uma estrutura social que não gostaria que
    existisse para uma coisificação do homem
    que não deve persistir. Em Construção, o
    sujeito é generalizado. O homem é visto, em
    relação a sociedade, de maneira trágica,
    oprimido, marcado pela inutilidade. Ele
    constrói, mas é destruído. Ah!, se ele não
    morresse num sábado...
   Chico atesta a desumanização do homem:
    amou daquela vez como se fosse máquina.
       DANTAS, José Maria de Souza. MPB o canto e a canção. Rio de
       Janeiro. Ed. Ao Livro Técnico S/A. 1988.
   Falando à revista Status, em 1993, Chico
    confessa que inicialmente tudo não
    passava de uma experiência formal, e
    que a idéia de narrar os últimos instantes
    de vida de um operário veio depois da
    música quase pronta.
   O jornalista David Nasser, que sugeriu a
    inclusão de mais uma proparoxítona:
    "Médici", o nome do presidente.
                HOMEM, Wagner. Histórias de Canções -
                Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 97, 98)
   Não passava de experiência formal, jogo de
    tijolos. Não tinha nada haver com o problema
    dos operários – evidente, aliás, sempre que
    você abre janelas. Na hora que eu componho
    não há intenção – só emoção. Em Construção, a
    emoção estava no jogo de palavras (todas
    paroxítonas). Agora, se você colocar um ser
    humano dentro de um jogo de palavras, como
    se fosse... Um tijolo – acaba mexendo com a
    emoção das pessoas.

Entrevista a Judith Patarra, revista Status, 1973.
Geni e o   Zepelin
Geni e o Zepelin
De tudo que é nego torto       Um dia surgiu, brilhante
Do mangue e do cais do porto   Entre as nuvens, flutuante
Ela já foi namorada            Um enorme zepelim
O seu corpo é dos errantes     Pairou sobre os edifícios
Dos cegos, dos retirantes      Abriu dois mil orifícios
É de quem não tem mais nada    Com dois mil canhões assim
Dá-se assim desde menina       A cidade apavorada
Na garagem, na cantina         Se quedou paralisada
Atrás do tanque, no mato       Pronta pra virar geléia
É a rainha dos detentos        Mas do zepelim gigante
Das loucas, dos lazarentos     Desceu o seu comandante
Dos moleques do internato      Dizendo – Mudei de idéia
E também vai amiúde            – Quando vi nesta cidade
Com os velhinhos sem saúde     – Tanto horror e iniqüidade
E as viúvas sem porvir         – Resolvi tudo explodir
Ela é um poço de bondade       – Mas posso evitar o drama
E é por isso que a cidade      – Se aquela formosa dama
Vive sempre a repetir          – Esta noite me servir
Joga pedra na Geni             Essa dama era Geni
Joga pedra na Geni             Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar        Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir            Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um         Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni                   Maldita Geni
Geni e o Zepelin
Mas de fato, logo ela              Foram tantos os pedidos
Tão coitada e tão singela          Tão sinceros, tão sentidos
Cativara o forasteiro              Que ela dominou seu asco
O guerreiro tão vistoso            Nessa noite lancinante
Tão temido e poderoso              Entregou-se a tal amante
Era dela, prisioneiro              Como quem dá-se ao carrasco
Acontece que a donzela             Ele fez tanta sujeira
– e isso era segredo dela          Lambuzou-se a noite inteira
Também tinha seus caprichos        Até ficar saciado
E a deitar com homem tão nobre     E nem bem amanhecia
Tão cheirando a brilho e a cobre   Partiu numa nuvem fria
Preferia amar com os bichos        Com seu zepelim prateado
Ao ouvir tal heresia               Num suspiro aliviado
A cidade em romaria                Ela se virou de lado
Foi beijar a sua mão               E tentou até sorrir
O prefeito de joelhos              Mas logo raiou o dia
O bispo de olhos vermelhos         E a cidade em cantoria
E o banqueiro com um milhão        Não deixou ela dormir
Vai com ele, vai Geni              Joga pedra na Geni
Vai com ele, vai Geni              Joga bosta na Geni
Você pode nos salvar               Ela é feita pra apanhar
Você vai nos redimir               Ela é boa de cuspir
Você dá pra qualquer um            Ela dá pra qualquer um
Bendita Geni                       Maldita Geni
   A história de Bola de Sebo se passa na
    França, no período final da guerra contra a
    Alemanha. O país estava sendo invadido
    pelos prussianos. Na cidade de Ruão, um
    grupo de habitantes resolve partir para o
    porto de Havre. Entre os viajantes havia
    pessoas da nobreza e outros menos
    favorecidos,   entre   eles   uma     gorda
    prostituta, apelidada, adivinhem? Bola de
    Sebo. Com o passar das horas, todos sentiam
    fome, mas apenas Bola de Sebo havia levado
   Gentil, ela compartilha com os outros
    que, desta forma, deixaram de lado o
    preconceito inicial. No caminho foram
    impedidos de sair por um oficial alemão,
    que impôs a condição de dormir com
    Bola de Sebo, para que fossem liberados.
