1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
O CURRÍCULO AGENCIADO COM AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
VITÓRIA
2008
2. 1
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
O CURRÍCULO AGENCIADO COM AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Dissertação apresentada ao Programa de
PósGraduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Educação,
na linha de pesquisa Cultura, Currículo e
Formação de Educadores.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janete Magalhães
Carvalho.
VITÓRIA
2008
3. 2
S231 Sant’Ana, Alex Sandro C.
O Currículo Agenciado com as Tecnologias da Informação e
Comunicação no Cotidiano da Educação Escolar / Alex Sandro C. Sant’Ana.
– 2008.
159 f.
Orientadora: Janete Magalhães Carvalho
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação.
1. Educação. 2. Currículo. 3. Novas Tecnologias. 4. Laboratório de
Informática. I. Carvalho, Janete Magalhães. II. Universidade Federal do
Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU 37
4. 3
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
O CURRÍCULO AGENCIADO COM AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação do Centro
de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Cultura, Currículo
e Formação de Educadores.
Aprovada em 5 de março de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Janete Magalhães Carvalho
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Helena Silva Simões
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Elizabeth Barros de Barros
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Virgínia Kastrup
Universidade Federal do Rio de Janeiro
5. 4
AGRADECIMENTOS
Em especial à professora Janete Magalhães Carvalho, que pacientemente e
tolerantemente me orientou ao longo do processo de tessitura desta obra, fazendo
críticas extremamente pertinentes sobre o permanente estarentre a educação, as
tecnologias e outros artefatos culturais, ao assumir uma inspiração na filosofia da
diferença e uma busca contínua por linhas de fuga de definições capazes de
engessar um pensamento que pode fazerse potência de invenção.
À professora Maria Elizabeth Barros de Barros, pelo encontro que me oportunizou
conhecer a filosofia da diferença, no curso de Mestrado em Educação do PPGE
1
UFES , ao criar as condições para me iniciar, com o pensamento, as obras e a
2
entrevista em vídeo de Gilles Deleuze, na disciplina criada por ela, denominada
“Seminário C: Deleuze”. Não tenho dúvidas de que escrevi a maior parte desta obra
com as mãos desse autor e de outros tantos.
Há uma passagem interessante (que para mim é especialmente emocionante) em
3
que Suely Rolnik escreve um texto sobre as condições em que Deleuze escrevia,
que não poderia deixar de citar neste breve momento de agradecimentos a um
pensador que afirmou a sua vida pela escrita e fez da escrita um modo de afirmação
da vida: por uma vida nãofascista.
Deleuze tinha um enfizema que vinha se agravando, há mais de vinte e cinco
anos (nos anos setenta quando o conheci, ele já dispunha de apenas um
oitavo de pulmão funcionando). A traqueostomia ele fez há pelo menos cinco
anos atrás, quando passou a respirar através de uma máquina. Ficava
plugado a esta máquina a maior parte do tempo, sem nenhuma autonomia,
só podendo falar e escrever por um brevíssimo período de tempo a cada dia.
Me contou um amigo que nos últimos tempos ele ficava repetindo suas idéias
para lembrálas quando pudesse escrever. Relendo as cartas que ele me
escreveu desde que voltei ao Brasil, em 1979, notei que sua letra foi ficando
cada vez mais trêmula e irregular. Na última carta, no final de setembro, ele
se queixava de sua restrição, de ter que aproveitar o mínimo de energia que
lhe restava para seu trabalho, sem poder dedicarse a outras leituras. Nas
1
Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo.
2
RIEUX, Bernardo. O Abecedário de Gilles Deleuze [Versão em texto digital do vídeo “O abecedário
de Gilles Deleuze”, entrevista realizada por Claire Parnet, direção de PierreAndré Boutang, em 1988
89]. OESTRANGEIRO.NET. Disponível em:
<http://www.oestrangeiro.net/index.php?option=com_content&task=view&id=67&Itemid=51>. Acesso
em: 10 set. 2007.
3
ROLNIK, Suely. Ninguém é Deleuziano. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/ninguem.pdf >. Acesso em: 26 abr. 2007.
6. 5
últimas semanas, seu pulmão chegou a um tal ponto de asfixia que ele não
podia mais escrever linha alguma, nem falar; com a chegada do inverno, a
coisa iria se agravar e não havia nenhuma possibilidade de recuperação.
Enquanto ele pôde escrever e falar, mesmo no estado precário de seus
últimos anos, ele continuou a querer viver. Foi neste estado que ele escreveu
seu último livro com Guattari (O que é Filosofia?) e organizou duas
coletâneas de artigos e entrevistas (Conversações e Critique et Clinique).
Mas quando tudo se tornou definitivamente impossível, ele escolheu fazer o
que parece sempre ter feito em sua vida e que, em todo caso, sempre
defendeu em sua obra: enfrentar as diferenças que se apresentam e, por
mais insuportáveis que sejam, encaminhar a existência na direção que elas
apontam. Haverá diferença mais insuportável e que requer maior coragem de
enfrentamento do que a morte? Deleuze teve a coragem de afirmar a vida até
neste momento extremo de seu fim (ROLNIK, Acesso em: 26 abr. 2007).
4
O filósofo Gilles Deleuze, em uma entrevista concedida a Raymond Bellour e
François Ewald, afirmou que existem certos “organismos que morrem, não a vida” e
ainda ressaltou algo no qual me inspirei profundamente em meu ato de escrever:
Não se escreve com o seu eu, sua memória ou suas doenças. No ato de
escrever, há a tentativa de fazer da vida algo mais do que pessoal, de libertar
a vida do que a aprisiona. [...]. Não há nenhuma obra que não indique uma
abertura para a vida, que não trace um caminho entre os pavimentos.
Esta pesquisa buscou inspiração no pensamentopotência de Gilles Deleuze, Félix
Guattari e outros pensadores, procurando cartografar algumas possibilidadesoutras
(GUATTARI, 2005) de se problematizar o cotidiano da educação escolar. Nesse
sentido, o cotidiano escolar do laboratório de informática foi problematizado,
inferindose que uma instituição de ensino deve criar as condições para o
aprendizado, percebendo em sua função, como instância institucional com viés
educativo, o compromisso de servir as pessoas e não o contrário.
Não sei ao certo se me encontrei com Gilles Deleuze e Félix Guattari ou se foram
eles que vieram ao meu encontro, mas sinto que esta pesquisa foi escrita a sete
mãos: duas minhas, duas de Deleuze, duas de Guattari e Cia, e uma sétima mão,
que não é a do uno, mas a do múltiplo e da diferença que é preexistencial, como um
big bang; que me habitou, me perpassou; que se fez inerente; que se deslocou,
desgarrou e ainda se inventa no cotidiano a cada dia, a cada segundo; que sinto e
vivo e deixo de viver como uma eternidade simultaneamente efêmera, mas que em
4
quot;Signos e Acontecìmentosquot;, Raymond Bellour e François Ewald entrevistam Gilles Deleuze. In:
Carlos Henrique Escobar. Dossier Deleuze. Hólon Editorial, Rio de Janeiro, 1991.
7. 6
todo esse simulacro em que a multiplicidade e a diferença não se deixam apreender,
afirmando intensamente a vida. Obrigado, Gilles Deleuze!
Figura 1 Gilles Deleuze (19251995)
Fonte: PSIKEBA. Disponível em: <http://www.psikeba.com.ar/recursos/autores/Deleuze.jpg>. Acesso
em: 5 set. 2007.
Agradeço ainda: aos funcionários do Centro de Educação da UFES, que sustentam
e fazem manutenção de todo o aparato físico e institucional da Universidade e que
não são de forma alguma figurantes, mas atores/atrizes importantes no cotidiano
universitário.
À professora Regina Helena Silva Simões, pelas aulas significativas na disciplina de
História da Educação.
Ao professor Hiran Pinel, pelos modos múltiplos de sersendo “n” possibilidades no
mundo mediante sua subjetividade inclusiva (aceitação incondicional do outro). A
característica principal e plural desse professorpsicólogoeducadorprofessorpintor
cantor, entre muitas outras possibilidades de se referir a ele, pode ser assim
resumida: é uma pessoa admirável, cuja índole serena e a receptividade inclusiva
são marcasmarcadas em seu fazer cotidiano.
