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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CAMPUS VIAMÃO
ANDERSON BALBINOT
HANNAH ARENDT:
a violência como um déficit de ações e palavras
Viamão
2009
ANDERSON BALBINOT
HANNAH ARENDT:
a violência como um déficit de ações e palavras
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção de grau de Bacharel em
Filosofia, pelo curso de Filosofia – Campus
Viamão da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul
Orientador: Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini
Viamão
2009
ANDERSON BALBINOT
HANNAH ARENDT:
a violência como um déficit de ações e palavras.
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção de grau de Bacharel em
Filosofia, pelo curso de Filosofia – Campus
Viamão da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
Aprovada em _____ de ___________________ de 2009, pelo orientador,
obtendo o grau: _______________.
__________________________________________
Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini
Aprovação com as normas da ABNT,
Grau final: ________.
____________________________________________
Prof. Dr. Bruno Odélio Birck
“Também não falta quem, desejando de verdade um mundo mais justo
e mais humano, não creia na força e na violência armada como
solução. Mesmo sem apelar para motivos religiosos ou ideológicos, os
que se decidem a usar a não-violência ativa – a força d’alma, a
violência dos pacíficos, a pressão moral libertadora – tentam
demonstrar que, hoje, há complexos e poderosos dominando a Terra e
partindo para as estrelas: alianças de poderio econômico, poderio
político, poderio tecnológico e poderio militar. Como esperar vencer
pelas armas os Senhores do Mundo, que tem, ao seu lado,
fabricantes de armas e promotores de guerras?”
(Dom Helder Câmara, 1975).
“Mas fazer este povo discutir o socialismo é mais difícil ainda,
porque o que acontece normalmente é que quem tem as idéias
prontas na cabeça tenta enfiá-las pela goela dos trabalhadores,
quando necessário seria fazer com que as pessoas
descobrissem a necessidade de ter reflexão sobre um novo
projeto de sociedade.” Luis Ignácio da Silva (Retrato do
Brasil – depoimentos. Editora Política: 1984, volume IV, p. 4).
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5
2 A VIOLÊNCIA COMO ATIVIDADE DO TRABALHO ............................... 8
2.1 TRABALHO ........................................................................................................ 8
2.2 VIOLÊNCIA........................................................................................................ 14
2.2.1 A violência e o contexto histórico de Hannah Arendt...................................... 21
2.2.2 A Violência e a Tradição..................................................................................... 25
3 O PODER QUE EMANA DA AÇÃO................................................................ 28
3.1 AÇÃO ................................................................................................................... 28
3.1.1 A redução da ação como trabalho...................................................................... 38
3.1.2 A irreversibilidade e o poder de perdoar .......................................................... 40
3.1.3 A imprevisibilidade e a faculdade de prometer................................................ 43
3.2 PODER ................................................................................................................. 44
3.2.1 Liberdade ............................................................................................................. 48
3.3 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ........................................................................... 51
3.4 POLÍTICA E HISTÓRIA................................................................................... 54
4 RELAÇÃO ENTRE PODER E VIOLÊNCIA.................................................. 59
5 CONCLUSÃO...................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 65
5
1 INTRODUÇÃO
Se todo o agir humano interfere na coletividade, que elementos devemos levar em
conta para que as relações não se tornem violentas? Qual a relação entre poder e violência
quando se busca a participação política? Esses são os questionamentos motivadores do nosso
trabalho. As respostas são tentativas de compreender os eventos do século XX no que toca aos
totalitarismos, mas também remontando ao pensamento moderno e grego que deram origem a
boa parte dos conceitos da tradição política.
O pensamento de Arendt é muito amplo. Com este trabalho queremos desenvolver as
categorias de poder e violência e suas origens, respectivamente, nas atividades da ação e do
trabalho, tendo em vista os acontecimentos das primeiras décadas da segunda metade do
século XX, contexto no qual nossa autora escreve, de busca por soluções para os negócios
humanos. Arendt trata das possíveis soluções, participativas ou totalizantes, sentindo o peso
do que fala. Era judia e teve que migrar para escapar do nazismo. Mas ao mesmo tempo,
mesmo nos países democráticos encontrou elementos parecidos com os despóticos. Então, o
que caracteriza um governo violento e um governo democrático? A resposta está na
efetivação da possibilidade da ação, que além de puro agir, também possui o elemento do
discurso.
A violência foi considerada a melhor via para resolver o problema da fragilidade das
relações humanas. Hannah Arendt faz um esforço de compreensão da conjuntura da sua
época, oferecendo uma rica reflexão embasada na condição da existência humana. A política
não vem de nenhuma causa mística ou de uma essência humana, decorre da existência
humana enquanto pluralidade. Não conseguiríamos nem nascer sozinhos. O nascimento de um
bebê é a ocorrência de um milagre; não é só um novo ser, mas um ser com a possibilidade do
novo.
No primeiro capítulo vamos visualizar a relação entre a atividade humana do
trabalho e o fenômeno da violência. O artífice trabalha sempre no isolamento, a partir duma
idéia, iniciando e finalizando o processo. A esfera pública, para o homo faber, só tem sentido
quando é espaço de comércio de trocas. O único relacionamento que possui com outros
semelhantes seus é econômico. Trabalhando, o ser humano produz um mundo durável,
permanente no tempo, conferindo estabilidade e previsibilidade ao seu mundo. Mas o homem
não é só isso.
A violência se assemelha muito à atividade do trabalho. Ela é a direta decorrência da
tentativa de estabilizar os acontecimentos que são produzidos em comum. A tradição da teoria
6
política apostou na violência como alternativa ao convívio humano, tornando até banal a sua
dinâmica na sociedade. As tendências do seu tempo, a crescente superespecialização, o grande
desenvolvimento dos implementos de guerra, as concepções organicistas da política, o
racismo e outros, ilustram como o elemento da violência é comum, mesmo nos governos tidos
como democráticos.
No segundo capítulo vamos desenvolver a categoria Arendtiana de poder com a sua
atividade correspondente, que é a ação. A ação é a atividade que possibilita a política, a
liberdade e a novidade. A política não é utilitarista como o trabalho, é ao contrário, um fim
em si mesmo, como a atividade mais nobre. A atividade da ação vem da capacidade humana
de falar e agir em conjunto, o que revela o humano singular no espaço público. Não é um agir
pré-determinado, mas livre e consciente. As palavras e os atos são plenos de significado. A
interação humana com palavras e ações forma a teia das relações humanas, que pelas diversas
estórias, forma o grande livro da história da humanidade. Os processos novos não são nunca
seguros, nem chegarão a cumprir a meta pelo qual iniciaram. Cada ação se perde na interação
da teia das relações entre as pessoas. A ação é frágil porque envolve muitas pessoas. Os
negócios humanos possuem a característica da incerteza, o que faz mais irresistível a proposta
de algo que a venha estabilizar. A salvação para a ação está na possibilidade do perdão e da
promessa.
Poder é a dinâmica que possibilita os homens se manterem unidos diante das demais
atividades da vida. É o que permanece no entre-os-homens que os mantêm coesos depois da
dispersão. A ação se esgota depois de sua efetivação. O poder é a lembrança do prazer de agir
juntos; dá permanência à atividade originária enquanto não se está exercendo-a. O poder é
garantido por uma legitimidade, um evento passado onde pessoas discutiram e agiram em
conjunto, de forma poderosa. O que garante a possibilidade do poder entre as pessoas é a
liberdade, que é libertação das necessidades, não só físicas ou biológicas, mas a necessidade
determinística.
A participação política é o ponto de chegada de toda a reflexão. A grande utopia de
Platão e da tradição da filosofia política foi de tentar resolver os problemas resultantes da
fragilidade das ações. A grande ilusão foi pensar na História como pré-determinada. Para
Arendt, a historicidade é um resultado tangível, porém não definitivo, dos inúmeros processos
desencadeados pelos indivíduos, não sendo necessariamente repleta de progressos. A idéia de
progresso é própria de quem acha que a sua idéia deve se instaurar absolutamente, sendo ela o
padrão universal. No último capítulo relacionaremos os conceitos de poder e violência,
fenômenos estes que mesmo opostos, não se encontram puros na realidade.
7
Ao mesmo tempo em que abordaremos um tema da teoria política, nosso trabalho
quer mostrar como Hannah Arendt entende o ser humano, dando assim o caráter filosófico da
nossa pesquisa. A condição da existência humana nos limita, mas nos capacita para estarmos
em relação uns com os outros com certo grau de liberdade, nas diversas potencialidades que
possuímos.
8
2 A VIOLÊNCIA COMO ATIVIDADE DO TRABALHO
O trabalho é a atividade humana que resulta da necessidade de a pessoa humana
construir um mundo propriamente “seu”, artificial, que possa ajustar-se melhor às suas
necessidades e até oferecer-lhe maiores condições de progredir no conhecimento, mas
também nas relações. O trabalho garante estabilidade e previsibilidade à vida biológica da
pessoa humana, que é passageira e frágil. Não conseguimos viver onde tudo muda
constantemente, precisamos de algumas garantias. Em si, o trabalho não é coletivo, mesmo
quando se trabalha junto com outros; todos, em relação com o produto final, são como que
diversas mãos que moldaram um mesmo produto, porém, não significa que se empenham
coletivamente. Portanto o trabalho é caracterizado pelo isolamento do trabalhador na sua
efetivação.
A violência é o fenômeno do campo da política que emerge de uma fuga da ação
participativa. É a introdução do critério da utilidade nas relações como forma de resolver as
imperfeições resultantes da fragilidade e incompletude essencial do homem. A violência é
instrumental. Precisa de suporte para apoiar-se, assim como no trabalho é necessário
ferramentas.
Arendt percebe que a violência elevou o trabalho e glorificou-o. A modernidade tem
o ideal de objetividade, previsibilidade e determinações; é resultado da tendência moderna de
fazer um mundo conhecido e melhor para se viver. Toda a tradição da filosofia política e o
senso comum tentaram objetivar e tornar mais determinável tudo o que tem afinidade com o
humano. Mas a principal dificuldade é introduzir no campo das relações as mesmas categorias
com que se trata a natureza. Eis o que vamos trataremos neste capítulo: a relação entre
trabalho e violência, junto com algumas situações concretas do tempo da autora estudada,
onde ela os analisa relacionando com os conceitos.
2.1 TRABALHO
Cabe, dentro dos limites do nosso tema, explorar o que Arendt concebe como
trabalho. A pessoa humana é um ser disposto na natureza, que é transformada num mundo
artificial. Tudo o que entra em contato com ela automaticamente se torna parte de sua
condição. A condição humana do trabalho é a mundanidade. O produto do trabalho dá certa
permanência à condição débil da pessoa humana. Com seus principais instrumentos, as mãos,
e podendo estar no completo isolamento, o homo faber faz o objeto a partir do modelo mental
9
ideado, podendo destruir como e quando quiser a sua obra. O processo de fabricação, ao
contrário da ação, pode ser interrompido a qualquer momento. Os artefatos são produzidos
“para” alguma coisa. O berço é fabricado para o bebê dormir; a cadeira serve para sentar-se.
A fabricação é regida sempre pelas categorias “meio e fim”.
Para Arendt, a introdução dessa atividade na política leva ao totalitarismo. Arendt
direciona muitas críticas à concepção política platônica, que é a fundamentação de uma
justificação da soberania. Na concepção política de Platão, a política deve ser para os mais
aptos. É o argumento das profissões. O domínio dessa arte só é conseguido por poucos. Sendo
assim a democracia é absurdamente irracional. Ninguém fará melhor que um especialista.
(WOLFF, 2004, p. 106).
A pessoa humana não mistura o seu ser ao ser do artefato. O contato dela com seu
artifício não desgasta o objeto, mas a durabilidade. O desgaste em si, porém, não é o fim
último das coisas, este é mera conseqüência. Os artefatos colocam objetividade à vida
humana. Objetividade quer dizer suportar, pelo menos por algum tempo, as necessidades dos
seus fabricantes. Já dizia Heráclito que “o homem jamais pode cruzar o mesmo rio”. O que
permanece da efemeridade das mutações vem da objetividade do artefato produzido pela
pessoa humana. “Em outras palavras, contra a subjetividade dos homens ergue-se a
objetividade do mundo feito pelo homem.” (ARENDT, 1995, p. 150). Se não houvesse o
mundo objetivo, haveria constante mutação. Pela fabricação a natureza entra no nosso mundo,
tornando-se parte de nossa condição como algo objetivo.
A pessoa humana fabrica seus objetos porque é criativo. Não os necessita para a
manutenção de sua vida biológica. Numa sociedade massificada, o trabalho é feito para suprir
as carências do labor, fabricando objetos para o consumo, onde a característica do trabalhar
pelo simples prazer acaba sendo substituído pelo árduo “adequar-se” no ritmo da máquina. A
atividade de trabalhar só é tal quando se atua com certa intencionalidade (diferente de
liberdade) no que se está fazendo. A previsibilidade lhe é própria. O trabalho é fruto do
esforçar-se da pessoa humana de forma consciente. Arendt critica muito as novas tecnologias
de maquinários que mais parecem a evolução biológica da pessoa humana que tem membros a
mais para produzir utensílios em massa. Os aparelhos têm cada vez mais afinidade com os
processos biológicos. No fundo Arendt diz que o trabalho está sendo executado à forma do
labor e a ação, com as formas de dominação modernas, está sendo substituída por categorias
da fabricação.
A natureza precisa ser transformada para se tornar espaço onde o ser humano possa
viver com alguma estabilidade. Para que possamos efetivar nossa possibilidade de ação e
10
participação política, precisamos ter algumas garantias. Ao mesmo tempo, não se pode buscar
saciar as necessidades de sobrevivência e participar ativamente das questões políticas. Um
questionamento que surge com essa reflexão é a de como se pode falar de conscientização
política numa realidade de miséria?
O material para a fabricação não é de imediato já dado na natureza, um produto das
mãos humanas, mas torna-se tal a partir do momento que é retirado da natureza. Por natureza
entendemos em seu significado autêntico o expresso pela origem etimológica que vem da raiz
latina nasci, nascer, ou do grego phyein, “surgir de alguma coisa por si mesma”. O ato de
extrair da sua condição natural é uma violência, uma violação. “Este elemento de violação e
de violência está presente em todo processo de fabricação, e o homo faber, criador do artifício
humano, sempre foi um destruidor da natureza.” (ARENDT, 1995, p. 152). Deus criou todas
as coisas do nada; a pessoa humana adaptou a natureza, criou–a a partir do que já estava aí,
para colocá-la dentro de seu mundo.
Enquanto a atividade do labor é algo exaustivo para a pessoa humana, o trabalho lhe
é prazeroso. A alegria de trabalhar
tem a ver com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a
qual o homem se mede contra as forças devastadoras da natureza e que,
através da astúcia com que inventou as ferramentas, sabe multiplicar muito
além de sua medida natural. (ARENDT, 1995, p. 153).
A violência do trabalho, como que ensoberbece a pessoa humana, percebendo sua
força. Esta é a sua motivação para trabalhar.
Ela trabalha sobre um objeto primeiramente ideado pela mente do fabricante ou, com
alguma materialização, mesmo que provisória, num desenho. Essa ideação é chamada por
Arendt de modelo. O que guia o processo de fabricação “está fora do fabricante e precede o
processo de trabalho em si.” (ARENDT, 1995, p. 153). O modelo, mesmo tendo sua
materialidade como artefato no mundo humano, não deixa de existir. Este modelo que
sobrevive ao processo de fabricação serve para a multiplicação de outros utensílios, o que é
diferente de repetição, processo próprio do labor. Esse conceito de multiplicação teve grande
importância na doutrina platônica dos “universais”. Todo ente concreto e sensível tem íntima
relação com o universal que lhe dá ser, não com outro ente concreto e sensível.
O processo de fabricação é sempre guiado por motivações utilitaristas, é determinado
pelas categorias de “meios e fins”. O processo de fabricação se perde ante o produto final. Por
isso, a atividade do trabalho tem sempre um início e um fim bem definidos, o que lhe confere
grande confiabilidade, ao contrário da ação. O processo do trabalho é reversível. A qualquer
momento o fabricante pode destruir sua obra, pois pode sobreviver sem ela com tranqüilidade.
11
A característica que distingue a atividade da fabricação das outras atividades da vita
activa é a de que o trabalho tem um começo e um fim bem definido e previsível. São próprias
à pessoa humana duas dimensões: vita activa e vita contemplativa. Vita activa designa três
atividades correspondentes a uma condição básica pela qual a vida nos foi dada na terra:
labor, trabalho e ação.
Outro aspecto do trabalho é a de justificação. O fim justifica os meios e os organiza.
A violência decorrente do processo de fabricação é justificada pela possibilidade do homo
faber de fabricar. Mesmo que não esteja pronto, tudo converge para determinado fim.
Também se aplica a categoria de meios e fins ao próprio produto depois de pronto. A cadeira
foi finalidade enquanto objetivo do fabricante, mas depois é meio de uso ou de troca. A
conseqüência disso é de que tudo passa a ser determinado por essas categorias. Não há mais
fim duradouro: “num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta
duração e a transformar-se em meios para outros fins.” (ARENDT, 1995, p. 167). O princípio
da existência do homo faber é a serventia, o “para que”.
A perplexidade do utilitarismo é que se perde na cadeia interminável de
meios e fins sem jamais chegar a algum princípio que possa justificar a
categoria de meios e fins, isto é, a categoria da própria utilidade. O ‘para
que’ torna-se o conteúdo do em nome de quê’; em outras palavras, a
utilidade, quando promovida a significância, gera a ausência de significado.
(ARENDT, 1995, p. 167).
Não há mais nada que possa ser considerado um fim em si mesmo. A saída para que
a utilidade se torne significação é onde todos os fins convirjam para um antropocentrismo,
onde a pessoa humana, na sua subjetividade possa ser valorizada. O perigo que reside aí é o
de o homo faber querer realizar-se na fabricação, em degradação do mundo natural, condição
que recebeu como dádiva, e o próprio mundo das coisas, até mesmo as valiosas. O puro homo
faber instrumentaliza tudo ao seu redor. Tudo é regido pelo critério da utilidade.
A mesma operação que faz do homem o ‘fim supremo’, permite-lhe
‘submeter, se puder, toda a natureza a esse fim’, isto é, reduzir a natureza e o
mundo a simples meios, privando-os de sua dignidade independente.
(ARENDT, 1995, p. 169).
A atividade própria do homo faber é de generalizar a fabricação e com ela os
critérios de meios e fins. Nem o conceito de instrumentalização em si nem o processo que
coloca o produto como finalidade estão em questão. O problema reside no fato de que não se
contenta mais em instrumentalizar os produtos da fabricação, mas tudo o que existe.
O pensamento é o gratuito da mente. Não tem outra finalidade além de si mesma. O
poema é, dentre as obras fabricadas, a mais humana. Seu material é a linguagem e através das
rimas pode ser facilmente guardado na memória. É a obra que menos precisa de
12
materialização, mesmo que mais cedo ou mais tarde, para fazer parte do mundo humano
precise ser “feita”, ou seja, escrita e transformada em algo tangível. A cognição sempre tem
um fim claramente definido. Quando alcança a sua finalidade, o processo cognitivo termina.
Já o processo do pensamento coincide com o processo da existência humana, o processo do
pensamento da pessoa humana se dá enquanto este é existente no mundo. O pensamento não
produz nada, só é fonte de inspiração para o homo faber enquanto este produz coisas úteis. A
gratuidade deve ser o critério. O processo da cognição é a produção mental, nos mesmos
moldes da fabricação. As funções da ciência não se diferenciam no caso dos processos
cognitivos da fabricação. A cognição precisa de resultados para não se tornar uma atividade
fracassada.
Também devemos diferenciar os conceitos de pensamento e de cognição com o
conceito de raciocínio lógico que tem muitas semelhanças com os processos de fluição e
biológicos do labor. Os modernos computadores que conseguem copiar a mesma capacidade
lógica do cérebro humano e aumentar sua velocidade não são mais do que outros artifícios ou
substitutos artificiais para aumentar a força da divisão de trabalho nos seus movimentos
simples.
Para que o mundo humano se torne morada e lar para o próprio homem, deve
transcender o trabalho destinado ao uso e ao consumo. A vida humana, no seu sentido não-
biológico se dá na ação e no discurso que possuem a mesma efemeridade da própria
existência humana, que resulta da sua condição da natalidade, da mortalidade e da
pluralidade. Não são tangíveis e se perdem sem deixar vestígio depois do momento da
efetivação e da palavra falada. Para atenuar a fluidez e a fragilidade da ação, a pessoa que age
e fala precisa do “homo faber em sua mais alta capacidade, isto é, a ajuda do artista, de poetas
e historiógrafos, de escritores e construtores de monumentos, pois sem eles, o único produto
de sua atividade, a história que eles vivem e encenam não poderia sobreviver.” (ARENDT,
1995, p. 187). Também o artifício humano deve dar lugar à ação e à fala para que o mundo se
torne lar e moradia humana.
A era antiga sempre direcionou seus esforços para excluir da esfera pública o homo
faber. Na era moderna acontece o contrário. A pessoa humana que age e fala tem cada vez
menos espaço. A modernidade vê como essencial no governo a proteção do lado produtivo e a
manutenção da lei e da ordem. “Tudo pela ordem e o progresso”.
O trabalho, diferentemente do labor que não pode ter nenhum conteúdo público,
possui algumas características que o fazem entrar em contato com outras pessoas. Na
antiguidade, não era o cidadão da polis em si que determinava o conteúdo da esfera pública,
13
mas o homo faber que exibe e troca seus utensílios, frutos do seu trabalho. A esfera pública
não deixa de existir, mas com outra função, a de ser local de negócios.
Além disso, na Grécia, os tiranos nutriam a ambição, sempre frustrada, de
persuadir os cidadãos a não se imiscuírem em assuntos públicos, a deixar de
desperdiçar o tempo em agoreuein e politeuesthai, e de transformar a agora
num conjunto de lojas semelhantes a bazares do despotismo oriental.
(ARENDT, 1995, p. 173).
