SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 20
Downloaden Sie, um offline zu lesen
{PAGE }


              A etnografia em tempos de guerra: contextos temporais e
                                                                           1
                        nacionais do objeto da antropologia



                                     Mauro W. B. de Almeida


        Este texto trata da conexão entre o objeto e a natureza da etnografia e a situação
de guerra. Mas seu objetivo não é a denúncia dos compromissos nacionais e imperiais
dos antropólogos nessas circunstâncias, e sim um comentário sobre o papel da guerra na
constituição da etnografia.

        É sabido que a situação de guerra, como bem o mostrou o engajamento de alguns
dos principais expoentes do relativismo cultural na Segunda Guerra Mundial, atuou como
catalisador quase instantâneo da suspensão do juízo relativista em favor dos valores do
etnógrafo    – da mesma maneira que, na Primeira Guerra Mundial, o nacionalismo
desagregou rapidamente o internacionalismo proletário da Primeira Internacional. O
estudo detalhado dessa adesão de carreiras intelectuais a políticas de estado em
conjunturas da guerra tem sido feito por especialistas, 2 mas resta comentar uma conexão
metafórica entre a guerra e a etnografia, enquanto atividades que se dão na fronteira entre
sociedades. 3 Observamos em primeiro lugar que a pesquisa etnográfica – em suas várias
modalidades – funciona como se fosse o estabelecimento de uma cabeça-de-ponte em
uma terra de ninguém. A etnografia como cabeça-de-ponte na zona contestada das
relações simbólicas é parte de uma política do conhecimento. A prática da guerra é a


1
  Em: Fernanda Arêas Peixoto, Heloísa Pontes e Lilia Moritz Schwacz (orgs.).
Antropologias, Histórias, Experiências. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal
de Minas Gerais, 2004, pp. 61 – 81. ISBN: 85-7041-443-9. Originalmente apresentado no
Seminário Antropologia da Antropologia: Desafios e Perspectivas, na mesa-redonda
“Antropologia da antropologia: história e etnografia”, no dia 27 de agosto de 2003, no
Departamento de Antropologia da USP.
2
  Peach e Price (2001), Price (2000, 200b, 2001, 2002, 2004), Shaniman e Dino (2001); Yans-LcLaughlin
(1997); Goldman e Neiburg (em L’Estoile, Neiburg e Sigaud 2002); e também Turner (1997) e Povinelli
(2001).
3
  Essa conexão está presente por exemplo em Todorov (1968)
{PAGE }

contestação do monopólio da violência sobre um território; mas há ainda uma guerra
simbólica em que se lançam cabeças-de-ponte se estabelecem sobre o território moral de
“corações e mentes”, ou seja, espaços de contra-interpretação de significados (“os
vietnamitas não dão à vida o mesmo valor que nós”; “o terrorista islâmico não dá valor à
vida”; “armas de destruição de massa” se opõem a “corpos da paz” e “meios de
dissuassão”).

                               Antropologia e etnografias

       Começo com uma recapitulação da história da etnografia, chão comum das
distintas teorias antropológicas, de tal maneira que a história dessas teorias confunde-se
com a história das etnografia. Uma confirmação do peso especial que tem a etnografia
como procedimento definidor da disciplina é o fato de que a antropologia (entendida aqui
como antropologia social ou cultural) está em crise, ou pelo menos perdeu o glamour de
que desfrutou durante a década de 1970 no apogeu do estruturalismo. Mas a etnografia
está em plena expansão. A noção de uma etnografia mostrou-se resiliente, e mais do que
as teorias que, como o funcionalismo, a acompanharam no nascimento. A “antropologia
da pobreza” soa fora de moda, mas uma “uma etnografia da pobreza” é aceitável à
sensibilidade atual. Por quê? A resposta principal, claro, é que a ciência social abdicou
das grandes ambições da teoria social em favor da idéia de que é possível fazer
descrições sem teoria; na etnografia, estaríamos diante da relação entre observador e
observado, em vez de uma relação hipostasiada entre objeto e teoria. Alega-se que as
teorias sociais seriam parte de uma história recente que cumpre desconstruir, enquanto
“grandes narrativas”, as “histórias-senhoriais” de poderosos que imporia seus juízos de
verdade aos demais em um tribunal da razão. Hoje em dia a antropologia, em vez de
funcionar como um tribunal da razão, tem o formato de um espaço de encontro de
viajantes, onde se pode conversar sobre impressões de viagem, ou sobre quadros em
exposição.

       Mas não foi só a idéia da Antropologia enquanto tribunal da razão que se
esgarçou. É claro que o que se entende hoje por etnografia mudou de caráter. A
etnografia foi descrita como um processo conjunto de objetivação do sujeito e de
subjetivação do objeto. Há umas três décadas atrás, podíamos entender a objetivação do
{PAGE }

sujeito, como Lévi-Strauss, como sendo “a absorção temporária do observador pelo
objeto de observação”, e entender a subjetivação do objeto como um “meio de
demonstração objetiva” -- momentos igualmente necessários, mas distintos, de uma
“síntese empírica e objetiva”. 4 Hoje, entende-se a mesma fórmula como a afirmação de
que a subjetivação do objeto é idêntica à objetivação do sujeito, como a tese de que
sujeito e objeto são idênticos, e enfim como a noção de que a antropologia é invenção dos
antropólogos por eles mesmos. Colocando as coisas dessa maneira, a história da
etnografia ao longo do século XX é um longo percurso que vai do ideal de ‘objetividade
etnográfica’ ao esgarçamento contemporâneo desse ideal, em favor de políticas da
subjetividade sob vários avatares. Ao longo desse percurso, transitamos do etnos para ao
sujeito, da tradição para a invenção, da estrutura para a vontade, da ordem para a
desordem; e, finalmente, da etnografia à idiografia.

           O que vou fazer agora é comentar em rápidas pinceladas a história da etnografia
ao longo do século XX. Insistirei, na falta de competência e de espaço para o contexto
histórico, em sugestões breves sobre conexões entre as transformações da etnografia e
situações de guerra. Os antropólogos formularam seus cânones de pesquisa etnográfica
em um formato descontaminado, mas foi a Primeira Guerra Mundial que criou a ocasião
para isso, forçando Malinowski a um internamento forçado num arquipélago melanésio,
resultando no formato etnográfico do exílio-de-dois-anos-na-ilha-de-coral. A segunda
guerra revolucionou essa maneira de fazer etnografia, levando a estudos de região e de
nações exemplificados por Edmund Leach na Birmânia e Ruth Benedict sobre o Japão.
Finalmente, a guerra mais uma vez provocou uma reviravolta no modo etnográfico, com
a profunda influência exercida pelo Vietnã sobre uma geração de antropólogos norte-
americanos exemplificados por Marshall Sahlins e Eric Wolf e outros.




4
    Lévi-Strauss 1973:25.
{PAGE }

        Etnografia inglesa

        Meus comentários sobre essa história da etnografia começam assim com
Bronislaw Malinowski. Os componentes da etnografia ao estilo de Malinowski, são três. 5
Primeiro, o relativo isolamento do observador nos limites da comunidade cuja língua ele
fala e com cujos membros ele interage cara-a-cara; segundo, a coleta direta de evidência
material tais como mapas, calendários, documentos, diagramas, textos, genealogias, por
analogia direta com a documentação histórica e arqueológica clássica; terceiro, a
experiência da vida cotidiana, concebida nesta tradição em termos teatrais: dramatis
personae, papéis, dramas sociais. Isso era feito sem gravador, embora já Malinowski
usasse a câmara fotográfica; o próprio antropólogo era o instrumento de registro
principal, e essa sempre foi a marca do método. 6 Um exemplo sucinto mas eloquente dos
resultados dessa técnica que termina por reconstruir a partir da experiência a estrutura e a
ação na vida social (os itens um, dois e três da lista acima) é Crime e Costume na
Sociedade Primitiva: o germe exemplar da análise dos dramas sociais, tratando do
incesto, do amor e do ódio, do suicídio e do exílio, uma descrição evocativa dos
elementos essenciais da tragédia grega, trazendo à luz o fato de que toda sociedade se
apóia sobre princípios antagônicos, cuja contradição insolúvel é vivida por sujeitos
sociais como a impossibilidade de continuar a viver.7 Mas embora essa curta obra-prima
seja o meu exemplo preferido, os ingredientes estão contidos em todas as demais grandes
obras de Malinowski sobre dramas sociais cujo pano de fundo são a família e o
casamento, o trabalho, o comércio e as trocas rituais. 8 Os discípulos de Radcliffe-Brown
introduziram nas preocupações dos etnógrafos ingleses o espírito de ordem francês,
ancorado na sociologia de Émile Durkheim, com a ênfase posta menos nas tensões do



5
  Malinowski 1950 [1922], 1935.
6
  Depois de ter estudado antropologia com as profs. Eunice Durham e Ruth Leite Cardoso, estudei com
Stephen Hugh-Jones, discípulo de Emund Leach, por sua vez aluno de Malinowski. O sistema de ensino
tinha dois pilares. Um eram os seminários: não havia aulas obrigatórias, provas ou créditos, mas eram
sagradas as discussões de projetos, pesquisas em andamento e resultados, nas sextas-feiras, às cinco da
tarde, seguidos de cerveja no King’s College. O outro era a preparação e a realização da etnografia, que
deveria durar pelo menos dois anos. Tratava-se de aprender fazendo o que não podia ser ensinado em aulas.
7
  Malinowski 1926. Também traduzido por mim para uso dos alunos.
8
  Refiro-me às três grandes monografias de Malinowski, Argonauts of the Western Pacific (1923), The
Sexual Life of the Savages of Melanesia (1933), e Coral Gardens and their Magic, 2 vols. Londres, 1939. .
{PAGE }

que na manutenção da ordem. Isso levou a um projeto amplo e coletivo de pesquisa de
sistemas sociais integrados, cujo resultado foi o grande painel de sistemas de parentesco,
de sistemas de linhagens e de sistemas políticos na África. O resultado da tensão entre a
ênfase malinowskiana no indivíduo (em uma situação de exílio do próprio observador) e
o foco radcliffe-browniano na ordem política foi a síntese de ação e estrutura aparece na
obra de Max Gluckman e seus discípulos entre os quais Victor Turner. Ora, Gluckman
chegou ir além do estudo dos conflitos “integrativos” (ou radcliffe-brownianos) para
tratar da tensão inconciliável entre poder colonial e a população tribal – mas seu tour-de-
force constitiu talvez em realizar essa análise da estrutura social colonial nos limites de
um dia em que é inaugurada uma certa ponte: uma unidade de tempo e espaço onde se
vêm indivíduos e também a ordem social sob perigo. Isso, em 1940. 9

        Etnografia norte-americana

        Franz Boas é outro patrono da etnografia. Enquanto a tradição da antropologia
social britânica colocou o foco as relações entre indivíduos e sociedade – tomando como
paradigmas a pequena escala de comunidades-laboratórios no Pacífico, da África, e da
Ásia --, a tradição criada pelo próprio Boas tomou como objeto indivíduos e cultura – e
como laboratório a fronteira interior dos Estados Unidos da América. A noção de cultura
que ganhou papel central nessa tradição, em que pese sua raiz européia como auto-
imagem ideal de um povo, passou aqui a apontar para um domínio de signos que se
repartiram nos “quatro campos” (signos-palavra na lingüística, signos-corpo na
antropologia física, signos-artefato na arqueologia, signos-costume na antropologia
cultural).

        A “antropologia é filha de uma era de violência”, e essa verdade também se
aplicou contudo aos Estados Unidos da América. É verdade que a antropologia de Boas
se implantou num século XX em que antropologia em tempo em que os conflitos
maiores entre brancos e indígenas já haviam sido travados e vencidos pelos primeiros.
Mas o tema foi importante na antropologia pré-boasiana do Bureau of American



9
  Cf. Max Gluckman, “Uma Situação Social na Zululândia”, publicado em português em Bela Bianco
(org.), Antropologia Social – Métodos, publicado primeiramente em 1940 nos Estudos Bantu. .
{PAGE }

Ethnology de 1879 a 1897. Com efeito, Joan Vincent destaca na obra do Bureau desse
período, entre outros temas, “a existência política dominante da fronteira e tudo que isso
implicada tanto para relações políticas de igualdade e interdependência como de
conquista e dominação, a questão correlata da realidade política da violência e da guerra
nas situações de contato. e os “relatos de movimentos políticos que não se baseavam em
aspectos territoriais ou de parentesco...” 10 .

