AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Loteamento clandestino e irregular - Implantação em área de mananciais, e área pública - Regularização, do que for possível - Danos ao meio ambiente - Impossibilidade de reposição de toda a área danificada ao status quo ante - Procedência parcial da lide - Recurso ministerial, provido, em parte, para esse fim; não provimento ao dos loteadores.
MUNICÍPIO E ESTADO - Ilegitimidade de parte passiva - Admissibilidade - Inteligência do art. 40, da Lei 6.766/79 - Faculdades legais: fiscalização e exercício do poder de polícia - Preliminar, rejeitada"
STJ julga responsabilidade de Município e Estado em loteamento irregular
1. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 333.056 - SP (2001/0087209-0)
RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECORRIDO : HENRIQUE HESSEL ROSCHEL E OUTROS
ADVOGADO : LÍVIO DE SOUZA MELLO
RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : GERALDO HORIKAWA E OUTROS
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : SILVANA NAVES DE OLIVEIRA SILVA ROSA E OUTROS
RECORRIDO : KATSUMI MORIVAKI E CÔNJUGE
ADVOGADO : RENI FERNANDES MACIEL E OUTRO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso
especial interposto com fundamento na alínea "a" do inc. III do art. 105 da Constituição Federal,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Loteamento clandestino e irregular -
Implantação em área de mananciais, e área pública - Regularização, do que for
possível - Danos ao meio ambiente - Impossibilidade de reposição de toda a área
danificada ao status quo ante - Procedência parcial da lide - Recurso ministerial,
provido, em parte, para esse fim; não provimento ao dos loteadores.
MUNICÍPIO E ESTADO - Ilegitimidade de parte passiva - Admissibilidade
- Inteligência do art. 40, da Lei 6.766/79 - Faculdades legais: fiscalização e exercício
do poder de polícia - Preliminar, rejeitada" (fl. 885).
O recorrente alega que a Corte estadual violou os arts. 13 e 40 da Lei nº 6.766/79, ao
deixar de condenar o Município e o Estado de São Paulo "a agirem em repressão a loteamentos em
áreas de mananciais. Assim se manifestou:
"(...) 2. Entendo devam o Município e o Estado a ser condenados - e quanto
a este trata-se de área de mananciais situado em região metropolitana -
juntamente com os loteadores, à regularização jurídica (não física ou urbanística) do
local, onde já implantado de fato o loteamento, promovendo a recuperação e
devolução da área restante, e da área pública, ao seu status quo ante" (fl. 901).
Foi interposto simultaneamente recurso extraordinário (fls. 908-922).
O Estado e Município apresentaram contra-razões, respectivamente (fls. 925-936 e
960-968). Transcorreu, in albis, o prazo para os demais recorridos (fl. 971).
Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República,
Dr. Washington Bolívar Júnior, opinou pelo provimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:
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2. Superior Tribunal de Justiça
"'ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PARCELAMENTO DE
SOLO. MUNICÍPIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
1. O Município, em se tratando de Ação Civil Pública para obrigar o
proprietário de imóvel a regularizar parcelamento do solo, em face do modo
clandestino como o mesmo ocorreu, sem ter sido repelido pela fiscalização
municipal, é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda.
2. O Município tem o poder-dever de agir para que loteamento urbano
irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição.
3. O exercício dessa atividade é vinculada.
4. Recurso provido para que o Município, conforme chamamento feito na
inicial pelo Ministério Público, autor da ação, figure no pólo passivo da demanda'
(RESP 194732/SP; DJ DATA: 21/06/1999 PG: 00083: Relator Min. JOSÉ
DELGADO)" (fl. 993).
Admitido, na origem, o recurso especial, subiram os autos a esta Corte (fls. 976-979).
É o relatório.
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3. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 333.056 - SP (2001/0087209-0)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO
IRREGULAR. ÁREA DE MANANCIAIS. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E
DO ESTADO. PODER-DEVER. ARTS. 13 E 40 DA LEI N. 6.766/79.
1. As determinações contidas no art. 40 da Lei n. 6.766/99 consistem num
dever-poder do Município, pois, consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da
República, compete-lhe "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano".
2. Da interpretação sistemática dos arts. 13 da Lei nº 6.766/79 e 225 da CF,
extrai-se necessidade de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o
loteamento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de
proteção aos mananciais.