    No início ela recusa, afinal aquele é um
    homem que faz parte do povo que
    invadiu sua pátria e aquilo seria antiético
    para sua profissão, mas com a insistência
    de seus companheiros, ela acaba
    cedendo.
   Acredito que Chico Buarque tenha tido a
    intenção de compartilhar com o seu
    público essa história do significado do
    valor de um indivíduo para as pessoas. É
    como a seguinte situação: A sua utilidade
    (bondade, talento) é valiosa até o
    favorecimento de outros. Depois a sua
    utilidade(serventia) não vale mais.
                              Izabele - Mossoró-RN
   Chico Buarque conta a história de uma
    mulher que é vista como uma prostituta
    e é julgada e humilhada pela sociedade
    que a mesma não ajuda. Trata-se de uma
    mulher simples e com ‗respeito‘ por ser
    donzela e boa, o suficiente, para auxiliar
    as pessoas como os idosos.
   Porém, quando a comunidade necessita
    dela para os salvar, se ajoelham a seus pés
    – O padre, o banqueiro e o prefeito- O
    poder religioso, financeiro e político se
    cegam para enxergar os princípios, ou
    seja, só pensam nos seus interesses
    próprios. O compositor reputa a
    hipocrisia das pessoas e a ingratidão.
    Após Geni salvar a cidade, ela volta ao
    patamar baixo no qual a sociedade a
    colocou e no, no fundo, sempre a
    enxergou.
   Em Geni e o Zepelin ―De tudo que é
    nego torto/Do mangue e do cais do
    porto/Ela já foi namorada” é narrada a
    estória de um homossexual (por ele
    próprio) que salva uma cidade de uma
    possível explosão, ameaçada por um ser
    cósmico que por ali desembarcara. No
    entanto, mesmo tendo proporcionado
    essa salvação à custa de seu sacrifício
    pessoal “Entregou-se a tal amante/Como
    quem        dá-se     ao      carrasco”.
   Geni é repudiado e apedrejado “Joga
    pedra              na             Geni/
    Joga       bosta         na       Geni/
    Ela     é    feita     pra     apanhar/
    Ela      é     boa       de      cuspir/
    Ela     dá    pra      qualquer     um
    Maldita Geni”. Geni é um plano
    idealizado de mulher, que de dia é
    Genival    e   de     noite  é    Geni.
               CARVALHO, Gilberto de. Chico buarque: análise
    poético-             musical. Rio de Janeiro, Editora
    Codecri, 1982.
                            
   A música, cuja história é baseada na da
    prostituta do conto "Bola de sebo", de Guy de
    Maupassant, rapidamente virou sucesso —
    e, como tal, gerou reações as mais diversas.
    Interpretações equivocadas da letra levaram até
    vândalos a atirar areia em prostitutas, usando o
    bordão catártico "joga bosta na Geni". Em
    entrevista ao programa Canal livre, em
    1980, Chico lamenta o fato, dizendo que todo
    artista está sujeito a coisas do tipo, mas que não
    deve submeter o processo criativo ao temor de
    ser mal entendido.
                      HOMEM, Wagner. Histórias de Canções -
                 Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 169, 170, 171)
Quando olhaste bem
nos olhos meus
E o teu olhar era de
adeus
Juro que não
acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu
corpo e duvidei
E me arrastei e te
arranhei
E me agarrei nos teus
cabelos
No teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da
cama
Sem carinho, sem             Dei pra maldizer o nosso lar
coberta                      Pra sujar teu nome, te humilhar
No tapete atrás da porta     E me vingar a qualquer preço
Reclamei baixinho            Te adorando pelo avesso
                             Pra mostrar que inda sou tua
   A      música,    narrada      por     um      eu-
    feminino,      compõe      um      cenário      de
    separação, numa espécie paradoxal de amor e
    ódio, paixão e vingança. O título da
    canção, ―Atrás da Porta‖, já evidencia uma
    separação, com a porta servindo com barreira
    entre os dois lados.