        A antropologia boasiana, por outro lado, apontava para o cenário complexo de
uma sociedade em formação, onde avultavam, num momento de intensa migração e
movimento de pessoas, idéias e coisas, os problemas de mudança cultural, de racismo e
discriminação, de formação de novos costumes. Enquanto a etnografia inglesa era
construída como uma descrição intensiva da sociedade como uma unidade de tempo e
espaço em laboratórios-ilhas na fronteira, a etnografia boasiana-kroeberiana podia-se
aplicar-se a tarefas de salvamento cultural, e no limite podia-se converter-se na
colaboração com um único informante ou na exposição de sobreviventes. 11 Mas foi
também uma antropologia formadora de uma cultura pluralista, anti-racista e tolerante,
em oposição às tendências racistas, xenófobas e eugenistas da época.

        Mais ampla em escopo, e ao mesmo tempo menos sistemática, talvez por isso
mesmo essa antropologia boasiana, que já esteve fora de moda, soe hoje pós-moderna.
Ela tratava a cultura em tensão criativa com o indivíduo -- processo que Boas chamou de
‘dinâmica cultural’ 12 – e refletia as tensões e mudanças de uma sociedade que buscava
definir seu “caráter” no futuro, e não apenas registrá-lo no passado como no caso
europeu.

        Se a etnografia inglesa no estilo malinowskiano começou com a Primeira Guerra
Mundial, a etnografia norte-americana de formato boasiano chegou a uma conclusão com




10
   Vincent 1990, p. 39 e seguintes).
11
   George Hunt foi colaborador ou co-autor, com Boas, de várias publicações. Ver a Introdução de Helen
Codere à Kwakiutl Ethnography (Boas 1966: xxviii). A história dos Ishi, “os últimos sobreviventes Yahi
da Califórnia”, que viveram após sua rendição em um museu, é contado por Theodora Kroeber (1963), e
citado por Roy Wagner (1981:28).
12
   Franz Boas 1974. Vejam-se os estudos essenciais editados por G. Stocking Jr. sobre a antropologia
boasiana.
{PAGE }

a Segunda Guerra. Nos Estados Unidos, o esforço de guerra teve como principal produto
antropológico a monografia de Ruth Benedict sobre um Japão que ela nunca havia
visitado. 13 A idéia da etnografia malinowskiana em uma ilha já havia sido descartada pela
etnografia boasiana; mas agora os sujeitos são prisioneiros de guerra; o locus é o império
japonês do Pacífico, o tempo é o incógnita representada pela capacidade de resistência
dos inimigos.

        A Segunda Guerra fez muitas vítimas e uma delas, de fato, foi a inocência da
pesquisa colonial da ‘unidade etnográfica’ contida em ilhas remotas. O caso ilustrativo é
o dos sujeitos de pesquisa que Cora Dubois entrevistou em uma pequena ilha da atual
Indonésia, no sudeste asiático, como parte de um projeto no qual ilhéus de Alor foram
submetidos ao teste de Rorschach, cujos resultados seriam comparados aos de nova-
yorkinos para testar a hipótese de que a personalidade seria culturalmente conformada.
Ora, Alor era possessão colonial holandesa, ocupada pelos japoneses durante a guerra.
Quando a guerra acabou, e Cora Dubois retornou ao “campo”, soube que seus
informantes, aqueles que se haviam sido submetidos a testes de Rorschach, haviam sido
degolados pelos japoneses sob a acusação de colaboração com os norte-americanos. 14

        Desenvolvimentismo, antropologia, guerra fria

        Cabe talvez um parêntese. Como se sabe, a antropologia culturalista de Franz
Boas tornou-se hegemônica nos EUA no período do entre-guerra, suplantando a
antropologia ao estilo de Lewis Morgan e de seus seguidores, e que correspondia à
tendência do Bureau of American Ethnology no período pré-boasiano. Às vezes parece
que a vitória da antropologia de Franz Boas sobre a de Lewis Morgan foi uma vitória
intelectual: a do culturalismo sobre o evolucionismo, a do historicismo sobre o
determinismo histórico.

        Em 1851, Lewis Morgan expressara sua admiração pela sociedade norte-
americana nativa, colocando-os acima do individualismo competitivo dos ianques da



13
  Benedict 1946. Ver também adiante
14
  Dubois 1960 [1944]. Vemos ecos dessa irrupção da história real em outras etnografias, como a de
Renato Rosaldo sobre os Ilongot, que insistiam em falar da Segunda Guerra para tédio do etnógrafo.
{PAGE }

Nova Inglaterra; e na Sociedade Antiga, de 1871, Morgan criticava a idéia da
‘propriedade privada como o principal agente do progresso’. 15 Essas idéias explicam
porque a antropologia de Morgan foi recebida por entusiasmo por Marx e Engels, e
tornou-se parte integrante da doutrina marxista oficial nos anos da União Soviética. Isso,
por outro lado, tornava essa antropologia tingida de suspeição nos Estados Unidos, muito
embora a ênfase no determinismo tecnológico fosse bem compatível com o pragmatismo
ianque.

          Leslie White foi um continuador da tradição de Lewis Morgan em plena
hegemonia boasiana; visitou a União Soviética em 1929, quando iniciava sua carreira
universitária, leu O Capital em 1930 pela primeira vez, e gerou sua própria versão de
interpretação da visão materialista da história em que se combinam Bukhárin com o
espírito ianque, e onde as forças produtivas são indexadas em kilowatts per capita. Mas
manteve um quase completo silêncio sobre Marx ou quaisquer outras fontes marxistas em
sua obra, e na relação com seus alunos. E por outro lado combinou sua visão tecnológica
da história humana uma visão culturalista extremada da sociedade, aquela segundo a qual
a sociedade é uma imensa acumulação de artefatos-símbolos (tipicamente, as ferramentas
são para White signos, do mesmo modo que as relações de produção). Nesse sentido,
Leslie White era ‘culturalista’ como Franz Boas, e está do mesmo lado que Boas em
relação à antropologia sociológica da Inglaterra – ele representava, para usar uma
expressão de Marshall Sahlins, a versão meio-oeste, pragmaticamente norte-americana,
do culturalismo boasiano. 16 O efeito da guerra fria sobre a antropologia do pós-guerra é
bem ilustrado com o caso de Robert Armstrong, narrado por George Stocking Jr.
Armstrong foi um antropólogo formado pela Universidade de Chicago e que havia
aderido ao no verão de 1939 ao partido comunista. Era um amigo próximo de John
Murra, outro antropólogo militante. Armstrong participou do projeto de Julian Steward
em Puerto Rico, ao lado de Murra, Eric Wolf e Sidney Mintz. Tinha as condições para
uma carreira acadêmica, mas uma combinação de ingerencia do FBI e e de decisões



15
    Sobre Lewis Morgan e seus seguidores, ver Joan Vincent. Anthropology and Politics: Visions,
Traditions, and Trends. Tucson e Londres, The University of Arizona Press, 1990.
16
   Entrevista com Marshall Sahlins, fevereiro de 2004. Ver também Sahlins 2000:9-34.
{PAGE }

internas à Universidade de Chicago vetaram essa trajetória fazendo com que Armstrong
terminasse seus dias em um obscuro instituto de Zimbabwe. O caso de Armstrong
exemplifica um fenômeno da década de sessenta: embora muitos antropólogos, como
John Murra, Stanley Diamond, Sidney Mintz, Eric Wolf e Marshal Sahlins tivessem
influência de Marx, a antropologia marxista aparecia de forma disfarçada. 17

        O pós-colonialismo e a virada para a história

        Coloquemos tempo nesse quadro: estamos falando da Primeira Guerra e do Entre-
Guerra. A etnografia clássica anglo-saxônica do entre-guerra tinha uma ‘unidade de
tempo e espaço’, como os dramas de Aristóteles, e como as pinturas da renascença. Essa
unidade, como no exemplo de Ruth Benedict, começou a se desagregar já na Segunda
Guerra. Surge uma antropologia da guerra, cujo foco é a região ou nação, e onde o tempo
se espalha em décadas ou séculos. Na Inglaterra, o mais brilhante exemplo é a etnografia
de Edmund Leach sobre a Birmânia, na qual ele lutou nas forças britânicas, mas onde
nunca fez ‘trabalho de campo’.

       “Em 1939 eu fazia estudos de pós-graduação em antropologia sob a orientação do
       finado professor Malinowski. Viajei para a Birmânia pensando em fazer um ano de
       pesquisa de campo e apresentar os resultados como um estudo funcionalista de uma
       só comunidade. (…) A data de minha expedição foi infeliz. Cheguei à Birmânia
       quatro dias antes da declaração de guerra. (...) Do outono de 1940 até o verão de
       1945 servi como oficial no Exército da Birmânia. Durante grande parte desse
       período estive em companhia de Kachins, mas nunca tive oportunidade de realizar
       um estudo antropológico detalhado. Mas a vantagem de minhas obrigações
       militares foi que viajei muito na região das montanhas dos Kachin 18 .

        É curioso que Leach diga: “A data de minha expedição foi infeliz”. E que esses
dados só apareçam no Apêndice VII ao final do livro, e não no começo, quando ele
explica as diferenças metodológicas entre ele e a escola de Radcliffe-Brown com base em
última análise na descoberta de que “durante os últimos 130 anos a organização política
da área tem sido muito instável” (p.6). Importa reter que, para o antropólogo-militar, o


17
  Entrevista com George Stocking Jr., fevereiro de 2004.
18
  (Leach 1954:311, tradução minha).
Em outro continente, a África, a atuação de Evans-Pritchard na inteligência britânica produziu os Sanusi de
Cirenaica.
{PAGE }

“campo” passou a ser uma área inteira (“as montanhas dos Kachin”) e o “presente
etnográfico” ganha a dimensão da história secular.

       A guerra e suas consequências também marcaram a natureza do relato etnográfico
na África. Mencionados acima Max Gluckman e seu artigo de 1940 sobre os conflitos
estruturais na Zululândia. Ora, o tema é retomado no pós-guerra, em 1955, no texto que
se intitula The Bonds in the Colour Bar (que se pode traduzir por “As alianças na
segregação racial”), publicado como o derradeiro capítulo de Custom and Conflict in
Africa, obra baseada em uma série de conferências para a BBC de Londres. Gluckman
afirma, depois de expor sua teoria da função socialmente integrativa do conflito:

       “Espero não ter dado a impressão de que na antiga África todas as questões eram
       resolvidas amigavelmente, e de que todos os conflitos eram resolvidos. Isso está
       longe de ser verdade.”
       “Longe de ser verdade”, pois havia, conforme Gluckman percebeu – não obstante
sua teoria do ‘conflito ritual’ como promotor de equilíbrio social – que havia conflitos
insolúveis sem uma mudança na própria estrutura social. É verdade que esse ponto já
havia sido indicado, obliquamente, no seu clássico artigo sobre Uma Situação Social na
Zululandia, de 1940. Mas aqui Gluckman tomava como unidade etnográfica uma unidade
de tempo-espaço (um episódio com duração de um dia); já na conferência de 1955 a
análise do sentido do apartheid toma forma de uma narrativa histórica complexa, que se
inicia na cidade do Cabo com náufragos holandeses e portugueses do século XVII, 19 e
contém o fortalecimento do rei zulu Shaska, a incorporação de comerciantes ingleses
como chefes locais no século XIX, os conflitos entre bôeres e zulus que levam os ingleses
a tomar partido dos primeiros contra os segundos, e o estabelecimento de um estado
branco ao lado do estado zulu, concluindo com a “conquista final da Zululândia pelos
britânicos no final do século XIX”. A chave da argumentação é que “o sistema
funcionava porque desde o começo as divisões de interesses no grupo Zulu levava certas
seções e indivíduos Zulu a buscarem alianças com certos grupos ou indivíduos brancos”
(p. 151). Segundo Gluckman, foi esse o sistema de dividir para reinar que o sistema do




19
    Ilustrada metaforicamente pelo episódio camoniano do Adamastor (cf. Os Lusíadas, Canto IX; a
sugestão é de Brink 1993).
{PAGE }

apartheid teria solapado, ao impedir as “alianças que atravessavam a barreira da cor”, e
salientando assim a dominância de um conflito profundo entre brancos e negros . Se no
exercício etnográfico de 1940 sobre “Uma Situação Social na Zululândia” Gluckman era
alusivo acerca do apartheid, o mundo pós-colonial afirmou claramente que o regime do
apartheid eliminara as alianças cruzadas que ligavam setores da sociedade branca com
segmentos da sociedade africana, alianças essas que, fragmentando as partes do conflito
principal em múltiplas fidelidades e numerosos conflitos parciais, mantinham a estrutura
social: com o apartheid, a “contradição principal” entre uma classe dominante branca e a
população tribal negra, para usar a linguagem de Mao Tsé-Tung, emergia em primeiro
plano.