Ao professor Carlos Eduardo Ferraço, pelos discursos que foram/são extremamente
significativos e (im)pertinentes. Como meu professor e orientador no curso de
Especialização em Educação, ele instigoume, com todo a sua discursividade, a
8. 7
pesquisar incessantemente o currículo escolar e, logo após meu encontro com o
professor Hiran Pinel, também conceber um possível currículo nãoescolar.
À minha mãe, Santa de Jesus, com as minhas desculpas pelos poucos momentos
reaisvividos, mas com a crença em sua subjetividade inclusiva, de aceitação
incondicional de minhas (in)diferenças, em seu amor sólido que foi um movimento
molarmente singular e extremamente acolhedor e desejoso de que “tudo desse
certo”, e de que eu pudesse alcançar os meus objetivos intelectuais e socialmente
efêmeros de “fazer do próprio movimento uma obra, sem interposição; de substituir
representações mediatas por signos diretos; de inventar vibrações, rotações, giros,
gravitações, danças ou saltos que atinjam diretamente o espírito” (DELEUZE, 2006,
p. 29).
Em especial à Vida: às vezes tempestiva e às vezes calma, doce e bela. Ela se
distingue, ela é singular e produz rios de subjetividades quando me encontro com
ela, seja no espaçotempo do cotidiano realvivido, ou no ciberespacialvivido. Ela
transforma uma relação em uma multiplicidade, não como algo que está contido
nela, mas mediante seu “sorriso” e seus modos de sersendo bela, alegre e vibrante.
Ela faz atravessar e perpassar a todos, tanto nos momentos presentes quanto nas
ausências. O estarjunto e estardistante é pósexistente devido a uma pré
intensidade da diferença que, portanto, nos antecede; a diferença (DELEUZE, 2006)
produz uma repetição sempre vibrante nesses encontros, desencontros e não
encontros e a repetição indolente é perpassada e produzida por essa diferença pré
5
existencial. Não é um amor líquido (BAUMAN, 2004) pela Vida de que estou
falando, mas sim de um amor cristalizável e mutável que produz e é produzido por
um relacionamento de coletividades: quando desejamos estar juntos, quando
também desejamos um ambiente, uma série de artefatos culturais, uma família, uma
fé e amigos: isso é o que denomino de um amor sólido, isso também é uma vida
nãofascista.
Com efeito, o termo “coletivo deve ser entendido aqui no sentido de uma
multiplicidade desenvolvendose para além do indivíduo, do lado do socius,
como também aquém da pessoa, do lado das intensidades préverbais,
5
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução: Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
9. 8
relevando mais uma lógica dos afetos que uma lógica de conjuntos bem
circunscritos (GUATTARI, 1990, p. 78).
É com grande satisfação que entrego à sociedade esta obra, coincidentemente
quarenta anos após o evento histórico de Maio de 68, na França, desejoso de que
as idéias produzidas não sejam utilizadas para contemplação, mas, como diria Gilles
Deleuze e Michel Foucault, como dispositivos de transformação políticosocial do
mundo, enfim, de invenções de si e do mundo, como diria Kastrup (1999), e
finalmente, como ferramentas de produção de processos de singularização e de
6
redes de conhecimentos com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs ),
entre elas a informática, que podem ser utilizadas coletivamente para o forjamento
de um currículo agenciado.
6
Sigla para designar a informática e sua potencialização com os recursos de comunicação e
processamento de informações digitais.
10. 9
[...] as máquinas não explicam nada, é preciso analisar os
agenciamentos dos quais elas são apenas uma parte
(DELEUZE, 1992, p. 216).
11. 10
RESUMO
Pesquisa sobre a produção de redes de conhecimentos e de redes de subjetividades
compartilhadas pelos professores no cotidiano escolar do laboratório de informática
de uma escola pública do Ensino Fundamental. Apresenta e problematiza o currículo
realizado, prescrito e agenciado nesse espaçotempo de ensino, pedagógico e
educativo, com ênfase no fluxo de transformação contínua dos professores, no ato
de aprender (DELEUZE, 2006) e apreender as Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs) interligadas com a educação e na produção de um novo tipo de
currículo, conceituado como currículo agenciado. Desenvolve um novo tipo de
pesquisa em educação, aplicável também a outras áreas das ciências humanas,
denominado de método cartográfico ou pesquisa cartográfica (KASTRUP, 1999), no
qual relaciona os processos de produção de subjetividade, aprendizagem e
transformação contínua dos professores com aspectos culturais, históricos e de
apropriação de mídias e tecnologias digitais, como a informática, entre outros
artefatos culturais tecnológicos, que se constituem como agenciamentos maquínicos
de desejo e agenciamentos coletivos de enunciação (DELEUZE, 1990). Dá a ênfase
no papel ativo dos educadores como produtores dos determinantes históricos que
geram agenciamentos intensivos mediante agentes educativos que efetivamente
produzem um sistema educacional, inventando simultaneamente linhas de fuga e
um currículo agenciado mediante fluxos de transformação contínua e produções
maquínicas de redes de conhecimentos.
Palavraschaves: Educação. Currículo. Novas Tecnologias. Laboratório de
Informática. Formação Continuada.
12. 11
ABSTRACT
The paper is a research about the production of knowledge networks and of
subjectivity nets shared by teachers in the school everyday life of the computer
laboratory in an elementary public school. It presents and discusses the curriculum
made, prescribed and scheduled in this spacetime of pedagogical and educative
teaching, emphasizing the flux of continuing transformation of teachers in the act of
learning (DELEUZE, 2006) and learning the Information and Communication
Technologies (ICT) interlinked with the education and in the production of a new kind
of curriculum, conceited as assemblage curriculum. It develops a new type of
research in education, also applicable to other areas of human science, named
cartographic method or cartographic research (KASTRUP, 1999), which there is a
relation between the processes of subjectivity production, learning and continuing
transformation of teachers with cultural, historical and media appropriation and digital
technology aspects, such as computer classes, among other cultural technological
devices that are constituted as machine solicitations of desire and collective
assemblages of enunciation (DELEUZE, 1990). The work emphasizes the active role
of educators as producers of historical determinants that generate mobile and acting
assemblages as educative agents that effectively produce an educational system,
inventing simultaneously escaping lines and a assemblage curriculum through flux of
continuing transformation and machine productions of rhizomatic knowledge.
Keywords: Education. Curriculum. New technologies. Computer laboratory.
Continuous formation.