A esfera pública do homo faber não é bem uma esfera política, que é o mercado de
trocas. No isolamento pode produzir seus produtos e relaciona-se com as pessoas somente
para exibir seus produtos e trocar suas mercadorias. Também no trabalho intelectual de um
mestrado é indispensável o isolamento de um artífice, onde o estudante dispõe das idéias
como dispõe de materiais. Antes de compor sua tese necessita ter uma “imagem prévia
mental”. Mestre e trabalhador, maitre e ouvrier, eram empregados como sinônimos. A
atividade com algum contato entre humanos resultante do trabalho é a do mestre que ensina o
ofício aos aprendizes, mas é temporária, como a diferença entre adultos e crianças. O trabalho
em equipe não pode ser considerado coletivo porque nada mais é do que a divisão de trabalho
ou de funções, dos movimentos simples que constituem a obra. O único momento que o
trabalhador sai de seu isolamento é quando termina seu artesanato. As relações políticas estão
completamente fora de qualquer relação de produtividade, o que acontece no inverso, na
atividade do trabalho.
O começo da modernidade foi marcado pela sociedade comercial e o capitalismo
manufatureiro com produção em massa. O fim da sociedade comercial se deu pelo
enaltecimento do labor e a sociedade de consumo ostensivo na sociedade de operários.
As pessoas que se encontram no mercado de trocas não se encontram mais como
pessoas, mas como donos de mercadorias com valor de troca. Numa sociedade onde a
principal atividade política é a troca de mercadoria, até o operário, que vende sua força de
trabalho, se torna bajulado. Isso leva ao que Marx conceituou “auto-alienação”, que resulta na
desvalorização das pessoas como meras mercadorias. O julgamento das pessoas não se dá
porque são pessoas, mas pela qualidade de suas mercadorias. Na sociedade de operários se
julga a pessoa humana pelas funções que exerce na produção, ou seja, o mesmo valor que a de
uma máquina.
O critério do mercado de trocas é a durabilidade. Os produtos começam a ser
fabricados, não para o uso, mas para serem armazenados em vista de trocas futuras. Valor é
“uma idéia da proporção entre a posse de uma coisa e a posse de outra no conceito do
homem.” (ARENDT, 1995, p. 177). No mercado de trocas a mercadoria se torna valor. O
14
valor não pode existir na privatividade, pois é resultado da estima que recebe na esfera
pública.
No mercado de trocas tudo possui valor de troca ou de uso, não mais valor intrínseco
às próprias coisas. A transformação de todas as coisas em mercadorias leva a relatividade
universal. Não há mais pontos fixos para apoiar-se. Se tudo existe se possui relação com outra
coisa, nada tem valor objetivo além do da oferta e da procura. Isso aconteceu com a
introdução do trabalho na esfera pública. Nem as réguas, que devem suas medidas à coisa que
se deve medir, nem o dinheiro, que serve de intermediário às relações mercantis e sempre é
trocado por outra coisa, são medidas ou padrões “absolutos”. Não há mais um ponto
arquimediano. “Isso mostra o quanto a relatividade do mercado de trocas tem a ver com o
conceito de instrumento que resulta do mundo do artífice e da experiência da fabricação.”
(ARENDT, 1995, p. 180). A modernidade colocou o princípio da instrumentalidade para
governar o mundo e isso levou a um esvaziamento de significado e relativização do valor das
próprias coisas.
2.2 VIOLÊNCIA
Colocamos agora a questão sobre o conceito de violência para Arendt. É difícil
conceitualizar a violência porque é um fenômeno muito dinâmico que, na realidade prática se
mescla com muitos outros elementos. Em princípio, na perspectiva de Arendt, a violência é
um fenômeno que apareceu bastante no seu contexto. Fazendo relações entre poder e
violência, a autora menciona alguns verbos sugestivos como “emergir” em
A violência sempre pode destruir o poder; do cano de uma arma emerge o
comando mais efetivo, resultando da mais perfeita e instantânea obediência.
O que nunca emergirá daí é o poder. (ARENDT, 1994 p. 42).
E “aparece” em “A violência aparece onde o poder está em risco, [...].” (ARENDT, 1994, p.
44).
A violência quase sempre está vinculada com a despolitização ou a substituição da
personalidade por uma identidade massificada. A pessoa humana possui certos recursos que o
elevam pela possibilidade da criatividade, da liberdade, da novidade, da construção
participativa, e são motivações para não resistir às facilidades que o modo despótico oferece
para as relações inter-subjetivas.
A violência não possui uma substância em si mesma. É, antes, oposição ao fenômeno
político, que brota da palavra e da ação. Ela é ausência. A violência antes de construir, destrói.
O que pode constituir-se é o poder com a ação. Mas não sozinho ou isolado. Precisa da
15
participação de muitos. Quando nos referimos ao conceito de violência, não entendemos uma
entidade palpável; é antes o que aparece de um déficit de ações e palavras. Porém, isso
implica em mais ressalvas: ações participativas, não manipuladoras; palavras que expressem a
vontade dos homens de estarem juntos, não clichês que escondem e justificam.
Quando se pensa em violência, talvez a primeira idéia que nos vem na mente é a da
impulsividade, da agressividade irracional, do agir pelas emoções e sentimentos. Mas isso,
para Arendt é uma meia verdade. A violência não é irracional, é racional e tenta se justificar
como pode, com a natureza humana, com doutrinas teleológicas da história, com hipocrisia
nas atividades políticas, ou como sendo a melhor forma para se chegar a um estado
paradisíaco de civilização. Pode ser a primeira reação, imediata na intenção de acabar com as
injustiças, mas não pode ser o principal aparato para a mudança. O racional e o sentimental
não são opostos, podem andar juntos. São facas de dois gumes. Tanto um quanto outro podem
ser desencadeadores de processos violentos: O sentimental como impulsividade e a
racionalidade como instrumento do instinto, o que o torna mais irracional; mas também
podem ser portas de entrada para a sensibilização e a conscientização das pessoas.
Uma das características que aparece com mais evidência é a de que a violência
depende de implementos e aparatos. Não é por nada que o século XX se caracterizou pela
morte em massa de pessoas por implementos bélicos. Arendt escreve o livro “Sobre a
Violência” no contexto da guerra fria, o “jogo de xadrez apocalíptico” onde se um vencer
todos perecem. O desenvolvimento tecnológico e a fabricação de instrumentos visam o fim
também regido pela forma como é fabricado: os instrumentos são usados para a violência
assim como o ferro usado é retirado da natureza para o homem fazer uma metralhadora. Se os
instrumentos que antes eram construídos para um fim determinado, fora do campo político, o
utensílio era “meio para”, agora a fabricação do utensílio é um fim, mas que condiciona outro
meio, que por sua vez forma uma cadeia interminável, onde tudo é “meio para”.
A própria substância da ação violenta é regida pela categoria meio-fim, cuja
principal característica, quando aplicada aos negócios humanos, foi sempre a
de que ele justificaria e que são necessários para alcançá-lo. Visto que o fim
da ação humana, distintamente dos produtos finais da fabricação, nunca pode
ser previsto de maneira confiável, os meios utilizados para alcançar os
objetivos políticos são muito freqüentemente de maior relevância para o
mundo futuro do que os objetivos pretendidos. (ARENDT, 1994, p. 14).
Esse tipo de pensamento se baseia na filosofia política de Platão, fundamento da
filosofia política clássica, ou tradição. Platão pensa a polis governada pelo “rei filósofo”. A
sociedade é dividida entre aqueles que sabem o que é bom para o bem comum e os que não
possuem essa competência. A participação é imperfeição e é a fraqueza da democracia. O
16
trabalho do governo é de administrar a polis como o artesão administra os instrumentos de
fabricação manuais. As leis e a administração são “feitas”. Não se pode questionar o modo de
proceder do soberano, pois ele especializou-se a vida inteira para colocar seu trabalho a
serviço. Ninguém pode empreender melhor do que ele na tarefa de tornar a cidade o espaço da
perfeição, da completude, do acabamento. A atividade da fabricação, para Platão, é a
perfeição do soberano.
A violência então se justifica pelo fim desejado: o da perfeição, da completude, dos
resultados previsíveis e determinados. O utilitarismo está instaurado nas relações. Tudo “em
vista de”. Disso decorre a ausência de significado e a falta de fundamentos estáveis, já que
tudo não é fim, mas simples meios. Tudo se perde no ciclo interminável do que é ditado como
necessário e bom para todos.
O ideal de serventia, em si, como os ideais de outras sociedades, já não pode
ser concebido como algo de que se necessita para que se obtenha outra coisa;
sua serventia não admite discussão. [...] a perplexidade do utilitarismo é que
se perde na cadeia interminável de meios e fins sem jamais chegar a algum
princípio que possa justificar a categoria de meios e fins, isto é, a própria
utilidade. (ARENDT, 1995, p. 167).
O próprio conceito de instrumentalização, o “emprego das coisas como instrumentos
implica em rebaixar todas as coisas à categoria de meios e acarreta a perda do seu valor
intrínseco e independente” (ARENDT, 1995, p. 169), a reificação; exprime o que queremos
afirmar como fenômeno, ou o que aparece da violência.
O artífice se põe a trabalhar sobre o artefato fora do mundo comum aos outros. É no
isolamento que vai se definindo o objeto final de sua obra. A esfera comum é o espaço do
artífice enquanto está moldando sua arte. É a esfera do trabalho enquanto produção ou
fabricação.
Esfera pública é o espaço comum das pessoas, onde elas expõem umas às outras o
produto de seus trabalhos ou a si próprias. É o mundo das aparências, da futilidade, da
liberdade no sentido Arendtiano, da efemeridade. Por isso, desde os primórdios tenta-se
encontrar uma solução para a volatilidade da esfera pública. A violência foi a solução
encontrada, com suas determinações, com início-fim bem definidos e previsíveis e a definição
dos autores do processo. A violência, tentação mais comum neste caso, surge da redução do
público ao privado. A ação é reduzida a atividade do trabalho. As questões públicas são
resolvidas, não de forma comum, mas por um administrador, como um trabalho qualquer, na
esfera privada.
17
Para Platão, o ideal de polis é a monarquia, a tirania de um sobre todos, mas não
sendo ingênuos, essa é somente uma solução para os problemas da ação, existindo outras
formas de governo tirânicas – “variáveis de governo de um só” (ARENDT, 1995, p. 233).
A “idéia” é uma palavra-chave na filosofia de Platão. A violência está intimamente
ligada a esse conceito, sendo fenômeno que advém de uma atividade onde o que está
previamente determinado tem relevante importância. O processo da fabricação se desenvolve
em três partes: a ideação do que vai ser feito, o início do empreendimento e o fim da obra.
“Na República, o rei-filósofo aplica as idéias como o artesão aplica suas normas e padrões;
“faz” sua cidade como o escultor faz uma estátua.” (ARENDT, 1995, p. 239). Como o
demiurgo platônico que contempla as idéias e, a partir delas modela a mãe do mundo, a
matéria, o artífice tem na sua mente o modelo de sociedade e de relações que devem se
efetivar. Chega-se assim ao ápice da redução da esfera pública à esfera privada: a liberdade de
participar dos negócios humanos é transferida para o soberano. A esfera pública é
administrada como numa grande família, na esfera privada do lar. Em teoria, corresponde a
doutrina dos “universais” de Platão: “Na medida em que seus ensinamentos foram inspirados
pela palavra “idéia” ou eidos (“forma” ou “formato”), que ele foi o primeiro a usar num
contexto filosófico, baseava-se em experiências de poiésis, ou seja, de fabricação; [...].”
(ARENDT, 1995, p. 155).
Exemplificando, Arendt trata do mesmo assunto:
O bem é a idéia mais elevada para o rei-filósofo, que deseja governar os
negócios humanos porque deve passar a sua vida entre os homens e não pode
habitar para sempre sob o céu das idéias. Somente quando volta à caverna
escura dos negócios humanos, para conviver com seus semelhantes, é que
ele necessita das idéias como normas e padrões que lhe permitam julgar e
classificar a multiplicidade vária de ações e palavras humanas com a mesma
certeza absoluta e “objetiva” com que o artesão se orienta na fabricação e o
leigo no julgamento de cada cama pela idéia invariável e eterna da “cama”
em geral. (ARENDT, 1995, p. 238).
A violência, condição e fundamento de toda fabricação, está na base de toda essa
concepção. A tradição da filosofia política está fundada nessa visão de política, platônica,
aristocrática e centralizadora. Hannah Arendt rejeita ser chamada de filósofa política porque a
filosofia requer pensar isolado do mundo, fora do barulho e da agitação, buscando sempre o
universal e necessário, inclusive para os atos humanos. Arendt não acredita, porém, que os
atos humanos possam ser ideados a priori por alguém isolado. Essa atividade isolada só gera
concepções totalizantes, opressoras, centralizadoras e elitistas. Ela prefere ser chamada de
“teórica política”, título que se dá a quem pensa os acontecimentos no tempo, relacionando-
se, envolvendo-se, agindo e falando.
18
O desenvolvimento tecnológico do século XX esteve atrelado à glorificação do
trabalho, que necessita de instrumentos para fazer. Seu progresso foi tão grande que, uns
poucos têm a possibilidade de destruir todos os focos de poder em alguns instantes. Nunca a
riqueza teve tanta importância nas relações bélicas. O fator determinante não é mais o número
de homens do exército ou de armas de fogo, mas sim os aparatos nucleares e outros meios
pensados para a morte em massa.
A violência se baseia na relação de mando e obediência. Segundo Mill há nas
pessoas humanas dois estados de inclinação: a vontade de dominar, de mandar e a necessidade
de ser comandado. Essa concepção tem suas origens na tradição judaico-cristã onde a simples
lei tem já caráter imperativo por ser tal, identificando a relação comando-obediência como a
essência da lei. As tendências biologistas modernas fizeram com que essa concepção se
afirmasse mais ainda, como se houvesse no homem um instinto de dominação ou uma
agressividade inata.
A violência precisa de implementos de violência, como o trabalho precisa de
instrumentos para realizar-se.
Fenomenologicamente, ela (violência) está próxima do vigor, posto que os
implementos da violência, como todas as outras ferramentas, são planejados
e usados com o propósito de multiplicar o vigor natural até que, em seu
último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo. (ARENDT, 1994, p.
37).
Vigor, na concepção de Arendt, é a natural liderança que um indivíduo,
singularmente possui, para seduzir, contagiar, cativar outras pessoas. É uma característica,
uma qualidade que freqüentemente confundimos com poder de persuasão. O vigor vem de
dentro da pessoa que é propensa ao comando. É semelhante à violência porque mina as
resistências das pessoas ou o grupo no qual pretende dominar. Difere da violência porque
domina com naturalidade.
Devemos sempre lembrar que a violência não depende de números ou
opiniões, mas de implementos, e, como mencionado, anteriormente, os
implementos da violência, como todas as ferramentas, amplificam e
multiplicam o vigor humano. Aqueles que se opõem a violência com o mero
poder rapidamente descobrirão que não são confrontados pelos homens, mas
por artefatos humanos, cuja desumanidade e eficácia destrutiva aumentam na
proporção da distância que separa os oponentes. (ARENDT, 1994, p. 42).
O exemplo mais ilustrativo na nossa busca da face da violência é o de que “do cano
de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando a mais perfeita e instantânea
obediência.” (ARENDT, 1994, p. 42). Da força da coerção brota a violência, nunca do
diálogo e da ação, prerrogativas da ação que empodera.
19
Mas a violência não é só prerrogativa de um indivíduo. Os laços de coesão podem
acontecer num grupo onde o objetivo da sua união seja o de cometer um crime ou uma ação
ilegal. A amizade do âmbito privado pode ser ainda mais forte nesse caso. O organismo de
violência em expansão se realiza para continuar seu ciclo. Mas nesse caso, onde a mortalidade
violenta que se fundamenta na destruição, baseia as relações políticas, as relações podem ser
fortes, porém não serão duradouras.
A morte é a experiência da condição humana mais anti-política: “morrer é deixar de
estar entre os homens”. Ela jamais pode fundamentar a política. Pelo contrário, a condição
humana da ação é a natalidade, a possibilidade da pessoa de, pela ação relacional entre iguais,
construir o novo. Desaparecer do espaço da aparência é deixar de participar. Aparecer é ser.
Aparecer e ser reconhecido pelo outro é condição para ser.
A destruição se relaciona mais intimamente com a violência, desde as relações de
trabalho, atrelada ao sentimento de alegria pelo produzido.
Tem a ver com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a
qual o homem se mede contra as forças devastadoras da natureza e que,
através da astúcia com que inventou as ferramentas, sabe multiplicar muito
além de sua medida natural. (ARENDT, 1995, p. 153).
O homo faber é um destruidor da natureza, no seu ser artífice do mundo que cria para
si e para os outros agregarem valor ao feito. “Esse elemento de violação e de violência está
presente em todo processo de fabricação.” (ARENDT, 1995, p. 152). Matar um processo vital
no caso de uma planta ou um animal ou interromper um processo lentíssimo da natureza é
necessário para se conseguir o material. O mundo que o artífice objetiva é o que ele próprio
fabrica. A natureza não depende do homem. Do grego physis, quer dizer “aparecer por si
mesma”. Nela o processo de fazer-se se confunde com o objetivo final, ao contrário do que
acontece na fabricação. A semente contém em si a finalidade de ser árvore. Há um
automatismo. No trabalho, o processo é um meio para se chegar ao produto final. A natureza
absolutamente não se confunde com a fabricação.
Quando se quer obter objetivos em curto prazo, facilmente se recorre à violência. Por
ser previsível nos resultados, pois tal ato violento é um meio para se efetivar determinado fim,
e reversível, pois se assemelha ao processo de fabricação onde o artífice pode destruir sua
obra a qualquer momento, ela é uma proposta tentadora. Porém não há nada mais
determinista, não-libertador e não-empoderador do que isso. Para tal problema, tal diagnóstico
e tal remédio. Está já tudo catalogado e é só aplicá-lo na realidade concreta como um manual
de instruções ou receita. Não há espaço para a criatividade. Tudo se torna adequação ao já
dado, já experimentado, já percorrido. O princípio do utilitarismo está sempre como pano de
20
fundo nessa estação: para tal fim, percorre-se por tal via. É fácil e prático. A natalidade é
suprimida porque se nega que há algo de novo para acontecer. E
[...] o perigo da violência, mesmo se ela se move conscientemente dentro de
uma estrutura não-extremista de objetivos de curto prazo, sempre será o de
que os meios se sobrepõem ao fim. Se os objetivos não são alcançados
rapidamente, o resultado será não apenas a derrota, mas a introdução da
prática da violência na totalidade do corpo político. [...] a prática da
violência, como toda ação, muda o mundo, mas a mudança mais provável é
para um mundo mais violento. (ARENDT, 1994, p. 58).
A implicação do utilitarismo nas relações é a de que a violência precisa de
justificação. Ela necessita de uma desculpa pelo qual as pessoas a aceitem como um motivo
justo e tolerável. Sendo instrumental, a violência necessita de justificação. Nada disso pode
ser fim em si, sempre está a serviço de um “para”. Todo “meio” precisa de uma justificação,
que está no fim que deseja chegar. A violência não pode ser fim no sentido de finalidade, mas
possui começo em fim bem definidos, bem como a fabricação.
O fim justifica a violência cometida contra a natureza para que se obtenha o
material, tal como a madeira justifica matar a árvore e a mesa justifica
destruir a madeira. [...]. Durante o processo de trabalho, tudo é julgado em
termos de adequação e serventia em relação ao fim desejado, e nada mais.
(ARENDT, 1995, p. 166).
Dar desculpas para os atos mais bárbaros se tornou natural. A palavra não mais
revela, como nos diz Hannah Arendt, serve para esconder e aprisionar as pessoas mais ainda
para dentro de suas cascas, com slogans do tipo: “é necessário cada um fazer sua parte
(isoladamente)”, “o mundo está perdido, não vou gastar minhas energias em algo que não traz
resultados”; são reflexo de que está dando certo para quem propaga e lucra com a
fragmentação, como a mídia corporativa, que tem um público que não confere se o que se está
veiculando é mesmo verdade, então colocando as opiniões que os patrocinadores querem que
seja verdade. Também os políticos corruptos que contam com a desinformação e a
desarticulação da população, a falta de debates nos temas fundamentais, tornando precária a
assistência estatal, desconexa com a vida da população. A desarticulação das comunidades na
busca de direitos para o local onde moram, perpetuando a miséria na periferia, origem de
muitos outros problemas como a violência, o tráfico de drogas, prostituição, a perda da
sensibilidade para com a dignidade das pessoas, o que, no fundo, é uma resposta a uma
sociedade excludente, do sucesso e da desigualdade. Tudo isso se justifica facilmente numa
ótica utilitarista. Para se ter a esperança de chegar a ser vencedor, “devo me resignar ao fato
de que devem existir perdedores, mesmo que no momento eu esteja no meio desses...”.
21
2.2.1 A violência e o contexto histórico de Hannah Arendt
Nossa autora escreve num contexto específico. Ela tem um método próprio,
deslocando-se como numa lacuna “entre o passado e o futuro”, mas refletindo com os pés no
seu momento histórico. Sua obra está intimamente ligada com os acontecimentos que estão na
pauta do dia. Ela não busca universalizações que sejam atemporais ou descontextualizadas. A
violência só é o foco de Arendt por ela ter sentido isso como essencial para análise: o
desenvolvimento dos implementos de guerra e, com isso, a disseminação da mentalidade
cientificista, desqualificada por Arendt como pseudociência. Ainda vinculado a isso há certa
tendência de tentar justificar a violência vigente com uma concepção biologista do homem e
consequentemente das ciências sociais, relacionando a violência à irracionalidade. Hannah
Arendt publicou Sobre a Violência no ano de 1969, em meio ao contexto da guerra do Vietnã,
a Nova Esquerda, a revolução estudantil de 68, os movimentos de resistência violenta ou de
descolonização, os focos de resistência com a desobediência civil e os temores da guerra
nuclear. Arendt parte da análise do momento, dos problemas concretos da pauta política. Nos
Estados Unidos, desde os anos 50, o momento era de embate de forças antagônicas, que
resultou nos “movimentos por direitos civis” nos anos 60; e aproveitando esse momento, as
massas negras e outros segmentos, até então privadas de muitos direitos, lutam para mudar a
estrutura social vigente. São dessa época o movimento de jovens negros, os “Panteras Negras”
e os “Black Power”, a nova Esquerda, o movimento contra a guerra do Vietnã que mobilizou
a opinião pública por sua causa.