         Outra informação que só emerge no pós-guerra é que no período colonial, mesmo
os zulus que colaboravam com os brancos continuavam a resistir com desconfiança e
sabotagem; e Gluckman acrescenta:

         “Ao realizar essa pesquisa, obviamente, eu não podia discutir normalmente esses
         assuntos com os Zulu. Isso teria sido pouco político (inpolitic). (...) Mas construí
         gradualmente essa visão da oposição entre Comissário e Chefe observando o
         comportamento dos Zulus e dos Brancos em diversas situações.“
         Não nos esqueçamos que Gluckman, em suas próprias palavras, estava
interessado na África do Sul como “filho da África”. É desse ponto de vista que ele
atacou o apartheid que o impedia de continuar mantendo relações de amizade inter-racial
que eram possíveis ainda em 1930, mas não o eram mais em 1940. Concluímos indicando
que, como no caso do estudo de Leach, o efeito final da irrupção da situação de guerra no
contexto etnográfico é também aqui a mudança de escala: da duração de um dia para a
periodização por séculos; do “dia na ponte” para a nação em construção; do equilíbrio
para o conflito endêmico.

         Guerras coloniais e guerras de conhecimento

         A Guerra do Vietnã é outro marco no desenvolvimento da antropologia enquanto
prática etnográfico. Comentemos esse ponto com dois exemplos, o de Eric Wolf e o de
Marshall Sahlins. Com as Guerras Camponesas do Século XX, publicada em 1969, Wolf
buscava as razões para o sucesso das revoluções bem-sucedidas de base camponesa como
as do México, China, Vietnã e Cuba, e apoiou a explicação para o êxito numa
{PAGE }

combinação de insatisfação local gerada pela disrupção capitalista com o fenômeno
político da coalizão de campesinatos “táticamente móveis” com intelectuais
“marginalizados”. Em Stone Age Economics,                     publicado em 1972, mas cujo artigo
principal vem de 1968, Marshall Sahlins não aludiu diretamente ao Vietnã, mas elaborou
uma teoria da economia camponesa que é também uma crítica à economia capitalista e a
defesa de uma via alternativa para o bem-estar – sendo assim uma espécie de
fundamentação para as bases da resistência rural à dominação econômica da forma-
mercadoria.

           Tanto Eric Wolf como Marshall Sahlins continuaram a fazer uma antropologia de
escala histórica após a guerra do Vietnã: Wolf publicou em 1984 Europa e os Povos sem
História, e Sahlins publicou em 1985 Ilhas de História. Vemos mais claramente que
Wolf concentrou-se nas mediações políticas de grande escala como partidos, exércitos e
intelectuais (em Guerras Camponesas do Século XX) e no efeito dos sistemas globais
sobre a periferia (A Europa e os Povos sem História), enquanto Sahlins enfatizou as
mediações culturais-práticas através das quais o sistema mundial (world system) toma a
forma de sistemas do mundo (systèmes du monde) locais. Teria havido assim dois
balanços intelectuais da guerra do Vietnã, um deles pondo a ênfase na denúncia da
máquina ocidental, e outro enfatizando a “maneira de resistir da cultura”. 20

           Em ambos os casos, contudo, a moral da história dessa guerra dos anos setenta foi
que os camponeses vietnamitas forçaram alguns dos maiores antropólogos norte-
americanos a pensarem diferentemente sobre a alteridade, sobre os “outros” que a
etnografia clássica isolava em ilhas sem história. E nos dois casos, a etnografia
converteu-se em história, e essa história passou a englobar a interação entre o observador
do centro e os habitantes da periferia, sendo em alguns casos, na verdade, a história da
contestação revolucionária do centro pela periferia. Essa virada não foi apenas resultado
de reflexão intelectual, mas também da participação ativa desses intelectuais na
mobilização civil contra a ação norte-americana sobre outros povos. 21




20
     A formulação é do próprio Sahlins, em entrevista de feveiro de 2004.
21
     Dados de entrevista, fevereiro de 2004.
{PAGE }

        Lições da etnografia no Brasil

        O modelo tradicional de “estudos de comunidade” está presente em obras como
Uma Comunidade Amazônica, de Charles Wagley, ela mesmo efeito direto do esforço de
guerra norte-americano, no qual a Amazônia era fonte de matéria-prima estratégica. 22
Mas no pós-guerra, e particularmente nos anos 1950, desenvolveu-se no Brasil uma
antropologia original, ancorada na etnografia militante sobre os povos indígenas,
representada por Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro, e pelo próprio Roberto Cardoso de
Oliveira. Infelizmente, apesar dos importantes estudos monográficos de antropólogos
individuais, não há um estudo de conjunto dessa transformação; o fato é que ainda na
década de 1950, esses antropólogos indigenistas criaram à sua maneira uma etnografia
diretamente comprometida com os conflitos internos da nação e tratando-os na escala das
“frentes de expansão” do capitalismo. Isso foi feito concomitantemente com uma
apropriação particular dos formatos da etnografia clássica européia e norte-americana.

        Nós, do terceiro mundo, tivemos de fato uma experiência etnográfica
distintivamente dual e talvez cismogênica. Há entre nós a etnografia ao estilo clássico – o
etnógrafo malinowskiano em sua tenda, o etnógrafo boasiano no seu museu. Mas aqui os
nativos são concidadãos. Por isso mesmo, o trabalho etnográfico sempre foi entre nós
uma experiência de militância social e política que ultrapassa o formato acadêmico.
Assim, o primeiro testemunho etnográfico importante em nossa tradição, ainda
imponente em seus efeitos na consciência nacional, é talvez essa etnografia de guerra
interna que é Os Sertões, a crônica de de intelectual brasileiro que reviu seu credo de
evolução e de progresso à luz de uma guerra camponesa de grandes proporções, fazendo
à sua maneira aquilo o percurso que Wolf e Sahlins fizeram mais de meio século depois
no contexto do Vietnã. O eco dos Sertões está presente em Parceiros do Rio Bonito.

        No caso brasileiro, tratava-se também de defender, e desde os anos 1950, direitos
de índios trucidados ou espoliados pelo capitalismo em expansão, numa tradição que
continua viva em praticamente todos os etnólogos atuantes, quer tematizem ou não sua



22
  Ver estudo de ... sobre essa antropologia da Segunda Guerra Mundial entre nós, sob orientação de Mariza
Correa.
{PAGE }

atuação política em publicações acadêmicas. 23 Mas tratou-se também, na tradição que
veio depois, de defender direitos de favelados, de negros; de religiões coagidas; de sub-
culturas escorraçadas; de presos e de bandidos; de minorias sexuais. Assim é que, no
Brasil, carreiras antropológicas desaguam em carreiras políticas. Casos notórios são os de
Darcy Ribeiro e de Luís Eduardo Soares, ou ainda o de Rubem César Fernandes e Alba
Zaluar Guimarães, de Luiz Mott e de tantos outros – antropólogos envolvidos em uma
guerra interna entre ricos e pobres, entre normais e desviantes. Outros casos são de
carreiras híbridas, como a de ativistas-antropólogos como Mário Wagner Berno de
Almeida, Carlos Alberto Ricardo, Terri Vale de Aquino, fora do espaço acadêmico
convencional mas com importância, enquanto pesquisadores e militantes, difícil de
conceber nos EUA. E esse engajamento não depende de opções teóricas: tanto
‘estruturalistas’ como ‘materialistas’ integram um campo de ativismo que se interliga
com a ação jurídica, com a cooperação de geólogos e geógrafos, e com movimentos
sociais. Transcendemos a noção de ‘etnografia’ enquanto relação entre observador e
observado caminhando em direção a etnografias colaborativas e coletivas, e
transcendendo a separação entre especialidades acadêmicas. Essa lição de historicidade
inclusiva e politizada da antropologia brasileira, ao mesmo tempo ativista e
compreensiva, capaz de tratar das lógicas históricas nacionais como das variedades
inumeráveis das histórias e cosmologias locais, contrasta a meu ver com o relativismo
pós-moderno, que, desprovido de elos fortes com a prática, desaguando numa política de
crítica epistemológica e na ênfase a conflitos de subjetividades.

           Uma palestra de Eduardo Viveiros de Castro ilustra tanto a crítica essa crítica ao
relativismo epistemológico como a afirmação do caráter político da antropologia.

           “... a democracia epistemológica comumente professada pela antropologia ao
           propor a diversidade cultural de significados revela-se altamente relativa, como
           tantas outras democracias com as quais estamos familiarizados, já que baseada




23
     Por exemplo a defesa de territórios de índios do nordeste, em Pacheco de Oliveira 1998.
{PAGE }

          ‘em última instância’ em uma monarquia ontológica absoluta, onde a unidade
          referencial da natureza é imposta”. 24

          Viveiros de Castro conclui evocando a conjuntura revolucionária de 1968, que foi
também a do Vietnã:

          “A antropologia é a ciência da auto-determinação ontológica dos povos do
          mundo, e que ela é portanto uma ciência política no mais pleno sentido da
          palavra...", já que seu mote é — ou deveria ser — aquele que estava escrito nas
          paredes de Paris em Maio de 1968: l’imagination au pouvoir.”

          Houve também uma resposta pós-modenista à guerra. Seus ecos se refletem no
mal-estar com a tradição etnográfica criada na Europa e na América, na forma de
autocrítica culpada, de ruptura com as ‘tradições autoritárias’ da razão, e da renúncia a
conceitos centrais da própria disciplina, como o de cultura. Mas essa má consciência leva
a um paradoxo característico mencionado por Manuela Carneiro da Cunha:

          “A antropologia esteve profundamente implicada na construção de “culturas", e
          no entanto muitos dos seus praticantes estão hoje ansiosos para descartar essa
          mesma categoria. Como já foi observado, quanto mais a “cultura” é abandonada
          pelos antropólogos, mais ela é apropriada pela política. Mas o que foi descartado
          é a mesma coisa que está sendo apropriada? Estamos falando da mesma coisa? E
          se não, qual é a relação entre elas?” 25
          Para Manuela Carneiro da Cunha, “a cultura deve ser entendida como se operasse
simultaneamente em dois níveis ... [Um] nível literal corresponde àquilo que os
antropólogos tinham em mente até pouco quando chamavam de cultura algo que, embora
dinâmico e mutável, informava valores e ações ... Em outro nível, ‘cultura’ .. é uma fala
política.” 26 . Uma maneira de entender esses dois niveis é reter a noção de que um deles
corresponde às ontologias locais mencionadas por Eduardo Viveiros de Castro, e o outro,
que Carneiro da Cunha chama de “cultura” entre aspas, é o do uso político da cultura
(sem aspas) na interface antagônica entre sociedades. Se é assim, a fala política sobre a




          24
               As citações são de Viveiros de Castro 2003, com tradução minha.

25
     Carneiro da Cunha 2003; tradução minha.
26
     Carneiro da Cunha 2003. Ver também neste volume.
{PAGE }

cultura deve ser reconhecida por antropólogos não como referência uma ilusão, a
invenções (tudo agora é inventado), e sim como referência externa a modos diferentes de
conceber o que existe (o que é “invenção” para mim é realidade para outros!).
Reconhecer isso significa de fato, se bem entendi Viveiros de Castro na passagem cima,
trazer à luz e respeitar as diferentes ontologias dos “povos do mundo”, em vez de reduzí-
las a “invenções” e “imaginações”.