13. 12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Gilles Deleuze (19251995).........................................................................6
Figura 2 – Desenho de um layout de um laboratório de informática para capacitação
de professores sugerida por um documento do ProInfo, de 14/07/1997...................24
Figura 3 – Imagem ilustrativa, elaborada pelo pesquisador, da organização do
laboratório de informática da escola pesquisada.......................................................25
Figura 4 – Site educacional Nova Escola Online bloqueado pelo software Websense
instalado nos servidores da PMV...............................................................................27
Figura 5 – Site da SEMEPMV...................................................................................50
Figura 6 – Desenho de uma possível organização do laboratório de informática
produzido por um aluno..............................................................................................92
Figura 7 “Nota de rodapé” na caixa de entrada e também ao visualizar qualquer e
mail no serviço de webmail Yahoo! Mail, no modo classic.......................................100
Figura 8 – O insurgimento do Currículo Agenciado.................................................108
Figura 9 – O insurgimento do Educativo..................................................................109
Figura 10 – Uma questão.........................................................................................135
14. 13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................16
1.1 DISPOSITIVOS PARA ACOMPANHAMENTO DOS PROCESSOS.................21
2 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO NO
BRASIL......................................................................................................................39
2.1 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO NO
ESPÍRITO SANTO.....................................................................................................45
2.2 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO NA
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE VITÓRIA/ES.................................50
2.3 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO NA
ESCOLA PESQUISADA.............................................................................................56
3 O COTIDIANO ESCOLAR DO LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA.................61
3.1 OS PRESSUPOSTOS E MOVIMENTOS EDUCATIVOS E OS OBJETIVOS
SOCIAL E POLÍTICO INSERIDOS NOS SABERES E PRÁTICAS
PRODUZIDAS............................................................................................................63
3.2 A SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS E DO ESPAÇOTEMPO
ESCOLAR..................................................................................................................65
3.2.1 Currículo Virtual: A Expectativa sobre o Software Livre...........................70
3.3 OS RECURSOS MATERIAIS, FINANCEIROS E HUMANOS...........................74
15. 14
3.4 A ORGANIZAÇÃO (A ORDEM E O CAOS) E OS MOVIMENTOS GERADOS
NESSES FLUXOS......................................................................................................78
3.4.1 As Funções Acumuladas do Professor de Informática.............................83
3.5 OS RELACIONAMENTOS INTERDEPENDENTES ENTRE EDUCADORES
ALUNOSCOMPUTADORCONTEÚDOS E DEMAIS AGENTES EDUCATIVOS E
APRENDENTES.........................................................................................................89
3.6 A DIFERENÇA SOCIOCULTURAL COMO POTÊNCIA DE INVENÇÃO E
CRIAÇÃO DE REDES DE SUBJETIVIDADES E CONHECIMENTOS......................92
3.7 O TRABALHO COLETIVO.................................................................................94
3.8 AS PRÁTICAS POLÍTICOSOCIAIS DE ENSINO, PEDAGÓGICAS E
EDUCATIVAS...........................................................................................................104
4 ALGUMAS PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE AS REDES DE CONHECIMENTOS
E O CURRÍCULO AGENCIADO..............................................................................105
5 O FLUXO DE TRANSFORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES:
POSSIBILIDADESOUTRAS DE APRENDIZAGEM...............................................118
6 PÓSESCRITO...................................................................................................130
REFERÊNCIAS........................................................................................................139
APÊNDICES.............................................................................................................145
17. 16
1 INTRODUÇÃO
Conforme dispõe o art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a educação escolar compreende por: I
– A Educação Básica, formada pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental e
pelo Ensino Médio, e II – a Educação Superior. Esta pesquisa foi desenvolvida em
uma escola pública da Educação Básica, especificamente em nível do Ensino
Fundamental, e envolveu professores e alunos da 1.ª à 8.ª séries. Esse nível de
ensino da Educação Básica tem como características principais a duração mínima
de oito anos, o fato de ser obrigatório e gratuito na escola pública.
A instituição pesquisada utiliza o regime de progressão regular por série, tendo
atualmente um total de oito séries. Os alunos têm direito a pelo menos quatro horas
de trabalho efetivo em sala de aula (art. 34 da Lei n.º 9.394/96) e a uma carga
horária mínima anual de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos
dias de efetivo trabalho escolar (art. 24 da Lei n.º 9.394/96).
A pesquisa ocorreu em um contexto históricosocial no qual o Governo Municipal e o
Governo Federal eram ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), no caso do poder
executivo. Nesse contexto contemporâneo, o poder executivo do Governo Federal
7
assumiu uma postura de apoio explícito ao software livre , que incidiu diretamente
nos laboratórios de informática da Rede Municipal de Ensino de Vitória, com a
adoção de tais softwares, representados principalmente pela distribuição do sistema
operacional Debian GNU/Linux em inúmeras escolas (ANEXO A). No caso da escola
pesquisada, havia uma expectativa de chegada desses softwares, como será
descrito e problematizado em um dos capítulos da dissertação, mas, no momento
em que esta pesquisa foi desenvolvida, o laboratório de informática contava
7
O termo software livre referese aos softwares fornecidos a usuários com a liberdade de executar,
estudar, modificar e repassar (com ou sem alterações) sem que, para isso, tenham que pedir
permissão ao autor do programa. Portanto, são programas de computador com o código fonte aberto,
ou seja, livre para ser reproduzido e modificado. Usa o registro de copyleft , o que assegura a
continuidade de sua livre distribuição.
18. 17
8
exclusivamente com softwares proprietários , principalmente da empresa norte
9
americana Microsoft .
A pesquisa foi desenvolvida em uma das escolas de Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Ensino de Vitória (ANEXO B), que estava politicamente vinculada a
Secretaria Municipal de Educação (SEME) da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV).
Tinha, em suas dependências, um laboratório de informática em uso constante e
freqüente nos turnos matutino e vespertino (a escola não tinha o turno noturno), e
que se constituiu como o locus da pesquisa. Nesse sentido, a escola pesquisada
apresentava diversos fatores que potencializaram a execução da pesquisa de
campo, tais como a existência de um laboratório de informática, utilizado com
freqüência pelos professores; a já inserção acadêmicocientífica deste pesquisador
na escola, como membro integrante do projeto de pesquisa “A epistemologia da
prática docente nos processos de ensino, de pesquisa e de formação continuada no
cotidiano escolar do ensino fundamental”, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Janete
Magalhães Carvalho e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq); a localização geográfica da escola nas
proximidades da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), possibilitando ao
pesquisador um fácil e rápido acesso a ela; a aceitação incondicional do
pesquisador nas dependências da escola, com a aprovação tanto dos professores,
quanto da direção da escola, inclusive dos alunos e demais funcionários.
Problematizaramse as questões que emergiam a partir, principalmente, das idéias
dos pensadores Deleuze e Guattari, entre outros teóricos, fossem eles da área da
8
Programas de computador com todos os direitos reservados ao dono do copyright. O Código fonte é
secreto e sua reprodução, bem como sua modificação, é proibida e considerada crime. Para usar
legalmente esse tipo de software é preciso pagar taxas de licenciamento.
9
A Microsoft Corporation é a maior e mais conhecida empresa de software do mundo. Foi fundada
em 1975 por Bill Gates e Paul Allen com o objetivo de desenvolver e comercializar interpretadores da
linguagem BASIC. A Microsoft produz uma grande variedade de programas, incluindo sistemas
operacionais (Microsoft Windows nas versões Windows Vista, Server 2003, XP, 2000, ME, 98, 95
entre outros); programas de escritório (pacote Office, que contém Word, Excel, Outlook, Powerpoint,
InfoPath, Project, OneNote, Visio, Access e Publisher ou Frontpage); ambientes de desenvolvimento
de programas (Visual Studio, Web Matrix, Microsoft Plataform Builder e Microsoft Target Designer) e
servidores, como o SGBD SQL Server e o servidor de correio eletrônico Exchange, entre outros. A
Microsoft também produz o navegador Internet Explorer e o sistema de comunicação instantânea
Windows Live Messenger. Também atua no mercado de serviços online (portal MSN, Hotmail) e na
produção de equipamentos periféricos. A empresa também possui um departamento dedicado ao
desenvolvimento de jogos (games), a Microsoft Games Studios.
19. 18
educação ou não, procurando perceber a imbricação entre o nuncavisto e o jávisto
(DELEUZE, 2006); buscandose uma tessitura textual sobre as redes de
subjetividades e de redes de conhecimentos produzidas em um intercâmbio de
relacionamentos interdependentes entre os múltiplos professores (agentes
cognitivos) e alunos (agentes aprendentes), no qual o processo de ensino
aprendizagem desejante por experimentações com as tecnologias era um fator “x”
sine qua non, mas não se restringia a ela mesma, portanto, não era autônoma, mas
extremamente ligada aos engajamentos dos agentes ali envolvidos no cotidiano
escolar do laboratório de informática.