É importante perceber que alguns movimentos pregavam a desobediência civil, o
direito de protesto não violento e outros meios de resistência não-violenta. Mesmo depois da
experiência da II Guerra e dos totalitarismos, porém, a violência continuava a ser o
denominador comum da política. O progresso tecnológico avançava para aprimorar os meios
de violência, os Estados democráticos desgastados pela burocracia partidária e as polícias
reprimiam duramente os focos de movimentos. No prefácio do livro Sobre a Violência Celso
Lafer afirma diretamente o que Arendt coloca como de pano de fundo nos acontecimentos:
Hannah Arendt mostra como o século XX encontrou, na violência e na
multiplicação de seus meios pela revolução tecnológica, o seu denominador
comum [...] (e) a maciça intromissão da violência criminosa, em larga
escala, na política. (LAFER apud ARENDT, 1994, p. 7).
São exemplos disso a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, os campos de
concentração, o genocídio e massacres. O século XX foi marcado por ser o tempo onde mais
se desenvolveram artefatos bélicos de destruição massiva. Isto tinha começado no século XIV
22
e XV com o renascimento artístico e cultural, passando pela fundamentação da ciência, com a
revolução industrial, e coroando com a II Guerra Mundial, cruel e ao mesmo tempo higiênica.
Os campos de concentração foram ideados pela mesma razão libertadora da pessoa humana.
A revolução estudantil de 68 em todo o mundo é parte da onda anti-racionalista do século XX,
que está decepcionada com a ciência que produziu as armas nucleares e os velhos padrões
morais, relacionados com educação, sexualidade e prazer. Na França o movimento estudantil
foi um marco porque mobilizou o país inteiro. Ao final de tudo, porém, o partido gaulista, que
no meio da agitação quase entrou em colapso, voltou mais forte que antes. Chegou um
momento em que a insurreição revolucionária se acalmou rapidamente e tudo voltou ao
normal.
A questão da violência na política se torna fundamental no contexto da autora. A
guerra fria, o que ela chama de xadrez apocalíptico onde se um vencer é o fim para todos, tem
como objetivo, não mais como nas guerras anteriores que findavam com a vitória de um dos
lados, mas o arbítrio e a dominação. O argumento implícito ai é o de que a preparação para a
guerra, desenvolvendo e acumulando implementos bélicos, é a melhor garantia para a “paz”.
A paz aqui pode ser entendida como passividade diante da segurança do status quo. O
totalitarismo, para se auto-sustentar precisa dar segurança às pessoas, mesmo que com
repressão e dominação.
Tudo isso continua porque ainda não entrou em cena nada que possa ser uma
alternativa eficaz. A ação criadora perde espaço para os sistemas deterministas, onde não há
nada de novo. Tudo é síntese do mesmo. A violência se auto-sustenta, pelo menos no início,
através disso: parece não haver alternativa melhor à que está aí, o que gera passividade.
A violência brota da eficiência dos seus implementos. Todo sistema de governo, até
o tirânico, a forma menos poderosa, depende da opinião dos súditos e de associados que o
ajudem na tarefa da violência. Como afirma Arendt, “mesmo o tirano, o Um que governa
contra todos, precisa de ajudantes na tarefa da violência, ainda que seu número possa ser
restrito [...] e [...] nunca é possível sem instrumentos.” (ARENDT, 1994, p. 35). A violência,
sendo instrumental, está justificando o utilitarismo que está no fundo fundamentando essa
concepção: “A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, ela sempre
depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja.” (ARENDT, 1994, p. 40-41). A
razão, luz esclarecedora da “Idéia Suprema”, também se tornou instrumental, estando a
serviço da violência como fabricação. Não é por pouco que a violência e a fabricação são tão
íntimas.
23
Os cientistas sabem, é claro, que o homem é o fabricante de ferramentas que
inventou as armas de longo alcance que o liberaram das restrições ‘naturais’
que encontramos no reino animal, e aquela fabricação de ferramentas é uma
atividade mental altamente complexa. (ARENDT, 1994, p. 47).
A mentalidade cientificista é o mal da modernidade e da contemporaneidade. Nos
conselhos de governos cresce a procura de superespecialistas como forma de fazer as coisas
relacionadas com a administração pública, da melhor forma possível.
Em vez de entregarem-se a esta atividade antiquada e improcessável (de
pensar), calculam as conseqüências de certas suposições hipoteticamente
assumidas, sem, contudo serem capazes de testar suas hipóteses contra as
ocorrências reais. A falha lógica nestas construções hipotéticas dos eventos
futuros é sempre a mesma: aquilo que primeiro aparece como uma hipótese
– com um sem as suas alternativas implicadas, conforme o grau de
sofisticação – torna-se imediatamente, em geral, após uns poucos parágrafos,
um ‘fato’, o que então origina toda uma corrente de não-fatos similares, daí
resultando que o caráter puramente especulativo de toda a empreitada é
esquecido. Não é preciso dizer que isto não é ciência, mas pseudociência, ‘a
desesperada tentativa das ciências sociais e comportamentais’, nas palavras
de Noam Chomsky, ‘de imitar as características superficiais das ciências que
tem um conteúdo intelectual significativo’. E a mais óbvia e ‘mais profunda
objeção a este tipo de teoria estratégica não é a sua limitada, mas o seu
perigo, pois ela pode nos levar a acreditar que temos um entendimento a
respeito desses eventos e um controle sobre o seu fluxo, o que não temos’
[...]. (ARENDT, 1994, p. 15).
Este longo fragmento explica bem o que Arendt pensa sobre os governos que se
assentam na falsa ilusão do que há de mais moderno, nos artefatos tecnologicamente mais
desenvolvidos, no conhecimento das técnicas mais avançadas. O governo administrativo se
fundamenta na atividade humana da fabricação. Nessa atividade não entra ética porque não há
alteridade, não há relações entre iguais e o produto fabricado não é construído em conjunto,
mas por um indivíduo capacitado, no isolamento. Por isso o desenvolvimento tecnológico e
de implementos da violência, por maior que seja, não implica necessariamente num salto
qualitativo no campo da ética.
A sociedade de massa leva ao despotismo e à matematização da realidade. O ideal
científico não é mero inocente: as pessoas aceitam cegamente o que lhes colocam como
“cientificamente comprovado”. Arendt ironiza de forma forte contra a superespecialização
nos governos, que quer tornar a civilização num bando de “macacos supercivilizados” – ou
pior, de “homens transformados em galinhas ou ratos”, governados por uma “elite” que deriva
seu poder “dos sábios conselhos de assessorias intelectuais” e que, de fato, acredita que os
assessores são pensadores, e que computadores podem pensar;
os conselhos vão acabar tornando-se incrivelmente insidiosos e, em vez de
almejarem objetivos humanos, podem visar problemas completamente
24
abstratos, que tenham sido transformados de maneira inédita em um cérebro
artificial. (ARENDT, 1994, p. 60).
Para Arendt, a atitude cientificista e superespecializada na política brota de uma
expressão técnica do homem. A verdadeira pessoa humana aqui não é a que age e fala, mas o
homo faber. Daqui decorre a origem da glorificação da violência.
Diante desse contexto, ainda há muitas correntes que tentam justificar a violência
como sendo natural ao homem, com tentativas de provas tiradas da biologia e do
comportamento dos animais. Mas os problemas humanos não podem ser reduzidos aos
comportamentos animais. O humano é mais complexo que isso.
Para se saber que um povo irá lutar pela sua terra, dificilmente teríamos que
descobrir instintos de ‘territorialismo grupal’ em formigas, peixes e
macacos; e para se saber que a superpopulação resulta em irritação e
agressividade, não é necessário fazer experiências com ratos. Um só dia
passado em uma favela nas grandes cidades teria sido suficiente. (ARENDT,
1994, p. 45).
Dizer que os comportamentos agressivos estão relacionados com instintos
animalescos na pessoa humana tendem “a fazer do comportamento violento uma reação ainda
mais ‘natural’ do que estaríamos preparados para admiti-lo em sua ausência.” (ARENDT,
1994, p. 46).
Também Bergson, Nietzsche e Marx pensavam a violência como criatividade, a força
estimulante da vida, e a produtividade da sociedade. O poder nessa concepção se atrela a
violência e, assim como a vida, precisa se expandir para sobreviver porque o “instinto” de
crescer lhe é próprio.
Na opinião da nossa autora é perigoso pensarmos as relações humanas de forma
organicista. Nessa ótica poder e violência decorrem das relações, não propriamente humanas,
onde vigoram outras leis, diferente do valor da liberdade, onde os conceitos de poder e
violência de destruição e submissão coincidem. Essa ótica se baseia numa suposta criatividade
e dinamicidade da vida biológica. As implicações disso são desastrosas: destruição e criação
são as duas faces do mesmo processo natural, de modo que a ação violenta coletiva [...] pode
parecer tão natural enquanto um pré-requisito para a vida coletiva da humanidade, quanto à
luta pela sobrevivência e a morte violenta em nome da continuação da vida, no reino animal.
Vale citar uma ilustração feita por Arendt no que se refere ao racismo como fruto
dessa mentalidade. Sendo assim, não é só um fato normal constatado da vida, mas uma
ideologia:
O racismo, branco ou negro, é por definição repleto de violência porque
contesta fatos orgânicos naturais – uma pele branca ou negra – que nenhuma
25
persuasão o poder poderia mudar; tudo o que se pode fazer, jogadas as
cartas, é exterminar seus portadores. (ARENDT, 1994, p. 55).
O maior perigo é o de que se justifique o racismo com alguma ideologia, posto que a
violência precisa ser sempre justificada.
Daqui decorre que a violência não é fruto de uma irracionalidade instintiva ou dum
impulso biológico, mas daquela racionalidade que os modernos tanto glorificaram. A
definição do homem como animal racional vem de um dualismo onde a res cogitans é algo
que só acrescenta ao que já está aí. O homem é também um ser instintivo e o elemento
adicional da razão o torna ainda mais perigoso. “É o uso da razão que nos torna
perigosamente ‘irracionais’, pois esta razão é propriedade de um ‘ser originalmente
instintivo’.” (ARENDT, 1994, p. 47). Essa concepção é também fruto de um biologismo, com
o elemento adicional da razão.
A justificação da violência, a racionalidade e a atividade do trabalho andam sempre
juntas:
A violência, sendo instrumental por natureza, é racional à medida que é
eficaz em alcançar o fim que deve justificá-la. E, posto que, quando agimos
[referência a ação empoderada], nunca sabemos com certeza quais serão as
conseqüências eventuais do que estamos fazendo, a violência só pode
permanecer racional se almeja objetivos a curto prazo. (ARENDT, 1994, p.
58).
Arendt encontra nos acontecimentos do seu tempo, não uma busca por experiências
místicas fora da consciência racional e esclarecida, mas a busca pela racionalidade, tanto para
justificar, quanto para manipular de forma hipócrita pela palavra. “Só podemos nos fiar nas
palavras se estamos certos de que sua função é a de revelar, e não a de esconder.” (ARENDT,
1994, p. 49).
2.2.2 A Violência e a Tradição
Geralmente o que é óbvio passa por trabalhado e não se dá conta da sua distinção
conceitual e das suas implicações. A violência na tradição política, desde Platão, desempenha
um papel importante e até determinante, porém poucos sentiram a necessidade de desenvolver
esse conceito. Diante do fato de que a edição da Enciclopédia de Ciências Sociais não
mencionar o termo “violência”, Arendt comenta: “Isto indica o quanto a violência e sua
arbitrariedade foram consideradas corriqueiras e, portanto, desconsideradas; ninguém
questiona ou examina o que é óbvio para todos.” (ARENDT, 1994, p. 16).
26
Mas Arendt faz uma coletânea de fragmentos de autores, clássicos e contemporâneos
seus confirmando sua tese: “Clausewitz denominando a guerra como ‘a continuação da
política por outros meios’, ou se Engels definindo a violência como o acelerador do
desenvolvimento humano” (ARENDT, 1994, p. 17); ainda Engels afirma “‘onde quer que a
estrutura de poder de um país contradiga o seu desenvolvimento econômico’, será o poder
político, juntamente com seus meios de violência, que sofrerá a derrota.” (ARENDT, 1994, p.
17). Sartre “afirma que ‘a violência incontrolável... é o homem recriando-se a si mesmo’, que
é por meio da ‘fúria louca’ que os ‘desgraçados da Terra’ podem ‘tornar-se homens’.”
(ARENDT, 1994, p. 19). Marx afirma que “o Estado era um instrumento de opressão nas
mãos da classe dominante.” (ARENDT, 1994, p. 31). Bertrand de Jouvenel: a guerra pertence
à essência dos Estados. (ARENDT, 1994, p. 31).
Essas colocações brotam comumente do pensar os fenômenos de poder e violência
como equivalentes. A tradição não conseguiu perceber a diferença desses dois conceitos e por
isso, tanto o senso comum, como os próprios acadêmico, concebiam “poder” como a relação
de mando e submissão. A maioria dos teóricos, tanto da esquerda ou da direita, definem:
“toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder é a violência”, como afirma C.
Wright Mills, comentado Weber, na sua exclamação: o Estado como “o domínio do homem
pelo homem baseado nos meios da violência legítima, quer dizer, supostamente legítima.”
(ARENDT, 1994, p. 31). Para Voltaire, o poder “consiste em fazer com que os outros ajam
conforme eu escolho.” (ARENDT, 1994, p. 32); ainda Jouvenel: “Comandar e obedecer, sem
isto não há poder – e, com isto, nenhum atributo é necessário para que ele exista... Aquilo sem
o que não há poder: essa é a essência é o comandar.” (ARENDT, 1994, p. 32).
Mas essa submissão ou obediência derivam de onde?
Tal apoio nunca é inquestionável, e no que concerne à segurança ele não
pode alcançar a ‘obediência inquestionável’ que de fato, um ato de violência
pode impor – a obediência com a qual pode contar todo criminoso quando
me arrebata a carteira com a ajuda de um faca, ou rouba um banco com a
ajuda de uma arma.
Arendt interpreta os autores clássicos da tradição política no sentido de não
distinguirem os dois conceitos chaves de seu pensamento. Se fosse como os teóricos
pensavam, o homem não seria mais do que um animal condicionado às determinações da vida
e dos processos. Não haveria liberdade e muito menos ações criativas e iniciadoras. A
autoridade se resumiria na simplista idéia de comando por meio da força e do medo, não de
confiança, esperança, liberdade.
Se a essência do poder é a efetividade do comando, então não há maior
poder do que aquele emergente do cano de uma arma, e seria difícil dizer
27
‘em que medida a ordem dada por um policial é diferente daquela dada por
um pistoleiro’. (ARENDT, 1994, p. 32).
Arendt diz, porém, que quem não entende dessa forma, que pensa conforme a
tradição deve ser compreendido. Para ela essa incompreensão vem da nossa ânsia por obter
resultados sempre a curto prazo, sem fazer processos. A busca por superespecialistas nas
administrações dos governos e a grande intromissão da violência na política vem dessa ânsia.
Para se obter tal resultado, é necessário fazer tal movimento e, pensa-se, tudo se resolve “num
passe de mágica”. “Fundamentalmente por causa da condição humana da mortalidade, o eu
qua eu não pode raciocinar em termos do interesse de longo prazo, quer dizer, o interesse de
um mundo que sobrevive aos seus habitantes.” (ARENDT, 1994, p. 57). Queremos as coisas
de imediato, ver resultados das nossas ações. Por isso a violência está atrelada ao medo da
morte, a mortalidade, enquanto a ação está ligada a natalidade, ao nascimento, que independe
dos indivíduos isolados, mas de uma continuidade histórica.
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3 O PODER QUE EMANA DA AÇÃO
Ação é a atividade humana exercida em parceria entre semelhantes, na pluralidade. É
a atividade da vita activa mais humana. Ela é a possibilidade do novo e do milagre. O
aparecimento do homem no meio da natureza é um fato milagroso porque não é só mais
alguma derivação ou desdobramento do ser originário, mas um ser criador e iniciador de
processos novos. A atividade da ação, então, é a atividade criadora.
Poder designa a possibilidade dos homens de criarem juntos. Não há poder se não
existe articulação, movimentação das pessoas, mais do que para fazerem algo, mas para
“serem com”. Poder é em si uma dinâmica que mantém unidas as pessoas pelo puro prazer de
estarem e criarem juntos. Enquanto estão juntos, cada um empresta seu potencial de poder aos
outros, como que em um elo que os mantém ligados.
A ação é fugaz e efêmera. Ela passa e já não existe mais. Precisa de algo que
mantenha o espaço da pluralidade, da diferença. Ser “indiferente” é pensar que o outro é igual
ao eu, e nem precisar se dar ao trabalho de descobrir se isso é verdade... A ação revela o ser
humano que se dá a conhecer e o poder é o que mantém viva a lembrança da existência alheia.
A ação é a fonte e o poder é a dinâmica que a mantêm estável e durável. Vamos desenvolver
melhor esses dois conceitos e suas implicações na teoria política e no conceito de história.
3.1 AÇÃO
São próprias ao homem duas dimensões: vita activa e vita contemplativa. O nosso
foco é a primeira. Vita activa designa três atividades correspondentes à condição básica pela
qual a vida nos foi dada na terra: labor, trabalho e ação. Labor corresponde aos processos
básicos do corpo humano. Tem a ver com a manutenção da vida na sua forma mais elementar.
“A condição humana do labor é a própria vida” (ARENDT, 1995, p. 15). O trabalho
corresponde à capacidade do homem de fabricar objetos que lhe facilitem a vida. É a
dimensão utilitária da vida humana. “A condição humana do trabalho é a mundaneidade.”
(ARENDT, 1995, p. 15). A ação é a atividade do homem sem mediação material. A única
mediação é a pluralidade. Não é o Homem que vive na terra, mas homens habitam o mundo.
É a atividade da vida política.
A ação é a atividade humana em meio a outros homens. É a condição humana da
pluralidade. Na obra A Condição Humana, Arendt a coloca em uma das atividades
fundamentais da vita activa e a atividade em que o homem exerce o que lhe é mais humano.
29
Todas as atividades possuem algo de político, mas a ação é a condição de toda a vida política,
pois cria possibilidades para o exercício da liberdade e a novidade. A ação não acontece por
mediações materiais, mas diretamente entre os homens. Não é por outra causa que a relação
política acontece, ela é a própria finalidade. A ação, em Hannah Arendt, corresponde a uma
atividade superior às demais porque diferencia a pessoa humana dos demais seres.
Neste sentido de iniciativa, todas as atividades humanas possuem um
elemento de ação e, portanto, de natalidade. Além disso, como a ação é a
atividade política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode
constituir a categoria central do pensamento político, em contraposição ao
pensamento metafísico. (ARENDT, 1995, p. 17).
As pessoas não são totalmente diferentes porque senão não se entenderiam, mas ao
mesmo tempo são seres únicos e constroem o seu diferencial pela ação e pelo discurso. Se não
houvesse diferenças não precisaríamos desses dois elementos de revelação do agente. “A
pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares.” (ARENDT, 1995, p. 189).
A identidade do indivíduo é constituída através de sua revelação.
A alteridade se dá a partir da distinção e da definição. Na matéria inorgânica só há
multiplicações. No mundo animal começa a haver diferenças entre os indivíduos de cada
espécie. A pessoa humana tem a sua diferença na capacidade de expressar-se e não apenas
alguma coisa.
O ser humano organiza juízos lógicos em proposições e possui inclusive a
capacidade de comunicá-los a outro alguém. O ser humano é assim um ser de linguagem.
Arendt traduz isso como capacidade humana do discurso, que tem a função reveladora do ser
humano. No discurso a pessoa humana revela quem é:
Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só
ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa
– como sede, fome afeto, hostilidade e medo. (ARENDT, 1995, p. 189).
Nenhum outro animal articula sons com sentido da mesma complexidade do que os
da pessoa humana. Essa é uma das características fundamentais que lhe conferem o seu ser
próprio e singular.
É interessante para a nossa temática citar como nossa autora compreende a
importância da política. No livro A dignidade da política (2002a, p. 40) Arendt expõe que “as
armas e a luta, entretanto, pertencem à atividade da violência, e a violência, distinguindo-se
do poder, é muda; a violência tem início onde termina a fala. Quando usadas com o propósito
de lutar, as palavras perdem sua qualidade de fala; transformam-se em clichês.” As relações
de violência, como podemos exemplificar com o caso de um governo totalitário, para se
30
manterem, necessitam abolir o espaço das pessoas de expressar-se. No Brasil a expressão
disso é o famoso AI-5, que restringiu as publicações de manifestações de natureza política.
E isto originalmente significava (discurso) não apenas que quase todas as
ações políticas, na medida em que permaneciam fora da esfera da violência,
são realizadas por meio de palavras, porém, mais fundamentalmente, que o
ato de encontrar as palavras adequadas no momento certo,
independentemente da informação ou comunicação que transmitem,
constitui uma ação. Somente a pura violência é muda, e por este motivo a
violência, por si só jamais pode ter grandeza. (ARENDT, 1995, p. 35).
Outra característica fundamental é a da relacionalidade. O ser humano é um ser de
comunidade na liberdade. Pela definição de Rabuske, “na comunidade o indivíduo continua
livre, e também se sente livre e responsável.” (1981, p. 150). Por isso ele consegue construir
uma comunidade, uma rede ou teia de relações onde se cultiva a liberdade. Os animais se
associam por instinto de sobrevivência. O ser humano, além de ser naturalmente político, quer
ser político. Essa categoria, para Arendt, constitui a ação.
A política produz o que é grande e luminoso. Pode-se conceituar como energéia
(efetividade) no sentido de que o agir e a palavra são as maiores realizações do ser humano,
sem uma finalidade (télos). É viver bem. Isso não se consegue com o trabalho, mas só existe
na pura efetividade da ação. O comportamento humano é julgado por padrões morais, mas a
ação é julgada por sua grandeza, pois a ação rompe com os padrões consagrados, o que é
extraordinário e diferente da vida cotidiana.