       Isso significa nossa própria descoberta de que, ao lado de uma história do mundo
há inúmeras cosmo-histórias, que doravante se definem pelas pretensões conflitantes. A
objetividade etnográfica, finalmente, é nesse contexto a resultante, não do
compartilhamento de uma mesma ontologia nem de uma epistemologia universal, e sim
da interação entre portadores de verdades parciais e contraditórias sobre um mundo
pragmaticamente compartilhado. O contexto de guerra é hoje óbvio, com a invasão do
Afganistão e do Iraque pelos EUA. Mas outras guerras contemporâneas são aquelas que
se travam no domínio da internet e dos megamonopólios da informação, na arena da
biotecnologia, no domínio dos direitos sobre o corpo, na fronteira dos direitos animais.
Como é que a antropologia está atravessando esse território contestado? E não está claro
então que a doutrina relativista revela sua pobreza pela incapacidade de tratar dos
problemas colocados por todos esses temas?

       Bibliografia

Almeida, Mauro W. B. “Relativismo Antropológico e Objetividade Etnográfica”.
      Campos. Revista de Antropologia Social, 2, 2003, pp. 9-30.
Benedict, Ruth. The chrysanthemum and the sword : patterns of Japanese culture.
      Boston : Houghton Mifflin Company, 1946.
Boas, Franz. A Franz Boas reader : the shaping of American anthropology, 1883-1911
       (org. George W. Stocking, Jr.). Chicago: University of Chicago Press, 1982
       (1974).
Boas, Franz. Kwakiutl Ethnography. Edited and Abridged, with an Introduction by Helen
       Codere. Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 1966.
Brink, André. The First Life of Adamastor. Londres, Secker & Warburg, 1993.
Canclini, Néstor. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad.
       c1990.
{PAGE }

Carneiro da Cunha, M. Manuela. "Cultura en la política: derechos intelectuales en las
       poblaciones indígenas y locales", en Actas del IX Congreso de Antropología de la
       Federación de Asociaciones de Antropología del Estado Español, Barcelona:
       Institut Català d´Antropologia, 2003.
Dubois, Cora. The people of Alor : a social-psychological study of an East Indian island.
      Cambridge, Harvard University Press, 1960 [c1944]. 2 vols.
Elizabeth A. Povinelli. “Radical Worlds: The Anthropology of Incommensurability and
       Inconceivability”. Annual Review of Anthropology, 2001. 30:319-334).
Evans-Pritchard, Edward E. Witchcraft, oracles, and magic among the Azande. Oxford :
      Clarendon Press, 1976 [1937].
Frankenberg, R., "Obituary - Kathleen Gough Aberle", Anthropology Today 7 (2), 1991.
Gluckman, Max. Analysis of a social situation in modern Zululand. Manchester,
      Manchester University Press, 1958 [1940].
Gluckman, Max. Custom and Conflict in South Africa. Oxford, Basil Blackwell, 1956.
Goldman, Márcio e Federico Neiburg.           . Em Benoît de L´Estoile, Federico
      Neiburg e Lygia Sigaud (orgs.). Antropologia, Impérios e Estados Nacionais. Rio
      de Janeiro, Relume Dumará/FAPERJ, 2002.
Gough, K., “New proposals for anthropologists” en "Social Responsibilities
      Symposium", Current Anthropology 9 (5) 1968.
Kroeber, Theodora. Ishi in Two Worlds. Berkeley e Los Angeles: University of California
      Press, 1963.
L´Estoile, Benoît de; Federico Neiburg e Lygia Sigaud (orgs.). Antropologia, Impérios e
       Estados Nacionais. Rio de Janeiro, Relume Dumará/FAPERJ, 2002.
Leach, Edmund. Political systems of Highland Burma; a study of Kachin social structure.
       London, London School of Economics and Polticial Science [1954].
Lévi-Strauss, Claude. Anthropologie Structurale II. Paris, Plon, 1973.
Malinowski, Bronislaw. Argonauts of the western Pacific: an account of native
      enterprise and adventure in the archipelagoes of Melanesian New Guinea. New
      York : E.P. Dutton, 1950 [1922].
Malinowski, Bronislaw. Coral gardens and their magic; a study of the methods of tilling
      the soil and of agricultural rites in the Trobriand Islands.2 vols. London, G.
      Allen & Unwin, 1935.
Malinowski, Bronislaw. Crime and custom in savage society. New York: Harcourt,
      Brace. Londres: Kegan Paul, Trench,Trubner, 1926.
Malinowski, Bronislaw. Crime e Costume na Sociedade Selvagem, Brasília, Editora da
      UnB. 2004.
{PAGE }

Malinowski, Bronislaw. The Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia. An
      Ethnographic Account of Courtship, Marriage and Family Life among the
      Trobrianders. 1941.
Marshall Sahlins. Culture in Practice: Selected Essays. New York, Zone Books, 2000.
Pacheco de Oliveira, João (org.). Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e
      saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria,
      1998.
Peace, William J. e David H. Price. “The Cold War Context of the FBI’s Investigation of
       Leslie A. White”. American Anthropologist, vol. 103 (1), 2001, pp. 161-167.
Price, David. { HYPERLINK
        "http://www.thenation.com/doc.mhtml?i=20001120&s=price" }The Nation Vol.
        271, Number 16, 24-27, November 20,     2000.
Price, David. “{ HYPERLINK "http://www.cia-on-campus.org/social/price.html" }”.
        Anthropology News 41(8): 13-14. November, 2000b.
Price, David. { HYPERLINK "http://homepages.stmartin.edu/fac_staff/dprice/price-
        at1.pdf" } .Anthropology Today 18(1):3-5, 2002.
Price, David. { HYPERLINK "http://www.powells.com/cgi-bin/biblio?inkey=62-
        0822333384-0" }{ HYPERLINK "http://www.powells.com/cgi-
        bin/biblio?inkey=62-0822333384-0" }. Duke University Press. 2004
Ramos, Alcida. Indigenism: ethnic politics in Brazil. Madison, Wis. : The University of
      Wisconsin Press, c1998.
Sahlins, Marshall. "The destruction of conscience in Viet Nam", Dissent, Janeiro-
       fevereiro 1966.
Sahlins, Marhsll. Stone Age Economics. Chicago, Aldine Publishing Company, 1972.
Sahlins, Marshall. Islands of History. Chicago, The University of Chicago Press, 1985.
Sahlins, Marshall. Culture in Practice, New York, Zone Books, 2000.
Shaniman, Paul e Angela Theiman Dino. “The FBI File of Leslie A. White”, American
      Anthropologist, vol. 103 (1), 2001, pp. 161-167.
Stocking Jr., George W. (org.). Volksgeist as Method and Ethic: Essays on Boasian
       Ethnography and the German Anthropological Tradition. History of
       Anthropology Series, vol. 8. Madison: University of Wisconsin Press, 1996.
Stocking, G.W., Jr., "Ideas and institutions in American anthropology: Thoughts toward a
       history of the interwar years", American Anthropologist, 1962.
Todorov 1982 : Todorov, T., La Conquête de l'Amérique : la question de l'autre, Paris :
      Éditions du Seuil, 1982.
Turner, Terence e Carole Nagengast (editores convidados). Journal of Anthropological
       Research. Volume 53, Number 3, 1997. Special Issue on Human Rights.
{PAGE }

Vincent, Joan. 1990. Anthropology and Politics: Visions, Traditions, and Trends. Tucson
      e Londres, The University of Arizona Press.
Viveiros de Castro, Eduardo. ASA Decennial Conference Dinner, Manchester, 2003.
Wagner, Roy. The Invention of Culture. Revised and expanded edition. Chicago, The
      University of Chicago Press, 1981.
Weaver et.al. (eds), To see Ourselves. Anthropology and Modern Social Issues,
      Glenview, Illinois, 1973.
White, Leslie. The Evolution of Culture. The Development of Civilization to the Fall of
       Rome. New York, McGraw-Hill, 1959.
Wolf, E. "Antropología en pos de guerra", América Indígena 31 (2) 1971, pp. 429-449.
Wolf, Eric R. Peasant Wars of the Twentieth Century, Nova York, Harper Torchbooks,
       1973 [1969].
Wolf, Eric. Europe and the People Without History, Berkeley, University of California
       Press, 1982.
Yans-McLaughlin, Virginia. “Science, Democracy, and Ethics: Mobilizing Culture and
      Personality for World War II”. Em George Stocking, Jr. (org.). Malinowski,
      Rivers, Benedict & Others. Essays on Culture and Personality. University of
      Wisconsin Press, 1997.
Filename:            2004 A etnografia em tempos de guerra.doc
Directory:           C:AAAMAUROAAA TODOS OS TEXTOS2005 Z
    TEXTOS
Template:            C:Documents and SettingsManuelaApplication
    DataMicrosoftTemplatesNormal.dot
Title:               Sobre objeto da antropologia
Subject:
Author:              Mauro W B Almeida
Keywords:
Comments:
Creation Date:       5/22/2004 9:07 PM
Change Number:       14
Last Saved On:       12/27/2005 1:19 PM
Last Saved By:       Mauro W B Almeida
Total Editing Time: 68 Minutes
Last Printed On:     12/27/2005 1:19 PM
As of Last Complete Printing
    Number of Pages: 19
    Number of Words:         6.027 (approx.)
    Number of Characters: 33.452 (approx.)

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

21 resenha sobre o livro de roger
21 resenha sobre o livro de roger21 resenha sobre o livro de roger
21 resenha sobre o livro de roger
Ennilyy
 
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
Mauro Sousa
 
Teoria da nova história
Teoria da nova históriaTeoria da nova história
Teoria da nova história
Ben Oliveira
 
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnaniA antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
Helena Chagas
 
Escola do annales surgimento da escola dos analles e o seu programa
Escola do annales   surgimento da escola dos analles e o seu programaEscola do annales   surgimento da escola dos analles e o seu programa
Escola do annales surgimento da escola dos analles e o seu programa
Helio Smoly
 
Surgimento da escola dos analles
Surgimento da escola dos anallesSurgimento da escola dos analles
Surgimento da escola dos analles
Helio Smoly
 
1° teoria da história
1° teoria da história1° teoria da história
1° teoria da história
Ajudar Pessoas
 

Was ist angesagt? (20)

His m01t10b saliba
His m01t10b salibaHis m01t10b saliba
His m01t10b saliba
 
História cultural seminário[1]
História cultural seminário[1]História cultural seminário[1]
História cultural seminário[1]
 
Nova história cultural
Nova história culturalNova história cultural
Nova história cultural
 
Fronteira revisitado
Fronteira revisitadoFronteira revisitado
Fronteira revisitado
 
Teoria da história o conhecimento histórico (positivismo, marxismo, annales...
Teoria da história   o conhecimento histórico (positivismo, marxismo, annales...Teoria da história   o conhecimento histórico (positivismo, marxismo, annales...
Teoria da história o conhecimento histórico (positivismo, marxismo, annales...
 
21 resenha sobre o livro de roger
21 resenha sobre o livro de roger21 resenha sobre o livro de roger
21 resenha sobre o livro de roger
 
Escola dos annales
Escola dos annalesEscola dos annales
Escola dos annales
 
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
7344190 etnologia-dos-indios-misturados-joao-pacheco-revista-mana
 
Os annales e a história nova
Os annales e a história novaOs annales e a história nova
Os annales e a história nova
 
Teoria da nova história
Teoria da nova históriaTeoria da nova história
Teoria da nova história
 
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnaniA antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
A antropologia urbana josé guilherme cantor magnani
 
Escola do annales surgimento da escola dos analles e o seu programa
Escola do annales   surgimento da escola dos analles e o seu programaEscola do annales   surgimento da escola dos analles e o seu programa
Escola do annales surgimento da escola dos analles e o seu programa
 
Surgimento da escola dos analles
Surgimento da escola dos anallesSurgimento da escola dos analles
Surgimento da escola dos analles
 
Batisde
BatisdeBatisde
Batisde
 
Febvre
FebvreFebvre
Febvre
 
Repubblicanesimo geopolitico. pombalina ed altre precursioni lusitane, massim...
Repubblicanesimo geopolitico. pombalina ed altre precursioni lusitane, massim...Repubblicanesimo geopolitico. pombalina ed altre precursioni lusitane, massim...
Repubblicanesimo geopolitico. pombalina ed altre precursioni lusitane, massim...
 
