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O PLANEJAMENTO URBANO E O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
BRASILEIRO: BREVES NOTAS
O presente artigo apresenta uma breve trajetória da história do Planejamento Urbano no
Brasil, destacando o contexto, as influências sofridas e os objetivos que permearam a sua
trajetória no país, do início do século passado até os dias atuais. Planejar para quê? Planejar para
quem? Planejar por quê? São indagações que perpassam o texto através do diálogo com
importantes autores contemporâneos e, ainda, com constatações empíricas da questão. A
temática da habitação popular adquire centralidade nas análises do planejamento urbano
brasileiro, trazendo para o centro do debate as desigualdades sociais cristalizadas no espaço. As
políticas públicas de habitação são investigadas à luz do olhar crítico que pretende desvendar a
postura muitas vezes parcial do Estado como planejador e gestor. Além disso, o artigo procura
aponta as contradições inerentes à disputa pelo poder e a luta de classes nas dimensões do
planejamento e ocupação do espaço urbano. Finalmente, são apontadas as demandas do
capitalismo globalizado para esfera municipal que exigem novas escalas de planejamento urbano,
integradoras do local e do global e que trazem para a pauta do debate o Plano Diretor, o
Planejamento Estratégico e o city marketing.
INTRODUÇÃO
O planejamento urbano no Brasil, durante boa parte do século XX, sofreu influências do
pensamento modernista-racionalista, cujos pressupostos básicos estavam calcados na idéia de
modernidade, originária do iluminismo, crença no progresso linear, no discurso universal e o
Estado centralizador, capaz de viabilizar usos e funções mais racionais do espaço. Nesse sentido,
o planejamento urbano é entendido como um projeto acabado, que objetiva (re) estabelecer certa
ordem, ou seja, alcançar a racionalidade espacial através de mecanismos de intervenção como
hierarquização e zoneamento, por exemplo, visando disciplinar a ocupação urbana e inclusive os
seus agentes sociais. Pode-se dizer que, segundo Monte–Mór (2007), o urbanismo progressista-
racionalista propôs "autoritariamente um espaço urbano acabado e que visava permitir um
rendimento máximo no desempenho das funções urbanas”, para tanto “ignorando” a luta de
classes travadas em seu interior.
Diante desse quadro, a escolha do projeto de Lúcio Costa para a construção da capital do
país se tornou emblemática e “interessante” em termos políticos, já que Brasília passaria a
representar a importância do Estado – Nação, símbolo do progresso e modernidade, e a vitória
das concepções daqueles que propunham um uso mais racional e eficiente do espaço urbano.
Enfim, se tornaria o marco de uma nova era. Maricato (2000) inclusive considera necessário
“reconhecer que a arquitetura brasileira plasmou uma imagem, um ideário colado ao projeto de
superação do subdesenvolvimento”, mas que tentava claramente ignorar as contradições sociais
tão presentes na realidade de nosso país.
Nesse mesmo período, anos 60, a recessão competitiva dos países centrais, decorrente da
crise do fordismo, propiciou a liberação de créditos para os países em desenvolvimento investirem
em infra-estrutura, modernização e indústria. Além disso, iniciou-se um processo de
desconcentração produtiva das grandes empresas transnacionais, tendo em vista a necessidade
de expansão dos mercados e a procura por vantagens locacionais como insumos e mão-de–obra
barata. Tal processo foi denominado por Alain Lipietz1
de fordismo periférico. Ou seja, as formas
de regulação até então atuantes no mundo desenvolvido passaram a fazer parte também do
mundo subdesenvolvido.
Em virtude desse novo contexto, o Brasil passou a vivenciar um notório dinamismo
econômico, configurando-se no que foi denominado de “milagre brasileiro”. Nessa fase, profundas
mudanças ocorreram na sociedade como um todo e, de modo especial, na estrutura produtiva,
que passou a ser guiada pela indústria, embora sob uma forte intervenção estatal, principalmente
no que se refere aos setores ditos estratégicos da sociedade.
Pode-se afirmar que o modelo de desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro
estava intimamente relacionado ao intenso ritmo da urbanização pela qual passava o país,
favorecido por governos e empresas que via, especialmente nas cidades grandes, o local propício
1
LIPIETZ, Alain. Audácia. São Paulo, editora Nobel: 1991.
ao aumento da rentabilidade do capital investido. Porém, tal fenômeno trouxe consigo as mazelas
de um processo marcado por grandes disparidades sociais e econômicas de sua população,
índices de crescimento demográficos elevados, poucas oportunidades de trabalho, bem como
significativas diferenças relativas à divisão espacial do trabalho entre as suas regiões, além de
dificuldades de participação popular na formulação de políticas públicas. O nível de complexidade
das espacialidades das aglomerações urbanas, como as metropolitanas, já colocava em xeque as
formas tradicionais de intervenção no espaço urbano.
Nessa mesma perspectiva, Costa (1997) acrescenta que apesar dos diagnósticos que
tratavam dos problemas urbanos salientarem a necessidade de intervenções intra-urbanas, a
política federal dos anos 70 somente percebia a cidade como um locus de produção, contribuindo,
assim, para o agravamento de questões como habitação, transporte, saneamento básico e que
tinham efeitos diretos no plano ambiental, como ainda ocorre nos dias de hoje.
Na visão de muitos pesquisadores, as cidades, inclusive as planejadas, demandavam,
cada vez mais, soluções técnicas e políticas, sob responsabilidade de um Estado, cujo papel
deveria ser o de evitar as instabilidades do mercado, assegurando o pleno desenvolvimento
econômico e social.