(Per)correuse em todo instante uma perspectiva processual de que os professores:
· são agentes de seu meio, ou seja, não são sujeitos, no sentido daquele
que é vítima de opressão, alienado, assujeitado, submisso e indefeso,
nem no sentido da relação bipolar sujeitoobjeto, mas são agentes
educativos junto com outros múltiplos agentes cognitivos e aprendentes;
· produzem agenciamentos e fazem parte deles, já que ‘um
agenciamento’ não é algo que lhes é exterior e que se faz necessário
burlar, como “ratos em um labirinto”; mas, sem dúvida nenhuma, há um
sistema que tenta criar formas de subjetivação capitalística cuja intenção é
a internalização de identidades que agridem as formas que o cotidiano
escolar cria para se autoafirmar como locus de produção de atividades
pedagógicas e de ensino, e também como lugar de profissionais da
educação que podem produzir o educativo; um sistema que pode estar ou
10
não extremamente ligado ao Capitalismo Mundial Integrado (CMI) ou a
redes de relações de poder coercitivas, produzidas internamente na
escola ou na comunidade local, entre outras possibilidades, cuja resposta
de resistência e de produção de si e do mundo afirmadas pelos
professores se constituem em agenciamentos;
10
“Capitalismo Mundial Integrado” (CMI) é o nome que, já nos anos 60, Guattari propõe como
alternativa à “globalização”, termo segundo ele por demais genérico e que vela o sentido
fundamentalmente econômico, e mais precisamente capitalista e neoliberal do fenômeno da
mundialização que se instalava. Nas palavras de Guattari: “O capitalismo é mundial e integrado
porque potencialmente colonizou o conjunto do planeta, porque atualmente vive em simbiose com
países que historicamente pareciam ter escapado dele (os países do bloco soviético, a China) e
porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana, nenhum setor de produção fique de fora
de seu controle” (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 411).
20. 19
· trabalham com as diversas questões que permeiam o cotidiano
escolar, simultaneamente ou não, tais como ensino, aprendizagem,
avaliação, inclusão, entre outras, e também com os termos conhecimento
empírico e científico, além das diversas áreas de conhecimento, o que
não caracteriza uma visão compartimentalizada das redes de
conhecimentos que é ali tecido;
· trabalham a partir de um cotidiano escolar e de redes de conhecimentos
dos alunos que já foram tecidos antes de eles estarem ali, na instituição
escolar, ou mesmo que já aprenderam com outros professores em séries
anteriores, mas simultaneamente com a perspectiva de que os
conhecimentos expressos nos discursos de seus alunos não é auto
explicativo e de que é preciso promover e incentivar
desterritorializações e reterritorializações ;
· percebem que seus discursos e/ou narrativas não dão conta de explicar
tudo, e que é preciso ir além, avançar e progredir rumo a um
conhecimento mais especializado ou avançado, buscando desenvolver
conteúdos no cotidiano escolar freqüentemente criativos e inventar novas
técnicas e até mesmo tecnologias para com elas atuar; reconhecem que
isso passa tanto por uma formação continuada escolar, quanto por um
fluxo de transformação contínua nãoescolar e/ou informal;
· demonstram que a aprendizagem não ocorre na relação sujeitoobjeto,
mas que sujeito e objeto estão em constante produção de
subjetividades e também são produtos da invenção; eles inventam a
si e o mundo (KASTRUP, 1999) e simultaneamente são inventados
por eles.
[...] a invenção não é um processo que possa ser atribuído a um sujeito. A
invenção não [...] deve ser entendida a partir do inventor. O sujeito, bem
como o objeto, são efeitos, resultados do processo de invenção. [...]. Já nesta
época, é a ação, o fazer, a prática cognitiva que configura o sujeito e o objeto,
o si e o mundo. A transformação temporal da cognição não segue um
caminho necessário, não leva a uma seqüência de estruturas cognitivas e
estágios que seguiriam uma ordem invariante, como nas teorias do
desenvolvimento cognitivo, mas é antes uma deriva, criada a partir dos
acoplamentos com as forças do mundo (KASTRUP, Acesso em 2 jun. 2007).
A partir da processualidade das relações educacionais cotidianas com as TICs,
tendo por inspiração as oito pistas apresentadas por Kastrup (2007), trabalhouse
21. 20
metodologicamente uma pesquisa que abordou os saberes, os fazeres e a tessitura
das redes de conhecimentos que se autofizeram (o autofazer não é uma produção
inatista, mas, sim, uma produção de todos em uma rede de colaboração) em rizoma,
e não em uma dualidade, no cotidiano. Essa metodologia está sendo denominada
de método cartográfico ou pesquisa cartográfica. Neste estudo, o método
cartográfico foi adaptado para se problematizar, além do que já foi mencionado,
também o currículo agenciado e a tessitura das redes de conhecimentos no
cotidiano escolar do laboratório de informática. Nesse sentido, seguem abaixo os
princípios interrelacionados a essa perspectiva de pesquisa sobre o cotidiano, os
quais serviram de referência durante todo o processo de pesquisa e na
problematização dos dados produzidos.
· um acompanhamento do processo;
· um coletivo de forças e desejos, projetados às vezes em uma rede de
subjetividade compartilhada, mas não significando que seja
necessariamente para grupos;
· um território existencial, fazendo com que a pesquisa não tivesse relação
com um método subjetivo; mas com um método objetivo;
· o traçado de um campo problemático, pois, ao entrar em uma pesquisa de
campo, redesenhase o problema (campo problemático): o problema é
construído no processo de pesquisar;
· a dissolução do ponto de vista do observador, negando todas as formas
de subjetivismo, buscando afirmar que a pesquisa da subjetividade não é
carregada de subjetivismo e dissolvendo o ponto de vista do observador
(subjetivismo) bem como do objeto (objetivismo);
· a atenção concentrada e aberta ao presente (atual) tecendo
considerações sobre possibilidadesoutras de existência (virtual);
· uma requisição de dispositivos para funcionar, que, no caso desta
pesquisa, foi o laboratório de informática e os artefatos culturais (técnicas
e tecnologias);
· a não separação entre pesquisa e intervenção, concebendo que pode
haver intervenção sem pesquisa, mas não é possível pesquisa sem
22. 21
intervenção, sentido em que foram utilizados os Feeds para Diálogos
Aproximativos (FDAs) e dois níveis de intervenção:
o no grupo, na instituição e/ou nos sujeitos da pesquisa;
o na área da educação, no currículo e na informática na
educação.
A cartografia é um método formulado por G. Deleuze e F. Guattari (1995) que
visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. Em linhas
gerais, tratase sempre de investigar um processo de produção. De saída, a
idéia de desenvolver o método cartográfico para utilização em pesquisas de
campo no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de definir um
conjunto de regras abstratas para serem aplicadas. Não se busca estabelecer
um caminho linear para atingir um fim. A cartografia é sempre um método ad
hoc. Todavia, sua construção caso a caso não impede que se procure
estabelecer algumas pistas que têm em vista descrever, discutir e, sobretudo,
coletivizar a experiência do cartógrafo (KASTRUP, Acesso em 10 jul. 2007,
Disponível na Internet, grifo do autor).
Inferese que pode ser acrescentado aos oito princípios mencionados por Kastrup o
oitavo princípio da esquizoanálise proposta por Guattari (1988, p. 191, grifo do
autor), mas que ele afirma ser o primeiro: “toda idéia de princípio deve ser mantida
como suspeita”.
1.1 DISPOSITIVOS PARA ACOMPANHAMENTO DOS PROCESSOS
Ocorreu o registro dos discursos a partir de conversações com os agentes
educativos (professores regentes, pedagogas, coordenadores, diretora e
11
professores do laboratório de informática), gravadas em um MP3 Player e
posteriormente transcritas. Foi utilizada uma série de pontos culminantes de um
currículo denominados de Feeds para Diálogos Aproximativos (APÊNDICE A),
12
especificamente elaborados e agrupados a partir dos oito platôs desta pesquisa
em educação escolar, que serão mencionadas no capítulo “O Cotidiano Escolar do
Laboratório de Informática”, mas que são novamente citadas ao final deste capítulo.
Os Feeds para Diálogos Aproximativos (FDAs) têm uma possibilidadeoutra de
11
Tocador de áudio digital portátil que também podia ser utilizado como um dispositivo de
armazenamento de arquivos e gravador de voz digital.
12
Zonas de intensidade de produção do currículo agenciado.
23. 22
oferecer subsídios de antemão para e com o currículo agenciar, pois não se nega o
ato de questionar como uma forma de intervenção: os FDAs foram organizados em
oito platôs e sua préintencionalidade é baseada na esquizoanálise, no sentido de
não impedir as formações de enunciados e produções maquínicas de desejo, mas
ficar afirmativamente na adjacência da mudança, enfim, no acompanhamento do
fluxo de transformação contínua dos professores.
