2. A pesquisa
O estudo faz parte do Projeto Inconsistências na
Aprendizagem de Leitura e Matemática nos anos Iniciais do
Ensino Fundamental – Observatório da Educação (CAPES).
O projeto utiliza dados do Estudo Longitudinal da Geração
Escolar 2005 – GERES – de mais 300 escolas públicas e
privadas das seguintes cidades: Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Campinas, Campo Grande e Salvador.
Em comparação com as escolas particulares e federais, os
alunos das escolas municipais e estaduais apresentam um
desempenho inferior em leitura no início da escolaridade, e
essa desigualdade se mantém ao longo dos anos.
Os resultados também indicam ritmos diferenciados de
aprendizagem de habilidades de leitura e matemática ao longo
dos anos iniciais do ensino fundamental nas escolas e redes de
ensino.
3. Metodologia
Como parte das estratégias de investigação dessas
inconsistências, foram recolhidos cadernos escolares em
escolas municipais selecionadas na cidade do Rio de Janeiro
por apresentarem situações contrastantes de aprendizagem:
◦ Escolas que apresentaram uma desaceleração e escolas que
apresentaram um aumento no ritmo de aprendizagem nas
habilidades de leitura, entre o 2º e o 3º ano do ensino
fundamental.
4. Por que analisar os cadernos
escolares?
E também porque os cadernos escolares são:
expressão do currículo ensinado, que permite uma
aproximação ao currículo real, e instrumentos que permitem
apreender parte das práticas escolares já vivenciadas.
documentos tipicamente escolares que informam, mesmo que
parcialmente, sobre as atividades organizadas de ensino e
aprendizagem, especialmente de escrita.
• Para perceber que práticas de sala de aula e quais
conhecimentos e habilidades foram registrados com
maior ou menor frequência em cada um dos quatro
anos iniciais do ensino fundamental.
5. Objetivos
Investigar o currículo de Matemática e Português ensinado
pelos professores de escolas participantes no Geres, com
base em cadernos escolares.
Compreender os motivos pelos quais os cadernos escolares
foram guardados pelas famílias ao longo de decorridos anos.
Investigar as relações das famílias que forneceram cadernos
à pesquisa com a educação dos filhos e as influências desses
hábitos na trajetória escolar.
6. Perspectivas teóricas
Caderno de classe como um espaço de interação entre
professores e alunos, por meio das tarefas escolares, como
fonte de registro do ensino do professor, como indicador de
rendimento escolar dos alunos e como espaço de registro das
práticas de ensino (GVIRTZ, 1999) .
Os cadernos são ―uma fonte que fornece informação – por
meio, sobretudo, de redações e composições escritas – da
realidade material da escola e do que nela se faz‖
(VIÑAO, 2008).
Os cadernos escolares, à medida que são utilizados nas
escolas, tornam-se registros do cotidiano e das relações no
contexto de ensino, porém, não são objetos neutros que
unicamente registram aquilo que se passa, também imprimem
ao cotidiano escolar especificidades relativas ao seu
uso, implicando na exigência e domínio de alguns saberes que
são específicos ao seu manuseio e preenchimento
(VIÑAO, apud... Mignon,2008).
7. •Estruturadas em torno do grau de autonomia das práticas e das
estratégias educativas familiares em relação à sua classe social. Estudos
mostram que famílias pertencentes à mesma classe social podem
revelar-se bastante diferentes no que concerne à escolarização dos
filhos, indicando que as práticas educativas familiares podem ser mais
preditoras dos destinos escolares do que a origem social, mesmo que
essas práticas não sejam totalmente independentes da posição da
família na estrutura social (FORQUIN, 1995; VAN ZANTEN, 1999;
NOGUEIRA, 2005; BRANDÃO, 2005; 2007).
•Estudos que consideram as situações escolares dos alunos em suas
relações com as estratégias familiares, partindo do princípio de que as
famílias podem favorecer ou dificultar a adaptação dos filhos na escola,
bem como influenciar a aprendizagem deles e, consequentemente, seus
resultados e trajetórias escolares (LAURENS, 1992; LAHIRE 1997;
NOGUEIRA, 2004; BRANDÃO, 2007).
Perspectivas teóricas
8. Etapas do estudo
2010 – Chamada de solicitação de cadernos em seis escolas
da rede municipal do Rio de Janeiro e coleta de cadernos
em duas dessas escolas.
2011 – Seleção e análise dos cadernos recebidos quanto ao
currículo de língua portuguesa e matemática e a aspectos
relacionados à organização do conteúdo.
2012 - Entrevista semiestruturada com as famílias dos
alunos que forneceram seus cadernos.
10. Entrevistas
Procuramos identificar se existiam, além do
ato de guardar os cadernos, outras práticas
familiares de valorização e envolvimento
escolar, que pudessem contribuir para
explicar o bom desempenho que esses alunos
apresentaram no Geres.
11. Análise das entrevistas
As entrevistas foram analisadas em dois grupos, de acordo
com a comunidade onde as famílias residem.
Aspectos analisados:
◦ Falas apresentadas pelas famílias sobre o ato de
guardar os cadernos escolares.
◦ Práticas familiares que podem se relacionar ao processo
de escolarização.