3. Recurso especial provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Devidamente preenchidos
os requisitos de admissibilidade conheço do recurso especial. Passo ao mérito.
Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo
com o objetivo de condenar o Município e o Estado de São Paulo a promover a regularização de
loteamento irregular situado em área urbana e de proteção de mananciais do reservatório do
Guapiranga.
O Tribunal de origem, sem alterar a decisão singular, excluiu a responsabilização da
Municipalidade e do Estado com base nos seguintes fundamentos: a) que o art. 40 da Lei nº
6.766/79 atribui apenas um poder e não um dever de fiscalização ao Município; b) que é "ilógica a
imputação de responsabilidade ao Município e ao Estado, que não tiveram nenhuma participação
ativa na sua implantação, c ) que "o argumento de que o Município tinha ciência do loteamento não
é o bastante para imputar responsabilidade, visto que sua implantação se deu sem prévia
autorização municipal"; d) que "é inaplicável à espécie, a norma do art. 37, § 6º, já que não se
logrou comprovar, de forma irrefutável, a conduta omissa de algum agente municipal (ou
estadual)".
A título de ilustração transcrevo fragmentos do voto condutor recorrido:
"Trata-se de loteamento irregular, implantado em região metropolitana e de
proteção aos mananciais do reservatório do Guarapiranga, numa área de
aproximadamente 11.648,87 m2, constituída pelos lotes 24 e 25 e por parte do
espaço livre 2 (área pública), desde 1985, como esclarecem os elementos emergentes
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4. Superior Tribunal de Justiça
dos autos.
(...)
4) Quanto à responsabilidade dos entes políticos, bem decidiu a r. sentença
guerreada.
Com efeito, nada obstante a omissão dos Poderes Públicos, estadual e
municipal, respectivamente na fiscalização das áreas de mananciais e no embargo de
loteamento clandestino, como restou assentado, a Lei 6.766/79 não impõe ao Estado
ou Município 'o dever de desconstituir loteamentos clandestinos'. Para melhor
elucidação, comenta: 'o art. 40 da Lei referida não atribui um dever ao Município,
mas apenas lhe outorga um poder, que, de resto, é apenas o de efetuar, à conta dos
loteadores - quando possível, evidentemente - do loteamento clandestino' (fl. 761).
Frise-se que, sendo clandestino o loteamento, afigura-se ilógica a imputação
de responsabilidade ao Município e ao Estado, que não tiveram nenhuma
participação ativa na sua implantação. No que tange à postura omissa dessas
entidades, o entendimento sufragado pelo sentenciante singular arma-se com o que já
foi decidido nesta E. Corte:
'O artigo 40, da Lei n. 6.766/79 fala que à notificação desatendida pelo
loteador clandestino, PODERÁ o Município regularizar o loteamento. Portanto,
trata-se de norma facultativa e não obrigatória a regularização do loteamento pela
prefeitura. Dai porque não é possível condená-la a fazer ou não fazer alguma coisa
no loteamento irregular' Apelação Cível n° 015.960-5/300/SP - relator, Des. Eduardo
Braga - cfr. a fl. 837).
O argumento de que o Município tinha ciência do loteamento não é o
bastante para imputar a responsabilidade, visto que sua implantação se deu sem a
prévia autorização municipal. Assim, o fato de a Administração Regional estar
próxima, vale a mesma assertiva, assim como pelo fato de a movimentação no local
ter sido bem notória.
Não se pode olvidar que o processo de aprovação do projeto ainda está 'em
trâmites perante a Prefeitura municipal' (sic, fl. 778).
Assim, não há como admitir violação aos dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais invocados pelo Ministério Público. Os arts. 30, VIII, 23, VI, VII
e IX, e 225, da Constituição Federal, apenas conferem competência ao Município
para legislar sobre assunto de interesse municipal no âmbito do seu território, e para
exercer o correlato Poder de Polícia. Inaplicável à espécie, a norma do art. 37, § 6°,
já que não se logrou comprovar, de forma irrefutável, a conduta omissa de algum
agente municipal (ou estadual).
Por outro lado, as disposições da Constituição Estadual (arts. 193, XX, 180,
V, 205, III) incidem, quando a atividade do jurisdicionado não for clandestina.