A escola dos annales
A escola dos annalesA escola dos annales
A escola dos annales
 
A escola dos annales e o positivismo
A escola dos annales e o positivismoA escola dos annales e o positivismo
A escola dos annales e o positivismo
 
A Historiografia E O OfíCio Do Historiador
A Historiografia E O OfíCio Do HistoriadorA Historiografia E O OfíCio Do Historiador
A Historiografia E O OfíCio Do Historiador
 
1° teoria da história
1° teoria da história1° teoria da história
1° teoria da história
 

Ähnlich wie Gluckman

Antropología e poder
Antropología e poderAntropología e poder
Antropología e poder
Laura Calle
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre história
mkobelinski
 
4 dossie da vida dos gladiadores
4   dossie da vida dos gladiadores4   dossie da vida dos gladiadores
4 dossie da vida dos gladiadores
Amanda Cardoso
 
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
Silvânio Barcelos
 
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdf
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdfAula hist. do livro. braude212121121l.pdf
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdf
everethvt
 
Artigo de concluso final
Artigo de concluso final Artigo de concluso final
Artigo de concluso final
grupointerartes
 
História - Introdução 2014 ok
História - Introdução 2014 okHistória - Introdução 2014 ok
História - Introdução 2014 ok
Fabio Salvari
 

Ähnlich wie Gluckman (20)

Antropología e poder
Antropología e poderAntropología e poder
Antropología e poder
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre história
 
Antropologia e cultura
Antropologia e culturaAntropologia e cultura
Antropologia e cultura
 
Aa 43 o_pinho
Aa 43 o_pinhoAa 43 o_pinho
Aa 43 o_pinho
 
2.introdução á história.14
2.introdução á história.142.introdução á história.14
2.introdução á história.14
 
A Nova História Cultural - resenha e orientaões
A Nova História Cultural - resenha e orientaõesA Nova História Cultural - resenha e orientaões
A Nova História Cultural - resenha e orientaões
 
2.introdução á história.15.
2.introdução á história.15.2.introdução á história.15.
2.introdução á história.15.
 
4 dossie da vida dos gladiadores
4   dossie da vida dos gladiadores4   dossie da vida dos gladiadores
4 dossie da vida dos gladiadores
 
Historiografia da História
Historiografia da HistóriaHistoriografia da História
Historiografia da História
 
História e etnologia
História e etnologiaHistória e etnologia
História e etnologia
 
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
Geografia: Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Revisitando Yves...
 
O espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileiraO espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileira
 
A escrita da história
A escrita da história A escrita da história
A escrita da história
 
Antropologia do colonialismo
Antropologia do colonialismoAntropologia do colonialismo
Antropologia do colonialismo
 
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdf
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdfAula hist. do livro. braude212121121l.pdf
Aula hist. do livro. braude212121121l.pdf
 
Antropologia (1).ppt
Antropologia (1).pptAntropologia (1).ppt
Antropologia (1).ppt
 
Artigo de concluso final
Artigo de concluso final Artigo de concluso final
Artigo de concluso final
 
6 gladiadores romanos
6   gladiadores romanos6   gladiadores romanos
6 gladiadores romanos
 
História - Introdução 2014 ok
História - Introdução 2014 okHistória - Introdução 2014 ok
História - Introdução 2014 ok
 
3.as correntes históricas
3.as correntes históricas3.as correntes históricas
3.as correntes históricas
 

Kürzlich hochgeladen

Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
FabianeMartins35
 
matematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecnimatematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecni
CleidianeCarvalhoPer
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
LeloIurk1
 
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptxResponde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
AntonioVieira539017
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
LeloIurk1
 
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffffSSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
NarlaAquino
 
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptxOs editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
TailsonSantos1
 
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptxSlide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
edelon1
 
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdfGEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
RavenaSales1
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
WagnerCamposCEA
 

Kürzlich hochgeladen (20)

P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
 
matematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecnimatematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecni
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptxResponde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
 
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptxSeminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
Seminário Biologia e desenvolvimento da matrinxa.pptx
 
Projeto Nós propomos! Sertã, 2024 - Chupetas Eletrónicas.pptx
Projeto Nós propomos! Sertã, 2024 - Chupetas Eletrónicas.pptxProjeto Nós propomos! Sertã, 2024 - Chupetas Eletrónicas.pptx
Projeto Nós propomos! Sertã, 2024 - Chupetas Eletrónicas.pptx
 
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
 
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfPROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
 
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffffSSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
SSE_BQ_Matematica_4A_SR.pdfffffffffffffffffffffffffffffffffff
 
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptxOs editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAPROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
 
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptxSlide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
Slide - EBD ADEB 2024 Licao 02 2Trim.pptx
 
praticas experimentais 1 ano ensino médio
praticas experimentais 1 ano ensino médiopraticas experimentais 1 ano ensino médio
praticas experimentais 1 ano ensino médio
 
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdfGEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
GEOGRAFIA - COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS ECONÔMICOS - PROF. LUCAS QUEIROZ.pdf
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
 