Na leitura de Bertem (2004), Arendt está próxima a uma concepção de essência
própria do ser humano como político. Para ele Arendt se aproxima muito da tradição
aristotélica. Porém, na leitura de O que é política? (2002b), Arendt alerta para não
essencializar o homem, pois “a política surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora
dos homens. Por conseguinte, não existe nenhuma substância política original.” (ARENDT,
2002b, p. 23). “Só existe liberdade no intra da política.” (ARENDT, 2002b, p. 24). Postular
uma natureza seria dissolver a política na História global, como se fosse necessária e única.
Isso é dissolver a pluralidade e a liberdade. Concluímos a partir disso que Arendt se aproxima
sim da tradição aristotélica, mas a natureza humana de Aristóteles é construída pela relação
aberta ao novo das ações dos agentes da política.
As duas dimensões, da ação e do discurso, constituem outra categoria mais geral: a
ação propriamente dita. A ação está no topo da valoração dos elementos da vita activa. São os
elementos da ação e do discurso que conferem dignidade à política. A ação é a atividade
propriamente humana, correspondente a sua dimensão política. Na ação e no discurso as
pessoas humanas interagem entre si como tais.
31
Através deles o homem pode distinguir-se, ao invés de permanecer apenas
diferentes; a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se
manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto
homens. Esta manifestação, em contraposição a mera existência corpórea,
depende da iniciativa, mas trata-se de uma iniciativa da qual nenhum ser
humano pode abster-se sem deixar de ser humano. (ARENDT, 1995, p. 189).
A ação e o discurso em Arendt revelam o agente livre, iniciador de processos. Isso
constitui a capacidade de novidade dos seres humanos, livre (em partes) de determinismos e
condicionamentos. A ação precisa do discurso e o discurso precisa da ação. O conceito grego
deste é a práxis.
De qualquer modo, desacompanhada do discurso, a ação perderia não só seu
caráter revelador como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer:
em lugar de homens que agem teríamos robôs mecânicos a realizar coisas
que seriam humanamente incompreensíveis. Sem o discurso, a ação deixaria
de ser ação, pois não haveria ator; e o ator, agente dos atos só é possível se
for ao mesmo tempo, o autor das palavras. A ação que ele inicia é
humanamente revelada através de palavras; e, embora o ato possa ser
percebido em sua manifestação física bruta, sem acompanhamento verbal, só
se torna relevante através da palavra falada na qual o autor se identifica,
anuncia o que fez e o que pretende fazer. (ARENDT, 1995, p. 191).
A ação e o discurso revelam a identidade pessoal e singular do agente. Diferente de
expressar o “que” alguém é (qualidades, defeitos, aspirações, etc.), revela o “quem” de quem
fala ou age. Sem revelar o agente a ação torna-se vazia, e é como qualquer feito. Torna-se
como a fabricação.
Isso ocorre sempre que deixa de existir convivência, quando as pessoas são
meramente ‘pró’ ou ‘contra’ os outros, como ocorre, por exemplo, na guerra
moderna, quando os homens entram em ação e empregam meios violentos
para alcançar determinados objetivos em proveito de seu lado e contra o
inimigo. Nessas circunstâncias, que naturalmente existiram, o discurso
transforma-se em mera ‘conversa’, apenas mais um meio de alcançar um
fim, quer iludindo o inimigo, quer ofuscando a todos com propaganda. Neste
caso, as palavras nada revelam; a revelação advém exclusivamente do
próprio feito, e este feito, como todos os outros, não desvenda o ‘quem’, a
identidade única e distinta do agente. (ARENDT, 1995, p. 193).
Na ação, o discurso não pode ser usado por intenções utilitaristas. Em outras
atividades ele desempenha papel secundário de comunicação de coisas, porém ele pode ser
substituído pela violência muda.
Sendo pessoa humana, a condição fundamental é a da ação. Ela exerce sua maior
humanidade agindo livremente com os outros. O agir é ser pessoa e expressar-se. No
isolamento a pessoa é como se não fosse. É preciso comunicar o “quem”. Numa obra “feita”
com a atividade do trabalho humano não é relevante conhecermos o autor para apreciá-la. Ela
não possui outro sentido além do que está materializado no quadro. Isso não se aplica a ação,
que precisa estar associada ao seu ator.
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Com a afirmação do zoon politikon, animal político, Arendt contrapõe o singularismo
heideggeriano e moderno. Ela recorda de Aristóteles que o homem é um ser naturalmente
político, mas vai mais além, ele é mais político ainda porque possui a capacidade da
linguagem. Alguns animais vivem agregados, como as abelhas, as formigas e outros, mas
linguagem não é só um conjunto de sons, é o acrescentar algo, conhecimentos, sentimentos,
qualidades e outros.
Para Arendt o elemento do discurso está intimamente ligado a ação política, que é a
esfera que possibilita a comunicação, não de qualquer informação, mas é manifestação da
humanidade. Esse espaço chama-se espaço da aparência ou domínio público. Ai há a presença
do outro que me aparece. O que não possui aparência não possui realidade.
A política foi fundamentada na antiguidade pela natureza humana; no medievo, foi
fundamentada por uma divindade e na modernidade fundou-se na racionalidade. Hannah
Arendt funda a política nas condições da existência humana, mais especificamente a da
pluralidade e da natalidade.
O que quer que toque a vida humana ou entre em duradoura relação com ela,
assume imediatamente o caráter de condição da existência humana. [...].
Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido
pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. (ARENDT, 1995,
p. 17).
Com o discurso e a ação nos inserimos no mundo humano. No sentido etimológico
mais geral, agir significa começar (archein), imprimir movimento a algo. Pelo fato de terem
nascido, as pessoas tomam iniciativas, são motivados a agir. “Trata-se de um início que difere
do início do mundo; não é o início de uma coisa, mas de alguém que é ele mesmo um
iniciador.” (ARENDT, 1995, p. 190). A todo início e origem há a imprevisibilidade, algo
novo que não poderia ser previsto de qualquer ação anterior. O sujeito agente pode realizar
algo totalmente inesperado e improvável. A ação corresponde ao fato do nascimento, que é
novidade e possibilidade do inesperado; enquanto o discurso ao fato da pluralidade, que é o
viver singular entre iguais.
Um fato novo é aquele que escapou à previsibilidade e que saiu fora dos
determinismos. A “surpresa” é a característica de todo o início, toda origem. Ao longo da
origem e da caminhada do planeta, aconteceram muitos saltos qualitativos: a origem da vida a
partir da matéria inorgânica ou a origem da vida humana a partir da vida animal.
O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estáticas e de
sua probabilidade que, para fins práticos e cotidianos equivale à certeza;
assim, o novo sempre surge do sob o disfarce do milagre. O fato de que o
homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que
ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto só é possível
33
porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao
mundo algo singularmente novo. (ARENDT, 1995, p. 191).
No momento em que nos esforçamos em tentar dizer “quem” alguém é, nos
frustramos porque falamos mesmo o “que” esse alguém é, suas características, qualidades. A
mesma dificuldade é encontrada na tentativa de definição da natureza humana. Dizemos as
suas características e não “quem” de fato é a pessoa. Essa impossibilidade de expressar a
essência viva da pessoa tem algumas implicações. Não podemos tratar dos negócios humanos,
onde o discurso e a ação assumem elementos principais na revelação do agente, da mesma
forma que as coisas que podemos dispor, pois podemos nomeá-las. Outro aspecto é o da
“incerteza de todo intercâmbio direto entre os homens, onde não existe a mediação
estabilizadora e solidificadora das coisas.” (ARENDT, 1995, p. 194). Das relações não
podemos determinar nenhum resultado necessário. A ação é relação aberta.
A ação é a efetivação da condição humana da natalidade e o discurso é a efetivação
da condição humana da pluralidade. Pelo discurso o agente se expressa na ação e sem ela a
ação não pode ser tal, pois não há ator.
A ação que ele inicia é humanamente revelada através de palavras; e, embora
o ato possa ser percebido em sua manifestação física bruta, sem
acompanhamento verbal, só se torna relevante através da palavra falada na
qual o ator se identifica, anuncia o que fez, faz e pretende fazer. (ARENDT,
1995, p. 191).
No encontro das pessoas elas revelam quem são. As mediações para isso são o
discurso e a ação. A ação e o discurso acontecem enquanto revelam o agente, mesmo que o
conteúdo seja sobre o mundo, e que envolvam certos interesses. Além da mediação por
interesse, os homens agem e falam uns com os outros, e isto não é materializável, não
deixando de ser menos real que o primeiro. A esta realidade chamamos de “teia” de relações
humanas. As pessoas, mesmo que empenhadas em alcançar objetivos materiais se revelam
como sujeitos distintos e singulares dos outros. Ignorar que é inevitável que as pessoas se
relacionem como sujeitos distintos e singulares, é o erro básico do materialismo político.
Mesmo que a revelação do agente se refira a uma realidade física e mundana, ela é
revestida e constituída por atos e palavras que se originam do fato de que as pessoas agem e
falam umas com as outras. O resultado disso não é nada material, mas essa realidade é tão real
quanto o mundo tangível. A essa realidade se denomina teia das relações humanas.
É verdade que essa teia é tão vinculada ao mundo objetivo das coisas quanto
o discurso é vinculado à existência de um corpo vivo; mas o vínculo não é de
uma fachada ou, na terminologia de Marx, de uma superestrutura
essencialmente supérflua afixada à estrutura útil do edifício. O erro básico de
todo materialismo político – materialismo este que não é de origem marxista
nem sequer moderna, mas tão antigo quanto a história da teoria política – é
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ignorar sua inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos,
como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhadas em
alcançar um objetivo completamente material e mundano. (ARENDT, 1995,
p. 195-196).
A esfera das relações consiste na teia das relações humanas que está presente onde
existem pessoas vivendo juntos. A revelação da identidade incide numa teia de relações já
existentes. Essa revelação muda radicalmente o futuro de todos os que estiverem
relacionados. No meio das inúmeras vontades conflitantes a ação quase nunca chega a atingir
seu objetivo. Para nosso estudo isso é importante, pois pode tornar tentadora a violência
porque atinge seu objetivo primeiro. A violência nesse enfoque se distingue profundamente da
ação. A ação engloba as vontades conflitantes em si, enquanto que a violência é resultado de
uma vontade dominadora, que engendra um processo parecido com o da fabricação em que o
produto final tem uma grande semelhança com o que foi pensado ou objetivado na mente do
homo faber.
É em virtude desta teia preexistente de relações humanas,com suas inúmeras
vontades e intenções conflitantes, que a ação quase sempre deixa de atingir
seu objetivo; mas é também graças a esse meio, onde somente a ação é real,
que ela ‘produz’ histórias, intencionalmente ou não, com a mesma
naturalidade com que a fabricação produz coisas tangíveis. (ARENDT,
1995, p. 196-197).
Mais adiante, porém, Arendt afirma que a história como tal é de natureza diferente de
reificações. Mesmo que nos insiramos no mundo por palavras e ações não é o agente
revelador que “faz” sua história. Esse alguém pode iniciá-la e dela ser agente, mas ninguém
dela é autor. Numa condição pré-política ou pré-histórica da História, pode-se falar que a
história tem um início e um fim. Início com o nascimento e fim com a morte. Toda a vida
humana constitui uma história e a História é, depois, o grande livro de histórias com muitos
atores e narradores. Os motivos disso é que resultam da ação. Qualquer série de eventos
constitui uma história com um sentido peculiar, mas mesmo com dificuldade conseguimos
isolar o iniciador do processo, o sujeito e nunca, com certeza se consegue afirmá-lo como
autor do resultado final.
Na história ocidental formularam-se muitos sistemas racionais e ideologias que
tipificaram concepções sobre a pessoa humana, a política, a sociedade e outros. Essas
tentativas de tipificação não são mais do que a pretensão de elaborar racionalmente e
idealisticamente, pois sabemos que o ser humano não se deixa aprisionar numa redoma
conceitual por ser transcendente e por isso não se efetiva na realidade concreta da sociedade.
Por mais libertadoras ou emancipadoras que sejam, são idéias às quais as pessoas terão de se
submeter forçosamente por serem absolutistas. O absolutismo da idéia, querendo ou não, é o
35
grande risco do pensamento racional moderno que adéqua as pessoas àquele modelo em nome
do progresso e da ordem.
Por trás da introdução da atividade do trabalho para a historicidade, formula-se uma
concepção histórica determinista e até o que Marx percebeu e teorizou com o conceito de “fim
para a história”.
O que distingue a teoria do próprio Marx de todas as demais teorias em que a
noção de ‘fazer história’ encontrou abrigo é somente o fato de que apenas ele
ter percebido que, se se toma a história como o objeto de um processo de
fabricação ou elaboração, deve sobrevir um momento em que esse ‘objeto’ é
completado, e que, desde que se imagina ser possível ‘fazer história’, não se
pode escapar à conseqüência de que haverá um fim para a história. Sempre
que ouvimos grandiosos desígnios em política, tais como o estabelecimento
de uma nova sociedade na qual a justiça será garantida para sempre, ou uma
guerra para acabar com todas as guerras, ou salvar o mundo inteiro para a
democracia, estamos nos movendo no domínio desse tipo de pensamento.
(ARENDT, 1992, p. 114).
A ação possui dois momentos: a fundação e o preservar da ação, o seu início e
desenvolvimento. O processo que a inicia se dá em meio à pluralidade e repercute no todo
igualmente. Não há um final determinado para o processo que repercute constantemente na
história. O nascimento, ligado às três atividades da vita activa, é mais intimamente ligado à
ação. Uma ação, depois de iniciada, é perpétua e não se pode prever suas conseqüências.
Para Platão a práxis que resulta dos negócios humanos não deveria ser tratado com
seriedade. Para ele a história é guiada por um deus que com sua mão movimenta títeres. Na
verdade é a afirmação de que não há um autor da história. Os resultados da teia das relações
humanas vêm muito mais de feitos do que de idéias, porque as grandes idéias tendem a se
totalizar e absolutizar. A história deve a sua existência aos homens, mas não é feita por eles.
Ela é muito mais que o produto de uma ação individual.
A diferença entre a história real e a ficção é precisamente que esta última é
‘feita’, enquanto a primeira não o é. A história real, em que nos engajamos
durante toda a vida, não tem criador visível nem invisível porque não é
criada. O único ‘alguém’ que ela revela é o seu herói; e ela é o único meio
pelo qual a manifestação originalmente inatingível de um “quem”
singularmente diferente pode tornar-se tangível ex post facto através da ação
e do discurso. Só podemos saber quem um homem foi se conhecermos a
história da qual ele foi herói – em outras palavras, sua biografia; tudo o mais
que sabemos a seu respeito, inclusive a obra que ele possa ter produzido e
deixado atrás de si. (ARENDT, 1995, p. 199).
Ninguém é autor de sua história de vida, mas sujeito dela, pois nos inserimos numa
história já iniciada antes de nós, por palavras e ações, e ela se compõe de mesclas de
revelações de identidade. Herói não é alguém que domina com potência absoluta sobre si e os
outros, mas aquele que produz ações no cotidiano. Nas palavras de Arendt “originalmente,
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isto é, em Homero, a palavra ‘herói’ era apenas um modo de designar qualquer homem livre
que houvesse participado da aventura troiana e do qual se podia contar uma história.” (1995,
p. 199). Essa disposição de dispor-se ao agir e ao discursar requer coragem.
Como uma boa aristotélica, Arendt afirma como valor político a moderação e não a
ambição de poder. Os limites legais são fronteiras seguras para a ação assim como as
delimitações territoriais permitem a existência de um povo. Mas mesmo assim não permite
que mude o caráter de imprevisibilidade da ação. “A imprevisibilidade decorre diretamente da
história que, como resultado da ação, se inicia e se estabelece assim que passa o instante fugaz
do ato.” (ARENDT, 1995, p. 204). Na fabricação a imagem do produto final está pronta e
racionalizada pelo artífice. Na ação o produto final só aparece ao olhar retrospectivo do
historiador ou ao narrador da história quando todos os processos históricos terminam.
O conceito grego de eudeimon significa a felicidade original da pessoa, não
perceptível a ela mesma, que a persegue em sua vida, mas que só se dá a conhecer aos outros.
A essência humana só passa a existir depois que o indivíduo morre. O que fica são as
histórias. Uma conseqüência disso é que para deixar uma fama imortal deve-se morrer
prematuramente. É uma concepção um tanto individualista de revelação da própria
individualidade. Isso decorre, dentre outras coisas, de um fator importante na nossa pesquisa.
Para os gregos o legislador é alguém que atua como um artesão, reificando leis, resultando
num produto final determinado. “Não se trata mais, ou melhor, não se trata ainda de ação
(práxis), mas de fabricação (poiésis), a qual preferem em virtude de sua maior
confiabilidade.” (ARENDT, 1995, p. 208).
A esfera política se dá pela ação em conjunto, de palavras e atos compartilhados em
comum. A ação, portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado público do
mundo, comum a todos nós, mas é a única atividade que o constitui. A esfera pública é a
esfera da aparência. A realidade do mundo garante a aparência pelo fato de fazer aparecer aos
outros o que é comum a todos. Existência é o que aparece a todos. O que é desprovido de
aparência é desprovido de existência e realidade. Se morrer é “deixar de estar entre os
homens”, existir é co-existir, e o que não possui aparência é desprovido de realidade. A polis
grega tinha dupla função: fazer do extraordinário (a novidade) um acontecimento freqüente, e
dotar o discurso e a ação de alguma durabilidade. O espaço público dos gregos estava a
serviço dos cidadãos para torná-los imortais. A lembrança das ações comuns torna um pouco
mais durável a efemeridade das palavras e ações.
O espaço público ou a esfera da aparência “não sobrevive(m) à realidade do
movimento que lhe deu origem, mas desaparece não só com a dispersão dos homens [...], mas
37
também com o desaparecimento ou suspensão das próprias atividades.” (ARENDT, 1995, p.
212). A degeneração interna do espaço público é um convite a sua destruição. Esse fenômeno
acontece primeiramente com a perda do poder e acaba com a impotência final. O poder só
existe enquanto é efetivado e exercido. Não conseguimos armazená-lo para depois usarmos
como qualquer objeto ou algum instrumento de violência.
“É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial da
aparência entre os homens que agem e falam.” (ARENDT, 1995, p. 212). O poder é o elo que
mantém certa durabilidade. O artifício humano, do qual o poder é ‘princípio essencial’,
garante a memória, e isso faz com que as ações não caiam no esquecimento, se perdendo
como a palavra falada. A memória do discurso garante a durabilidade da palavra falada. O
poder só é garantido quando o potencial da ação está presente. A ação é fugaz, efêmera, não
resiste se não é mantida pelo poder.
Não nos deteremos muito agora à temática do poder presente no livro A condição
Humana, porque ele será trabalhado posteriormente. Agora nos interessa a sua relação com a
ação e conseqüências.
O poder e a ação se relacionam neste ponto: o poder mantém a ação depois que passa
seu instante de efetivação. O poder e a ação se dependem mutuamente e quase se confundem.
Ambos são ilimitados, efetivam a condição humana da pluralidade. Assim como a ação revela
o homem através da ação e do discurso, o poder mantém o espaço para ele se revelar como
verdadeiro ser humano. O poder possui essa característica principal de manutenção da esfera
pública que possibilita a revelação do “quem” é cada um.
A ação nunca pode ser “meio para”. “A grandeza, portanto, ou o significado
específico de cada ato, só pode residir no próprio cometimento, e não nos motivos que o
provocaram ou no resultado que produz.” (ARENDT, 1995, p. 218). O que está atrelado com
interesses utilitários, com o fim fora do ato em si, para Arendt não tem relação com ação pura,
mas trabalho. O conceito de energeia (efetividade) traduz bem o significado disso. A ação é
uma atividade que se esvazia de significado no seu ato de efetivação. Não visa um fim
específico. A obra resultante do discurso e da ação, para Aristóteles, é o “viver bem”, é
revelação da pessoa enquanto pessoa. Não há nada de utilitarista aqui, pois o meio já é o fim,
é a pura efetivação da ação.
A filosofia política anterior à de Aristóteles concebia como atividades supremas do
homem a arte da música e o teatro. Estes são produtos da tecné. Arendt comenta a retomada
dessa concepção por Adam Smith na modernidade, baseando a ocupação em desempenho.
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Para nós essa é uma questão pertinente quando falamos em eficiência na profissão. O bem
desempenhar funções técnicas pode dizer a dignidade e a preciosidade das pessoas?
3.1.1 A redução da ação como trabalho
O mercado precisa de pessoas eficientes que consigam fazer seu trabalho com a
maior produção de bens possível. Também o consumo dos bens produzidos pelo trabalho
acontece da forma do labor. Nada deve satisfazer. Ao ser consumido o produto deve dar o
gosto de “quero mais”. Para ser nessa sociedade é preciso ser desejador inquestionável dos
produtos apontados como sendo importantes para saciar o sentido da vida que todos os seres
humanos buscam. Ao contrário do ideal grego, onde as coisas atingem o maior grau de
perfeição quando são finitas, o desejo não pode ser finito. O mercado se sustenta de
consumidores que não se saciam nunca.
Assim como as relações de trabalho se dão como o labor, que se esvai enquanto
produz-se, a ação, sendo a atividade iniciadora de processos, começa a ser usada como
trabalho. O fenômeno desse acontecimento é o fato de que cada vez mais a ciência se volta
para “dentro da natureza”. Nesse caso a ação se realiza ao modo do trabalho. É tratada como
algo planejado e produzido pelo homem. Também a pesquisa científica começa a confundir as
características que necessitam de determinações objetivas ou planejamento, como o trabalho
que antes de se materializar como artefato das mãos humanas é ideado na mente do homo
faber, com as características da ação. As ciências usam o método da experiência sem
objetivos específicos para fazer descobertas. A ciência moderna é a arte de desencadear
processos e “fabricar a natureza” impondo as condições da experiência e assim fazendo
conhecimento. Essa é a ilustração da mudança da ciência de processos pré-concebidos à
ciência de processos sem retorno ou imprevisíveis, características essas próprias da ação.