[...] ver no discurso [...] um campo de regularidade para diversas posições de
subjetividade. O discurso, assim concebido [...] é um conjunto em que podem
ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a
si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de
lugares distintos [...] (FOUCAULT, 2005, p. 61).
Outro procedimento foram os Estudos Observacionais ou Descritivos que consistiu
na observação participativa assistemática, em que se analisaram os aspectos mais
significativos que surgiam e se deixou fluir o contraste dos discursos (conversações)
dos agentes envolvidos no cotidiano escolar do laboratório de informática, bem
como se forjaram possibilidadesoutras (GUATTARI, 2005) de viver e pensar tal
cotidiano a partir de questões que agiam como interlocutores e, simultaneamente,
interventores, suscitadas sobre algumas das relações ali tecidas em ato. A pesquisa
também ocorreu em algumas formações continuadas promovidas pela Gerência de
Tecnologia Educacional (GTE) da SEME: tal fato ocorreu ocasionalmente (ANEXO
C), sendo de significativa importância para a compreensão de uma totalidade de
visões e possibilidadesoutras da atuação docente.
Outro procedimento foi as produções de problematizações do que ocorria
processualmente na prática pedagógica e de ensino e, ao acaso, na produção de
subjetividade da prática educativa, no currículo prescrito, realizado e agenciado,
mediante discursos orais, escritos, imagéticos ou audiovisuais, atentandose aos
13
comportamentos (simulacros ) e/ou discursos de poder e desejos forjados.
Pretendeuse, assim, problematizar as interrelações dos agentes educativos tecidas
com múltiplos outros agentes no cotidiano escolar pesquisado e que estavam em um
13
Inspirome na idéia de simulacro de Gilles Deleuze que, segundo o pensador, não é uma cópia
degradada, ele encerra uma potência positiva que nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo
como a reprodução. O simulacro, nesse sentido, é o protótipo do processo de subjetivação
(MADARASZ, 2005, p. 1.2141.215).
24. 23
fluxo contínuo e descontínuo de experimentações. Em tal contexto, as práticas
pedagógicas e de ensino em relação ao uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs) na educação e o relacionamento professoralunoconteúdos
eram territorializadas, desterritorializadas e reterritorializadas, forjando, em acasos,
práticas educativas que permitiam o entrever de um possível currículo.
É importante estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua
irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa
dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido,
transformado [...] (FOUCAULT, 2005, p. 28).
A pesquisa objetivou o forjamento de uma diferenciação (DELEUZE, 2006, p. 291)
dos possíveis conceitos de currículo agenciado, das redes de conhecimentos , do
educativo e do fluxo de transformação contínua no sentido de uma “determinação do
conteúdo virtual da idéia”. Em contrapartida, objetivouse também uma diferençação
(DELEUZE, 2006, p. 291), que seria “a atualização dessa virtualidade em espécies e
partes distintas”.
A pesquisa foi desenvolvida no espaçotempo do cotidiano escolar do laboratório de
informática que tem um total de vinte e um computadores com software proprietário,
vinte dos quais estão efetivamente funcionando. O laboratório de informática
contava com as seguintes características e equipamentos:
14
· A configuração básica dos computadores era: processador AMD Athlon, 256
MB, 40 HD, leitores de CDROMs, caixas de som, teclados, mouses scroll e
ópticos, e monitores de 15 polegadas, CRT, configurados na resolução
800x600;
· softwares: Microsoft Windows XP Professional Edition, Microsoft Office 2003 e
15
XP, Symantec Antivirus, Microsoft Internet Explorer 6.0;
· quatorze fones de ouvidos;
· um “quadro de avisos e informações importantes” (esse era o nome do
quadro, mas estava desatualizado);
14
AMD (Advanced Micro Devices) Empresa americana fabricante de circuitos integrados,
especialmente processadores.
15
A Symantec foi fundada em 1982. Suas atividades se concentram em segurança da internet e em
redes para usuários domésticos e corporações, suas soluções são baseadas em software e
aplicativos proprietários, com proteção de antivírus, análise de vulnerabilidades, detecção de intrusos,
filtragem de conteúdo e de email. É a Symantec que produz a linha de produtos Norton.
25. 24
· caixa de interruptores de energia elétrica;
· oito pares de lâmpadas largas (tubo) fluorescentes (forneciam boa
iluminação);
· quadro acrílico para uso de pincel atômico;
· impressora multifuncional;
· dois aparelhos de arcondicionados (apenas um funcionava, mas ao finalizar
a pesquisa um novo aparelho foi comprado e instalado);
· um armário metálico;
· um switch para a distribuição da internet;
· um gravador de CDROM, disponível no único computador conectado à
impressora (os computadores não estão em rede nem a impressora);
· um relógio de parede (tipo ponteiro);
· teto de madeira envernizada;
· as paredes tinham marcas da reforma referentes ao arcondicionado e fitas
adesivas usadas em cartazes. Não havia grandes cartazes, mas havia “mini
cartazes” sobre limpeza;
Laboratório de informática Proposta 3
( sala c/ 6m x 6,30)
Prof.
P ro f.
Servidor de rede e
mesa do professor
Estação de trabalho
6,30 m
(alunos)
Impressora
Armário
DG de força e quot;hub
quot;Quadro brancoquot;
6,00 m
Figura 2 Desenho de um layout de um laboratório de informática para capacitação de professores
sugerida por um documento do ProInfo, de 14/07/1997: No caso da escola pesquisada, a organização
dos computadores, das bancadas e das cadeiras lembra a imagem de um quadrado, faltando apenas
uma das extremidades que é ocupada por uma mesa e três cadeiras, com o centro totalmente livre, o
que facilitava a movimentação dos alunos e professores.
Fonte: PROINFO. Disponível em: <http://www.proinfo.mec.gov.br/upload/biblioteca/216.zip>. Acesso
em: 8 maio 2007.
26. 25
Figura 3 Imagem ilustrativa, elaborada pelo pesquisador, da organização do laboratório de
informática da escola pesquisada. O desenho foi criado a partir do layout do laboratório de informática
para capacitação de professores do ProInfo, cujo documento é datado de 14/07/1997.
16
Segundo a professora de Informática, existem dois tipos de contas de usuário
registrados nos computadores:
· administrador: utilizado pela professora de Informática para instalar e
desinstalar programas, alterar as configurações, entre outras tarefas;
17
· aluno (matutino, vespertino e Programa Escola Aberta ): apenas para o uso
dos programas.
A professora de Informática, cujo locus de trabalho é o laboratório de informática,
era quem, na maioria das vezes, procurava os softwares a serem instalados e
16
Uma conta de usuário é um conjunto de nomes de acesso e de uma senha que possibilitam que o
usuário acesse a sua área do sistema. No caso dos computadores da escola pesquisada, o nome de
usuário e senha permitia um acesso à área de administração do computador, que possibilitava, entre
várias coisas, a instalação e desinstalação de programas; no caso da conta de usuário “aluno”,
permitia unicamente o uso dos programas.
17
O Programa Escola Aberta foi criado a partir de um acordo de cooperação técnica entre o
Ministério da Educação e a UNESCO e afirma o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade
da educação, a inclusão social e a construção de uma cultura de paz, por meio da ampliação das
relações entre escola e comunidade e do aumento das oportunidades de acesso à formação para a
cidadania, de maneira a reduzir a violência na comunidade escolar. Promove, em parceria com
sessenta e oito secretarias de educação municipais e cinco estaduais e com a Secretaria de
Educação do DF, a abertura de escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio localizadas em
regiões urbanas de risco e vulnerabilidade social, aos finais de semana, para toda a comunidade.
27. 26
utilizados nas aulas e escrevia os projetos de ensino de acordo com a demanda dos
18
professores regentes . Eles agendavam o laboratório de informática para uma
determinada quantidade de aulas; ao mesmo tempo, ou em um segundo momento,
a professora de Informática, junto com o professor regente, articulava os conteúdos
e as tecnologias que seriam utilizadas. Nesse sentido, o professor de Informática
atua como um mediador entre os conteúdos programáticos que estão sendo
trabalhados pelos professores regentes em sala de aula e as TICs, especificamente
e especialmente a informática.