Gluckman

  • 1. {PAGE } A etnografia em tempos de guerra: contextos temporais e 1 nacionais do objeto da antropologia Mauro W. B. de Almeida Este texto trata da conexão entre o objeto e a natureza da etnografia e a situação de guerra. Mas seu objetivo não é a denúncia dos compromissos nacionais e imperiais dos antropólogos nessas circunstâncias, e sim um comentário sobre o papel da guerra na constituição da etnografia. É sabido que a situação de guerra, como bem o mostrou o engajamento de alguns dos principais expoentes do relativismo cultural na Segunda Guerra Mundial, atuou como catalisador quase instantâneo da suspensão do juízo relativista em favor dos valores do etnógrafo – da mesma maneira que, na Primeira Guerra Mundial, o nacionalismo desagregou rapidamente o internacionalismo proletário da Primeira Internacional. O estudo detalhado dessa adesão de carreiras intelectuais a políticas de estado em conjunturas da guerra tem sido feito por especialistas, 2 mas resta comentar uma conexão metafórica entre a guerra e a etnografia, enquanto atividades que se dão na fronteira entre sociedades. 3 Observamos em primeiro lugar que a pesquisa etnográfica – em suas várias modalidades – funciona como se fosse o estabelecimento de uma cabeça-de-ponte em uma terra de ninguém. A etnografia como cabeça-de-ponte na zona contestada das relações simbólicas é parte de uma política do conhecimento. A prática da guerra é a 1 Em: Fernanda Arêas Peixoto, Heloísa Pontes e Lilia Moritz Schwacz (orgs.). Antropologias, Histórias, Experiências. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2004, pp. 61 – 81. ISBN: 85-7041-443-9. Originalmente apresentado no Seminário Antropologia da Antropologia: Desafios e Perspectivas, na mesa-redonda “Antropologia da antropologia: história e etnografia”, no dia 27 de agosto de 2003, no Departamento de Antropologia da USP. 2 Peach e Price (2001), Price (2000, 200b, 2001, 2002, 2004), Shaniman e Dino (2001); Yans-LcLaughlin (1997); Goldman e Neiburg (em L’Estoile, Neiburg e Sigaud 2002); e também Turner (1997) e Povinelli (2001). 3 Essa conexão está presente por exemplo em Todorov (1968)
  • 2. {PAGE } contestação do monopólio da violência sobre um território; mas há ainda uma guerra simbólica em que se lançam cabeças-de-ponte se estabelecem sobre o território moral de “corações e mentes”, ou seja, espaços de contra-interpretação de significados (“os vietnamitas não dão à vida o mesmo valor que nós”; “o terrorista islâmico não dá valor à vida”; “armas de destruição de massa” se opõem a “corpos da paz” e “meios de dissuassão”). Antropologia e etnografias Começo com uma recapitulação da história da etnografia, chão comum das distintas teorias antropológicas, de tal maneira que a história dessas teorias confunde-se com a história das etnografia. Uma confirmação do peso especial que tem a etnografia como procedimento definidor da disciplina é o fato de que a antropologia (entendida aqui como antropologia social ou cultural) está em crise, ou pelo menos perdeu o glamour de que desfrutou durante a década de 1970 no apogeu do estruturalismo. Mas a etnografia está em plena expansão. A noção de uma etnografia mostrou-se resiliente, e mais do que as teorias que, como o funcionalismo, a acompanharam no nascimento. A “antropologia da pobreza” soa fora de moda, mas uma “uma etnografia da pobreza” é aceitável à sensibilidade atual. Por quê? A resposta principal, claro, é que a ciência social abdicou das grandes ambições da teoria social em favor da idéia de que é possível fazer descrições sem teoria; na etnografia, estaríamos diante da relação entre observador e observado, em vez de uma relação hipostasiada entre objeto e teoria. Alega-se que as teorias sociais seriam parte de uma história recente que cumpre desconstruir, enquanto “grandes narrativas”, as “histórias-senhoriais” de poderosos que imporia seus juízos de verdade aos demais em um tribunal da razão. Hoje em dia a antropologia, em vez de funcionar como um tribunal da razão, tem o formato de um espaço de encontro de viajantes, onde se pode conversar sobre impressões de viagem, ou sobre quadros em exposição. Mas não foi só a idéia da Antropologia enquanto tribunal da razão que se esgarçou. É claro que o que se entende hoje por etnografia mudou de caráter. A etnografia foi descrita como um processo conjunto de objetivação do sujeito e de subjetivação do objeto. Há umas três décadas atrás, podíamos entender a objetivação do
  • 3. {PAGE } sujeito, como Lévi-Strauss, como sendo “a absorção temporária do observador pelo objeto de observação”, e entender a subjetivação do objeto como um “meio de demonstração objetiva” -- momentos igualmente necessários, mas distintos, de uma “síntese empírica e objetiva”. 4 Hoje, entende-se a mesma fórmula como a afirmação de que a subjetivação do objeto é idêntica à objetivação do sujeito, como a tese de que sujeito e objeto são idênticos, e enfim como a noção de que a antropologia é invenção dos antropólogos por eles mesmos. Colocando as coisas dessa maneira, a história da etnografia ao longo do século XX é um longo percurso que vai do ideal de ‘objetividade etnográfica’ ao esgarçamento contemporâneo desse ideal, em favor de políticas da subjetividade sob vários avatares. Ao longo desse percurso, transitamos do etnos para ao sujeito, da tradição para a invenção, da estrutura para a vontade, da ordem para a desordem; e, finalmente, da etnografia à idiografia. O que vou fazer agora é comentar em rápidas pinceladas a história da etnografia ao longo do século XX. Insistirei, na falta de competência e de espaço para o contexto histórico, em sugestões breves sobre conexões entre as transformações da etnografia e situações de guerra. Os antropólogos formularam seus cânones de pesquisa etnográfica em um formato descontaminado, mas foi a Primeira Guerra Mundial que criou a ocasião para isso, forçando Malinowski a um internamento forçado num arquipélago melanésio, resultando no formato etnográfico do exílio-de-dois-anos-na-ilha-de-coral. A segunda guerra revolucionou essa maneira de fazer etnografia, levando a estudos de região e de nações exemplificados por Edmund Leach na Birmânia e Ruth Benedict sobre o Japão. Finalmente, a guerra mais uma vez provocou uma reviravolta no modo etnográfico, com a profunda influência exercida pelo Vietnã sobre uma geração de antropólogos norte- americanos exemplificados por Marshall Sahlins e Eric Wolf e outros. 4 Lévi-Strauss 1973:25.
  • 4. {PAGE } Etnografia inglesa Meus comentários sobre essa história da etnografia começam assim com Bronislaw Malinowski. Os componentes da etnografia ao estilo de Malinowski, são três. 5 Primeiro, o relativo isolamento do observador nos limites da comunidade cuja língua ele fala e com cujos membros ele interage cara-a-cara; segundo, a coleta direta de evidência material tais como mapas, calendários, documentos, diagramas, textos, genealogias, por analogia direta com a documentação histórica e arqueológica clássica; terceiro, a experiência da vida cotidiana, concebida nesta tradição em termos teatrais: dramatis personae, papéis, dramas sociais. Isso era feito sem gravador, embora já Malinowski usasse a câmara fotográfica; o próprio antropólogo era o instrumento de registro principal, e essa sempre foi a marca do método. 6 Um exemplo sucinto mas eloquente dos resultados dessa técnica que termina por reconstruir a partir da experiência a estrutura e a ação na vida social (os itens um, dois e três da lista acima) é Crime e Costume na Sociedade Primitiva: o germe exemplar da análise dos dramas sociais, tratando do incesto, do amor e do ódio, do suicídio e do exílio, uma descrição evocativa dos elementos essenciais da tragédia grega, trazendo à luz o fato de que toda sociedade se apóia sobre princípios antagônicos, cuja contradição insolúvel é vivida por sujeitos sociais como a impossibilidade de continuar a viver.7 Mas embora essa curta obra-prima seja o meu exemplo preferido, os ingredientes estão contidos em todas as demais grandes obras de Malinowski sobre dramas sociais cujo pano de fundo são a família e o casamento, o trabalho, o comércio e as trocas rituais. 8 Os discípulos de Radcliffe-Brown introduziram nas preocupações dos etnógrafos ingleses o espírito de ordem francês, ancorado na sociologia de Émile Durkheim, com a ênfase posta menos nas tensões do 5 Malinowski 1950 [1922], 1935. 6 Depois de ter estudado antropologia com as profs. Eunice Durham e Ruth Leite Cardoso, estudei com Stephen Hugh-Jones, discípulo de Emund Leach, por sua vez aluno de Malinowski. O sistema de ensino tinha dois pilares. Um eram os seminários: não havia aulas obrigatórias, provas ou créditos, mas eram sagradas as discussões de projetos, pesquisas em andamento e resultados, nas sextas-feiras, às cinco da tarde, seguidos de cerveja no King’s College. O outro era a preparação e a realização da etnografia, que deveria durar pelo menos dois anos. Tratava-se de aprender fazendo o que não podia ser ensinado em aulas. 7 Malinowski 1926. Também traduzido por mim para uso dos alunos. 8 Refiro-me às três grandes monografias de Malinowski, Argonauts of the Western Pacific (1923), The Sexual Life of the Savages of Melanesia (1933), e Coral Gardens and their Magic, 2 vols. Londres, 1939. .
  • 5. {PAGE } que na manutenção da ordem. Isso levou a um projeto amplo e coletivo de pesquisa de sistemas sociais integrados, cujo resultado foi o grande painel de sistemas de parentesco, de sistemas de linhagens e de sistemas políticos na África. O resultado da tensão entre a ênfase malinowskiana no indivíduo (em uma situação de exílio do próprio observador) e o foco radcliffe-browniano na ordem política foi a síntese de ação e estrutura aparece na obra de Max Gluckman e seus discípulos entre os quais Victor Turner. Ora, Gluckman chegou ir além do estudo dos conflitos “integrativos” (ou radcliffe-brownianos) para tratar da tensão inconciliável entre poder colonial e a população tribal – mas seu tour-de- force constitiu talvez em realizar essa análise da estrutura social colonial nos limites de um dia em que é inaugurada uma certa ponte: uma unidade de tempo e espaço onde se vêm indivíduos e também a ordem social sob perigo. Isso, em 1940. 9 Etnografia norte-americana Franz Boas é outro patrono da etnografia. Enquanto a tradição da antropologia social britânica colocou o foco as relações entre indivíduos e sociedade – tomando como paradigmas a pequena escala de comunidades-laboratórios no Pacífico, da África, e da Ásia --, a tradição criada pelo próprio Boas tomou como objeto indivíduos e cultura – e como laboratório a fronteira interior dos Estados Unidos da América. A noção de cultura que ganhou papel central nessa tradição, em que pese sua raiz européia como auto- imagem ideal de um povo, passou aqui a apontar para um domínio de signos que se repartiram nos “quatro campos” (signos-palavra na lingüística, signos-corpo na antropologia física, signos-artefato na arqueologia, signos-costume na antropologia cultural). A “antropologia é filha de uma era de violência”, e essa verdade também se aplicou contudo aos Estados Unidos da América. É verdade que a antropologia de Boas se implantou num século XX em que antropologia em tempo em que os conflitos maiores entre brancos e indígenas já haviam sido travados e vencidos pelos primeiros. Mas o tema foi importante na antropologia pré-boasiana do Bureau of American 9 Cf. Max Gluckman, “Uma Situação Social na Zululândia”, publicado em português em Bela Bianco (org.), Antropologia Social – Métodos, publicado primeiramente em 1940 nos Estudos Bantu. .
  • 6. {PAGE } Ethnology de 1879 a 1897. Com efeito, Joan Vincent destaca na obra do Bureau desse período, entre outros temas, “a existência política dominante da fronteira e tudo que isso implicada tanto para relações políticas de igualdade e interdependência como de conquista e dominação, a questão correlata da realidade política da violência e da guerra nas situações de contato. e os “relatos de movimentos políticos que não se baseavam em aspectos territoriais ou de parentesco...” 10 . A antropologia boasiana, por outro lado, apontava para o cenário complexo de uma sociedade em formação, onde avultavam, num momento de intensa migração e movimento de pessoas, idéias e coisas, os problemas de mudança cultural, de racismo e discriminação, de formação de novos costumes. Enquanto a etnografia inglesa era construída como uma descrição intensiva da sociedade como uma unidade de tempo e espaço em laboratórios-ilhas na fronteira, a etnografia boasiana-kroeberiana podia-se aplicar-se a tarefas de salvamento cultural, e no limite podia-se converter-se na colaboração com um único informante ou na exposição de sobreviventes. 11 Mas foi também uma antropologia formadora de uma cultura pluralista, anti-racista e tolerante, em oposição às tendências racistas, xenófobas e eugenistas da época. Mais ampla em escopo, e ao mesmo tempo menos sistemática, talvez por isso mesmo essa antropologia boasiana, que já esteve fora de moda, soe hoje pós-moderna. Ela tratava a cultura em tensão criativa com o indivíduo -- processo que Boas chamou de ‘dinâmica cultural’ 12 – e refletia as tensões e mudanças de uma sociedade que buscava definir seu “caráter” no futuro, e não apenas registrá-lo no passado como no caso europeu. Se a etnografia inglesa no estilo malinowskiano começou com a Primeira Guerra Mundial, a etnografia norte-americana de formato boasiano chegou a uma conclusão com 10 Vincent 1990, p. 39 e seguintes). 11 George Hunt foi colaborador ou co-autor, com Boas, de várias publicações. Ver a Introdução de Helen Codere à Kwakiutl Ethnography (Boas 1966: xxviii). A história dos Ishi, “os últimos sobreviventes Yahi da Califórnia”, que viveram após sua rendição em um museu, é contado por Theodora Kroeber (1963), e citado por Roy Wagner (1981:28). 12 Franz Boas 1974. Vejam-se os estudos essenciais editados por G. Stocking Jr. sobre a antropologia boasiana.