Assim como as ciências naturais, a ciência histórica se baseia no princípio de
processo, que possui realidade existencial na pessoa pela ação. Essas ciências concebem seus
objetos dentro dum sistema de processos. Por trás do processo há a incerteza da ação, que não
prevê a possibilidade, o quando e onde do próximo passo. A capacidade de iniciar processos é
possível pela faculdade de agir humano. Dos processos surge a incerteza como a principal
característica dos negócios humanos.
O processo faz parte da ação. A ação não é regida pelas categorias de meios e fins. O
processo não pode se perder ante os resultados. Se a ação é o que há de mais próprio, o ser
humano não pode querer ser pleno, ele está continuamente interagindo no processo de tornar-
Violência como trabalho - Para Arendt, a violência se assemelha à atividade do trabalho. Assim como o trabalho, a violência visa estabilizar e dar previsibilidade ao mundo, controlando os acontecimentos produzidos em comum. - No trabalho, o homem produz objetos duráveis que permanecem no mundo mesmo após sua morte. A violência também busca produzir resultados estáveis e permanentes para lidar com a fragilidade das relações humanas
Violência como trabalho - Para Arendt, a violência se assemelha à atividade do trabalho. Assim como o trabalho, a violência visa estabilizar e dar previsibilidade ao mundo, controlando os acontecimentos produzidos em comum. - No trabalho, o homem produz objetos duráveis que permanecem no mundo mesmo após sua morte. A violência também busca produzir resultados estáveis e permanentes para lidar com a fragilidade das relações humanas
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Violência como trabalho - Para Arendt, a violência se assemelha à atividade do trabalho. Assim como o trabalho, a violência visa estabilizar e dar previsibilidade ao mundo, controlando os acontecimentos produzidos em comum. - No trabalho, o homem produz objetos duráveis que permanecem no mundo mesmo após sua morte. A violência também busca produzir resultados estáveis e permanentes para lidar com a fragilidade das relações humanas

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS VIAMÃO ANDERSON BALBINOT HANNAH ARENDT: a violência como um déficit de ações e palavras Viamão 2009
  • 2. ANDERSON BALBINOT HANNAH ARENDT: a violência como um déficit de ações e palavras Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Filosofia, pelo curso de Filosofia – Campus Viamão da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Orientador: Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini Viamão 2009
  • 3. ANDERSON BALBINOT HANNAH ARENDT: a violência como um déficit de ações e palavras. Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Filosofia, pelo curso de Filosofia – Campus Viamão da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovada em _____ de ___________________ de 2009, pelo orientador, obtendo o grau: _______________. __________________________________________ Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini Aprovação com as normas da ABNT, Grau final: ________. ____________________________________________ Prof. Dr. Bruno Odélio Birck
  • 4. “Também não falta quem, desejando de verdade um mundo mais justo e mais humano, não creia na força e na violência armada como solução. Mesmo sem apelar para motivos religiosos ou ideológicos, os que se decidem a usar a não-violência ativa – a força d’alma, a violência dos pacíficos, a pressão moral libertadora – tentam demonstrar que, hoje, há complexos e poderosos dominando a Terra e partindo para as estrelas: alianças de poderio econômico, poderio político, poderio tecnológico e poderio militar. Como esperar vencer pelas armas os Senhores do Mundo, que tem, ao seu lado, fabricantes de armas e promotores de guerras?” (Dom Helder Câmara, 1975). “Mas fazer este povo discutir o socialismo é mais difícil ainda, porque o que acontece normalmente é que quem tem as idéias prontas na cabeça tenta enfiá-las pela goela dos trabalhadores, quando necessário seria fazer com que as pessoas descobrissem a necessidade de ter reflexão sobre um novo projeto de sociedade.” Luis Ignácio da Silva (Retrato do Brasil – depoimentos. Editora Política: 1984, volume IV, p. 4).
  • 5. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5 2 A VIOLÊNCIA COMO ATIVIDADE DO TRABALHO ............................... 8 2.1 TRABALHO ........................................................................................................ 8 2.2 VIOLÊNCIA........................................................................................................ 14 2.2.1 A violência e o contexto histórico de Hannah Arendt...................................... 21 2.2.2 A Violência e a Tradição..................................................................................... 25 3 O PODER QUE EMANA DA AÇÃO................................................................ 28 3.1 AÇÃO ................................................................................................................... 28 3.1.1 A redução da ação como trabalho...................................................................... 38 3.1.2 A irreversibilidade e o poder de perdoar .......................................................... 40 3.1.3 A imprevisibilidade e a faculdade de prometer................................................ 43 3.2 PODER ................................................................................................................. 44 3.2.1 Liberdade ............................................................................................................. 48 3.3 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ........................................................................... 51 3.4 POLÍTICA E HISTÓRIA................................................................................... 54 4 RELAÇÃO ENTRE PODER E VIOLÊNCIA.................................................. 59 5 CONCLUSÃO...................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 65
  • 6. 5 1 INTRODUÇÃO Se todo o agir humano interfere na coletividade, que elementos devemos levar em conta para que as relações não se tornem violentas? Qual a relação entre poder e violência quando se busca a participação política? Esses são os questionamentos motivadores do nosso trabalho. As respostas são tentativas de compreender os eventos do século XX no que toca aos totalitarismos, mas também remontando ao pensamento moderno e grego que deram origem a boa parte dos conceitos da tradição política. O pensamento de Arendt é muito amplo. Com este trabalho queremos desenvolver as categorias de poder e violência e suas origens, respectivamente, nas atividades da ação e do trabalho, tendo em vista os acontecimentos das primeiras décadas da segunda metade do século XX, contexto no qual nossa autora escreve, de busca por soluções para os negócios humanos. Arendt trata das possíveis soluções, participativas ou totalizantes, sentindo o peso do que fala. Era judia e teve que migrar para escapar do nazismo. Mas ao mesmo tempo, mesmo nos países democráticos encontrou elementos parecidos com os despóticos. Então, o que caracteriza um governo violento e um governo democrático? A resposta está na efetivação da possibilidade da ação, que além de puro agir, também possui o elemento do discurso. A violência foi considerada a melhor via para resolver o problema da fragilidade das relações humanas. Hannah Arendt faz um esforço de compreensão da conjuntura da sua época, oferecendo uma rica reflexão embasada na condição da existência humana. A política não vem de nenhuma causa mística ou de uma essência humana, decorre da existência humana enquanto pluralidade. Não conseguiríamos nem nascer sozinhos. O nascimento de um bebê é a ocorrência de um milagre; não é só um novo ser, mas um ser com a possibilidade do novo. No primeiro capítulo vamos visualizar a relação entre a atividade humana do trabalho e o fenômeno da violência. O artífice trabalha sempre no isolamento, a partir duma idéia, iniciando e finalizando o processo. A esfera pública, para o homo faber, só tem sentido quando é espaço de comércio de trocas. O único relacionamento que possui com outros semelhantes seus é econômico. Trabalhando, o ser humano produz um mundo durável, permanente no tempo, conferindo estabilidade e previsibilidade ao seu mundo. Mas o homem não é só isso. A violência se assemelha muito à atividade do trabalho. Ela é a direta decorrência da tentativa de estabilizar os acontecimentos que são produzidos em comum. A tradição da teoria
  • 7. 6 política apostou na violência como alternativa ao convívio humano, tornando até banal a sua dinâmica na sociedade. As tendências do seu tempo, a crescente superespecialização, o grande desenvolvimento dos implementos de guerra, as concepções organicistas da política, o racismo e outros, ilustram como o elemento da violência é comum, mesmo nos governos tidos como democráticos. No segundo capítulo vamos desenvolver a categoria Arendtiana de poder com a sua atividade correspondente, que é a ação. A ação é a atividade que possibilita a política, a liberdade e a novidade. A política não é utilitarista como o trabalho, é ao contrário, um fim em si mesmo, como a atividade mais nobre. A atividade da ação vem da capacidade humana de falar e agir em conjunto, o que revela o humano singular no espaço público. Não é um agir pré-determinado, mas livre e consciente. As palavras e os atos são plenos de significado. A interação humana com palavras e ações forma a teia das relações humanas, que pelas diversas estórias, forma o grande livro da história da humanidade. Os processos novos não são nunca seguros, nem chegarão a cumprir a meta pelo qual iniciaram. Cada ação se perde na interação da teia das relações entre as pessoas. A ação é frágil porque envolve muitas pessoas. Os negócios humanos possuem a característica da incerteza, o que faz mais irresistível a proposta de algo que a venha estabilizar. A salvação para a ação está na possibilidade do perdão e da promessa. Poder é a dinâmica que possibilita os homens se manterem unidos diante das demais atividades da vida. É o que permanece no entre-os-homens que os mantêm coesos depois da dispersão. A ação se esgota depois de sua efetivação. O poder é a lembrança do prazer de agir juntos; dá permanência à atividade originária enquanto não se está exercendo-a. O poder é garantido por uma legitimidade, um evento passado onde pessoas discutiram e agiram em conjunto, de forma poderosa. O que garante a possibilidade do poder entre as pessoas é a liberdade, que é libertação das necessidades, não só físicas ou biológicas, mas a necessidade determinística. A participação política é o ponto de chegada de toda a reflexão. A grande utopia de Platão e da tradição da filosofia política foi de tentar resolver os problemas resultantes da fragilidade das ações. A grande ilusão foi pensar na História como pré-determinada. Para Arendt, a historicidade é um resultado tangível, porém não definitivo, dos inúmeros processos desencadeados pelos indivíduos, não sendo necessariamente repleta de progressos. A idéia de progresso é própria de quem acha que a sua idéia deve se instaurar absolutamente, sendo ela o padrão universal. No último capítulo relacionaremos os conceitos de poder e violência, fenômenos estes que mesmo opostos, não se encontram puros na realidade.
  • 8. 7 Ao mesmo tempo em que abordaremos um tema da teoria política, nosso trabalho quer mostrar como Hannah Arendt entende o ser humano, dando assim o caráter filosófico da nossa pesquisa. A condição da existência humana nos limita, mas nos capacita para estarmos em relação uns com os outros com certo grau de liberdade, nas diversas potencialidades que possuímos.
  • 9. 8 2 A VIOLÊNCIA COMO ATIVIDADE DO TRABALHO O trabalho é a atividade humana que resulta da necessidade de a pessoa humana construir um mundo propriamente “seu”, artificial, que possa ajustar-se melhor às suas necessidades e até oferecer-lhe maiores condições de progredir no conhecimento, mas também nas relações. O trabalho garante estabilidade e previsibilidade à vida biológica da pessoa humana, que é passageira e frágil. Não conseguimos viver onde tudo muda constantemente, precisamos de algumas garantias. Em si, o trabalho não é coletivo, mesmo quando se trabalha junto com outros; todos, em relação com o produto final, são como que diversas mãos que moldaram um mesmo produto, porém, não significa que se empenham coletivamente. Portanto o trabalho é caracterizado pelo isolamento do trabalhador na sua efetivação. A violência é o fenômeno do campo da política que emerge de uma fuga da ação participativa. É a introdução do critério da utilidade nas relações como forma de resolver as imperfeições resultantes da fragilidade e incompletude essencial do homem. A violência é instrumental. Precisa de suporte para apoiar-se, assim como no trabalho é necessário ferramentas. Arendt percebe que a violência elevou o trabalho e glorificou-o. A modernidade tem o ideal de objetividade, previsibilidade e determinações; é resultado da tendência moderna de fazer um mundo conhecido e melhor para se viver. Toda a tradição da filosofia política e o senso comum tentaram objetivar e tornar mais determinável tudo o que tem afinidade com o humano. Mas a principal dificuldade é introduzir no campo das relações as mesmas categorias com que se trata a natureza. Eis o que vamos trataremos neste capítulo: a relação entre trabalho e violência, junto com algumas situações concretas do tempo da autora estudada, onde ela os analisa relacionando com os conceitos. 2.1 TRABALHO Cabe, dentro dos limites do nosso tema, explorar o que Arendt concebe como trabalho. A pessoa humana é um ser disposto na natureza, que é transformada num mundo artificial. Tudo o que entra em contato com ela automaticamente se torna parte de sua condição. A condição humana do trabalho é a mundanidade. O produto do trabalho dá certa permanência à condição débil da pessoa humana. Com seus principais instrumentos, as mãos, e podendo estar no completo isolamento, o homo faber faz o objeto a partir do modelo mental
  • 10. 9 ideado, podendo destruir como e quando quiser a sua obra. O processo de fabricação, ao contrário da ação, pode ser interrompido a qualquer momento. Os artefatos são produzidos “para” alguma coisa. O berço é fabricado para o bebê dormir; a cadeira serve para sentar-se. A fabricação é regida sempre pelas categorias “meio e fim”. Para Arendt, a introdução dessa atividade na política leva ao totalitarismo. Arendt direciona muitas críticas à concepção política platônica, que é a fundamentação de uma justificação da soberania. Na concepção política de Platão, a política deve ser para os mais aptos. É o argumento das profissões. O domínio dessa arte só é conseguido por poucos. Sendo assim a democracia é absurdamente irracional. Ninguém fará melhor que um especialista. (WOLFF, 2004, p. 106). A pessoa humana não mistura o seu ser ao ser do artefato. O contato dela com seu artifício não desgasta o objeto, mas a durabilidade. O desgaste em si, porém, não é o fim último das coisas, este é mera conseqüência. Os artefatos colocam objetividade à vida humana. Objetividade quer dizer suportar, pelo menos por algum tempo, as necessidades dos seus fabricantes. Já dizia Heráclito que “o homem jamais pode cruzar o mesmo rio”. O que permanece da efemeridade das mutações vem da objetividade do artefato produzido pela pessoa humana. “Em outras palavras, contra a subjetividade dos homens ergue-se a objetividade do mundo feito pelo homem.” (ARENDT, 1995, p. 150). Se não houvesse o mundo objetivo, haveria constante mutação. Pela fabricação a natureza entra no nosso mundo, tornando-se parte de nossa condição como algo objetivo. A pessoa humana fabrica seus objetos porque é criativo. Não os necessita para a manutenção de sua vida biológica. Numa sociedade massificada, o trabalho é feito para suprir as carências do labor, fabricando objetos para o consumo, onde a característica do trabalhar pelo simples prazer acaba sendo substituído pelo árduo “adequar-se” no ritmo da máquina. A atividade de trabalhar só é tal quando se atua com certa intencionalidade (diferente de liberdade) no que se está fazendo. A previsibilidade lhe é própria. O trabalho é fruto do esforçar-se da pessoa humana de forma consciente. Arendt critica muito as novas tecnologias de maquinários que mais parecem a evolução biológica da pessoa humana que tem membros a mais para produzir utensílios em massa. Os aparelhos têm cada vez mais afinidade com os processos biológicos. No fundo Arendt diz que o trabalho está sendo executado à forma do labor e a ação, com as formas de dominação modernas, está sendo substituída por categorias da fabricação. A natureza precisa ser transformada para se tornar espaço onde o ser humano possa viver com alguma estabilidade. Para que possamos efetivar nossa possibilidade de ação e
  • 11. 10 participação política, precisamos ter algumas garantias. Ao mesmo tempo, não se pode buscar saciar as necessidades de sobrevivência e participar ativamente das questões políticas. Um questionamento que surge com essa reflexão é a de como se pode falar de conscientização política numa realidade de miséria? O material para a fabricação não é de imediato já dado na natureza, um produto das mãos humanas, mas torna-se tal a partir do momento que é retirado da natureza. Por natureza entendemos em seu significado autêntico o expresso pela origem etimológica que vem da raiz latina nasci, nascer, ou do grego phyein, “surgir de alguma coisa por si mesma”. O ato de extrair da sua condição natural é uma violência, uma violação. “Este elemento de violação e de violência está presente em todo processo de fabricação, e o homo faber, criador do artifício humano, sempre foi um destruidor da natureza.” (ARENDT, 1995, p. 152). Deus criou todas as coisas do nada; a pessoa humana adaptou a natureza, criou–a a partir do que já estava aí, para colocá-la dentro de seu mundo. Enquanto a atividade do labor é algo exaustivo para a pessoa humana, o trabalho lhe é prazeroso. A alegria de trabalhar tem a ver com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a qual o homem se mede contra as forças devastadoras da natureza e que, através da astúcia com que inventou as ferramentas, sabe multiplicar muito além de sua medida natural. (ARENDT, 1995, p. 153). A violência do trabalho, como que ensoberbece a pessoa humana, percebendo sua força. Esta é a sua motivação para trabalhar. Ela trabalha sobre um objeto primeiramente ideado pela mente do fabricante ou, com alguma materialização, mesmo que provisória, num desenho. Essa ideação é chamada por Arendt de modelo. O que guia o processo de fabricação “está fora do fabricante e precede o processo de trabalho em si.” (ARENDT, 1995, p. 153). O modelo, mesmo tendo sua materialidade como artefato no mundo humano, não deixa de existir. Este modelo que sobrevive ao processo de fabricação serve para a multiplicação de outros utensílios, o que é diferente de repetição, processo próprio do labor. Esse conceito de multiplicação teve grande importância na doutrina platônica dos “universais”. Todo ente concreto e sensível tem íntima relação com o universal que lhe dá ser, não com outro ente concreto e sensível. O processo de fabricação é sempre guiado por motivações utilitaristas, é determinado pelas categorias de “meios e fins”. O processo de fabricação se perde ante o produto final. Por isso, a atividade do trabalho tem sempre um início e um fim bem definidos, o que lhe confere grande confiabilidade, ao contrário da ação. O processo do trabalho é reversível. A qualquer momento o fabricante pode destruir sua obra, pois pode sobreviver sem ela com tranqüilidade.