Os arts. 3°, § único, - e 13, da Lei 898/75, traçam diretrizes para aprovação
de loteamentos em área de mananciais, não tendo, pois, o elastério que lhe confere o
autor. O mesmo se diga do Código de Postura municipal (Lei n° 11.228/92), sendo
vedada a sua aplicação retroativa.
Por essas razões, a responsabilidade do Estado e Município deveria ter sido
afastada" (fls. 887-889).
As determinações contidas no art. 40 da Lei n. 6. 766/99 consistem num dever-poder
do Município, pois, consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete-lhe
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"promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". Assim, não há como a Municipalidade
eximir-se de tal responsabilidade. Nesta linha, colaciono precedentes desta Corte a respeito do
tema:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LOTEAMENTO PARA FINS SOCIAIS IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO
MUNICÍPIO. PODER-DEVER. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. LEGITIMIDADE
PASSIVA DO MUNICÍPIO.
1. As exigências contidas no art. 40 da Lei n. 6. 766/99 encerram um dever
da municipalidade de , mesmo que para fins sociais, regularizar loteamento urbano,
visto que, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, compete-lhe
promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento, controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
2. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido" (REsp
131697/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.05);
"PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
- PARCELAMENTO DE SOLO - REGULARIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO -
PODER-DEVER - LEI 6.766/79, ART.40 - LEGITIMIDADE PASSIVA DO
MUNICÍPIO.
- O Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar
loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura Municipal
tenha usado do seu poder de polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso
ilegal do solo. O exercício desta atividade é vinculada.
- Recurso não conhecido" (REsp n. 124.714-SP, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJ de 25.09.00);
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO
DO SOLO URBANO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO.
COMPETÊNCIA VINCULADA.
No que concerne à alegação de que a Lei n. 6.766/79 não se aplica aos
conjuntos habitacionais de interesse social, o recurso não merece prosperar. Com
efeito, como bem salientou o Ministério Público Federal, 'a Lei 6.766/79 é aplicável
a toda e qualquer forma de parcelamento do solo para fins urbanos (art. 1º da Lei),
independentemente de haver vinculação ou não com os programas habitacionais de
interesse social' (fl. 517).
Por outro lado, nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso
VIII, compete aos Municípios 'promover, no que couber, adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação
do solo urbano.'
Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o
uso e a ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual
esta competência é vinculada. Dessarte, 'se o Município omite-se no dever de
controlar loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo
ao cumprimento de tal dever' (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, DJ 15.04.2002).
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No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que 'o
Município não pode se furtar do poder-dever de agir vinculado e constitucionalmente
previsto com vistas à regularização do solo urbano, sob pena de responsabilização,
como sucedeu no caso por intermédio da via judicial adequada que é a ação civil
pública' (fl. 518).
Recurso especial improvido" (REsp 259.982-SP, Rel. Min. Franciulli Netto,
DJ de 27.09.04).
Quanto à responsabilidade do Estado de São Paulo em face de sua negligência na
devida fiscalização, de mister aplicar-se o disposto na norma contida no art. 13 da Lei de
Parcelamento do Solo Urbano em consonância com os dispositivos da Constituição da República.
O dispositivo ora apontado possui a seguinte dicção:
"Art 13. Caberão aos Estados o exame e a anuência prévia para a
aprovação, pelos Municípios, de loteamento e desmembramento nas seguintes
condições:
I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de
proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e
arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;
II - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe
do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas
ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;
III - quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².
Parágrafo único - No caso de loteamento ou desmembramento localizado
em área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência
prévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana".
Consoante dispõe o art. 225 da Constituição Federal todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, e o dever de defendê-lo e preservá-lo impõe-se ao Poder Público e à
coletividade. Assim, para assegurar a efetividade desse direito constitucional, incumbe à este poder,
dentre outros deveres: a) preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais; exigir, na forma
da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental e o respectivo relatório.
Assim, da interpretação sistemática de tais dispositivos, extrai-se necessidade do Estado
interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado em áreas tidas como
de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais, caso dos autos.