   Os primeiros versos, não foi necessária
    nenhuma palavra, senão apenas o olhar, para
    ficar subentendida a mensagem de partida.
   Em “Juro que não acreditei / Eu te estranhei / Me
    debrucei / Sobre o teu corpo e duvidei”, a
    assonância causada pela terminação ‗ei‘
    reforça a idéia de pretérito perfeito.
   Chico realça a noção de amor como
    instinto selvagem, uma série de atitudes
    impulsivas, a visão selvagem dá
    destaque a esta ação..
   Um dos versos mais interessantes é “Sem
    carinho, sem coberta”. A ausência de
    carinho, uma palavra que assume sentido
    abstrato.
   A primeira estrofe termina com “No
    tapete atrás da porta / Reclamei baixinho”. O
    tapete atrás da porta destaca a
    submissão.
   Na segunda estrofe rompem com a
    submissão e mostram uma vingança
    inevitável, tendo como pano de
    fundo, logo, a selvageria. A
    ambigüidade da canção fica a cargo
    de “Te adorando pelo avesso” que cria
    uma imagem confusa de amor.
   A letra finaliza com ótimo desfecho;
    Chico, em vez de escrever ‗ainda‘,
    escreveu ‗inda‘, para mostrar sua
    intimidade com a língua portuguesa.
             SENKVICS, Adriano.
             http://letrasdespidas.wordpress.com/2007/07/1
             9/chico-buarque-atras-da-porta/
   É a primeira parceria da dupla, Francis
    começou a cantarolar a música ao
    piano, e Chico fez o que nunca havia
    feito e nem voltaria a fazer: compor na
    frente dos outros. Conforme ele mesmo
    diz, "tenho vergonha de fazer na frente
    dos outros". Prefere a so-lidão do seu
    estúdio. Mas com "Atrás da porta" foi
    diferente. Na mesma hora, no meio da
    confusão, saiu a primeira parte da letra. E
    parou aí.
   A segunda parte não veio no dia seguinte
    nem nos meses subse-quentes. Quem
    cantaria a canção seria Elis Regina, cujo
    disco já estava sendo gravado. Dos
    Estados Unidos, onde morava na
    ocasião, Francis fez com que o produtor
    enviasse a Chico uma fita com todos os
    arranjos e a voz da intérprete até onde
    havia letra e com a segunda parte já
    orquestrada. Não dava para protelar. O
    expediente utilizado para pressionar
    ficou conhecido como "O Golpe de
    Francis".
   A vigilante censura parecia ter
    preferência por homens glabros, e os
    versos "E me agarrei nos teus cabelos/
    Nos teus pelos" tiveram que ser
    substuídos por "E me agarrei nos teus
    cabelos/ No teu peito". Chico cantou a
    letra original no show do Teatro Castro
    Alves. Mas quando o espetáculo virou
    disco, novamente a censura proibiu os
    "pelos", e a solução encontrada pela
    gravadora foi enxertar um estranhíssimo
    e crescente aplauso fora de hora quando
    os cantores pronunciavam a palavra
    condenada.
                    HOMEM, Wagner. Histórias de Canções -
                    Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 106, 107)

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Chico Buarque

  • 2. Chico  Conviveu com grandes escritores, compositores: Vinícius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Manoel Bandeira, entre muitos outros;  Artista consagrado nos Anos de Chumbo (após o Golpe Militar de 1964);  Consciente da responsabilidade social (―Mas eu continuo achando que é melhor ser censurado do que omisso‖ BUARQUE, Chico. Revista 365, 1976. Disponível no site;  Primeira peça teatral: Roda Viva;  Optou , após a repressão sobre a peça de teatro Roda Viva, auto-exílio na Itália;  Julinho da Adelaide
  • 3. Ranking dos músicos do século:  1º Chico Buarque - 76,48% Autor de "A banda" e "Apesar de você" um dos poetas mais exuberantes da MPB.  2º Tom Jobim - 73,78% - Compositor popular brasileiro mais conhecido internacionalmente.  3º Vinícius De Moraes - 59,76% - Poeta que deu qualidade à música popular O músico do século. Istoé - 28/02/99
  • 4. ―A poesia de Chico Buarque é a tentativa de encontrar um sentido para o homem num mundo desfigurado pela técnica, projetando-se como uma interrogação, O espaço externo, entendido não como uma dimensão limitada do real, mas todo o contexto humano- existencial do século XX como totalidade do real, atravessado pela angústia e incerteza da humanidade, carece de sentido.‖
  • 5. CHARTIER, Roger ., op. Cit., p. 52-53 ―a obra só adquire sentido através das estratégias de interpretação que constroem suas significações. A do autor é uma dentre outras, que não encerra em si a ―verdade‖, suposta única e permanente da obra. Através disso, pode ser restituído um justo lugar ao criador, cuja intenção (clara ou inconsciente) não contém mais toda a compreensão possível de sua criação, mas cuja relação com a obra não é, no entanto, eliminada.‖
  • 6. Mario Prata;  Autores Independentes;  Literatura Contemporânea, não possui um estilo;  Caracois (Roberto Carlos)  As entrelinhas
  • 7.