  • 12. 11 A característica que distingue a atividade da fabricação das outras atividades da vita activa é a de que o trabalho tem um começo e um fim bem definido e previsível. São próprias à pessoa humana duas dimensões: vita activa e vita contemplativa. Vita activa designa três atividades correspondentes a uma condição básica pela qual a vida nos foi dada na terra: labor, trabalho e ação. Outro aspecto do trabalho é a de justificação. O fim justifica os meios e os organiza. A violência decorrente do processo de fabricação é justificada pela possibilidade do homo faber de fabricar. Mesmo que não esteja pronto, tudo converge para determinado fim. Também se aplica a categoria de meios e fins ao próprio produto depois de pronto. A cadeira foi finalidade enquanto objetivo do fabricante, mas depois é meio de uso ou de troca. A conseqüência disso é de que tudo passa a ser determinado por essas categorias. Não há mais fim duradouro: “num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração e a transformar-se em meios para outros fins.” (ARENDT, 1995, p. 167). O princípio da existência do homo faber é a serventia, o “para que”. A perplexidade do utilitarismo é que se perde na cadeia interminável de meios e fins sem jamais chegar a algum princípio que possa justificar a categoria de meios e fins, isto é, a categoria da própria utilidade. O ‘para que’ torna-se o conteúdo do em nome de quê’; em outras palavras, a utilidade, quando promovida a significância, gera a ausência de significado. (ARENDT, 1995, p. 167). Não há mais nada que possa ser considerado um fim em si mesmo. A saída para que a utilidade se torne significação é onde todos os fins convirjam para um antropocentrismo, onde a pessoa humana, na sua subjetividade possa ser valorizada. O perigo que reside aí é o de o homo faber querer realizar-se na fabricação, em degradação do mundo natural, condição que recebeu como dádiva, e o próprio mundo das coisas, até mesmo as valiosas. O puro homo faber instrumentaliza tudo ao seu redor. Tudo é regido pelo critério da utilidade. A mesma operação que faz do homem o ‘fim supremo’, permite-lhe ‘submeter, se puder, toda a natureza a esse fim’, isto é, reduzir a natureza e o mundo a simples meios, privando-os de sua dignidade independente. (ARENDT, 1995, p. 169). A atividade própria do homo faber é de generalizar a fabricação e com ela os critérios de meios e fins. Nem o conceito de instrumentalização em si nem o processo que coloca o produto como finalidade estão em questão. O problema reside no fato de que não se contenta mais em instrumentalizar os produtos da fabricação, mas tudo o que existe. O pensamento é o gratuito da mente. Não tem outra finalidade além de si mesma. O poema é, dentre as obras fabricadas, a mais humana. Seu material é a linguagem e através das rimas pode ser facilmente guardado na memória. É a obra que menos precisa de
  • 13. 12 materialização, mesmo que mais cedo ou mais tarde, para fazer parte do mundo humano precise ser “feita”, ou seja, escrita e transformada em algo tangível. A cognição sempre tem um fim claramente definido. Quando alcança a sua finalidade, o processo cognitivo termina. Já o processo do pensamento coincide com o processo da existência humana, o processo do pensamento da pessoa humana se dá enquanto este é existente no mundo. O pensamento não produz nada, só é fonte de inspiração para o homo faber enquanto este produz coisas úteis. A gratuidade deve ser o critério. O processo da cognição é a produção mental, nos mesmos moldes da fabricação. As funções da ciência não se diferenciam no caso dos processos cognitivos da fabricação. A cognição precisa de resultados para não se tornar uma atividade fracassada. Também devemos diferenciar os conceitos de pensamento e de cognição com o conceito de raciocínio lógico que tem muitas semelhanças com os processos de fluição e biológicos do labor. Os modernos computadores que conseguem copiar a mesma capacidade lógica do cérebro humano e aumentar sua velocidade não são mais do que outros artifícios ou substitutos artificiais para aumentar a força da divisão de trabalho nos seus movimentos simples. Para que o mundo humano se torne morada e lar para o próprio homem, deve transcender o trabalho destinado ao uso e ao consumo. A vida humana, no seu sentido não- biológico se dá na ação e no discurso que possuem a mesma efemeridade da própria existência humana, que resulta da sua condição da natalidade, da mortalidade e da pluralidade. Não são tangíveis e se perdem sem deixar vestígio depois do momento da efetivação e da palavra falada. Para atenuar a fluidez e a fragilidade da ação, a pessoa que age e fala precisa do “homo faber em sua mais alta capacidade, isto é, a ajuda do artista, de poetas e historiógrafos, de escritores e construtores de monumentos, pois sem eles, o único produto de sua atividade, a história que eles vivem e encenam não poderia sobreviver.” (ARENDT, 1995, p. 187). Também o artifício humano deve dar lugar à ação e à fala para que o mundo se torne lar e moradia humana. A era antiga sempre direcionou seus esforços para excluir da esfera pública o homo faber. Na era moderna acontece o contrário. A pessoa humana que age e fala tem cada vez menos espaço. A modernidade vê como essencial no governo a proteção do lado produtivo e a manutenção da lei e da ordem. “Tudo pela ordem e o progresso”. O trabalho, diferentemente do labor que não pode ter nenhum conteúdo público, possui algumas características que o fazem entrar em contato com outras pessoas. Na antiguidade, não era o cidadão da polis em si que determinava o conteúdo da esfera pública,
  • 14. 13 mas o homo faber que exibe e troca seus utensílios, frutos do seu trabalho. A esfera pública não deixa de existir, mas com outra função, a de ser local de negócios. Além disso, na Grécia, os tiranos nutriam a ambição, sempre frustrada, de persuadir os cidadãos a não se imiscuírem em assuntos públicos, a deixar de desperdiçar o tempo em agoreuein e politeuesthai, e de transformar a agora num conjunto de lojas semelhantes a bazares do despotismo oriental. (ARENDT, 1995, p. 173). A esfera pública do homo faber não é bem uma esfera política, que é o mercado de trocas. No isolamento pode produzir seus produtos e relaciona-se com as pessoas somente para exibir seus produtos e trocar suas mercadorias. Também no trabalho intelectual de um mestrado é indispensável o isolamento de um artífice, onde o estudante dispõe das idéias como dispõe de materiais. Antes de compor sua tese necessita ter uma “imagem prévia mental”. Mestre e trabalhador, maitre e ouvrier, eram empregados como sinônimos. A atividade com algum contato entre humanos resultante do trabalho é a do mestre que ensina o ofício aos aprendizes, mas é temporária, como a diferença entre adultos e crianças. O trabalho em equipe não pode ser considerado coletivo porque nada mais é do que a divisão de trabalho ou de funções, dos movimentos simples que constituem a obra. O único momento que o trabalhador sai de seu isolamento é quando termina seu artesanato. As relações políticas estão completamente fora de qualquer relação de produtividade, o que acontece no inverso, na atividade do trabalho. O começo da modernidade foi marcado pela sociedade comercial e o capitalismo manufatureiro com produção em massa. O fim da sociedade comercial se deu pelo enaltecimento do labor e a sociedade de consumo ostensivo na sociedade de operários. As pessoas que se encontram no mercado de trocas não se encontram mais como pessoas, mas como donos de mercadorias com valor de troca. Numa sociedade onde a principal atividade política é a troca de mercadoria, até o operário, que vende sua força de trabalho, se torna bajulado. Isso leva ao que Marx conceituou “auto-alienação”, que resulta na desvalorização das pessoas como meras mercadorias. O julgamento das pessoas não se dá porque são pessoas, mas pela qualidade de suas mercadorias. Na sociedade de operários se julga a pessoa humana pelas funções que exerce na produção, ou seja, o mesmo valor que a de uma máquina. O critério do mercado de trocas é a durabilidade. Os produtos começam a ser fabricados, não para o uso, mas para serem armazenados em vista de trocas futuras. Valor é “uma idéia da proporção entre a posse de uma coisa e a posse de outra no conceito do homem.” (ARENDT, 1995, p. 177). No mercado de trocas a mercadoria se torna valor. O
  • 15. 14 valor não pode existir na privatividade, pois é resultado da estima que recebe na esfera pública. No mercado de trocas tudo possui valor de troca ou de uso, não mais valor intrínseco às próprias coisas. A transformação de todas as coisas em mercadorias leva a relatividade universal. Não há mais pontos fixos para apoiar-se. Se tudo existe se possui relação com outra coisa, nada tem valor objetivo além do da oferta e da procura. Isso aconteceu com a introdução do trabalho na esfera pública. Nem as réguas, que devem suas medidas à coisa que se deve medir, nem o dinheiro, que serve de intermediário às relações mercantis e sempre é trocado por outra coisa, são medidas ou padrões “absolutos”. Não há mais um ponto arquimediano. “Isso mostra o quanto a relatividade do mercado de trocas tem a ver com o conceito de instrumento que resulta do mundo do artífice e da experiência da fabricação.” (ARENDT, 1995, p. 180). A modernidade colocou o princípio da instrumentalidade para governar o mundo e isso levou a um esvaziamento de significado e relativização do valor das próprias coisas. 2.2 VIOLÊNCIA Colocamos agora a questão sobre o conceito de violência para Arendt. É difícil conceitualizar a violência porque é um fenômeno muito dinâmico que, na realidade prática se mescla com muitos outros elementos. Em princípio, na perspectiva de Arendt, a violência é um fenômeno que apareceu bastante no seu contexto. Fazendo relações entre poder e violência, a autora menciona alguns verbos sugestivos como “emergir” em A violência sempre pode destruir o poder; do cano de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando da mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergirá daí é o poder. (ARENDT, 1994 p. 42). E “aparece” em “A violência aparece onde o poder está em risco, [...].” (ARENDT, 1994, p. 44). A violência quase sempre está vinculada com a despolitização ou a substituição da personalidade por uma identidade massificada. A pessoa humana possui certos recursos que o elevam pela possibilidade da criatividade, da liberdade, da novidade, da construção participativa, e são motivações para não resistir às facilidades que o modo despótico oferece para as relações inter-subjetivas. A violência não possui uma substância em si mesma. É, antes, oposição ao fenômeno político, que brota da palavra e da ação. Ela é ausência. A violência antes de construir, destrói. O que pode constituir-se é o poder com a ação. Mas não sozinho ou isolado. Precisa da
  • 16. 15 participação de muitos. Quando nos referimos ao conceito de violência, não entendemos uma entidade palpável; é antes o que aparece de um déficit de ações e palavras. Porém, isso implica em mais ressalvas: ações participativas, não manipuladoras; palavras que expressem a vontade dos homens de estarem juntos, não clichês que escondem e justificam. Quando se pensa em violência, talvez a primeira idéia que nos vem na mente é a da impulsividade, da agressividade irracional, do agir pelas emoções e sentimentos. Mas isso, para Arendt é uma meia verdade. A violência não é irracional, é racional e tenta se justificar como pode, com a natureza humana, com doutrinas teleológicas da história, com hipocrisia nas atividades políticas, ou como sendo a melhor forma para se chegar a um estado paradisíaco de civilização. Pode ser a primeira reação, imediata na intenção de acabar com as injustiças, mas não pode ser o principal aparato para a mudança. O racional e o sentimental não são opostos, podem andar juntos. São facas de dois gumes. Tanto um quanto outro podem ser desencadeadores de processos violentos: O sentimental como impulsividade e a racionalidade como instrumento do instinto, o que o torna mais irracional; mas também podem ser portas de entrada para a sensibilização e a conscientização das pessoas. Uma das características que aparece com mais evidência é a de que a violência depende de implementos e aparatos. Não é por nada que o século XX se caracterizou pela morte em massa de pessoas por implementos bélicos. Arendt escreve o livro “Sobre a Violência” no contexto da guerra fria, o “jogo de xadrez apocalíptico” onde se um vencer todos perecem. O desenvolvimento tecnológico e a fabricação de instrumentos visam o fim também regido pela forma como é fabricado: os instrumentos são usados para a violência assim como o ferro usado é retirado da natureza para o homem fazer uma metralhadora. Se os instrumentos que antes eram construídos para um fim determinado, fora do campo político, o utensílio era “meio para”, agora a fabricação do utensílio é um fim, mas que condiciona outro meio, que por sua vez forma uma cadeia interminável, onde tudo é “meio para”. A própria substância da ação violenta é regida pela categoria meio-fim, cuja principal característica, quando aplicada aos negócios humanos, foi sempre a de que ele justificaria e que são necessários para alcançá-lo. Visto que o fim da ação humana, distintamente dos produtos finais da fabricação, nunca pode ser previsto de maneira confiável, os meios utilizados para alcançar os objetivos políticos são muito freqüentemente de maior relevância para o mundo futuro do que os objetivos pretendidos. (ARENDT, 1994, p. 14). Esse tipo de pensamento se baseia na filosofia política de Platão, fundamento da filosofia política clássica, ou tradição. Platão pensa a polis governada pelo “rei filósofo”. A sociedade é dividida entre aqueles que sabem o que é bom para o bem comum e os que não possuem essa competência. A participação é imperfeição e é a fraqueza da democracia. O
  • 17. 16 trabalho do governo é de administrar a polis como o artesão administra os instrumentos de fabricação manuais. As leis e a administração são “feitas”. Não se pode questionar o modo de proceder do soberano, pois ele especializou-se a vida inteira para colocar seu trabalho a serviço. Ninguém pode empreender melhor do que ele na tarefa de tornar a cidade o espaço da perfeição, da completude, do acabamento. A atividade da fabricação, para Platão, é a perfeição do soberano. A violência então se justifica pelo fim desejado: o da perfeição, da completude, dos resultados previsíveis e determinados. O utilitarismo está instaurado nas relações. Tudo “em vista de”. Disso decorre a ausência de significado e a falta de fundamentos estáveis, já que tudo não é fim, mas simples meios. Tudo se perde no ciclo interminável do que é ditado como necessário e bom para todos. O ideal de serventia, em si, como os ideais de outras sociedades, já não pode ser concebido como algo de que se necessita para que se obtenha outra coisa; sua serventia não admite discussão. [...] a perplexidade do utilitarismo é que se perde na cadeia interminável de meios e fins sem jamais chegar a algum princípio que possa justificar a categoria de meios e fins, isto é, a própria utilidade. (ARENDT, 1995, p. 167). O próprio conceito de instrumentalização, o “emprego das coisas como instrumentos implica em rebaixar todas as coisas à categoria de meios e acarreta a perda do seu valor intrínseco e independente” (ARENDT, 1995, p. 169), a reificação; exprime o que queremos afirmar como fenômeno, ou o que aparece da violência. O artífice se põe a trabalhar sobre o artefato fora do mundo comum aos outros. É no isolamento que vai se definindo o objeto final de sua obra. A esfera comum é o espaço do artífice enquanto está moldando sua arte. É a esfera do trabalho enquanto produção ou fabricação. Esfera pública é o espaço comum das pessoas, onde elas expõem umas às outras o produto de seus trabalhos ou a si próprias. É o mundo das aparências, da futilidade, da liberdade no sentido Arendtiano, da efemeridade. Por isso, desde os primórdios tenta-se encontrar uma solução para a volatilidade da esfera pública. A violência foi a solução encontrada, com suas determinações, com início-fim bem definidos e previsíveis e a definição dos autores do processo. A violência, tentação mais comum neste caso, surge da redução do público ao privado. A ação é reduzida a atividade do trabalho. As questões públicas são resolvidas, não de forma comum, mas por um administrador, como um trabalho qualquer, na esfera privada.
  • 18. 17 Para Platão, o ideal de polis é a monarquia, a tirania de um sobre todos, mas não sendo ingênuos, essa é somente uma solução para os problemas da ação, existindo outras formas de governo tirânicas – “variáveis de governo de um só” (ARENDT, 1995, p. 233). A “idéia” é uma palavra-chave na filosofia de Platão. A violência está intimamente ligada a esse conceito, sendo fenômeno que advém de uma atividade onde o que está previamente determinado tem relevante importância. O processo da fabricação se desenvolve em três partes: a ideação do que vai ser feito, o início do empreendimento e o fim da obra. “Na República, o rei-filósofo aplica as idéias como o artesão aplica suas normas e padrões; “faz” sua cidade como o escultor faz uma estátua.” (ARENDT, 1995, p. 239). Como o demiurgo platônico que contempla as idéias e, a partir delas modela a mãe do mundo, a matéria, o artífice tem na sua mente o modelo de sociedade e de relações que devem se efetivar. Chega-se assim ao ápice da redução da esfera pública à esfera privada: a liberdade de participar dos negócios humanos é transferida para o soberano. A esfera pública é administrada como numa grande família, na esfera privada do lar. Em teoria, corresponde a doutrina dos “universais” de Platão: “Na medida em que seus ensinamentos foram inspirados pela palavra “idéia” ou eidos (“forma” ou “formato”), que ele foi o primeiro a usar num contexto filosófico, baseava-se em experiências de poiésis, ou seja, de fabricação; [...].” (ARENDT, 1995, p. 155). Exemplificando, Arendt trata do mesmo assunto: O bem é a idéia mais elevada para o rei-filósofo, que deseja governar os negócios humanos porque deve passar a sua vida entre os homens e não pode habitar para sempre sob o céu das idéias. Somente quando volta à caverna escura dos negócios humanos, para conviver com seus semelhantes, é que ele necessita das idéias como normas e padrões que lhe permitam julgar e classificar a multiplicidade vária de ações e palavras humanas com a mesma certeza absoluta e “objetiva” com que o artesão se orienta na fabricação e o leigo no julgamento de cada cama pela idéia invariável e eterna da “cama” em geral. (ARENDT, 1995, p. 238). A violência, condição e fundamento de toda fabricação, está na base de toda essa concepção. A tradição da filosofia política está fundada nessa visão de política, platônica, aristocrática e centralizadora. Hannah Arendt rejeita ser chamada de filósofa política porque a filosofia requer pensar isolado do mundo, fora do barulho e da agitação, buscando sempre o universal e necessário, inclusive para os atos humanos. Arendt não acredita, porém, que os atos humanos possam ser ideados a priori por alguém isolado. Essa atividade isolada só gera concepções totalizantes, opressoras, centralizadoras e elitistas. Ela prefere ser chamada de “teórica política”, título que se dá a quem pensa os acontecimentos no tempo, relacionando- se, envolvendo-se, agindo e falando.
  • 19. 18 O desenvolvimento tecnológico do século XX esteve atrelado à glorificação do trabalho, que necessita de instrumentos para fazer. Seu progresso foi tão grande que, uns poucos têm a possibilidade de destruir todos os focos de poder em alguns instantes. Nunca a riqueza teve tanta importância nas relações bélicas. O fator determinante não é mais o número de homens do exército ou de armas de fogo, mas sim os aparatos nucleares e outros meios pensados para a morte em massa. A violência se baseia na relação de mando e obediência. Segundo Mill há nas pessoas humanas dois estados de inclinação: a vontade de dominar, de mandar e a necessidade de ser comandado. Essa concepção tem suas origens na tradição judaico-cristã onde a simples lei tem já caráter imperativo por ser tal, identificando a relação comando-obediência como a essência da lei. As tendências biologistas modernas fizeram com que essa concepção se afirmasse mais ainda, como se houvesse no homem um instinto de dominação ou uma agressividade inata. A violência precisa de implementos de violência, como o trabalho precisa de instrumentos para realizar-se. Fenomenologicamente, ela (violência) está próxima do vigor, posto que os implementos da violência, como todas as outras ferramentas, são planejados e usados com o propósito de multiplicar o vigor natural até que, em seu último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo. (ARENDT, 1994, p. 37). Vigor, na concepção de Arendt, é a natural liderança que um indivíduo, singularmente possui, para seduzir, contagiar, cativar outras pessoas. É uma característica, uma qualidade que freqüentemente confundimos com poder de persuasão. O vigor vem de dentro da pessoa que é propensa ao comando. É semelhante à violência porque mina as resistências das pessoas ou o grupo no qual pretende dominar. Difere da violência porque domina com naturalidade. Devemos sempre lembrar que a violência não depende de números ou opiniões, mas de implementos, e, como mencionado, anteriormente, os implementos da violência, como todas as ferramentas, amplificam e multiplicam o vigor humano. Aqueles que se opõem a violência com o mero poder rapidamente descobrirão que não são confrontados pelos homens, mas por artefatos humanos, cuja desumanidade e eficácia destrutiva aumentam na proporção da distância que separa os oponentes. (ARENDT, 1994, p. 42). O exemplo mais ilustrativo na nossa busca da face da violência é o de que “do cano de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando a mais perfeita e instantânea obediência.” (ARENDT, 1994, p. 42). Da força da coerção brota a violência, nunca do diálogo e da ação, prerrogativas da ação que empodera.
  • 20. 19 Mas a violência não é só prerrogativa de um indivíduo. Os laços de coesão podem acontecer num grupo onde o objetivo da sua união seja o de cometer um crime ou uma ação ilegal. A amizade do âmbito privado pode ser ainda mais forte nesse caso. O organismo de violência em expansão se realiza para continuar seu ciclo. Mas nesse caso, onde a mortalidade violenta que se fundamenta na destruição, baseia as relações políticas, as relações podem ser fortes, porém não serão duradouras. A morte é a experiência da condição humana mais anti-política: “morrer é deixar de estar entre os homens”. Ela jamais pode fundamentar a política. Pelo contrário, a condição humana da ação é a natalidade, a possibilidade da pessoa de, pela ação relacional entre iguais, construir o novo. Desaparecer do espaço da aparência é deixar de participar. Aparecer é ser. Aparecer e ser reconhecido pelo outro é condição para ser. A destruição se relaciona mais intimamente com a violência, desde as relações de trabalho, atrelada ao sentimento de alegria pelo produzido. Tem a ver com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a qual o homem se mede contra as forças devastadoras da natureza e que, através da astúcia com que inventou as ferramentas, sabe multiplicar muito além de sua medida natural. (ARENDT, 1995, p. 153). O homo faber é um destruidor da natureza, no seu ser artífice do mundo que cria para si e para os outros agregarem valor ao feito. “Esse elemento de violação e de violência está presente em todo processo de fabricação.” (ARENDT, 1995, p. 152). Matar um processo vital no caso de uma planta ou um animal ou interromper um processo lentíssimo da natureza é necessário para se conseguir o material. O mundo que o artífice objetiva é o que ele próprio fabrica. A natureza não depende do homem. Do grego physis, quer dizer “aparecer por si mesma”. Nela o processo de fazer-se se confunde com o objetivo final, ao contrário do que acontece na fabricação. A semente contém em si a finalidade de ser árvore. Há um automatismo. No trabalho, o processo é um meio para se chegar ao produto final. A natureza absolutamente não se confunde com a fabricação. Quando se quer obter objetivos em curto prazo, facilmente se recorre à violência. Por ser previsível nos resultados, pois tal ato violento é um meio para se efetivar determinado fim, e reversível, pois se assemelha ao processo de fabricação onde o artífice pode destruir sua obra a qualquer momento, ela é uma proposta tentadora. Porém não há nada mais determinista, não-libertador e não-empoderador do que isso. Para tal problema, tal diagnóstico e tal remédio. Está já tudo catalogado e é só aplicá-lo na realidade concreta como um manual de instruções ou receita. Não há espaço para a criatividade. Tudo se torna adequação ao já dado, já experimentado, já percorrido. O princípio do utilitarismo está sempre como pano de
  • 21. 20 fundo nessa estação: para tal fim, percorre-se por tal via. É fácil e prático. A natalidade é suprimida porque se nega que há algo de novo para acontecer. E [...] o perigo da violência, mesmo se ela se move conscientemente dentro de uma estrutura não-extremista de objetivos de curto prazo, sempre será o de que os meios se sobrepõem ao fim. Se os objetivos não são alcançados rapidamente, o resultado será não apenas a derrota, mas a introdução da prática da violência na totalidade do corpo político. [...] a prática da violência, como toda ação, muda o mundo, mas a mudança mais provável é para um mundo mais violento. (ARENDT, 1994, p. 58). A implicação do utilitarismo nas relações é a de que a violência precisa de justificação. Ela necessita de uma desculpa pelo qual as pessoas a aceitem como um motivo justo e tolerável. Sendo instrumental, a violência necessita de justificação. Nada disso pode ser fim em si, sempre está a serviço de um “para”. Todo “meio” precisa de uma justificação, que está no fim que deseja chegar. A violência não pode ser fim no sentido de finalidade, mas possui começo em fim bem definidos, bem como a fabricação. O fim justifica a violência cometida contra a natureza para que se obtenha o material, tal como a madeira justifica matar a árvore e a mesa justifica destruir a madeira. [...]. Durante o processo de trabalho, tudo é julgado em termos de adequação e serventia em relação ao fim desejado, e nada mais. (ARENDT, 1995, p. 166). Dar desculpas para os atos mais bárbaros se tornou natural. A palavra não mais revela, como nos diz Hannah Arendt, serve para esconder e aprisionar as pessoas mais ainda para dentro de suas cascas, com slogans do tipo: “é necessário cada um fazer sua parte (isoladamente)”, “o mundo está perdido, não vou gastar minhas energias em algo que não traz resultados”; são reflexo de que está dando certo para quem propaga e lucra com a fragmentação, como a mídia corporativa, que tem um público que não confere se o que se está veiculando é mesmo verdade, então colocando as opiniões que os patrocinadores querem que seja verdade. Também os políticos corruptos que contam com a desinformação e a desarticulação da população, a falta de debates nos temas fundamentais, tornando precária a assistência estatal, desconexa com a vida da população. A desarticulação das comunidades na busca de direitos para o local onde moram, perpetuando a miséria na periferia, origem de muitos outros problemas como a violência, o tráfico de drogas, prostituição, a perda da sensibilidade para com a dignidade das pessoas, o que, no fundo, é uma resposta a uma sociedade excludente, do sucesso e da desigualdade. Tudo isso se justifica facilmente numa ótica utilitarista. Para se ter a esperança de chegar a ser vencedor, “devo me resignar ao fato de que devem existir perdedores, mesmo que no momento eu esteja no meio desses...”.