Mutatis mutandis , colaciono excertos do voto condutor no Recurso especial nº
131697/SP de relatoria no Ministro João Otávio de Noronha:
"(...) No que diz respeito às disposições do inciso II do art. 13 da Lei n.
6.766/79, não houve ofensa alguma. Ocorre que o acórdão, identificando, in casu, a
situação contida nessa norma, afirmou que o projeto tem de ser submetido à análise
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do Estado.
No art. 13, determina-se a interferência estadual quando o loteamento for
edificado em áreas tidas como de interesse especial. Em seus respectivos incisos, tais
áreas foram classificadas. In casu, tendo sido evidenciada hipótese de interesse do
Estado, porquanto o loteamento foi assentado em área limítrofe do município ou que
tenha abrangido mais de um município em área metropolitana, certo que a atuação
estadual é legítima e necessária.
'DIVERGÊNCIA - CARACTERIZAÇÃO - LOTEAMENTO -
LEGISLAÇÃO - MEIO AMBIENTE - APROVAÇÃO
ADMINISTRATIVA - DIREITO - DEVER DO ESTADO DE PROTEGER
A NATUREZA. PRESSUPOSTOS DIFERENTES DOS ARESTOS NÃO
CARACTERIZAM A DIVERGÊNCIA.
A aprovação de projeto de loteamento pela prefeitura municipal não
ilide o poder de "o Estado de examinar a aprovação, quando ocorrerem em
area de interesse especial, tal e a abrangente de manancial".
Recurso improvido' (REsp n. 26368-RS, relator Ministro Garcia
Vieira, DJ de 30/11/1992)" (DJ 13.06.05).
No mesmo toar, foi o entendimento do Ministério Público Federal:
"(...) Examinados os autos, verifica-se que o recurso merece conhecimento e
provimento.
Quanto ao Município, a questão já foi enfrentada pelo E. STJ, que vem se
pronunciando no sentido que o Município tem o poder-dever de agir para regularizar
o loteamento urbano clandestino, e daí a sua legitimidade passiva em casos tais.
Nesse sentido, registro os seguintes precedentes:
'PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL
PÚBLICA - PARCELAMENTO DE SOLO - REGULARIZAÇÃO PELO
MUNICÍPIO - PODER-DEVER - LEI 6.766/79, ART. 40 LEGITIMIDADE
PASSIVA DO MUNICÍPIO.
- O Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar
loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura
Municipal tenha usado do seu poder de
polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso ilegal do
solo. O exercício desta atividade é vinculada.
- Recurso não conhecido' (RESP 124714/SP; DJ DATA:25/09/2000
PG:00084; Relator Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS; Órgão
Julgador - SEGUNDA TURMA).
(...)
Assim, sem maiores delongas, é cristalina a divergência de entendimentos.
Quanto à responsabilidade do Estado de São Paulo, a solução do problema
merece argumentação específica.
Dos autos, extrai-se que o loteamento clandestino em comento está situado
em áreas de mananciais. Isso é o que consta do v. acórdão a quo e da r. sentença de
fls. 753/767.
Passada essa premissa, observe-se o teor dos dispositivos legais pertinentes,
todos da Lei n. 6.766/79, a saber:
'Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios
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de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:
I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de
proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e
arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;
II - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área
limítrofe do Município, ou que pertença a mais de um Município, nas
regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei
estadual ou federal '.
Aqui, necessário um aparte para registrar a necessidade de uma
interpretação conjunta dos dispositivos supra com o já mencionado art. 40, da Lei de
Parcelamento do Solo Urbano, que diz:
'Art. 40 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o
caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar
loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem
observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar
lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos
dos adquirentes de lotes'.
Penso que o art. 40, acima transcrito, não deve ser interpretado de forma
literal, no sentido de que só ao Município cabe efetuar a regularização. Ora, se o
loteamento estiver em área que também cabe ao Estado-membro fiscalizar e
controlar, a exemplo do que ocorre nos casos previstos no art. 13, supramencionado,
é evidente que este Ente Político também tem o poder-dever de agir para que o
loteamento urbano clandestino passe a atender o regulamento específico para a sua
constituição.
Assim, verifica-se também a responsabilidade solidária do Estado na
espécie.
Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina pelo conhecimento e
provimento do recurso" (fls. 995-997-998).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
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