  • 8. Tem dias que a gente se sente A roda da saia, a mulata Como quem partiu ou morreu Não quer mais rodar, não senhor A gente estancou de repente Não posso fazer serenata Ou foi o mundo então que cresceu A roda de samba acabou A gente quer ter voz ativa A gente toma a iniciativa No nosso destino mandar Viola na rua, a cantar Mas eis que chega a roda-viva Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá E carrega a viola pra lá Roda mundo, roda-gigante Roda mundo (etc.) Roda-moinho, roda pião O tempo rodou num instante O samba, a viola, a roseira Nas voltas do meu coração Um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira A gente vai contra a corrente Que a brisa primeira levou Até não poder resistir No peito a saudade cativa Na volta do barco é que sente Faz força pro tempo parar O quanto deixou de cumprir Mas eis que chega a roda-viva Faz tempo que a gente cultiva E carrega a saudade pra lá A mais linda roseira que há Roda mundo (etc.) Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá Roda mundo (etc.)
  • 9. Composta em 1967 é um protesto contra a falta de liberdade de expressão;  A gente tem que ter voz ativa (a roda viva - ditadura/exercito - que matava a voz das pessoas);  Nosso destino mandar/Mas eis que chega roda viva/E carrega o destino pra lá... (destino carregado pela roda viva, as pessoas não podiam escolher o destino);
  • 10. A gente toma iniciativa/Viola na rua a cantar/Mais eis que chega a roda viva/E carrega a viola pra lá... (a roda viva - ditadura/exercito protesto contra o militarismo – pessoas presas e torturadas);  Faz tempo que a gente cultiva/ A mais linda roseira que há/ Mas eis que chega a roda viva/ E carrega a roseira prá lá... (rosa como símbolo do socialismo);
  • 11. O samba, a viola, a roseira Que um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levou... (samba, viola é o fim da liberdade de expressão e, roseira/rosa = socialismo é a ilusão queimada pela ditadura); OLIVEIRA, Walklenguer H. de. Disponível no site http//analisedeletras.com.br/chico-buarque/roda-viva/
  • 12. Sentimento de impasse:construção de uma vida com a responsabilidade do cotidiano, a rotina circular e repetitiva,  Roda vida como onipresente (forma de sentir a vida);  Primeiros versos transmitem impotência (partiu, morrei, estocou) a alienação da pessoa com o mundo, o mundo cresce e você não, a roda viva o impede;  A repetição da estrofe ao fim de cada verso dá a ideia de rotação (roda- gigante, moinho e peão);
  • 13. As roseiras cultivadas por nós é levada pela roda-viva antes que floresça, tirando a capacidade de viver);  Os versos representam a fraqueza do protesto, a liberdade é oprimida;  O ultimo verso dito por várias pessoas representa o que todos pensam sobre a supressão ―Pare o mundo que eu quero descer‖
  • 14. Os cantores revolucionários foram proibidos de cantar (os cantores do Tropicalismo) surgindo assim a criação do POP, a imagem e produto de novos ídolos;  A indústria constrói um sistema musical que atinja a massa, padronizando as diferenças;
  • 15. Foram oferecidas atrações para distrair o povo do que estava acontecendo no Brasil (ditadura), abrindo espaço ao Fino da Bossa com Elis Regina e Jovem Guarda comandado por Roberto Carlos e sua turma do iê-iê-iê do Zé-do-Mato, (copiando as guitarras estrangeiras);  Roda-Viva descreve o tortuoso caminho de um recente ídolo (que não sabe cantar) dentro dessa máquina poderosa em que se transformou o mercado de consumo; (JÚNIOR, Egon Hamann Seidler. Acadêmico do Curso de Artes Cônicas – Centro de Artes – UNDESC. Artigo Científico: A encenação no Brasil entre os anos 1967 e 1974 – O tropicalismo no teatro.