  • 7. {PAGE } a Segunda Guerra. Nos Estados Unidos, o esforço de guerra teve como principal produto antropológico a monografia de Ruth Benedict sobre um Japão que ela nunca havia visitado. 13 A idéia da etnografia malinowskiana em uma ilha já havia sido descartada pela etnografia boasiana; mas agora os sujeitos são prisioneiros de guerra; o locus é o império japonês do Pacífico, o tempo é o incógnita representada pela capacidade de resistência dos inimigos. A Segunda Guerra fez muitas vítimas e uma delas, de fato, foi a inocência da pesquisa colonial da ‘unidade etnográfica’ contida em ilhas remotas. O caso ilustrativo é o dos sujeitos de pesquisa que Cora Dubois entrevistou em uma pequena ilha da atual Indonésia, no sudeste asiático, como parte de um projeto no qual ilhéus de Alor foram submetidos ao teste de Rorschach, cujos resultados seriam comparados aos de nova- yorkinos para testar a hipótese de que a personalidade seria culturalmente conformada. Ora, Alor era possessão colonial holandesa, ocupada pelos japoneses durante a guerra. Quando a guerra acabou, e Cora Dubois retornou ao “campo”, soube que seus informantes, aqueles que se haviam sido submetidos a testes de Rorschach, haviam sido degolados pelos japoneses sob a acusação de colaboração com os norte-americanos. 14 Desenvolvimentismo, antropologia, guerra fria Cabe talvez um parêntese. Como se sabe, a antropologia culturalista de Franz Boas tornou-se hegemônica nos EUA no período do entre-guerra, suplantando a antropologia ao estilo de Lewis Morgan e de seus seguidores, e que correspondia à tendência do Bureau of American Ethnology no período pré-boasiano. Às vezes parece que a vitória da antropologia de Franz Boas sobre a de Lewis Morgan foi uma vitória intelectual: a do culturalismo sobre o evolucionismo, a do historicismo sobre o determinismo histórico. Em 1851, Lewis Morgan expressara sua admiração pela sociedade norte- americana nativa, colocando-os acima do individualismo competitivo dos ianques da 13 Benedict 1946. Ver também adiante 14 Dubois 1960 [1944]. Vemos ecos dessa irrupção da história real em outras etnografias, como a de Renato Rosaldo sobre os Ilongot, que insistiam em falar da Segunda Guerra para tédio do etnógrafo.
  • 8. {PAGE } Nova Inglaterra; e na Sociedade Antiga, de 1871, Morgan criticava a idéia da ‘propriedade privada como o principal agente do progresso’. 15 Essas idéias explicam porque a antropologia de Morgan foi recebida por entusiasmo por Marx e Engels, e tornou-se parte integrante da doutrina marxista oficial nos anos da União Soviética. Isso, por outro lado, tornava essa antropologia tingida de suspeição nos Estados Unidos, muito embora a ênfase no determinismo tecnológico fosse bem compatível com o pragmatismo ianque. Leslie White foi um continuador da tradição de Lewis Morgan em plena hegemonia boasiana; visitou a União Soviética em 1929, quando iniciava sua carreira universitária, leu O Capital em 1930 pela primeira vez, e gerou sua própria versão de interpretação da visão materialista da história em que se combinam Bukhárin com o espírito ianque, e onde as forças produtivas são indexadas em kilowatts per capita. Mas manteve um quase completo silêncio sobre Marx ou quaisquer outras fontes marxistas em sua obra, e na relação com seus alunos. E por outro lado combinou sua visão tecnológica da história humana uma visão culturalista extremada da sociedade, aquela segundo a qual a sociedade é uma imensa acumulação de artefatos-símbolos (tipicamente, as ferramentas são para White signos, do mesmo modo que as relações de produção). Nesse sentido, Leslie White era ‘culturalista’ como Franz Boas, e está do mesmo lado que Boas em relação à antropologia sociológica da Inglaterra – ele representava, para usar uma expressão de Marshall Sahlins, a versão meio-oeste, pragmaticamente norte-americana, do culturalismo boasiano. 16 O efeito da guerra fria sobre a antropologia do pós-guerra é bem ilustrado com o caso de Robert Armstrong, narrado por George Stocking Jr. Armstrong foi um antropólogo formado pela Universidade de Chicago e que havia aderido ao no verão de 1939 ao partido comunista. Era um amigo próximo de John Murra, outro antropólogo militante. Armstrong participou do projeto de Julian Steward em Puerto Rico, ao lado de Murra, Eric Wolf e Sidney Mintz. Tinha as condições para uma carreira acadêmica, mas uma combinação de ingerencia do FBI e e de decisões 15 Sobre Lewis Morgan e seus seguidores, ver Joan Vincent. Anthropology and Politics: Visions, Traditions, and Trends. Tucson e Londres, The University of Arizona Press, 1990. 16 Entrevista com Marshall Sahlins, fevereiro de 2004. Ver também Sahlins 2000:9-34.
  • 9. {PAGE } internas à Universidade de Chicago vetaram essa trajetória fazendo com que Armstrong terminasse seus dias em um obscuro instituto de Zimbabwe. O caso de Armstrong exemplifica um fenômeno da década de sessenta: embora muitos antropólogos, como John Murra, Stanley Diamond, Sidney Mintz, Eric Wolf e Marshal Sahlins tivessem influência de Marx, a antropologia marxista aparecia de forma disfarçada. 17 O pós-colonialismo e a virada para a história Coloquemos tempo nesse quadro: estamos falando da Primeira Guerra e do Entre- Guerra. A etnografia clássica anglo-saxônica do entre-guerra tinha uma ‘unidade de tempo e espaço’, como os dramas de Aristóteles, e como as pinturas da renascença. Essa unidade, como no exemplo de Ruth Benedict, começou a se desagregar já na Segunda Guerra. Surge uma antropologia da guerra, cujo foco é a região ou nação, e onde o tempo se espalha em décadas ou séculos. Na Inglaterra, o mais brilhante exemplo é a etnografia de Edmund Leach sobre a Birmânia, na qual ele lutou nas forças britânicas, mas onde nunca fez ‘trabalho de campo’. “Em 1939 eu fazia estudos de pós-graduação em antropologia sob a orientação do finado professor Malinowski. Viajei para a Birmânia pensando em fazer um ano de pesquisa de campo e apresentar os resultados como um estudo funcionalista de uma só comunidade. (…) A data de minha expedição foi infeliz. Cheguei à Birmânia quatro dias antes da declaração de guerra. (...) Do outono de 1940 até o verão de 1945 servi como oficial no Exército da Birmânia. Durante grande parte desse período estive em companhia de Kachins, mas nunca tive oportunidade de realizar um estudo antropológico detalhado. Mas a vantagem de minhas obrigações militares foi que viajei muito na região das montanhas dos Kachin 18 . É curioso que Leach diga: “A data de minha expedição foi infeliz”. E que esses dados só apareçam no Apêndice VII ao final do livro, e não no começo, quando ele explica as diferenças metodológicas entre ele e a escola de Radcliffe-Brown com base em última análise na descoberta de que “durante os últimos 130 anos a organização política da área tem sido muito instável” (p.6). Importa reter que, para o antropólogo-militar, o 17 Entrevista com George Stocking Jr., fevereiro de 2004. 18 (Leach 1954:311, tradução minha). Em outro continente, a África, a atuação de Evans-Pritchard na inteligência britânica produziu os Sanusi de Cirenaica.
  • 10. {PAGE } “campo” passou a ser uma área inteira (“as montanhas dos Kachin”) e o “presente etnográfico” ganha a dimensão da história secular. A guerra e suas consequências também marcaram a natureza do relato etnográfico na África. Mencionados acima Max Gluckman e seu artigo de 1940 sobre os conflitos estruturais na Zululândia. Ora, o tema é retomado no pós-guerra, em 1955, no texto que se intitula The Bonds in the Colour Bar (que se pode traduzir por “As alianças na segregação racial”), publicado como o derradeiro capítulo de Custom and Conflict in Africa, obra baseada em uma série de conferências para a BBC de Londres. Gluckman afirma, depois de expor sua teoria da função socialmente integrativa do conflito: “Espero não ter dado a impressão de que na antiga África todas as questões eram resolvidas amigavelmente, e de que todos os conflitos eram resolvidos. Isso está longe de ser verdade.” “Longe de ser verdade”, pois havia, conforme Gluckman percebeu – não obstante sua teoria do ‘conflito ritual’ como promotor de equilíbrio social – que havia conflitos insolúveis sem uma mudança na própria estrutura social. É verdade que esse ponto já havia sido indicado, obliquamente, no seu clássico artigo sobre Uma Situação Social na Zululandia, de 1940. Mas aqui Gluckman tomava como unidade etnográfica uma unidade de tempo-espaço (um episódio com duração de um dia); já na conferência de 1955 a análise do sentido do apartheid toma forma de uma narrativa histórica complexa, que se inicia na cidade do Cabo com náufragos holandeses e portugueses do século XVII, 19 e contém o fortalecimento do rei zulu Shaska, a incorporação de comerciantes ingleses como chefes locais no século XIX, os conflitos entre bôeres e zulus que levam os ingleses a tomar partido dos primeiros contra os segundos, e o estabelecimento de um estado branco ao lado do estado zulu, concluindo com a “conquista final da Zululândia pelos britânicos no final do século XIX”. A chave da argumentação é que “o sistema funcionava porque desde o começo as divisões de interesses no grupo Zulu levava certas seções e indivíduos Zulu a buscarem alianças com certos grupos ou indivíduos brancos” (p. 151). Segundo Gluckman, foi esse o sistema de dividir para reinar que o sistema do 19 Ilustrada metaforicamente pelo episódio camoniano do Adamastor (cf. Os Lusíadas, Canto IX; a sugestão é de Brink 1993).
  • 11. {PAGE } apartheid teria solapado, ao impedir as “alianças que atravessavam a barreira da cor”, e salientando assim a dominância de um conflito profundo entre brancos e negros . Se no exercício etnográfico de 1940 sobre “Uma Situação Social na Zululândia” Gluckman era alusivo acerca do apartheid, o mundo pós-colonial afirmou claramente que o regime do apartheid eliminara as alianças cruzadas que ligavam setores da sociedade branca com segmentos da sociedade africana, alianças essas que, fragmentando as partes do conflito principal em múltiplas fidelidades e numerosos conflitos parciais, mantinham a estrutura social: com o apartheid, a “contradição principal” entre uma classe dominante branca e a população tribal negra, para usar a linguagem de Mao Tsé-Tung, emergia em primeiro plano. Outra informação que só emerge no pós-guerra é que no período colonial, mesmo os zulus que colaboravam com os brancos continuavam a resistir com desconfiança e sabotagem; e Gluckman acrescenta: “Ao realizar essa pesquisa, obviamente, eu não podia discutir normalmente esses assuntos com os Zulu. Isso teria sido pouco político (inpolitic). (...) Mas construí gradualmente essa visão da oposição entre Comissário e Chefe observando o comportamento dos Zulus e dos Brancos em diversas situações.“ Não nos esqueçamos que Gluckman, em suas próprias palavras, estava interessado na África do Sul como “filho da África”. É desse ponto de vista que ele atacou o apartheid que o impedia de continuar mantendo relações de amizade inter-racial que eram possíveis ainda em 1930, mas não o eram mais em 1940. Concluímos indicando que, como no caso do estudo de Leach, o efeito final da irrupção da situação de guerra no contexto etnográfico é também aqui a mudança de escala: da duração de um dia para a periodização por séculos; do “dia na ponte” para a nação em construção; do equilíbrio para o conflito endêmico. Guerras coloniais e guerras de conhecimento A Guerra do Vietnã é outro marco no desenvolvimento da antropologia enquanto prática etnográfico. Comentemos esse ponto com dois exemplos, o de Eric Wolf e o de Marshall Sahlins. Com as Guerras Camponesas do Século XX, publicada em 1969, Wolf buscava as razões para o sucesso das revoluções bem-sucedidas de base camponesa como as do México, China, Vietnã e Cuba, e apoiou a explicação para o êxito numa
  • 12. {PAGE } combinação de insatisfação local gerada pela disrupção capitalista com o fenômeno político da coalizão de campesinatos “táticamente móveis” com intelectuais “marginalizados”. Em Stone Age Economics, publicado em 1972, mas cujo artigo principal vem de 1968, Marshall Sahlins não aludiu diretamente ao Vietnã, mas elaborou uma teoria da economia camponesa que é também uma crítica à economia capitalista e a defesa de uma via alternativa para o bem-estar – sendo assim uma espécie de fundamentação para as bases da resistência rural à dominação econômica da forma- mercadoria. Tanto Eric Wolf como Marshall Sahlins continuaram a fazer uma antropologia de escala histórica após a guerra do Vietnã: Wolf publicou em 1984 Europa e os Povos sem História, e Sahlins publicou em 1985 Ilhas de História. Vemos mais claramente que Wolf concentrou-se nas mediações políticas de grande escala como partidos, exércitos e intelectuais (em Guerras Camponesas do Século XX) e no efeito dos sistemas globais sobre a periferia (A Europa e os Povos sem História), enquanto Sahlins enfatizou as mediações culturais-práticas através das quais o sistema mundial (world system) toma a forma de sistemas do mundo (systèmes du monde) locais. Teria havido assim dois balanços intelectuais da guerra do Vietnã, um deles pondo a ênfase na denúncia da máquina ocidental, e outro enfatizando a “maneira de resistir da cultura”. 20 Em ambos os casos, contudo, a moral da história dessa guerra dos anos setenta foi que os camponeses vietnamitas forçaram alguns dos maiores antropólogos norte- americanos a pensarem diferentemente sobre a alteridade, sobre os “outros” que a etnografia clássica isolava em ilhas sem história. E nos dois casos, a etnografia converteu-se em história, e essa história passou a englobar a interação entre o observador do centro e os habitantes da periferia, sendo em alguns casos, na verdade, a história da contestação revolucionária do centro pela periferia. Essa virada não foi apenas resultado de reflexão intelectual, mas também da participação ativa desses intelectuais na mobilização civil contra a ação norte-americana sobre outros povos. 21 20 A formulação é do próprio Sahlins, em entrevista de feveiro de 2004. 21 Dados de entrevista, fevereiro de 2004.