  • 22. 21 2.2.1 A violência e o contexto histórico de Hannah Arendt Nossa autora escreve num contexto específico. Ela tem um método próprio, deslocando-se como numa lacuna “entre o passado e o futuro”, mas refletindo com os pés no seu momento histórico. Sua obra está intimamente ligada com os acontecimentos que estão na pauta do dia. Ela não busca universalizações que sejam atemporais ou descontextualizadas. A violência só é o foco de Arendt por ela ter sentido isso como essencial para análise: o desenvolvimento dos implementos de guerra e, com isso, a disseminação da mentalidade cientificista, desqualificada por Arendt como pseudociência. Ainda vinculado a isso há certa tendência de tentar justificar a violência vigente com uma concepção biologista do homem e consequentemente das ciências sociais, relacionando a violência à irracionalidade. Hannah Arendt publicou Sobre a Violência no ano de 1969, em meio ao contexto da guerra do Vietnã, a Nova Esquerda, a revolução estudantil de 68, os movimentos de resistência violenta ou de descolonização, os focos de resistência com a desobediência civil e os temores da guerra nuclear. Arendt parte da análise do momento, dos problemas concretos da pauta política. Nos Estados Unidos, desde os anos 50, o momento era de embate de forças antagônicas, que resultou nos “movimentos por direitos civis” nos anos 60; e aproveitando esse momento, as massas negras e outros segmentos, até então privadas de muitos direitos, lutam para mudar a estrutura social vigente. São dessa época o movimento de jovens negros, os “Panteras Negras” e os “Black Power”, a nova Esquerda, o movimento contra a guerra do Vietnã que mobilizou a opinião pública por sua causa. É importante perceber que alguns movimentos pregavam a desobediência civil, o direito de protesto não violento e outros meios de resistência não-violenta. Mesmo depois da experiência da II Guerra e dos totalitarismos, porém, a violência continuava a ser o denominador comum da política. O progresso tecnológico avançava para aprimorar os meios de violência, os Estados democráticos desgastados pela burocracia partidária e as polícias reprimiam duramente os focos de movimentos. No prefácio do livro Sobre a Violência Celso Lafer afirma diretamente o que Arendt coloca como de pano de fundo nos acontecimentos: Hannah Arendt mostra como o século XX encontrou, na violência e na multiplicação de seus meios pela revolução tecnológica, o seu denominador comum [...] (e) a maciça intromissão da violência criminosa, em larga escala, na política. (LAFER apud ARENDT, 1994, p. 7). São exemplos disso a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração, o genocídio e massacres. O século XX foi marcado por ser o tempo onde mais se desenvolveram artefatos bélicos de destruição massiva. Isto tinha começado no século XIV
  • 23. 22 e XV com o renascimento artístico e cultural, passando pela fundamentação da ciência, com a revolução industrial, e coroando com a II Guerra Mundial, cruel e ao mesmo tempo higiênica. Os campos de concentração foram ideados pela mesma razão libertadora da pessoa humana. A revolução estudantil de 68 em todo o mundo é parte da onda anti-racionalista do século XX, que está decepcionada com a ciência que produziu as armas nucleares e os velhos padrões morais, relacionados com educação, sexualidade e prazer. Na França o movimento estudantil foi um marco porque mobilizou o país inteiro. Ao final de tudo, porém, o partido gaulista, que no meio da agitação quase entrou em colapso, voltou mais forte que antes. Chegou um momento em que a insurreição revolucionária se acalmou rapidamente e tudo voltou ao normal. A questão da violência na política se torna fundamental no contexto da autora. A guerra fria, o que ela chama de xadrez apocalíptico onde se um vencer é o fim para todos, tem como objetivo, não mais como nas guerras anteriores que findavam com a vitória de um dos lados, mas o arbítrio e a dominação. O argumento implícito ai é o de que a preparação para a guerra, desenvolvendo e acumulando implementos bélicos, é a melhor garantia para a “paz”. A paz aqui pode ser entendida como passividade diante da segurança do status quo. O totalitarismo, para se auto-sustentar precisa dar segurança às pessoas, mesmo que com repressão e dominação. Tudo isso continua porque ainda não entrou em cena nada que possa ser uma alternativa eficaz. A ação criadora perde espaço para os sistemas deterministas, onde não há nada de novo. Tudo é síntese do mesmo. A violência se auto-sustenta, pelo menos no início, através disso: parece não haver alternativa melhor à que está aí, o que gera passividade. A violência brota da eficiência dos seus implementos. Todo sistema de governo, até o tirânico, a forma menos poderosa, depende da opinião dos súditos e de associados que o ajudem na tarefa da violência. Como afirma Arendt, “mesmo o tirano, o Um que governa contra todos, precisa de ajudantes na tarefa da violência, ainda que seu número possa ser restrito [...] e [...] nunca é possível sem instrumentos.” (ARENDT, 1994, p. 35). A violência, sendo instrumental, está justificando o utilitarismo que está no fundo fundamentando essa concepção: “A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja.” (ARENDT, 1994, p. 40-41). A razão, luz esclarecedora da “Idéia Suprema”, também se tornou instrumental, estando a serviço da violência como fabricação. Não é por pouco que a violência e a fabricação são tão íntimas.
  • 24. 23 Os cientistas sabem, é claro, que o homem é o fabricante de ferramentas que inventou as armas de longo alcance que o liberaram das restrições ‘naturais’ que encontramos no reino animal, e aquela fabricação de ferramentas é uma atividade mental altamente complexa. (ARENDT, 1994, p. 47). A mentalidade cientificista é o mal da modernidade e da contemporaneidade. Nos conselhos de governos cresce a procura de superespecialistas como forma de fazer as coisas relacionadas com a administração pública, da melhor forma possível. Em vez de entregarem-se a esta atividade antiquada e improcessável (de pensar), calculam as conseqüências de certas suposições hipoteticamente assumidas, sem, contudo serem capazes de testar suas hipóteses contra as ocorrências reais. A falha lógica nestas construções hipotéticas dos eventos futuros é sempre a mesma: aquilo que primeiro aparece como uma hipótese – com um sem as suas alternativas implicadas, conforme o grau de sofisticação – torna-se imediatamente, em geral, após uns poucos parágrafos, um ‘fato’, o que então origina toda uma corrente de não-fatos similares, daí resultando que o caráter puramente especulativo de toda a empreitada é esquecido. Não é preciso dizer que isto não é ciência, mas pseudociência, ‘a desesperada tentativa das ciências sociais e comportamentais’, nas palavras de Noam Chomsky, ‘de imitar as características superficiais das ciências que tem um conteúdo intelectual significativo’. E a mais óbvia e ‘mais profunda objeção a este tipo de teoria estratégica não é a sua limitada, mas o seu perigo, pois ela pode nos levar a acreditar que temos um entendimento a respeito desses eventos e um controle sobre o seu fluxo, o que não temos’ [...]. (ARENDT, 1994, p. 15). Este longo fragmento explica bem o que Arendt pensa sobre os governos que se assentam na falsa ilusão do que há de mais moderno, nos artefatos tecnologicamente mais desenvolvidos, no conhecimento das técnicas mais avançadas. O governo administrativo se fundamenta na atividade humana da fabricação. Nessa atividade não entra ética porque não há alteridade, não há relações entre iguais e o produto fabricado não é construído em conjunto, mas por um indivíduo capacitado, no isolamento. Por isso o desenvolvimento tecnológico e de implementos da violência, por maior que seja, não implica necessariamente num salto qualitativo no campo da ética. A sociedade de massa leva ao despotismo e à matematização da realidade. O ideal científico não é mero inocente: as pessoas aceitam cegamente o que lhes colocam como “cientificamente comprovado”. Arendt ironiza de forma forte contra a superespecialização nos governos, que quer tornar a civilização num bando de “macacos supercivilizados” – ou pior, de “homens transformados em galinhas ou ratos”, governados por uma “elite” que deriva seu poder “dos sábios conselhos de assessorias intelectuais” e que, de fato, acredita que os assessores são pensadores, e que computadores podem pensar; os conselhos vão acabar tornando-se incrivelmente insidiosos e, em vez de almejarem objetivos humanos, podem visar problemas completamente
  • 25. 24 abstratos, que tenham sido transformados de maneira inédita em um cérebro artificial. (ARENDT, 1994, p. 60). Para Arendt, a atitude cientificista e superespecializada na política brota de uma expressão técnica do homem. A verdadeira pessoa humana aqui não é a que age e fala, mas o homo faber. Daqui decorre a origem da glorificação da violência. Diante desse contexto, ainda há muitas correntes que tentam justificar a violência como sendo natural ao homem, com tentativas de provas tiradas da biologia e do comportamento dos animais. Mas os problemas humanos não podem ser reduzidos aos comportamentos animais. O humano é mais complexo que isso. Para se saber que um povo irá lutar pela sua terra, dificilmente teríamos que descobrir instintos de ‘territorialismo grupal’ em formigas, peixes e macacos; e para se saber que a superpopulação resulta em irritação e agressividade, não é necessário fazer experiências com ratos. Um só dia passado em uma favela nas grandes cidades teria sido suficiente. (ARENDT, 1994, p. 45). Dizer que os comportamentos agressivos estão relacionados com instintos animalescos na pessoa humana tendem “a fazer do comportamento violento uma reação ainda mais ‘natural’ do que estaríamos preparados para admiti-lo em sua ausência.” (ARENDT, 1994, p. 46). Também Bergson, Nietzsche e Marx pensavam a violência como criatividade, a força estimulante da vida, e a produtividade da sociedade. O poder nessa concepção se atrela a violência e, assim como a vida, precisa se expandir para sobreviver porque o “instinto” de crescer lhe é próprio. Na opinião da nossa autora é perigoso pensarmos as relações humanas de forma organicista. Nessa ótica poder e violência decorrem das relações, não propriamente humanas, onde vigoram outras leis, diferente do valor da liberdade, onde os conceitos de poder e violência de destruição e submissão coincidem. Essa ótica se baseia numa suposta criatividade e dinamicidade da vida biológica. As implicações disso são desastrosas: destruição e criação são as duas faces do mesmo processo natural, de modo que a ação violenta coletiva [...] pode parecer tão natural enquanto um pré-requisito para a vida coletiva da humanidade, quanto à luta pela sobrevivência e a morte violenta em nome da continuação da vida, no reino animal. Vale citar uma ilustração feita por Arendt no que se refere ao racismo como fruto dessa mentalidade. Sendo assim, não é só um fato normal constatado da vida, mas uma ideologia: O racismo, branco ou negro, é por definição repleto de violência porque contesta fatos orgânicos naturais – uma pele branca ou negra – que nenhuma
  • 26. 25 persuasão o poder poderia mudar; tudo o que se pode fazer, jogadas as cartas, é exterminar seus portadores. (ARENDT, 1994, p. 55). O maior perigo é o de que se justifique o racismo com alguma ideologia, posto que a violência precisa ser sempre justificada. Daqui decorre que a violência não é fruto de uma irracionalidade instintiva ou dum impulso biológico, mas daquela racionalidade que os modernos tanto glorificaram. A definição do homem como animal racional vem de um dualismo onde a res cogitans é algo que só acrescenta ao que já está aí. O homem é também um ser instintivo e o elemento adicional da razão o torna ainda mais perigoso. “É o uso da razão que nos torna perigosamente ‘irracionais’, pois esta razão é propriedade de um ‘ser originalmente instintivo’.” (ARENDT, 1994, p. 47). Essa concepção é também fruto de um biologismo, com o elemento adicional da razão. A justificação da violência, a racionalidade e a atividade do trabalho andam sempre juntas: A violência, sendo instrumental por natureza, é racional à medida que é eficaz em alcançar o fim que deve justificá-la. E, posto que, quando agimos [referência a ação empoderada], nunca sabemos com certeza quais serão as conseqüências eventuais do que estamos fazendo, a violência só pode permanecer racional se almeja objetivos a curto prazo. (ARENDT, 1994, p. 58). Arendt encontra nos acontecimentos do seu tempo, não uma busca por experiências místicas fora da consciência racional e esclarecida, mas a busca pela racionalidade, tanto para justificar, quanto para manipular de forma hipócrita pela palavra. “Só podemos nos fiar nas palavras se estamos certos de que sua função é a de revelar, e não a de esconder.” (ARENDT, 1994, p. 49). 2.2.2 A Violência e a Tradição Geralmente o que é óbvio passa por trabalhado e não se dá conta da sua distinção conceitual e das suas implicações. A violência na tradição política, desde Platão, desempenha um papel importante e até determinante, porém poucos sentiram a necessidade de desenvolver esse conceito. Diante do fato de que a edição da Enciclopédia de Ciências Sociais não mencionar o termo “violência”, Arendt comenta: “Isto indica o quanto a violência e sua arbitrariedade foram consideradas corriqueiras e, portanto, desconsideradas; ninguém questiona ou examina o que é óbvio para todos.” (ARENDT, 1994, p. 16).
  • 27. 26 Mas Arendt faz uma coletânea de fragmentos de autores, clássicos e contemporâneos seus confirmando sua tese: “Clausewitz denominando a guerra como ‘a continuação da política por outros meios’, ou se Engels definindo a violência como o acelerador do desenvolvimento humano” (ARENDT, 1994, p. 17); ainda Engels afirma “‘onde quer que a estrutura de poder de um país contradiga o seu desenvolvimento econômico’, será o poder político, juntamente com seus meios de violência, que sofrerá a derrota.” (ARENDT, 1994, p. 17). Sartre “afirma que ‘a violência incontrolável... é o homem recriando-se a si mesmo’, que é por meio da ‘fúria louca’ que os ‘desgraçados da Terra’ podem ‘tornar-se homens’.” (ARENDT, 1994, p. 19). Marx afirma que “o Estado era um instrumento de opressão nas mãos da classe dominante.” (ARENDT, 1994, p. 31). Bertrand de Jouvenel: a guerra pertence à essência dos Estados. (ARENDT, 1994, p. 31). Essas colocações brotam comumente do pensar os fenômenos de poder e violência como equivalentes. A tradição não conseguiu perceber a diferença desses dois conceitos e por isso, tanto o senso comum, como os próprios acadêmico, concebiam “poder” como a relação de mando e submissão. A maioria dos teóricos, tanto da esquerda ou da direita, definem: “toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder é a violência”, como afirma C. Wright Mills, comentado Weber, na sua exclamação: o Estado como “o domínio do homem pelo homem baseado nos meios da violência legítima, quer dizer, supostamente legítima.” (ARENDT, 1994, p. 31). Para Voltaire, o poder “consiste em fazer com que os outros ajam conforme eu escolho.” (ARENDT, 1994, p. 32); ainda Jouvenel: “Comandar e obedecer, sem isto não há poder – e, com isto, nenhum atributo é necessário para que ele exista... Aquilo sem o que não há poder: essa é a essência é o comandar.” (ARENDT, 1994, p. 32). Mas essa submissão ou obediência derivam de onde? Tal apoio nunca é inquestionável, e no que concerne à segurança ele não pode alcançar a ‘obediência inquestionável’ que de fato, um ato de violência pode impor – a obediência com a qual pode contar todo criminoso quando me arrebata a carteira com a ajuda de um faca, ou rouba um banco com a ajuda de uma arma. Arendt interpreta os autores clássicos da tradição política no sentido de não distinguirem os dois conceitos chaves de seu pensamento. Se fosse como os teóricos pensavam, o homem não seria mais do que um animal condicionado às determinações da vida e dos processos. Não haveria liberdade e muito menos ações criativas e iniciadoras. A autoridade se resumiria na simplista idéia de comando por meio da força e do medo, não de confiança, esperança, liberdade. Se a essência do poder é a efetividade do comando, então não há maior poder do que aquele emergente do cano de uma arma, e seria difícil dizer
  • 28. 27 ‘em que medida a ordem dada por um policial é diferente daquela dada por um pistoleiro’. (ARENDT, 1994, p. 32). Arendt diz, porém, que quem não entende dessa forma, que pensa conforme a tradição deve ser compreendido. Para ela essa incompreensão vem da nossa ânsia por obter resultados sempre a curto prazo, sem fazer processos. A busca por superespecialistas nas administrações dos governos e a grande intromissão da violência na política vem dessa ânsia. Para se obter tal resultado, é necessário fazer tal movimento e, pensa-se, tudo se resolve “num passe de mágica”. “Fundamentalmente por causa da condição humana da mortalidade, o eu qua eu não pode raciocinar em termos do interesse de longo prazo, quer dizer, o interesse de um mundo que sobrevive aos seus habitantes.” (ARENDT, 1994, p. 57). Queremos as coisas de imediato, ver resultados das nossas ações. Por isso a violência está atrelada ao medo da morte, a mortalidade, enquanto a ação está ligada a natalidade, ao nascimento, que independe dos indivíduos isolados, mas de uma continuidade histórica.
  • 29. 28 3 O PODER QUE EMANA DA AÇÃO Ação é a atividade humana exercida em parceria entre semelhantes, na pluralidade. É a atividade da vita activa mais humana. Ela é a possibilidade do novo e do milagre. O aparecimento do homem no meio da natureza é um fato milagroso porque não é só mais alguma derivação ou desdobramento do ser originário, mas um ser criador e iniciador de processos novos. A atividade da ação, então, é a atividade criadora. Poder designa a possibilidade dos homens de criarem juntos. Não há poder se não existe articulação, movimentação das pessoas, mais do que para fazerem algo, mas para “serem com”. Poder é em si uma dinâmica que mantém unidas as pessoas pelo puro prazer de estarem e criarem juntos. Enquanto estão juntos, cada um empresta seu potencial de poder aos outros, como que em um elo que os mantém ligados. A ação é fugaz e efêmera. Ela passa e já não existe mais. Precisa de algo que mantenha o espaço da pluralidade, da diferença. Ser “indiferente” é pensar que o outro é igual ao eu, e nem precisar se dar ao trabalho de descobrir se isso é verdade... A ação revela o ser humano que se dá a conhecer e o poder é o que mantém viva a lembrança da existência alheia. A ação é a fonte e o poder é a dinâmica que a mantêm estável e durável. Vamos desenvolver melhor esses dois conceitos e suas implicações na teoria política e no conceito de história. 3.1 AÇÃO São próprias ao homem duas dimensões: vita activa e vita contemplativa. O nosso foco é a primeira. Vita activa designa três atividades correspondentes à condição básica pela qual a vida nos foi dada na terra: labor, trabalho e ação. Labor corresponde aos processos básicos do corpo humano. Tem a ver com a manutenção da vida na sua forma mais elementar. “A condição humana do labor é a própria vida” (ARENDT, 1995, p. 15). O trabalho corresponde à capacidade do homem de fabricar objetos que lhe facilitem a vida. É a dimensão utilitária da vida humana. “A condição humana do trabalho é a mundaneidade.” (ARENDT, 1995, p. 15). A ação é a atividade do homem sem mediação material. A única mediação é a pluralidade. Não é o Homem que vive na terra, mas homens habitam o mundo. É a atividade da vida política. A ação é a atividade humana em meio a outros homens. É a condição humana da pluralidade. Na obra A Condição Humana, Arendt a coloca em uma das atividades fundamentais da vita activa e a atividade em que o homem exerce o que lhe é mais humano.
  • 30. 29 Todas as atividades possuem algo de político, mas a ação é a condição de toda a vida política, pois cria possibilidades para o exercício da liberdade e a novidade. A ação não acontece por mediações materiais, mas diretamente entre os homens. Não é por outra causa que a relação política acontece, ela é a própria finalidade. A ação, em Hannah Arendt, corresponde a uma atividade superior às demais porque diferencia a pessoa humana dos demais seres. Neste sentido de iniciativa, todas as atividades humanas possuem um elemento de ação e, portanto, de natalidade. Além disso, como a ação é a atividade política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode constituir a categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico. (ARENDT, 1995, p. 17). As pessoas não são totalmente diferentes porque senão não se entenderiam, mas ao mesmo tempo são seres únicos e constroem o seu diferencial pela ação e pelo discurso. Se não houvesse diferenças não precisaríamos desses dois elementos de revelação do agente. “A pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares.” (ARENDT, 1995, p. 189). A identidade do indivíduo é constituída através de sua revelação. A alteridade se dá a partir da distinção e da definição. Na matéria inorgânica só há multiplicações. No mundo animal começa a haver diferenças entre os indivíduos de cada espécie. A pessoa humana tem a sua diferença na capacidade de expressar-se e não apenas alguma coisa. O ser humano organiza juízos lógicos em proposições e possui inclusive a capacidade de comunicá-los a outro alguém. O ser humano é assim um ser de linguagem. Arendt traduz isso como capacidade humana do discurso, que tem a função reveladora do ser humano. No discurso a pessoa humana revela quem é: Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa – como sede, fome afeto, hostilidade e medo. (ARENDT, 1995, p. 189). Nenhum outro animal articula sons com sentido da mesma complexidade do que os da pessoa humana. Essa é uma das características fundamentais que lhe conferem o seu ser próprio e singular. É interessante para a nossa temática citar como nossa autora compreende a importância da política. No livro A dignidade da política (2002a, p. 40) Arendt expõe que “as armas e a luta, entretanto, pertencem à atividade da violência, e a violência, distinguindo-se do poder, é muda; a violência tem início onde termina a fala. Quando usadas com o propósito de lutar, as palavras perdem sua qualidade de fala; transformam-se em clichês.” As relações de violência, como podemos exemplificar com o caso de um governo totalitário, para se
  • 31. 30 manterem, necessitam abolir o espaço das pessoas de expressar-se. No Brasil a expressão disso é o famoso AI-5, que restringiu as publicações de manifestações de natureza política. E isto originalmente significava (discurso) não apenas que quase todas as ações políticas, na medida em que permaneciam fora da esfera da violência, são realizadas por meio de palavras, porém, mais fundamentalmente, que o ato de encontrar as palavras adequadas no momento certo, independentemente da informação ou comunicação que transmitem, constitui uma ação. Somente a pura violência é muda, e por este motivo a violência, por si só jamais pode ter grandeza. (ARENDT, 1995, p. 35). Outra característica fundamental é a da relacionalidade. O ser humano é um ser de comunidade na liberdade. Pela definição de Rabuske, “na comunidade o indivíduo continua livre, e também se sente livre e responsável.” (1981, p. 150). Por isso ele consegue construir uma comunidade, uma rede ou teia de relações onde se cultiva a liberdade. Os animais se associam por instinto de sobrevivência. O ser humano, além de ser naturalmente político, quer ser político. Essa categoria, para Arendt, constitui a ação. A política produz o que é grande e luminoso. Pode-se conceituar como energéia (efetividade) no sentido de que o agir e a palavra são as maiores realizações do ser humano, sem uma finalidade (télos). É viver bem. Isso não se consegue com o trabalho, mas só existe na pura efetividade da ação. O comportamento humano é julgado por padrões morais, mas a ação é julgada por sua grandeza, pois a ação rompe com os padrões consagrados, o que é extraordinário e diferente da vida cotidiana. Na leitura de Bertem (2004), Arendt está próxima a uma concepção de essência própria do ser humano como político. Para ele Arendt se aproxima muito da tradição aristotélica. Porém, na leitura de O que é política? (2002b), Arendt alerta para não essencializar o homem, pois “a política surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. Por conseguinte, não existe nenhuma substância política original.” (ARENDT, 2002b, p. 23). “Só existe liberdade no intra da política.” (ARENDT, 2002b, p. 24). Postular uma natureza seria dissolver a política na História global, como se fosse necessária e única. Isso é dissolver a pluralidade e a liberdade. Concluímos a partir disso que Arendt se aproxima sim da tradição aristotélica, mas a natureza humana de Aristóteles é construída pela relação aberta ao novo das ações dos agentes da política. As duas dimensões, da ação e do discurso, constituem outra categoria mais geral: a ação propriamente dita. A ação está no topo da valoração dos elementos da vita activa. São os elementos da ação e do discurso que conferem dignidade à política. A ação é a atividade propriamente humana, correspondente a sua dimensão política. Na ação e no discurso as pessoas humanas interagem entre si como tais.