  • 16. A peça Roda-viva nada tinha de político. Refletia tão somente o am-biente em que Chico vivia e com o qual estava assustado: o show business. Ele descreve a trajetória do cantor popular Benedito Silva, engolido pelo esquema da televisão. Num primeiro momento o Anjo, seu empresário, o transforma em Ben Silver, depois em Benedito Lampião, para, finalmente, quando não mais atende aos interesses da máquina, induzi-lo à morte. HOMEM, Wagner. Histórias de Canções - Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 55, 56, 57)
  • 18. Construção Amou daquela vez como se Sentou pra descansar como fosse a última se fosse sábado Beijou sua mulher como se Comeu feijão com arroz como fosse a última se fosse um príncipe E cada filho seu como se Bebeu e soluçou como se fosse o único fosse um náufrago E atravessou a rua com Dançou e gargalhou como se seu passo tímido ouvisse música Subiu a construção como E tropeçou no céu como se se fosse máquina fosse um bêbado Ergueu no patamar quatro E flutuou no ar como se fosse paredes sólidas um pássaro Tijolo com tijolo num E se acabou no chão feito um desenho mágico pacote flácido Seus olhos embotados de Agonizou no meio do passeio cimento e lágrima público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
  • 19. Construção Amou daquela vez como se Comeu feijão com arroz como fosse o último se fosse o máximo Beijou sua mulher como se Bebeu e soluçou como se fosse a única fosse máquina E cada filho seu como se Dançou e gargalhou como se fosse o pródigo fosse o próximo E atravessou a rua com E tropeçou no céu como se seu passo bêbado ouvisse música Subiu a construção como E flutuou no ar como se fosse se fosse sólido sábado Ergueu no patamar quatro E se acabou no chão feito um paredes mágicas pacote tímido Tijolo com tijolo num Agonizou no meio do passeio desenho lógico náufrago Seus olhos embotados de Morreu na contramão cimento e tráfego atrapalhando o público Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
  • 20. Construção Amou daquela vez como se Por me deixar respirar, por me fosse máquina deixar existir, Beijou sua mulher como se Deus lhe pague fosse lógico Pela cachaça de graça que a Ergueu no patamar quatro gente tem que engolir paredes flácidas Pela fumaça e a desgraça, que Sentou pra descansar como se a gente tem que tossir fosse um pássaro Pelos andaimes pingentes E flutuou no ar como se fosse que a gente tem que cair, um príncipe Deus lhe pague E se acabou no chão feito um Pela mulher carpideira pra pacote bêbado nos louvar e cuspir Morreu na contra-mão E pelas moscas bicheiras a atrapalhando o sábado nos beijar e cobrir Por esse pão pra comer, por E pela paz derradeira que esse chão prá dormir enfim vai nos redimir, A certidão pra nascer e a Deus lhe pague concessão pra sorrir
  • 21. “Amou daquela vez como se fosse a última /Beijou sua mulher como se fosse a última/E cada filho seu como se fosse o único /E atravessou a rua com seu passo tímido ”. O sujeito da canção é um homem, pai de família, ainda sugere que é de baixa condição social, devido ao andar tímido, e também pelo número de filhos.
  • 22. ―Subiu a construção como se fosse máquina‖. O desempenho no emprego é comparado a uma máquina, o que nos revela que o homem trabalha sem questionar o que faz. Pelo fato da letra ter sido escrita na época da ditadura, nos remete a pensar que Ele, ou faz aquilo que mandam ou é punido.  ―Ergueu no patamar quatro paredes sólidas /Tijolo com tijolo num desenho mágico.” Comprova o emprego do Homem na construção civil.
  • 23. O sentimentalismo se faz presente em “ Seus olhos embotados de cimento e lágrima“ ou seja nos olhos do trabalhador , reflete o sofrimento dessa condição social.  ―Sentou pra descansar como se fosse sábado/ Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe ‖. Retrata a necessidade de descansar e o fato de comer arroz e feijão é a rotina que não pode escapar.
  • 24. ―Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago /Dançou e gargalhou como se ouvisse música .‖ O alcoolismo que é comum nas classes inferiores que ajuda manter a força muscular dos trabalhadores de construção. A alegria barata da bebida proporcionou a queda ―E tropeçou no céu como se fosse um bêbado /E lutou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido ―, tropeçar no prédio alto é como tropeçar no céu.
  • 25. ―Agonizou no meio do passeio público /Morreu na contramão atrapalhando o tráfego‖, os últimos momentos do homem que foi indiferente, a única preocupação do povo era que atrapalhava o tráfego. A contradição existente é que dentro de casa o homem é o líder, mas na rua é um sujeito qualquer, um parafuso da engrenagem capitalista.