◦ Valorização do saber escolar e da continuidade dos
estudos.
◦ Acesso a materiais de leitura, utilização da escrita no
cotidiano familiar e acesso a bens culturais.
◦ Identidades culturais que as famílias constroem para si
mesmas e para a escola.
12. Cruzamento entre práticas
observadas e declaradas
2005
A professora responsável pela turma que cursava o 2º Ano declarou optar
por práticas de alfabetização mais contextualizadas. Suas escolhas
compreendem ―trabalhar com as vivências dos alunos‖, ―utilizar pequenos
textos significativos‖, ―identificar as hipóteses dos estudantes sobre o
funcionamento da escrita‖.
A análise das atividades de ensino do sistema de escrita registradas nos
cadernos utilizados pelos alunos desta professora mostra ênfase no
trabalho com famílias silábicas, separação de sílabas e formação de
palavras por meio da junção de sílabas dadas.
2006
A professora que lecionava para o 3º ano declarou partir das vivências dos
alunos e de pequenos textos, decompondo-os em palavras, frases, sílabas
e fonemas, para alfabetizar seus alunos.
Os registros dos cadernos dos alunos mostram uma boa frequência para as
práticas de leitura, embora direcionadas principalmente à leitura de
palavras.
As atividades voltadas para a aquisição do sistema de escrita incluíram:
separação silábica, formação de frase, abordagem das famílias
silábicas, atividades de escrita, além de uma frequência ainda maior de
exercícios relacionados a categorias gramaticais.
13. Cruzamento entre práticas
observadas e declaradas
2007
A professora do 4º ano declarou desenvolver todas as
modalidades de leitura muitas vezes por semana. Com relação
à prática de redação, a professora afirmou que nunca solicitava
aos alunos que escrevessem sobre um tema escolhido por eles.
As práticas observadas nos cadernos evidenciaram uma baixa
frequência de atividades referentes à leitura. Quanto à
redação, houve apenas a escrita de um conto. Já as cópias e as
questões gramaticais foram as atividades mais enfatizadas.
2008
A professora do 5º ano não respondeu o questionário GERES.
Nos cadernos de seus alunos, no que se refere à produção de
textos, foi encontrada apenas a escrita de um conto.
A atividade de cópia se limitou a enunciados do livro didático.
As atividades relacionadas a categorias gramaticais ocorreram
com frequência relativamente alta ao longo do ano letivo.
14. Entrevistas
Quatro das seis famílias entrevistadas associaram a guarda dos
cadernos a uma prática afetiva.
Três famílias manifestaram preocupação com a trajetória escolar
dos filhos dimensionada na perspectiva da conclusão do ensino
médio. O prosseguimento dos estudos em nível superior é
entendido como algo não tangível, inviável face às condições
materiais de existência, ou como um sonho de difícil
materialização.
Três famílias mostraram que as expectativas e aspirações
escolares futuras incluem o ensino superior. Uma das famílias vive
na comunidade situada na zona sul e a outra no subúrbio do Rio.
Ambas são compostas por três irmãos, mas com trajetórias e
faixas etárias bastante distintas.
As famílias do primeiro grupo revelaram não serem presentes no
cotidiano escolar dos filhos, mantendo-se distantes da escola.
As outras três famílias posicionaram-se como famílias presentes,
que conhecem a escola dos filhos e procuram incentivar o processo
de escolarização através de cursos e atividades extras. Elas
informaram que almejam que seus filhos concluam o Ensino
Superior e que se esforçam para que essa meta seja alcançada.
15. Alguns relatos das entrevistas
Mãe de ―E‖: Ah porque eu já joguei muita coisa fora e guardei
as mais importantes né? Na verdade eu acho legal ver os
desenhinhos deles, os boletins deles, tá sempre olhando os
boletins deles, certinho, bonitinho, tá tudo grampeado. Tudo
em ordem. Eu deixo assim tudo em ordem... (Falando
enquanto mostra o material cuidadosamente guardado).
Mãe de ―A‖: Ah, não sei. Acho que é de família, que :: na
minha família todo mundo guardou. Aí todo mundo guardou o
caderno, guardou o primeiro lençol, o primeiro macacão
((risos)). Essas coisas assim. Tanto que minha prima teve
nenê agora vai fazer um mês agora dia vinte e cinco ela tem o
cobertor que foi da minha prima que tá com vinte e nove,
entendeu? A gente passa de um pro outro assim... acho que é
por causa disso.
16. Conclusão
Por fim, concluímos a partir das respostas das
entrevistas, que a preservação e guarda de cadernos
escolares indicia estreita relação com a afetividade e com
expectativas de sucesso escolar na medida em que se
traduz numa espécie de memória, uma representação de
trajetórias, para algumas, como uma lembrança que os
filhos devem ter de sua trajetória escolar; para outras,
como fonte de consulta e, para uma família em particular,
única com histórico de longevidade escolar em nível
superior no próprio contexto familiar, como parte da
história socioafetiva do grupo familiar.
Mediante as análises realizadas dos cadernos e dos itens
do questionário respondidos pelas professoras,os mesmos
permitiram, até o momento, um mapeamento descritivo e
comparativo das práticas observadas e das práticas
declaradas.
17. Referências Bibliográficas
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