Segundo a professora de Informática, não ocorreu a atualização do Microsoft
Internet Explorer 6.0 para a versão 7.0 por causa do bloqueio de sites feito pela PMV
19
mediante o software Websense , que impede o acesso ao serviço online de
atualização Windows Update, entre muitos outros sites, no qual se poderia proceder
ao download das atualizações. Ainda segundo ela, todos os softwares da Microsoft
instalados estão licenciados e, portanto, são originais.
“A professora de Informática falou que quem terminou de fazer os jogos do quebra
cabeça pode explorar o site, vai abrindo outras coisas, joga lá o “fauna em extinção”,
“ééé”... Alguma coisa sobre área rural, que tinham outras opções. Só que teve um
aluno, um aluno desses “test drive” que fez acesso a jogos eróticos. É, e a
prefeitura, uma coisa também que deixa a gente, atualmente, bem de cabelo em pé,
é que era mais eficiente a questão do bloqueio em relação à pornografia, em relação
a alguns sites desses, né? Acessos que não deveriam ser feitos em escolas, e que
no caso, o aluno praticamente não soube usar o que deveria, mas conseguiu
acessar tal site [...] (Professora de Geografia de 5.ª a 8.ª séries do Ensino
Fundamental)”.
Quando os professores regentes agendavam o laboratório de informática para um
total de quarenta alunos, por exemplo, o uso dos computadores era organizado para
18
O professor regente é o responsável por uma disciplina ou um conjunto delas (caso dos
professores de 1.ª a 4.ª séries). Exemplos: professor de Língua Portuguesa, professor de Matemática,
etc.
19
Sistema de segurança Web formado por um conjunto de softwares que filtra conteúdos e impede o
acesso a determinados sites definidos pela instituição ou empresa. Esse software permite uma
fiscalização automática de quem tem acesso a uma determinada informação, como ela pode ser
usada e para onde pode ser enviada.
28. 27
duplas de alunos e, ocasionalmente, para trios (por exemplo, quando a internet
estava lenta em um computador e em outro não, os alunos deslocavamse e
reorganizavamse), e raramente em grupos (no caso de haver apenas um ou dois
exemplares de um CDROM a ser utilizado, visto que o laboratório de informática
não estava com todos os computadores em rede e alguns CDROMs não funcionam
em rede). A principal reclamação dos alunos estava relacionada principalmente à
internet lenta e aos sites bloqueados, ocasionalmente, ao fato de nem todos os
computadores estarem em rede.
“[...] a gente coloca aos professores que o laboratório de informática tá lento, e eu
vou ter que vir pra cá uma hora antes, pelo menos, pra começar a abrir os sites, né?
E, como você percebeu, existem alguns problemas operacionais, tipo: tinha um
computador que não tava abrindo de jeito nenhum, que não tava carregando,
demorando demais pra sair de um quebracabeça e passar pro outro... E numa
turma tão grande como a 6.ª série, de quarenta alunos, né? Eu tinha dificuldade de
administrar, apesar de ter começado com uma revisão... Quer dizer, poderia haver
alguns problemas, né? Paciência, né, com os meninos. Hoje em dia eles tem muita
pressa por ter acesso mais rápido em casa ou acesso rápido em lan house; eles não
têm paciência de aguardar abrir. Falam, “Ah! É muito lento!”, “Professora, eu quero
outra coisa!” (Professora de Informática de 5.ª a 8.ª séries do Ensino Fundamental)”.
Figura 4 Site educacional Nova Escola Online bloqueado pelo software Websense instalado nos
servidores da PMV. É contraditória a categoria que o programa definiu para ser filtrada (bloqueada):
“materiais educacionais”.
29. 28
Podem ser apontados como principais problemas do laboratório de informática:
· as máquinas (hardware) desatualizadas;
· um computador que não está funcionando;
· softwares desatualizados ou que não estão disponíveis em CDROMs;
· excesso ou sobrecarga no recebimento de alunos, impossibilitando trabalhos
individuais;
· os computadores que não estão em rede;
· a impressora que não está compartilhada;
· ausência de um servidor de rede;
· inúmeros sites bloqueados;
· internet lenta;
· alguns CDROMs multimídia que não funcionam.
A professora de Informática relatou outro problema: que faltam mais cinco máquinas
(computadores) para suprir a demanda educacional dos alunos por computadores.
Relatou também que a pedagoga não acompanha seu trabalho e afirma que “muitos
professores simplesmente ‘entregam’ os alunos ao laboratório e somem”.
Foram constatadas algumas problemáticas na utilização do laboratório de
informática:
· A maioria dos professores não planeja as aulas regularmente com a
professora de Informática, não estuda os softwares que serão utilizados e não
se envolve de forma direta com a informática, mas sempre por mediação do
fazer e das opiniões da professora de Informática.
· O professor de Informática é visto como aquele que tem a função de adquirir
e disponibilizar “tudo pronto”. Segundo a professora de Informática, quando
ela se nega a realizar tudo sozinha, sua relação com um dado professor
regente costuma “azedar”.
· Alguns professores regentes pedem para que ela disponibilize “joguinhos”,
ficando implícita uma préintenção desses professores de terem um momento
livre dentro do âmbito e horário de seu respectivo trabalho.
30. 29
· “Existem alguns professores que não usam o laboratório de informática,
inclusive uma excelente professora da escola”, conforme afirma a professora
de Informática.
A professora considera que o nível de conhecimento dos professores regentes em
relação à informática é regular, por isso escreveu um projeto visando criar um
espaço dentro do próprio âmbito escolar para a formação de professores de 1.ª a 4.ª
séries. Segundo ela, a diretora aprovou, mas no sentido de explicar a importância da
alfabetização digital e do domínio de conhecimentos ligados à informática na
contemporaneidade. A proposta, segundo ela, era de que todas as sextasfeiras (de
15 em 15 dias) ocorreria uma formação em serviço com esses professores
alfabetizadores.
“ Pesquisador: Vocês já pensaram em participar de algum tipo de curso de
formação em informática? Já?
Coordenadora: Já, e eu já fiz.
Pesquisador: A quanto tempo?
Coordenadora: Já tem tempo. Mas a própria professora do laboratório já trouxe
essa discussão para nós, para as professoras, para os funcionários da escola, já
abriu espaço para discussão; não conseguiu ofertar o curso, mas abriu para fazer
uma discussão também para o pessoal da merenda, da limpeza, para o professor...”
Emília Ferreiro (Acesso em 2 maio 2007), em entrevista ao site Nova Escola Online,
faz um breve comentário sobre o laboratório de informática nas escolas sobre a
possibilidade de inadequação de uso.
O professor não sabe bem o que fazer com ele. Então inventouse a sala de
informática, freqüentada apenas em horários determinados. É uma maneira
de não incluir o computador na atividade cotidiana. A introdução dos
computadores na escola é mais uma manobra econômica do que uma
necessidade pedagógica sentida como tal.
A questão fundamental não é o laboratório de informática ser incluído como
atividade regular na grade curricular do cotidiano escolar ou o computador estar
inserido fisicamente em uma sala de aula tradicional, mas, sim, de essas tecnologias
fazerem parte da cultura organizacional da instituição escolar como um artefato
31. 30
cultural que pode potencializar o emergir das redes de conhecimentos, da
organização em rede e, articulado com isso, do educativo. Inserir, delimitar e
enquadrar o uso do laboratório de informática em um tempo chronos , com horários
cronometrados e em espaçostempos fragmentados e distanciados dos demais
professores e alunos, repetindo, portanto, a estrutura da escola moderna, não é uma
prática de inclusão digital que favoreça um currículo agenciado. Apenas determinar
horários para permitir aos alunos um acesso a equipamentos e softwares também
não é uma inclusão digital. A inclusão digital, que é mais uma dimensão da inclusão
social, deve vir acompanhada de um trabalho coletivo dos educadores em função da
transformação contínua de um cidadão póscrítico (SANT’ANA, 2006): é algo que
precisa estar articulado com a formação para a cidadania, o trabalho e o
lazer/recreação.