  • 26. A ultima estrofe é de um modo mais acelerado, com sons vindo de todos os lados, ilustra a vida sem rumo daquele trabalhador, como outros trabalhadores por aí, invisíveis à sociedade. SENKEVICS, Adriano. Disponível no site http//analisedeletras.com.br/chicoBuarque/Construção/
  • 27. A música difere três antagonismo da sociedade brasileira: a diferença social, a vida profissional, familiar e a visão social sobre eles;
  • 28. A primeira estrofe retrata o pobre trabalhador: ―Beijou sua mulher como se fosse a última ―, ―Sentou pra descansar como se fosse sábado ― qualquer descanso como se fosse sábado, ―Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe‖ qualquer feijão com arroz é banquete porque é trabalhoso conseguir, e por fim, ―Morreu na contramão atrapalhando o tráfego‖ pessoa ignorada pelo povo.
  • 29. A segunda a classe média (talvez um engenheiro): ―Beijou sua mulher como se fosse a única ―, ―Sentou pra descansar como se fosse um príncipe ― na hora em que o trabalhador trabalha, ―Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo‖, não é o máximo poderia ir a uma churrascaria, por fim, ―Morreu na contramão atrapalhando o público‖, atrapalha o trânsito porque ainda não é conhecido.
  • 30. A terceira os militares: ―Beijou sua mulher como se fosse lógico―, ―Sentou pra descansar como se fosse um pássaro ―, por fim, ―Morreu na contramão atrapalhando o sábado‖ atrapalhando o sábado de todo o Brasil, mexendo com a mídia, funeral com todas as obrigações como se fosse mais importante que o trabalhador e o engenheiro... João Paulo, disponível no site http//analisedeletras.com.br/chicobuarque/Construção /
  • 31. A consciência social de Chico Buarque de Holanda, em Construção, como em toda a sua obra, é evidente. Sabe o poeta que a poesia é seu instrumento, o seu veículo de denúncia, de crítica, de representação de uma realidade desumana e injusta. Pois é preciso que o homem não seja ―máquina‖, nem ―pacote‖. Mas que signifique. Mas também que possa exercer sua liberdade. Assim deve ser visto pela sociedade, assim deve ser
  • 32. entendido por todos. Chico aponta para uma estrutura social que não gostaria que existisse para uma coisificação do homem que não deve persistir. Em Construção, o sujeito é generalizado. O homem é visto, em relação a sociedade, de maneira trágica, oprimido, marcado pela inutilidade. Ele constrói, mas é destruído. Ah!, se ele não morresse num sábado...  Chico atesta a desumanização do homem: amou daquela vez como se fosse máquina.  DANTAS, José Maria de Souza. MPB o canto e a canção. Rio de Janeiro. Ed. Ao Livro Técnico S/A. 1988.
  • 33. Falando à revista Status, em 1993, Chico confessa que inicialmente tudo não passava de uma experiência formal, e que a idéia de narrar os últimos instantes de vida de um operário veio depois da música quase pronta.  O jornalista David Nasser, que sugeriu a inclusão de mais uma proparoxítona: "Médici", o nome do presidente. HOMEM, Wagner. Histórias de Canções - Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 97, 98)
  • 34. Não passava de experiência formal, jogo de tijolos. Não tinha nada haver com o problema dos operários – evidente, aliás, sempre que você abre janelas. Na hora que eu componho não há intenção – só emoção. Em Construção, a emoção estava no jogo de palavras (todas paroxítonas). Agora, se você colocar um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse... Um tijolo – acaba mexendo com a emoção das pessoas. Entrevista a Judith Patarra, revista Status, 1973.
