3. Walter Benjamin foi ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e
sociólogo da cultura. Esse pensador de origem judaica deixou uma
obra de difícil classificação, uma vez que escreveu sobre temas
variados, e muitos de seus textos jamais foram concluídos.
Benjamin teve sua trajetória intelectual ligada à chamada Escola
de Frankfurt, que reunia pensadores voltados para o desenvolvimento
de uma teoria crítica social que ultrapassasse algumas das premissas
de Marx e focasse as dimensões culturais do modo capitalista de
produção. Expressões como "indústria cultural" e "cultura de massa"
são heranças diretas dos estudos da Escola de Frankfurt e remetem a
um universo de reflexões muito caro à sua obra.
Profundo conhecedor da língua francesa, Benjamin traduziu para o
alemão obras dos escritores Marcel Proust e
Charles Baudelaire, estabelecendo um forte vínculo entre a crítica
social e a produção artística. Investiu também na análise do advento
da modernidade e do conceito de história, sempre entrecruzando
diferentes áreas do pensamento social.
4. Entre suas obras mais conhecidas estão A obra de
arte na era de sua reprodutibilidade técnica
(1936), Teses sobre o conceito de história (1940), a
inacabada Paris, capital do século XIX e
Passagens, compilação de escritos publicada
postumamente.
Benjamin era alemão, mas morreu sem nacionalidade
definida. Tomaram-lhe o passaporte alemão antes que
conseguisse, como exilado político, a cidadania
francesa. O nazismo o perseguiu
duplamente, pois, além de judeu, era comunista. Sua
obra traz a marca desses trânsitos complicados entre
diferentes identidades e territórios: para os
comunistas, seu apego ao judaísmo era inaceitável;
para os judeus, suas referências marxistas não tinham
cabimento. Para os filósofos, seu trabalho era literário
demais; para os críticos literários, era muito
sociológico.
5. De fato, Benjamin não foi um cientista social no sentido
estrito. Além disso, escreveu de forma pouco
sistemática, num estilo propositadamente fragmentado e
alegórico, utilizando poucos conceitos e muitas imagens
literárias. Reconhecemos que seus críticos têm razão
quando o acusam de ter sido dispersivo e muitas vezes
incoerente. Mas também é preciso reconhecer que poucos
pensadores sociais tiveram igual sensibilidade para observar
o cotidiano da modernidade e decifrar as personagens da
metrópole. Como o próprio Benjamin disse, ele tinha um
interesse especial por aquilo que outros intelectuais
classificavam como "lixo". E foi assim que ele antecipou a
reflexão crítica sobre a fotografia, o cinema, as
miniaturas, os brinquedos, a poesia, o flâneur, o ópio, a
prostituta - assuntos e personagens considerados
"irrelevantes" ou "indignos" por muitos de seus
contemporâneos.
6.
7. Redesenhar a cidade para redesenhar a sociedade: foi com esse princípio que
Luís Napoleão, com o título de Napoleão III, inaugurou em 1852 o Segundo
Império francês, determinado a acabar com as revoltas populares que até
então eclodiam com frequência em Paris. Como conter as barricadas que
ameaçavam a ordem social tão almejada pelo novo imperador? A resposta foi
buscada no urbanismo: Paris sofreria uma reforma radical, deixando para trás
os muros e as ruas estreitas da cidade medieval para ostentar avenidas largas
dotadas de iluminação noturna, o que facilitaria o controle policial. A cidade se
transformaria em nome de princípios como
organização, harmonia, racionalidade e, principalmente, modernidade.
Quando aportamos com Benjamin na Paris do século XIX, testemunhamos o
surgimento de novos valores e novos padrões de convivência. Ele chama
nossa atenção para os grandes eventos históricos - são bastante duras suas
críticas ao governo "falsificado" de Luís Napoleão -, mas também para
pequenos detalhes que são reveladores. Conta-nos, por exemplo, que em
1824 somente 47 mil pessoas eram assinantes de algum jornal na capital
francesa; em 1836 esse número saltou para 70 mil e, na década
seguinte, chegou a 200 mil. A partir daí, observa uma contradição: com o
aumento significativo do número de leitores, era de esperar que os jornais se
tornassem mais autônomos, menos dependentes do dinheiro dos
poderosos. No entanto, isso não ocorreu. Na verdade, a imprensa passou a
depender cada vez mais dos anúncios para sobreviver.