  • 32. 31 Através deles o homem pode distinguir-se, ao invés de permanecer apenas diferentes; a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens. Esta manifestação, em contraposição a mera existência corpórea, depende da iniciativa, mas trata-se de uma iniciativa da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de ser humano. (ARENDT, 1995, p. 189). A ação e o discurso em Arendt revelam o agente livre, iniciador de processos. Isso constitui a capacidade de novidade dos seres humanos, livre (em partes) de determinismos e condicionamentos. A ação precisa do discurso e o discurso precisa da ação. O conceito grego deste é a práxis. De qualquer modo, desacompanhada do discurso, a ação perderia não só seu caráter revelador como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: em lugar de homens que agem teríamos robôs mecânicos a realizar coisas que seriam humanamente incompreensíveis. Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não haveria ator; e o ator, agente dos atos só é possível se for ao mesmo tempo, o autor das palavras. A ação que ele inicia é humanamente revelada através de palavras; e, embora o ato possa ser percebido em sua manifestação física bruta, sem acompanhamento verbal, só se torna relevante através da palavra falada na qual o autor se identifica, anuncia o que fez e o que pretende fazer. (ARENDT, 1995, p. 191). A ação e o discurso revelam a identidade pessoal e singular do agente. Diferente de expressar o “que” alguém é (qualidades, defeitos, aspirações, etc.), revela o “quem” de quem fala ou age. Sem revelar o agente a ação torna-se vazia, e é como qualquer feito. Torna-se como a fabricação. Isso ocorre sempre que deixa de existir convivência, quando as pessoas são meramente ‘pró’ ou ‘contra’ os outros, como ocorre, por exemplo, na guerra moderna, quando os homens entram em ação e empregam meios violentos para alcançar determinados objetivos em proveito de seu lado e contra o inimigo. Nessas circunstâncias, que naturalmente existiram, o discurso transforma-se em mera ‘conversa’, apenas mais um meio de alcançar um fim, quer iludindo o inimigo, quer ofuscando a todos com propaganda. Neste caso, as palavras nada revelam; a revelação advém exclusivamente do próprio feito, e este feito, como todos os outros, não desvenda o ‘quem’, a identidade única e distinta do agente. (ARENDT, 1995, p. 193). Na ação, o discurso não pode ser usado por intenções utilitaristas. Em outras atividades ele desempenha papel secundário de comunicação de coisas, porém ele pode ser substituído pela violência muda. Sendo pessoa humana, a condição fundamental é a da ação. Ela exerce sua maior humanidade agindo livremente com os outros. O agir é ser pessoa e expressar-se. No isolamento a pessoa é como se não fosse. É preciso comunicar o “quem”. Numa obra “feita” com a atividade do trabalho humano não é relevante conhecermos o autor para apreciá-la. Ela não possui outro sentido além do que está materializado no quadro. Isso não se aplica a ação, que precisa estar associada ao seu ator.
  • 33. 32 Com a afirmação do zoon politikon, animal político, Arendt contrapõe o singularismo heideggeriano e moderno. Ela recorda de Aristóteles que o homem é um ser naturalmente político, mas vai mais além, ele é mais político ainda porque possui a capacidade da linguagem. Alguns animais vivem agregados, como as abelhas, as formigas e outros, mas linguagem não é só um conjunto de sons, é o acrescentar algo, conhecimentos, sentimentos, qualidades e outros. Para Arendt o elemento do discurso está intimamente ligado a ação política, que é a esfera que possibilita a comunicação, não de qualquer informação, mas é manifestação da humanidade. Esse espaço chama-se espaço da aparência ou domínio público. Ai há a presença do outro que me aparece. O que não possui aparência não possui realidade. A política foi fundamentada na antiguidade pela natureza humana; no medievo, foi fundamentada por uma divindade e na modernidade fundou-se na racionalidade. Hannah Arendt funda a política nas condições da existência humana, mais especificamente a da pluralidade e da natalidade. O que quer que toque a vida humana ou entre em duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição da existência humana. [...]. Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. (ARENDT, 1995, p. 17). Com o discurso e a ação nos inserimos no mundo humano. No sentido etimológico mais geral, agir significa começar (archein), imprimir movimento a algo. Pelo fato de terem nascido, as pessoas tomam iniciativas, são motivados a agir. “Trata-se de um início que difere do início do mundo; não é o início de uma coisa, mas de alguém que é ele mesmo um iniciador.” (ARENDT, 1995, p. 190). A todo início e origem há a imprevisibilidade, algo novo que não poderia ser previsto de qualquer ação anterior. O sujeito agente pode realizar algo totalmente inesperado e improvável. A ação corresponde ao fato do nascimento, que é novidade e possibilidade do inesperado; enquanto o discurso ao fato da pluralidade, que é o viver singular entre iguais. Um fato novo é aquele que escapou à previsibilidade e que saiu fora dos determinismos. A “surpresa” é a característica de todo o início, toda origem. Ao longo da origem e da caminhada do planeta, aconteceram muitos saltos qualitativos: a origem da vida a partir da matéria inorgânica ou a origem da vida humana a partir da vida animal. O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estáticas e de sua probabilidade que, para fins práticos e cotidianos equivale à certeza; assim, o novo sempre surge do sob o disfarce do milagre. O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto só é possível
  • 34. 33 porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. (ARENDT, 1995, p. 191). No momento em que nos esforçamos em tentar dizer “quem” alguém é, nos frustramos porque falamos mesmo o “que” esse alguém é, suas características, qualidades. A mesma dificuldade é encontrada na tentativa de definição da natureza humana. Dizemos as suas características e não “quem” de fato é a pessoa. Essa impossibilidade de expressar a essência viva da pessoa tem algumas implicações. Não podemos tratar dos negócios humanos, onde o discurso e a ação assumem elementos principais na revelação do agente, da mesma forma que as coisas que podemos dispor, pois podemos nomeá-las. Outro aspecto é o da “incerteza de todo intercâmbio direto entre os homens, onde não existe a mediação estabilizadora e solidificadora das coisas.” (ARENDT, 1995, p. 194). Das relações não podemos determinar nenhum resultado necessário. A ação é relação aberta. A ação é a efetivação da condição humana da natalidade e o discurso é a efetivação da condição humana da pluralidade. Pelo discurso o agente se expressa na ação e sem ela a ação não pode ser tal, pois não há ator. A ação que ele inicia é humanamente revelada através de palavras; e, embora o ato possa ser percebido em sua manifestação física bruta, sem acompanhamento verbal, só se torna relevante através da palavra falada na qual o ator se identifica, anuncia o que fez, faz e pretende fazer. (ARENDT, 1995, p. 191). No encontro das pessoas elas revelam quem são. As mediações para isso são o discurso e a ação. A ação e o discurso acontecem enquanto revelam o agente, mesmo que o conteúdo seja sobre o mundo, e que envolvam certos interesses. Além da mediação por interesse, os homens agem e falam uns com os outros, e isto não é materializável, não deixando de ser menos real que o primeiro. A esta realidade chamamos de “teia” de relações humanas. As pessoas, mesmo que empenhadas em alcançar objetivos materiais se revelam como sujeitos distintos e singulares dos outros. Ignorar que é inevitável que as pessoas se relacionem como sujeitos distintos e singulares, é o erro básico do materialismo político. Mesmo que a revelação do agente se refira a uma realidade física e mundana, ela é revestida e constituída por atos e palavras que se originam do fato de que as pessoas agem e falam umas com as outras. O resultado disso não é nada material, mas essa realidade é tão real quanto o mundo tangível. A essa realidade se denomina teia das relações humanas. É verdade que essa teia é tão vinculada ao mundo objetivo das coisas quanto o discurso é vinculado à existência de um corpo vivo; mas o vínculo não é de uma fachada ou, na terminologia de Marx, de uma superestrutura essencialmente supérflua afixada à estrutura útil do edifício. O erro básico de todo materialismo político – materialismo este que não é de origem marxista nem sequer moderna, mas tão antigo quanto a história da teoria política – é
  • 35. 34 ignorar sua inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhadas em alcançar um objetivo completamente material e mundano. (ARENDT, 1995, p. 195-196). A esfera das relações consiste na teia das relações humanas que está presente onde existem pessoas vivendo juntos. A revelação da identidade incide numa teia de relações já existentes. Essa revelação muda radicalmente o futuro de todos os que estiverem relacionados. No meio das inúmeras vontades conflitantes a ação quase nunca chega a atingir seu objetivo. Para nosso estudo isso é importante, pois pode tornar tentadora a violência porque atinge seu objetivo primeiro. A violência nesse enfoque se distingue profundamente da ação. A ação engloba as vontades conflitantes em si, enquanto que a violência é resultado de uma vontade dominadora, que engendra um processo parecido com o da fabricação em que o produto final tem uma grande semelhança com o que foi pensado ou objetivado na mente do homo faber. É em virtude desta teia preexistente de relações humanas,com suas inúmeras vontades e intenções conflitantes, que a ação quase sempre deixa de atingir seu objetivo; mas é também graças a esse meio, onde somente a ação é real, que ela ‘produz’ histórias, intencionalmente ou não, com a mesma naturalidade com que a fabricação produz coisas tangíveis. (ARENDT, 1995, p. 196-197). Mais adiante, porém, Arendt afirma que a história como tal é de natureza diferente de reificações. Mesmo que nos insiramos no mundo por palavras e ações não é o agente revelador que “faz” sua história. Esse alguém pode iniciá-la e dela ser agente, mas ninguém dela é autor. Numa condição pré-política ou pré-histórica da História, pode-se falar que a história tem um início e um fim. Início com o nascimento e fim com a morte. Toda a vida humana constitui uma história e a História é, depois, o grande livro de histórias com muitos atores e narradores. Os motivos disso é que resultam da ação. Qualquer série de eventos constitui uma história com um sentido peculiar, mas mesmo com dificuldade conseguimos isolar o iniciador do processo, o sujeito e nunca, com certeza se consegue afirmá-lo como autor do resultado final. Na história ocidental formularam-se muitos sistemas racionais e ideologias que tipificaram concepções sobre a pessoa humana, a política, a sociedade e outros. Essas tentativas de tipificação não são mais do que a pretensão de elaborar racionalmente e idealisticamente, pois sabemos que o ser humano não se deixa aprisionar numa redoma conceitual por ser transcendente e por isso não se efetiva na realidade concreta da sociedade. Por mais libertadoras ou emancipadoras que sejam, são idéias às quais as pessoas terão de se submeter forçosamente por serem absolutistas. O absolutismo da idéia, querendo ou não, é o
  • 36. 35 grande risco do pensamento racional moderno que adéqua as pessoas àquele modelo em nome do progresso e da ordem. Por trás da introdução da atividade do trabalho para a historicidade, formula-se uma concepção histórica determinista e até o que Marx percebeu e teorizou com o conceito de “fim para a história”. O que distingue a teoria do próprio Marx de todas as demais teorias em que a noção de ‘fazer história’ encontrou abrigo é somente o fato de que apenas ele ter percebido que, se se toma a história como o objeto de um processo de fabricação ou elaboração, deve sobrevir um momento em que esse ‘objeto’ é completado, e que, desde que se imagina ser possível ‘fazer história’, não se pode escapar à conseqüência de que haverá um fim para a história. Sempre que ouvimos grandiosos desígnios em política, tais como o estabelecimento de uma nova sociedade na qual a justiça será garantida para sempre, ou uma guerra para acabar com todas as guerras, ou salvar o mundo inteiro para a democracia, estamos nos movendo no domínio desse tipo de pensamento. (ARENDT, 1992, p. 114). A ação possui dois momentos: a fundação e o preservar da ação, o seu início e desenvolvimento. O processo que a inicia se dá em meio à pluralidade e repercute no todo igualmente. Não há um final determinado para o processo que repercute constantemente na história. O nascimento, ligado às três atividades da vita activa, é mais intimamente ligado à ação. Uma ação, depois de iniciada, é perpétua e não se pode prever suas conseqüências. Para Platão a práxis que resulta dos negócios humanos não deveria ser tratado com seriedade. Para ele a história é guiada por um deus que com sua mão movimenta títeres. Na verdade é a afirmação de que não há um autor da história. Os resultados da teia das relações humanas vêm muito mais de feitos do que de idéias, porque as grandes idéias tendem a se totalizar e absolutizar. A história deve a sua existência aos homens, mas não é feita por eles. Ela é muito mais que o produto de uma ação individual. A diferença entre a história real e a ficção é precisamente que esta última é ‘feita’, enquanto a primeira não o é. A história real, em que nos engajamos durante toda a vida, não tem criador visível nem invisível porque não é criada. O único ‘alguém’ que ela revela é o seu herói; e ela é o único meio pelo qual a manifestação originalmente inatingível de um “quem” singularmente diferente pode tornar-se tangível ex post facto através da ação e do discurso. Só podemos saber quem um homem foi se conhecermos a história da qual ele foi herói – em outras palavras, sua biografia; tudo o mais que sabemos a seu respeito, inclusive a obra que ele possa ter produzido e deixado atrás de si. (ARENDT, 1995, p. 199). Ninguém é autor de sua história de vida, mas sujeito dela, pois nos inserimos numa história já iniciada antes de nós, por palavras e ações, e ela se compõe de mesclas de revelações de identidade. Herói não é alguém que domina com potência absoluta sobre si e os outros, mas aquele que produz ações no cotidiano. Nas palavras de Arendt “originalmente,
  • 37. 36 isto é, em Homero, a palavra ‘herói’ era apenas um modo de designar qualquer homem livre que houvesse participado da aventura troiana e do qual se podia contar uma história.” (1995, p. 199). Essa disposição de dispor-se ao agir e ao discursar requer coragem. Como uma boa aristotélica, Arendt afirma como valor político a moderação e não a ambição de poder. Os limites legais são fronteiras seguras para a ação assim como as delimitações territoriais permitem a existência de um povo. Mas mesmo assim não permite que mude o caráter de imprevisibilidade da ação. “A imprevisibilidade decorre diretamente da história que, como resultado da ação, se inicia e se estabelece assim que passa o instante fugaz do ato.” (ARENDT, 1995, p. 204). Na fabricação a imagem do produto final está pronta e racionalizada pelo artífice. Na ação o produto final só aparece ao olhar retrospectivo do historiador ou ao narrador da história quando todos os processos históricos terminam. O conceito grego de eudeimon significa a felicidade original da pessoa, não perceptível a ela mesma, que a persegue em sua vida, mas que só se dá a conhecer aos outros. A essência humana só passa a existir depois que o indivíduo morre. O que fica são as histórias. Uma conseqüência disso é que para deixar uma fama imortal deve-se morrer prematuramente. É uma concepção um tanto individualista de revelação da própria individualidade. Isso decorre, dentre outras coisas, de um fator importante na nossa pesquisa. Para os gregos o legislador é alguém que atua como um artesão, reificando leis, resultando num produto final determinado. “Não se trata mais, ou melhor, não se trata ainda de ação (práxis), mas de fabricação (poiésis), a qual preferem em virtude de sua maior confiabilidade.” (ARENDT, 1995, p. 208). A esfera política se dá pela ação em conjunto, de palavras e atos compartilhados em comum. A ação, portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é a única atividade que o constitui. A esfera pública é a esfera da aparência. A realidade do mundo garante a aparência pelo fato de fazer aparecer aos outros o que é comum a todos. Existência é o que aparece a todos. O que é desprovido de aparência é desprovido de existência e realidade. Se morrer é “deixar de estar entre os homens”, existir é co-existir, e o que não possui aparência é desprovido de realidade. A polis grega tinha dupla função: fazer do extraordinário (a novidade) um acontecimento freqüente, e dotar o discurso e a ação de alguma durabilidade. O espaço público dos gregos estava a serviço dos cidadãos para torná-los imortais. A lembrança das ações comuns torna um pouco mais durável a efemeridade das palavras e ações. O espaço público ou a esfera da aparência “não sobrevive(m) à realidade do movimento que lhe deu origem, mas desaparece não só com a dispersão dos homens [...], mas
  • 38. 37 também com o desaparecimento ou suspensão das próprias atividades.” (ARENDT, 1995, p. 212). A degeneração interna do espaço público é um convite a sua destruição. Esse fenômeno acontece primeiramente com a perda do poder e acaba com a impotência final. O poder só existe enquanto é efetivado e exercido. Não conseguimos armazená-lo para depois usarmos como qualquer objeto ou algum instrumento de violência. “É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial da aparência entre os homens que agem e falam.” (ARENDT, 1995, p. 212). O poder é o elo que mantém certa durabilidade. O artifício humano, do qual o poder é ‘princípio essencial’, garante a memória, e isso faz com que as ações não caiam no esquecimento, se perdendo como a palavra falada. A memória do discurso garante a durabilidade da palavra falada. O poder só é garantido quando o potencial da ação está presente. A ação é fugaz, efêmera, não resiste se não é mantida pelo poder. Não nos deteremos muito agora à temática do poder presente no livro A condição Humana, porque ele será trabalhado posteriormente. Agora nos interessa a sua relação com a ação e conseqüências. O poder e a ação se relacionam neste ponto: o poder mantém a ação depois que passa seu instante de efetivação. O poder e a ação se dependem mutuamente e quase se confundem. Ambos são ilimitados, efetivam a condição humana da pluralidade. Assim como a ação revela o homem através da ação e do discurso, o poder mantém o espaço para ele se revelar como verdadeiro ser humano. O poder possui essa característica principal de manutenção da esfera pública que possibilita a revelação do “quem” é cada um. A ação nunca pode ser “meio para”. “A grandeza, portanto, ou o significado específico de cada ato, só pode residir no próprio cometimento, e não nos motivos que o provocaram ou no resultado que produz.” (ARENDT, 1995, p. 218). O que está atrelado com interesses utilitários, com o fim fora do ato em si, para Arendt não tem relação com ação pura, mas trabalho. O conceito de energeia (efetividade) traduz bem o significado disso. A ação é uma atividade que se esvazia de significado no seu ato de efetivação. Não visa um fim específico. A obra resultante do discurso e da ação, para Aristóteles, é o “viver bem”, é revelação da pessoa enquanto pessoa. Não há nada de utilitarista aqui, pois o meio já é o fim, é a pura efetivação da ação. A filosofia política anterior à de Aristóteles concebia como atividades supremas do homem a arte da música e o teatro. Estes são produtos da tecné. Arendt comenta a retomada dessa concepção por Adam Smith na modernidade, baseando a ocupação em desempenho.
  • 39. 38 Para nós essa é uma questão pertinente quando falamos em eficiência na profissão. O bem desempenhar funções técnicas pode dizer a dignidade e a preciosidade das pessoas? 3.1.1 A redução da ação como trabalho O mercado precisa de pessoas eficientes que consigam fazer seu trabalho com a maior produção de bens possível. Também o consumo dos bens produzidos pelo trabalho acontece da forma do labor. Nada deve satisfazer. Ao ser consumido o produto deve dar o gosto de “quero mais”. Para ser nessa sociedade é preciso ser desejador inquestionável dos produtos apontados como sendo importantes para saciar o sentido da vida que todos os seres humanos buscam. Ao contrário do ideal grego, onde as coisas atingem o maior grau de perfeição quando são finitas, o desejo não pode ser finito. O mercado se sustenta de consumidores que não se saciam nunca. Assim como as relações de trabalho se dão como o labor, que se esvai enquanto produz-se, a ação, sendo a atividade iniciadora de processos, começa a ser usada como trabalho. O fenômeno desse acontecimento é o fato de que cada vez mais a ciência se volta para “dentro da natureza”. Nesse caso a ação se realiza ao modo do trabalho. É tratada como algo planejado e produzido pelo homem. Também a pesquisa científica começa a confundir as características que necessitam de determinações objetivas ou planejamento, como o trabalho que antes de se materializar como artefato das mãos humanas é ideado na mente do homo faber, com as características da ação. As ciências usam o método da experiência sem objetivos específicos para fazer descobertas. A ciência moderna é a arte de desencadear processos e “fabricar a natureza” impondo as condições da experiência e assim fazendo conhecimento. Essa é a ilustração da mudança da ciência de processos pré-concebidos à ciência de processos sem retorno ou imprevisíveis, características essas próprias da ação. Assim como as ciências naturais, a ciência histórica se baseia no princípio de processo, que possui realidade existencial na pessoa pela ação. Essas ciências concebem seus objetos dentro dum sistema de processos. Por trás do processo há a incerteza da ação, que não prevê a possibilidade, o quando e onde do próximo passo. A capacidade de iniciar processos é possível pela faculdade de agir humano. Dos processos surge a incerteza como a principal característica dos negócios humanos. O processo faz parte da ação. A ação não é regida pelas categorias de meios e fins. O processo não pode se perder ante os resultados. Se a ação é o que há de mais próprio, o ser humano não pode querer ser pleno, ele está continuamente interagindo no processo de tornar-