  • 13. {PAGE } Lições da etnografia no Brasil O modelo tradicional de “estudos de comunidade” está presente em obras como Uma Comunidade Amazônica, de Charles Wagley, ela mesmo efeito direto do esforço de guerra norte-americano, no qual a Amazônia era fonte de matéria-prima estratégica. 22 Mas no pós-guerra, e particularmente nos anos 1950, desenvolveu-se no Brasil uma antropologia original, ancorada na etnografia militante sobre os povos indígenas, representada por Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro, e pelo próprio Roberto Cardoso de Oliveira. Infelizmente, apesar dos importantes estudos monográficos de antropólogos individuais, não há um estudo de conjunto dessa transformação; o fato é que ainda na década de 1950, esses antropólogos indigenistas criaram à sua maneira uma etnografia diretamente comprometida com os conflitos internos da nação e tratando-os na escala das “frentes de expansão” do capitalismo. Isso foi feito concomitantemente com uma apropriação particular dos formatos da etnografia clássica européia e norte-americana. Nós, do terceiro mundo, tivemos de fato uma experiência etnográfica distintivamente dual e talvez cismogênica. Há entre nós a etnografia ao estilo clássico – o etnógrafo malinowskiano em sua tenda, o etnógrafo boasiano no seu museu. Mas aqui os nativos são concidadãos. Por isso mesmo, o trabalho etnográfico sempre foi entre nós uma experiência de militância social e política que ultrapassa o formato acadêmico. Assim, o primeiro testemunho etnográfico importante em nossa tradição, ainda imponente em seus efeitos na consciência nacional, é talvez essa etnografia de guerra interna que é Os Sertões, a crônica de de intelectual brasileiro que reviu seu credo de evolução e de progresso à luz de uma guerra camponesa de grandes proporções, fazendo à sua maneira aquilo o percurso que Wolf e Sahlins fizeram mais de meio século depois no contexto do Vietnã. O eco dos Sertões está presente em Parceiros do Rio Bonito. No caso brasileiro, tratava-se também de defender, e desde os anos 1950, direitos de índios trucidados ou espoliados pelo capitalismo em expansão, numa tradição que continua viva em praticamente todos os etnólogos atuantes, quer tematizem ou não sua 22 Ver estudo de ... sobre essa antropologia da Segunda Guerra Mundial entre nós, sob orientação de Mariza Correa.
  • 14. {PAGE } atuação política em publicações acadêmicas. 23 Mas tratou-se também, na tradição que veio depois, de defender direitos de favelados, de negros; de religiões coagidas; de sub- culturas escorraçadas; de presos e de bandidos; de minorias sexuais. Assim é que, no Brasil, carreiras antropológicas desaguam em carreiras políticas. Casos notórios são os de Darcy Ribeiro e de Luís Eduardo Soares, ou ainda o de Rubem César Fernandes e Alba Zaluar Guimarães, de Luiz Mott e de tantos outros – antropólogos envolvidos em uma guerra interna entre ricos e pobres, entre normais e desviantes. Outros casos são de carreiras híbridas, como a de ativistas-antropólogos como Mário Wagner Berno de Almeida, Carlos Alberto Ricardo, Terri Vale de Aquino, fora do espaço acadêmico convencional mas com importância, enquanto pesquisadores e militantes, difícil de conceber nos EUA. E esse engajamento não depende de opções teóricas: tanto ‘estruturalistas’ como ‘materialistas’ integram um campo de ativismo que se interliga com a ação jurídica, com a cooperação de geólogos e geógrafos, e com movimentos sociais. Transcendemos a noção de ‘etnografia’ enquanto relação entre observador e observado caminhando em direção a etnografias colaborativas e coletivas, e transcendendo a separação entre especialidades acadêmicas. Essa lição de historicidade inclusiva e politizada da antropologia brasileira, ao mesmo tempo ativista e compreensiva, capaz de tratar das lógicas históricas nacionais como das variedades inumeráveis das histórias e cosmologias locais, contrasta a meu ver com o relativismo pós-moderno, que, desprovido de elos fortes com a prática, desaguando numa política de crítica epistemológica e na ênfase a conflitos de subjetividades. Uma palestra de Eduardo Viveiros de Castro ilustra tanto a crítica essa crítica ao relativismo epistemológico como a afirmação do caráter político da antropologia. “... a democracia epistemológica comumente professada pela antropologia ao propor a diversidade cultural de significados revela-se altamente relativa, como tantas outras democracias com as quais estamos familiarizados, já que baseada 23 Por exemplo a defesa de territórios de índios do nordeste, em Pacheco de Oliveira 1998.
  • 15. {PAGE } ‘em última instância’ em uma monarquia ontológica absoluta, onde a unidade referencial da natureza é imposta”. 24 Viveiros de Castro conclui evocando a conjuntura revolucionária de 1968, que foi também a do Vietnã: “A antropologia é a ciência da auto-determinação ontológica dos povos do mundo, e que ela é portanto uma ciência política no mais pleno sentido da palavra...", já que seu mote é — ou deveria ser — aquele que estava escrito nas paredes de Paris em Maio de 1968: l’imagination au pouvoir.” Houve também uma resposta pós-modenista à guerra. Seus ecos se refletem no mal-estar com a tradição etnográfica criada na Europa e na América, na forma de autocrítica culpada, de ruptura com as ‘tradições autoritárias’ da razão, e da renúncia a conceitos centrais da própria disciplina, como o de cultura. Mas essa má consciência leva a um paradoxo característico mencionado por Manuela Carneiro da Cunha: “A antropologia esteve profundamente implicada na construção de “culturas", e no entanto muitos dos seus praticantes estão hoje ansiosos para descartar essa mesma categoria. Como já foi observado, quanto mais a “cultura” é abandonada pelos antropólogos, mais ela é apropriada pela política. Mas o que foi descartado é a mesma coisa que está sendo apropriada? Estamos falando da mesma coisa? E se não, qual é a relação entre elas?” 25 Para Manuela Carneiro da Cunha, “a cultura deve ser entendida como se operasse simultaneamente em dois níveis ... [Um] nível literal corresponde àquilo que os antropólogos tinham em mente até pouco quando chamavam de cultura algo que, embora dinâmico e mutável, informava valores e ações ... Em outro nível, ‘cultura’ .. é uma fala política.” 26 . Uma maneira de entender esses dois niveis é reter a noção de que um deles corresponde às ontologias locais mencionadas por Eduardo Viveiros de Castro, e o outro, que Carneiro da Cunha chama de “cultura” entre aspas, é o do uso político da cultura (sem aspas) na interface antagônica entre sociedades. Se é assim, a fala política sobre a 24 As citações são de Viveiros de Castro 2003, com tradução minha. 25 Carneiro da Cunha 2003; tradução minha. 26 Carneiro da Cunha 2003. Ver também neste volume.
  • 16. {PAGE } cultura deve ser reconhecida por antropólogos não como referência uma ilusão, a invenções (tudo agora é inventado), e sim como referência externa a modos diferentes de conceber o que existe (o que é “invenção” para mim é realidade para outros!). Reconhecer isso significa de fato, se bem entendi Viveiros de Castro na passagem cima, trazer à luz e respeitar as diferentes ontologias dos “povos do mundo”, em vez de reduzí- las a “invenções” e “imaginações”. Isso significa nossa própria descoberta de que, ao lado de uma história do mundo há inúmeras cosmo-histórias, que doravante se definem pelas pretensões conflitantes. A objetividade etnográfica, finalmente, é nesse contexto a resultante, não do compartilhamento de uma mesma ontologia nem de uma epistemologia universal, e sim da interação entre portadores de verdades parciais e contraditórias sobre um mundo pragmaticamente compartilhado. O contexto de guerra é hoje óbvio, com a invasão do Afganistão e do Iraque pelos EUA. Mas outras guerras contemporâneas são aquelas que se travam no domínio da internet e dos megamonopólios da informação, na arena da biotecnologia, no domínio dos direitos sobre o corpo, na fronteira dos direitos animais. Como é que a antropologia está atravessando esse território contestado? E não está claro então que a doutrina relativista revela sua pobreza pela incapacidade de tratar dos problemas colocados por todos esses temas? Bibliografia Almeida, Mauro W. B. “Relativismo Antropológico e Objetividade Etnográfica”. Campos. Revista de Antropologia Social, 2, 2003, pp. 9-30. Benedict, Ruth. The chrysanthemum and the sword : patterns of Japanese culture. Boston : Houghton Mifflin Company, 1946. Boas, Franz. A Franz Boas reader : the shaping of American anthropology, 1883-1911 (org. George W. Stocking, Jr.). Chicago: University of Chicago Press, 1982 (1974). Boas, Franz. Kwakiutl Ethnography. Edited and Abridged, with an Introduction by Helen Codere. Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 1966. Brink, André. The First Life of Adamastor. Londres, Secker & Warburg, 1993. Canclini, Néstor. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. c1990.
  • 17. {PAGE } Carneiro da Cunha, M. Manuela. "Cultura en la política: derechos intelectuales en las poblaciones indígenas y locales", en Actas del IX Congreso de Antropología de la Federación de Asociaciones de Antropología del Estado Español, Barcelona: Institut Català d´Antropologia, 2003. Dubois, Cora. The people of Alor : a social-psychological study of an East Indian island. Cambridge, Harvard University Press, 1960 [c1944]. 2 vols. Elizabeth A. Povinelli. “Radical Worlds: The Anthropology of Incommensurability and Inconceivability”. Annual Review of Anthropology, 2001. 30:319-334). Evans-Pritchard, Edward E. Witchcraft, oracles, and magic among the Azande. Oxford : Clarendon Press, 1976 [1937]. Frankenberg, R., "Obituary - Kathleen Gough Aberle", Anthropology Today 7 (2), 1991. Gluckman, Max. Analysis of a social situation in modern Zululand. Manchester, Manchester University Press, 1958 [1940]. Gluckman, Max. Custom and Conflict in South Africa. Oxford, Basil Blackwell, 1956. Goldman, Márcio e Federico Neiburg. . Em Benoît de L´Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud (orgs.). Antropologia, Impérios e Estados Nacionais. Rio de Janeiro, Relume Dumará/FAPERJ, 2002. Gough, K., “New proposals for anthropologists” en "Social Responsibilities Symposium", Current Anthropology 9 (5) 1968. Kroeber, Theodora. Ishi in Two Worlds. Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1963. L´Estoile, Benoît de; Federico Neiburg e Lygia Sigaud (orgs.). Antropologia, Impérios e Estados Nacionais. Rio de Janeiro, Relume Dumará/FAPERJ, 2002. Leach, Edmund. Political systems of Highland Burma; a study of Kachin social structure. London, London School of Economics and Polticial Science [1954]. Lévi-Strauss, Claude. Anthropologie Structurale II. Paris, Plon, 1973. Malinowski, Bronislaw. Argonauts of the western Pacific: an account of native enterprise and adventure in the archipelagoes of Melanesian New Guinea. New York : E.P. Dutton, 1950 [1922]. Malinowski, Bronislaw. Coral gardens and their magic; a study of the methods of tilling the soil and of agricultural rites in the Trobriand Islands.2 vols. London, G. Allen & Unwin, 1935. Malinowski, Bronislaw. Crime and custom in savage society. New York: Harcourt, Brace. Londres: Kegan Paul, Trench,Trubner, 1926. Malinowski, Bronislaw. Crime e Costume na Sociedade Selvagem, Brasília, Editora da UnB. 2004.
  • 18. {PAGE } Malinowski, Bronislaw. The Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia. An Ethnographic Account of Courtship, Marriage and Family Life among the Trobrianders. 1941. Marshall Sahlins. Culture in Practice: Selected Essays. New York, Zone Books, 2000. Pacheco de Oliveira, João (org.). Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 1998. Peace, William J. e David H. Price. “The Cold War Context of the FBI’s Investigation of Leslie A. White”. American Anthropologist, vol. 103 (1), 2001, pp. 161-167. Price, David. { HYPERLINK "http://www.thenation.com/doc.mhtml?i=20001120&s=price" }The Nation Vol. 271, Number 16, 24-27, November 20, 2000. Price, David. “{ HYPERLINK "http://www.cia-on-campus.org/social/price.html" }”. Anthropology News 41(8): 13-14. November, 2000b. Price, David. { HYPERLINK "http://homepages.stmartin.edu/fac_staff/dprice/price- at1.pdf" } .Anthropology Today 18(1):3-5, 2002. Price, David. { HYPERLINK "http://www.powells.com/cgi-bin/biblio?inkey=62- 0822333384-0" }{ HYPERLINK "http://www.powells.com/cgi- bin/biblio?inkey=62-0822333384-0" }. Duke University Press. 2004 Ramos, Alcida. Indigenism: ethnic politics in Brazil. Madison, Wis. : The University of Wisconsin Press, c1998. Sahlins, Marshall. "The destruction of conscience in Viet Nam", Dissent, Janeiro- fevereiro 1966. Sahlins, Marhsll. Stone Age Economics. Chicago, Aldine Publishing Company, 1972. Sahlins, Marshall. Islands of History. Chicago, The University of Chicago Press, 1985. Sahlins, Marshall. Culture in Practice, New York, Zone Books, 2000. Shaniman, Paul e Angela Theiman Dino. “The FBI File of Leslie A. White”, American Anthropologist, vol. 103 (1), 2001, pp. 161-167. Stocking Jr., George W. (org.). Volksgeist as Method and Ethic: Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition. History of Anthropology Series, vol. 8. Madison: University of Wisconsin Press, 1996. Stocking, G.W., Jr., "Ideas and institutions in American anthropology: Thoughts toward a history of the interwar years", American Anthropologist, 1962. Todorov 1982 : Todorov, T., La Conquête de l'Amérique : la question de l'autre, Paris : Éditions du Seuil, 1982. Turner, Terence e Carole Nagengast (editores convidados). Journal of Anthropological Research. Volume 53, Number 3, 1997. Special Issue on Human Rights.
  • 19. {PAGE } Vincent, Joan. 1990. Anthropology and Politics: Visions, Traditions, and Trends. Tucson e Londres, The University of Arizona Press. Viveiros de Castro, Eduardo. ASA Decennial Conference Dinner, Manchester, 2003. Wagner, Roy. The Invention of Culture. Revised and expanded edition. Chicago, The University of Chicago Press, 1981. Weaver et.al. (eds), To see Ourselves. Anthropology and Modern Social Issues, Glenview, Illinois, 1973. White, Leslie. The Evolution of Culture. The Development of Civilization to the Fall of Rome. New York, McGraw-Hill, 1959. Wolf, E. "Antropología en pos de guerra", América Indígena 31 (2) 1971, pp. 429-449. Wolf, Eric R. Peasant Wars of the Twentieth Century, Nova York, Harper Torchbooks, 1973 [1969]. Wolf, Eric. Europe and the People Without History, Berkeley, University of California Press, 1982. Yans-McLaughlin, Virginia. “Science, Democracy, and Ethics: Mobilizing Culture and Personality for World War II”. Em George Stocking, Jr. (org.). Malinowski, Rivers, Benedict & Others. Essays on Culture and Personality. University of Wisconsin Press, 1997.
  • 20. Filename: 2004 A etnografia em tempos de guerra.doc Directory: C:AAAMAUROAAA TODOS OS TEXTOS2005 Z TEXTOS Template: C:Documents and SettingsManuelaApplication DataMicrosoftTemplatesNormal.dot Title: Sobre objeto da antropologia Subject: Author: Mauro W B Almeida Keywords: Comments: Creation Date: 5/22/2004 9:07 PM Change Number: 14 Last Saved On: 12/27/2005 1:19 PM Last Saved By: Mauro W B Almeida Total Editing Time: 68 Minutes Last Printed On: 12/27/2005 1:19 PM As of Last Complete Printing Number of Pages: 19 Number of Words: 6.027 (approx.) Number of Characters: 33.452 (approx.)