8. Boa parte da reflexão de Benjamin sobre a modernidade se encontra no livro
Passagens - centenas e centenas de páginas que escreveu de 1927 até as
vésperas de sua morte, em 1940. Trata-se, portanto, de uma obra
inacabada, que só foi publicada postumamente. Por que, afinal, Benjamin julgou
as passagens de Paris tão interessantes?
Para começar, por que essas galerias feitas de estruturas de ferro e vidro
surgiram apenas no século XIX, e não antes? Benjamin associa seu
aparecimento sobretudo ao desenvolvimento do comércio de tecidos. Na época
ainda não havia lojas de roupas prontas, e as pessoas compravam tecidos para
que a costureira ou o alfaiate produzisse as peças desejadas. Mas, como nos
lembra Benjamin, as passagens não abrigavam somente lojas de tecidos: havia
também o que se chamava de magasins de nouveautés, "lojas de
novidades". Nelas era possível encontrar uma infinidade de mercadorias de luxo
que deslumbravam os parisienses e os turistas. Benjamin cita um guia ilustrado
de Paris que dizia: "Essas passagens, uma recente invenção do luxo
industrial, são galerias cobertas de vidro e com paredes revestidas de
mármore, que atravessam quarteirões inteiros, cujos proprietários se uniram
para esse tipo de especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que
recebem a luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que tal
passagem é uma cidade, um mundo em miniatura".
9. As transformações no mundo do trabalho e na economia, nas
crenças e nos valores, na política e nas instituições foram
objeto de estudo dos observadores da sociedade a partir do
século XIX. A grande contribuição de Walter Benjamin foi
introduzir nas discussões sobre os tempos modernos alguns
temas ligados à vida urbana que não foram tratados por
outros estudiosos de sua época - temas que não despertaram
interesse por serem considerados irrelevantes, como a
indústria do entretenimento, a sociedade de consumo e a
sociedade de massas. Além de refletir sobre novos
temas, Benjamin ampliou o campo das pesquisas
sociais, nele incluindo os cartazes de propaganda, as obras
literárias, as passagens e as novas tecnologias. Lançou mão
de tudo isso para discutir os paradoxos da vida moderna, ou
seja, o quanto ela aprisiona os indivíduos com sua ideologia
do consumo e o quanto ela traz de liberdade para a
coletividade. Podemos perceber, através de seus
escritos, que tudo o que diz respeito à vida em sociedade
interessa à sociologia.
10. Walter Benjamin também se mostrou sensível à mudança de
comportamento das mulheres e da sociedade em relação a elas. Desde
os primórdios da Revolução Industrial, as mulheres das camadas
baixas saíram junto com seus maridos e filhos para ganhar o sustento
nas fábricas ou manufaturas. Paulatinamente, deixaram o ambiente
doméstico (privado) e foram introduzidas no espaço público. O que
chamou a atenção de Benjamin foi a circulação de
mulheres, especialmente das camadas mais abastadas, pelas
passagens ou galerias, a fim de consumir novidades. Este e outros
aspectos, segundo Benjamin, explicitavam as contradições da
modernidade - a divisão da sociedade entre consumidores e não
consumidores de determinados bens; entre os que usam o tempo
trabalhando e os que passam o tempo em passeios de consumo; entre
os que têm abundância de recursos e os que sofrem de escassez.
As novas tecnologias interessaram a Benjamin porque, além de
oferecer respostas para múltiplas necessidades cotidianas, contribuem
para alterar a apreensão do mundo pelos indivíduos. A fotografia, a
filmagem, a gravação de áudio e outras técnicas de reprodução foram
objeto de reflexão de W. Benjamin por alterarem a produção da
memória coletiva nas sociedades modernas.