  • 35. Geni e o Zepelin
  • 36. Geni e o Zepelin De tudo que é nego torto Um dia surgiu, brilhante Do mangue e do cais do porto Entre as nuvens, flutuante Ela já foi namorada Um enorme zepelim O seu corpo é dos errantes Pairou sobre os edifícios Dos cegos, dos retirantes Abriu dois mil orifícios É de quem não tem mais nada Com dois mil canhões assim Dá-se assim desde menina A cidade apavorada Na garagem, na cantina Se quedou paralisada Atrás do tanque, no mato Pronta pra virar geléia É a rainha dos detentos Mas do zepelim gigante Das loucas, dos lazarentos Desceu o seu comandante Dos moleques do internato Dizendo – Mudei de idéia E também vai amiúde – Quando vi nesta cidade Com os velhinhos sem saúde – Tanto horror e iniqüidade E as viúvas sem porvir – Resolvi tudo explodir Ela é um poço de bondade – Mas posso evitar o drama E é por isso que a cidade – Se aquela formosa dama Vive sempre a repetir – Esta noite me servir Joga pedra na Geni Essa dama era Geni Joga pedra na Geni Mas não pode ser Geni Ela é feita pra apanhar Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Ela dá pra qualquer um Maldita Geni Maldita Geni
  • 37. Geni e o Zepelin Mas de fato, logo ela Foram tantos os pedidos Tão coitada e tão singela Tão sinceros, tão sentidos Cativara o forasteiro Que ela dominou seu asco O guerreiro tão vistoso Nessa noite lancinante Tão temido e poderoso Entregou-se a tal amante Era dela, prisioneiro Como quem dá-se ao carrasco Acontece que a donzela Ele fez tanta sujeira – e isso era segredo dela Lambuzou-se a noite inteira Também tinha seus caprichos Até ficar saciado E a deitar com homem tão nobre E nem bem amanhecia Tão cheirando a brilho e a cobre Partiu numa nuvem fria Preferia amar com os bichos Com seu zepelim prateado Ao ouvir tal heresia Num suspiro aliviado A cidade em romaria Ela se virou de lado Foi beijar a sua mão E tentou até sorrir O prefeito de joelhos Mas logo raiou o dia O bispo de olhos vermelhos E a cidade em cantoria E o banqueiro com um milhão Não deixou ela dormir Vai com ele, vai Geni Joga pedra na Geni Vai com ele, vai Geni Joga bosta na Geni Você pode nos salvar Ela é feita pra apanhar Você vai nos redimir Ela é boa de cuspir Você dá pra qualquer um Ela dá pra qualquer um Bendita Geni Maldita Geni
  • 38. A história de Bola de Sebo se passa na França, no período final da guerra contra a Alemanha. O país estava sendo invadido pelos prussianos. Na cidade de Ruão, um grupo de habitantes resolve partir para o porto de Havre. Entre os viajantes havia pessoas da nobreza e outros menos favorecidos, entre eles uma gorda prostituta, apelidada, adivinhem? Bola de Sebo. Com o passar das horas, todos sentiam fome, mas apenas Bola de Sebo havia levado
  • 39. Gentil, ela compartilha com os outros que, desta forma, deixaram de lado o preconceito inicial. No caminho foram impedidos de sair por um oficial alemão, que impôs a condição de dormir com Bola de Sebo, para que fossem liberados. No início ela recusa, afinal aquele é um homem que faz parte do povo que invadiu sua pátria e aquilo seria antiético para sua profissão, mas com a insistência de seus companheiros, ela acaba cedendo.
  • 40. Acredito que Chico Buarque tenha tido a intenção de compartilhar com o seu público essa história do significado do valor de um indivíduo para as pessoas. É como a seguinte situação: A sua utilidade (bondade, talento) é valiosa até o favorecimento de outros. Depois a sua utilidade(serventia) não vale mais. Izabele - Mossoró-RN
  • 41. Chico Buarque conta a história de uma mulher que é vista como uma prostituta e é julgada e humilhada pela sociedade que a mesma não ajuda. Trata-se de uma mulher simples e com ‗respeito‘ por ser donzela e boa, o suficiente, para auxiliar as pessoas como os idosos.
  • 42. Porém, quando a comunidade necessita dela para os salvar, se ajoelham a seus pés – O padre, o banqueiro e o prefeito- O poder religioso, financeiro e político se cegam para enxergar os princípios, ou seja, só pensam nos seus interesses próprios. O compositor reputa a hipocrisia das pessoas e a ingratidão. Após Geni salvar a cidade, ela volta ao patamar baixo no qual a sociedade a colocou e no, no fundo, sempre a enxergou.
  • 43. Em Geni e o Zepelin ―De tudo que é nego torto/Do mangue e do cais do porto/Ela já foi namorada” é narrada a estória de um homossexual (por ele próprio) que salva uma cidade de uma possível explosão, ameaçada por um ser cósmico que por ali desembarcara. No entanto, mesmo tendo proporcionado essa salvação à custa de seu sacrifício pessoal “Entregou-se a tal amante/Como quem dá-se ao carrasco”.
  • 44. Geni é repudiado e apedrejado “Joga pedra na Geni/ Joga bosta na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Ela dá pra qualquer um Maldita Geni”. Geni é um plano idealizado de mulher, que de dia é Genival e de noite é Geni. CARVALHO, Gilberto de. Chico buarque: análise poético- musical. Rio de Janeiro, Editora Codecri, 1982. 