Entendase, no âmbito desta pesquisa, o conceito de educador como aquele que se
transforma continuamente nos processos de experimentações com as novas
tecnologias em um fluxo de transformação contínua de si e do mundo. É também em
um processo sistemático ou assistemático de produção de redes de conhecimentos
e de organização em rede com o coletivo da escola que ele busca criar formas de
resistência a um saberfazer estabelecido e forjar um ato de aprender mais
especializado e problematizador de fluxos de questões que são propostas por todos
como um sistema instituído no cotidiano escolar. Nesse sentido, um educador
envolvese totalmente em uma inteligência coletiva, estabelecendo processos de
comunicação bidirecional e de colaboração.
A noção de Inteligência Coletiva referese, aqui, à idéia de quot;potência de ação
coletivaquot; dos grupos, tomandose como hipótese principal que esta quot;potênciaquot;
depende fundamentalmente da capacidade de indivíduos e grupos
interagirem, pondose em relação e, desta forma, produzirem, trocarem e
utilizarem conhecimentos. Incrementar a Inteligência Coletiva significa, assim,
melhorar os processos de aprendizagem e criação nas coletividades locais,
bem como no interior de redes cooperativas de todo tipo, organizadas a partir
da formação de aparatos cooperativos de produção e de comunidade
(HARDT; NEGRI, apud CARVALHO, 2007).
No cotidiano escolar não há burlas porque não há um sistema exterior ao indivíduo.
É o indivíduo, em seu fazer e em seu saber, que produz um mundo, um sistema,
uma relação e “n” conhecimentos e aplicações para si mesmo. Quando um ato de
aprender é forjado, o indivíduo produz processos de uso e subjetivação com as
32. 31
tecnologias (agenciamentos ) e nessa perspectiva, deixa de ser um indivíduo, e
passa a ser um agente em seu ato de aprender. No caso desta pesquisa, cujo foco
foram os processos de produção de subjetividades e as redes de conhecimentos
que eram tecidos pelos professores em seu ato de aprender, em que se rompia um
locus de fazeres e saberes de cópias de modelos da educação moderna e da
repetição mecânica do instituído produziuse o fato de passarem a ser agentes
educativos. Além disso, demonstravam em seu aprender que não há como definir as
redes de conhecimentos em quatro proposições porque ele está no quatro, no cinco,
no nulo e na nãoproposição, pois “toda a idéia de princípio deve ser mantida sobre
suspeita”, como ressalta Guattari (1988, p. 191) no oitavo princípio da esquizo
análise. As redes de conhecimentos, também denominadas de conhecimentos
rizomáticos, estão em todo lugar, pois são múltiplas as entradas possíveis; estão
também no entrelugar, como numa fronteira que às vezes é acessível e às vezes
não; estão também no nãolugar, pois elas também podem fazerse inacessível,
assim como alguns grupos que estejam concentrando uma gama de poder em
algum dos múltiplos pontos da rede biopsicossocial, que é a sociedade, podem
tentar impedilas de serem acessadas e/ou propagadas. Nesse sentido:
· As redes de conhecimentos são simultaneamente um processo
maquínico de produções de desejos e de formação de enunciados. Todo
conhecimento também está para além de qualquer evocação, pois a
linguagem classifica, define e, assim, limita e delimita as possibilidadesoutras
de territorialização de espaços, entre eles o espaçotempo educativo, que o
conhecimento e o desconhecimento favorecem. Mas, justamente por estar em
uma dimensão molar, a linguagem possui o cerne para produzir
agenciamentos moleculares, visto que, segundo Deleuze e Parnet (1996, p.
140141), há “[...] múltiplas línguas em uma língua”, possibilitando um “[...]
gaguejar na nossa própria língua, sermos estrangeiros na nossa própria
língua, isto é, levar sempre mais longe as pontas de desterritorialização dos
agenciamentos”, destacandose que “[...] uma língua é atravessada por linhas
de fuga que arrastam o seu vocabulário e a sua sintaxe”. Já o signo não
medeia; ele não é um instrumento de mediação entre o sujeito e o mundo,
pois o signo já se faz mundo; produz mundos e é produzido por eles. Nesse
sentido, ainda segundo Deleuze e Parnet (1996, p. 100), “[...] o inconsciente,
33. 32
é uma substância a fabricar, a fazer circular, um espaço social e político a
conquistar” e “[...] os fluxos são a única objetividade do desejo”.
· As redes de conhecimentos se fazem autodesconhecimento. Quanto
mais um agente pensa conhecer algo, mas ele perceberá a infinidade da vida
e o virtual que existem em potência, e, em seguida, uma possibilidadeoutra
(GUATTARI, 2005) se atualiza, mas simultaneamente abre novos possíveis
de se aprender mais. Quanto mais um agente efetivamente conhece algo,
mais ele percebe o quanto ainda há por aprender e o quanto é relativo o seu
posicionamento diante da questão que se apresenta e simultaneamente se
ausenta em seu campo subjetivo e objetivo.
· As redes de conhecimentos são universalmente específicas. Em qualquer
âmbito escolar e para qualquer um deles, alguns tipos de conhecimentos
serão universalmente específicos à realidade, devido a algumas estruturas
prévias subjacentes a uma instituição de ensino moderna. Em relação a uma
possível escola pósmoderna, não há ainda elementos que permitam dizer em
que campos de probabilidades as redes de conhecimentos se farão insurgir e
instituir, ou estarão em permanente estado de instituição sem se cristalizar.
Alias, ainda não há aspectos subjacentes que permitam cartografar o que
seria uma escola pósmoderna e dizer inclusive, se o termo “escola” pode
continuar sendo utilizado na perspectiva das redes de conhecimentos
(conhecimentos rizomáticos).
· As redes de conhecimentos constituemse na rede e em rede; elas são
rizomáticas (DELEUZE; GUATTARI, 1996). Pensar é estar sempre “entre”;
sempre no “meio”, sem impedir as formações de enunciados e as produções
maquínicas de desejos. Nesse contexto, extremamente ligado a um ato de
aprender, as redes de conhecimentos apresentam múltiplas entradas e
saídas: elas conectamse a outros pontos e assim produzem outros
conhecimentos em rede, para além das axiomáticas mencionadas em negrito
nas proposições citadas.
34. 33
Na perspectiva do construcionismo20 , o aprendiz constrói com o computador um
“meio ambiente” a partir de um algoritmo. É uma perspectiva que considera possível
saber o caminho que o aluno seguiu na construção de seu conhecimento, de forma
objetiva, sem considerar um processo de produção de subjetividades nessa
construção. No caso do conectivismo, os discursos realizados com as TICs estão em
conexão direta com esses processos de produção de subjetividades e produção de
redes de conhecimentos, cujos caminhos percorridos e/ou inventados apresentam
múltiplas entradas e saídas, não podendo ser cartografados analisandose
meramente um código fonte ou algoritmo. Assim, a perspectiva de construção do
conhecimento encontrada na pesquisa foi a do supracitado conectivismo.
Nesse sentido e simultaneamente adaptando algumas questões às especificidades
dos dados produzidos na pesquisa, o conectivismo é uma perspectiva de construção
do conhecimento que concebe que os processos de produção de subjetividades e os
da tessitura das redes de conhecimentos são instâncias interligadas no processo de
evolução filogenética e social das interações humanas. O professor é e
simultaneamente nãoé um agente cognitivo na tessitura de seu conhecimento e na
dos outros; o meio ambiente e históricosocial, com todos os seus artefatos culturais
e naturais, também é e nãoé um agente cognitivo: há a possibilidade de tal fato
21
ocorrer ou não mediante um simulacro ou um devir propagada por uma diferença
preexistencial. Seria uma projeção de um fluxo de transformação contínua intensiva
ligada ao conhecimento, à subjetividade e a uma coletividade de seres e objetos.
A professora de Informática do turno vespertino expressou tal perspectiva ao
mencionar que “o laboratório de informática é um laboratório de conhecimentos”. Ela
afirmava que “enfatiza o ‘conhecer’ como um aspecto importante do ‘aprender’”.