  • 45. A música, cuja história é baseada na da prostituta do conto "Bola de sebo", de Guy de Maupassant, rapidamente virou sucesso — e, como tal, gerou reações as mais diversas. Interpretações equivocadas da letra levaram até vândalos a atirar areia em prostitutas, usando o bordão catártico "joga bosta na Geni". Em entrevista ao programa Canal livre, em 1980, Chico lamenta o fato, dizendo que todo artista está sujeito a coisas do tipo, mas que não deve submeter o processo criativo ao temor de ser mal entendido. HOMEM, Wagner. Histórias de Canções -  Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 169, 170, 171)
  • 46. Quando olhaste bem nos olhos meus E o teu olhar era de adeus Juro que não acreditei, eu te estranhei Me debrucei sobre teu corpo e duvidei E me arrastei e te arranhei E me agarrei nos teus cabelos No teu peito, teu pijama Nos teus pés ao pé da cama Sem carinho, sem Dei pra maldizer o nosso lar coberta Pra sujar teu nome, te humilhar No tapete atrás da porta E me vingar a qualquer preço Reclamei baixinho Te adorando pelo avesso Pra mostrar que inda sou tua
  • 47. A música, narrada por um eu- feminino, compõe um cenário de separação, numa espécie paradoxal de amor e ódio, paixão e vingança. O título da canção, ―Atrás da Porta‖, já evidencia uma separação, com a porta servindo com barreira entre os dois lados.  Os primeiros versos, não foi necessária nenhuma palavra, senão apenas o olhar, para ficar subentendida a mensagem de partida.  Em “Juro que não acreditei / Eu te estranhei / Me debrucei / Sobre o teu corpo e duvidei”, a assonância causada pela terminação ‗ei‘ reforça a idéia de pretérito perfeito.
  • 48. Chico realça a noção de amor como instinto selvagem, uma série de atitudes impulsivas, a visão selvagem dá destaque a esta ação..  Um dos versos mais interessantes é “Sem carinho, sem coberta”. A ausência de carinho, uma palavra que assume sentido abstrato.  A primeira estrofe termina com “No tapete atrás da porta / Reclamei baixinho”. O tapete atrás da porta destaca a submissão.
  • 49. Na segunda estrofe rompem com a submissão e mostram uma vingança inevitável, tendo como pano de fundo, logo, a selvageria. A ambigüidade da canção fica a cargo de “Te adorando pelo avesso” que cria uma imagem confusa de amor.  A letra finaliza com ótimo desfecho; Chico, em vez de escrever ‗ainda‘, escreveu ‗inda‘, para mostrar sua intimidade com a língua portuguesa. SENKVICS, Adriano. http://letrasdespidas.wordpress.com/2007/07/1 9/chico-buarque-atras-da-porta/
  • 50. É a primeira parceria da dupla, Francis começou a cantarolar a música ao piano, e Chico fez o que nunca havia feito e nem voltaria a fazer: compor na frente dos outros. Conforme ele mesmo diz, "tenho vergonha de fazer na frente dos outros". Prefere a so-lidão do seu estúdio. Mas com "Atrás da porta" foi diferente. Na mesma hora, no meio da confusão, saiu a primeira parte da letra. E parou aí.
  • 51. A segunda parte não veio no dia seguinte nem nos meses subse-quentes. Quem cantaria a canção seria Elis Regina, cujo disco já estava sendo gravado. Dos Estados Unidos, onde morava na ocasião, Francis fez com que o produtor enviasse a Chico uma fita com todos os arranjos e a voz da intérprete até onde havia letra e com a segunda parte já orquestrada. Não dava para protelar. O expediente utilizado para pressionar ficou conhecido como "O Golpe de Francis".
  • 52. A vigilante censura parecia ter preferência por homens glabros, e os versos "E me agarrei nos teus cabelos/ Nos teus pelos" tiveram que ser substuídos por "E me agarrei nos teus cabelos/ No teu peito". Chico cantou a letra original no show do Teatro Castro Alves. Mas quando o espetáculo virou disco, novamente a censura proibiu os "pelos", e a solução encontrada pela gravadora foi enxertar um estranhíssimo e crescente aplauso fora de hora quando os cantores pronunciavam a palavra condenada.  HOMEM, Wagner. Histórias de Canções - Chico Buarque, Ed. Leya, 2009 (fl. 106, 107)