20
Teoria proposta por Seymour Papert, que diz respeito à construção do conhecimento baseada na
realização de uma ação concreta que resulta em um produto palpável, desenvolvido com o concurso
do computador, que seja de interesse de quem o produz. A esse termo freqüentemente se associa o
adjetivo contextualizado, na perspectiva de destacar que tal produto seja um texto, uma imagem, um
mapa conceitual, uma apresentação em slides deve ter vínculo com a realidade da pessoa ou com o
local onde será produzido e utilizado. O construcionismo implica uma interação alunoobjeto, mediada
por uma linguagem de programação (linguagem Logo).
21
Devir é nunca imitar, nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja de justiça ou de
verdade. Não há um termo do qual se parta, nem um ao qual se chegue ou ao qual se deva chegar.
Tampouco dois termos intercambiantes. A pergunta 'o que você devém?' é particularmente estúpida.
Pois à medida que alguém se transforma, aquilo em que ele se transforma muda tanto quanto ele
próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de
evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos (DELEUZE, apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 48).
35. 34
O que resta de “subjetivo” neste perturbador mundo novo? Afinal, quem
somos nós sem os nossos instrumentos, as nossas máquinas, os nossos
remédios e as nossas bactérias? Essas misturas em que vivemos e que nos
constituem solicitam uma retomada em profundidade da questão da
subjetividade. São tantas as passagens que nos lançam do “subjetivo” ao
“tecnológico”, que mal sabemos hoje onde começa um e termina o outro,
quanto de maquínico encontramos no humano e viceversa. É preciso
percorrêlos como o avesso um do outro, como numa fita de Moebius. [...] soa
cada dia mais artificial pensar técnica e sujeito sem considerar a continuação
que os reinventa a cada momento (PELBART; COSTA, 2003, p. 12, grifo do
autor).
No caso da escola pesquisada, o laboratório de informática era uma ferramenta
utilizada para cooperar, principalmente e pedagogicamente, com os professores e
também, mas eventualmente e tecnicamente, para apoiar atividades da
administração e da comunidade mediante o Programa Escola Aberta22 .
O laboratório de informática, no momento da pesquisa, não tinha as regras
comumente encontradas em outros laboratórios de informática, como proibição
explícita, regulamentada internamente e fixada em algum cartaz em relação ao
acesso à sites pornográficos; aos sites de relacionamentos, também denominados
de redes sociais; a chats (batepapos); ao uso de software de comunicação
instantânea, também conhecidos como instant messengers; instalação, cópia ou
remoção de qualquer programa nos computadores; ao uso do correio eletrônico (e
mail) para fins comerciais, de interesse pessoal ou de terceiros; e até mesmo a
jogos. Mas por que não? Entre muitos motivos, porque a Prefeitura dispõe de um
programa central, já mencionado, denominado Websense, que bloqueia o acesso a
todos os conteúdos acima citados, além de outros mais, como sites de criação de
grupos de discussão e medias streaming (áudio e vídeo em tempo real).
Ocasionalmente os professores chamam a atenção para os itens mencionados
acima e outros mais, todos relacionados aos comportamentos dos alunos em
relação ao uso da informática, tais como: executar atividades não relacionadas ao
objetivo específico da aula proposta pelo professor regente no laboratório de
22
O “Programa Escola Aberta”, em sua proposta prescrita, tem por objetivo fazer com que a escola
amplie sua função, criando espaços para a comunidade, utilizando a infraestrutura física, os recursos
tecnológicos e bibliográficos existentes, mobilizando o pessoal qualificado por meio dos profissionais
da educação, de voluntariado e de parcerias. Esse programa possui a parceria da UNESCO, do
Ministério da Educação, do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério dos Esportes e do
Ministério da Cultura.
36. 35
informática; alimentarse, beber ou fazer uso de balas, chicletes, entre outras
restrições – algo que ocorria com dada freqüência; falar ao celular ou mantêlo
ligado no recinto do laboratório de informática – fato que também ocorria
ocasionalmente; “perturbar” o ambiente com brincadeiras, algazarras ou qualquer
atitude prejudicial às atividades propostas, fato que já resultaram na ocorrência de
casos de punição, como expulsão momentânea do laboratório de informática.
Os professores que foram entrevistados demonstraram ser educadores e, portanto,
agentes de seu meio: não estavam em momento algum em um estado de
“alienação”, mas sempre “entre”, sempre no “meio”, sempre tecendo em rede um
movimento, enfim, sempre em um simulacro no qual eram produzidas e
territorializadas suas técnicas de agir como educadores no mundo e
desterritorializando, por sua vez, o ato de atuar apenas como professor. Era na
reterritorialização daquilo que foi problematizado e desconstruído em seu saber
fazer docente (o seu serestando professor) que simultaneamente era gerado um
fluxo de transformação contínua de si, de seus alunos e do mundo que o circundava,
produzindo possibilidadesoutras de educação e agenciamentos de significação e
existência, enfim, um ato de aprender. Dessas interrelações com artefatos culturais
e agentes aprendentes, autofaziamse redes de colaboração, nos quais, por sua
vez, geravam redes de conhecimentos.
Havia redes tecidas anteriormente nas relações socioeducativas que estavam
estabelecendose no cotidiano escolar do laboratório de informática: essas redes
possibilitavam um entendimento da(s) história(s) que estavam sendo produzidas em
ato mediante as redes de saberes, de fazeres, de desejos e de poderes produzidas
maquinicamente pelos educadores. Não havia assim uma história como
possibilidade, mas um fluxo de agenciamentos gerados e engendrados pelos
educadores que produziam efetivamente outra educação e outra história para além
das questões meramente econômicas das relações de produção do CMI. Quem são
o oprimido e o opressor nas relações que são tecidas no cotidiano escolar? Não há
nenhum dos dois como identidade encarnada em um ser no mundo. A diferença
produzida pelo jogo de interesses nas relações humanas produzem redes de
conhecimentos e, nessa mesma rede, uma multiplicidade de pontos de poder, que
37. 36
se territorializam, se desterritorializam e reterritorializam de acordo com as
circunstâncias do plano de imanência que é vivido e produzido.
Recomeçar a história desde o começo ou dobrála em direção a finalidades
progressistas: este não é mais, verdadeiramente, o problema! Tratase antes
de recompor, sobre outras bases, os agenciamentos de subjetivação e, neste
momento, recriar de um modo pático as diversas figuras de subjetivação
histórica, das quais a subjetividade capitalística é a mais vertiginosa por seu
vazio, sua banalidade, sua vulgaridade... (GUATTARI, 2003, p. 18).
A inspiração no método cartográfico ocorreu no sentido de criar condições para
permitir e deixar um movimento passar; nesse sentido, um movimento não é algo a
ser seguido. O movimento é um fluxo de transformação contínua de significados
territorializados, que podem desterritorializarse e criar autopoieticamente ou não um
viés reterritorializável. O movimento é um fluxo afirmativo que pode ser
acompanhado e cartografado.
O movimento, por sua vez, implica uma pluralidade de centros, uma
superposição de perspectivas, uma imbricação de pontos de vista, uma
coexistência de momentos que deformam essencialmente a representação: já
o quadro ou uma escultura são “deformadores” que nos forçam a fazer o
movimento, isto é, a combinar uma visão rasante e uma visão mergulhante,
ou a subir e descer no espaço na medida em que se avança (DELEUZE,
2006, p. 93).
Não se pode falar de uma possível “alegria” no cotidiano escolar do laboratório de
informática, a não ser que se pense a alegria como um conceito com múltiplas
possibilidades: havia alegriasfúnebres, alegriasconhecimentos, alegrias
solidariedades, alegriascompetitividades , entre outras.
Esta pesquisa inseriuse em um campo de possíveis engendrado por uma escola
engajada e compromissada éticaesteticamente com a educação e que a todo
instante se constituía ou não em um espaçotempo privilegiado de produção
intensiva de redes de colaboração e de redes de conhecimentos por agenciamentos.
Tais conhecimentos eram os precursores de um plano de imanência cujas criações
de um cotidiano realvivido e/ou de um ciberespacialvivido foram instâncias
apropriáveis pelos agentes educativos como dispositivos ou ferramentas para a
invenção de possibilidadesoutras de se fazerviver outra educação.