Monte–Mór (2007, p. 34) afirmou inclusive que “não só o problema da habitação popular
não havia sido resolvido, como ainda constatava-se uma realidade: a população brasileira não
possuía renda para ter casas - como tampouco foram equacionados os problemas urbanos
trazidos à luz quase como decorrência da política habitacional”.
Bernardes (1986, p. 86) corrobora com essa análise ao afirmar que:
Fruto da aceleração da urbanização nas últimas décadas, da agudização
dos problemas urbanos e das desigualdades regionais, em muitos casos
como decorrentes da implementação de políticas setoriais que, voltadas
para a promoção do desenvolvimento econômico, visavam diretamente a
criação de condições favoráveis à produção capitalista, a questão urbana e
as implicações da urbanização acelerada no espaço só passaram a ser
consideradas com seriedade nos anos 70.
Assim, a tentativa de ordenar o crescimento das cidades via implementação de padrões e
regulamentações de uso e ocupação do solo, na realidade não se aplicava ao espaço urbano de
modo geral, mas somente parte dele, o que culminou por reforçar as diferenças entre o que
denominamos cidade formal e informal. Para Maricato (1997) foi nesse período que as grandes
cidades brasileiras mais cresceram. E o fizeram abrigando em seu interior as não cidades, não
contempladas nas reflexões daqueles que deveriam pensar o urbano e propor soluções para seus
problemas. Segundo a autora, como insistir em um cenário de pós-modernidade, cercado pela
não cidade?
1- PLANEJAMENTO URBANO E HABITAÇÃO
O que percebemos foi um agravamento dessa situação a partir dos anos 80/90, com a
hegemonia da ideologia neoliberal em detrimento do welfare state, da flexibilização sobre a
rigidez. Insegurança, fragmentação e efemeridade assumiram novas centralidades. A redução das
barreiras espaciais reforçou, paradoxalmente, o significado do local (Harvey, 1995).
Dentro dessa nova lógica, de geopolítica local, as cidades passaram a desempenhar um
papel de protagonistas da atual ordem mundial que se estabelece, pautada na hegemonia do
sistema capitalista, no processo de globalização, nos grandes avanços tecnológicos,
especialmente nos setores de comunicação e transporte, na grande competitividade empresarial e
importância do setor financeiro. Desse modo, elas deveriam responder a alguns desafios básicos:
constituição de uma nova base econômica, maior oferta de infra-estrutura urbana e
governabilidade. Somente a partir destes pressupostos as cidades poderiam tornar-se
competitivas e atraentes no cenário nacional e internacional, favorecendo a tão alardeada “guerra
dos lugares”, baseada não apenas na produção, mas também na busca de ampliação do
consumo.
Harvey (1996, p.50) nos chama a atenção para as negociações estabelecidas entre o
capital financeiro internacional e os poderes locais, que tudo fazem para maximizar a atratividade
local, de modo a atrair investimentos e, assim, obter ganhos políticos e econômicos, contribuindo,
dessa forma para o pleno desenvolvimento da dinâmica capitalista.
A título de exemplo, podemos recuperar o fato de, recentemente, o governador de Minas
Gerais Aécio Neves ter assinado o decreto que prevê a adoção de medidas para proteção da
economia em face da concorrência de outros estados, especialmente em relação à Zona da Mata
Mineira, via incentivos fiscais em relação ao ICMs. Tal fato “marcou a entrada do estado na guerra
fiscal”. Trata-se de uma reação à lei estadual 4.533/2005, do Rio de Janeiro, conhecida como Lei
Rosinha, editada pela ex-governadora Rosinha Matheus, que reduziu o imposto de 19% para 2%,
por 25 anos, para as empresas que se instalassem em determinados municípios, como Três Rios,
por exemplo, próximo à Juiz de Fora/MG. Esse é um claro exemplo das disputas travadas, nas
diferentes instâncias do poder e que visam a atração de investimentos e maior dinamismo
econômico e financeiro. Por isso Souza (2003, p. 31) coloca que o neoliberalismo substituiu um
“planejamento forte”, por um “planejamento fraco” – muita gestão e pouco planejamento, com
tomadas de decisão que visam atender interesses imediatos do capital privado e tendências de
mercado.
Visando promover não só metrópoles, mas também cidades-médias, como Juiz de Fora,
por exemplo, as políticas urbanas cedem lugar a práticas de cunho empresarial, como os planos
estratégicos e city marketing, que visam ativar a cidade como um dos nós da rede mundial de
cidades. Segundo seus defensores, essa seria a única alternativa possível para o seu
desenvolvimento no contexto da atual ordem econômica mundial. É por isso que muitos
municípios tornam-se receptivos a implantar modelos de planejamento oferecidos por empresas
de assessoria internacionais, principalmente oriundos dos países desenvolvidos. (Rodrigues,
2005)
Ao adotar, desde a gestão municipal 2000-2004, um Plano Estratégico para a cidade de
Juiz de Fora/MG, através de assessoria do CIDEU - Centro Ibero-americano de Desenvolvimento
Estratégico Urbano, de Barcelona, o poder público de Juiz de Fora tentou criar uma imagem de
cidade coesa, competitiva e moderna, pautada em modelos de planejamento eficientes, com
grande destaque para o urbanismo, através da (re) criação de espaços comerciais, culturais,
turísticos, residenciais e que se tornam atrativos a diferentes tipos de investimentos.
Acreditamos que buscar investimentos e gerar empregos seja necessário para a economia
local. Entretanto, o que se constata facilmente é que os benefícios advindos desses investimentos
- a despeito do pagamento de baixos impostos ou mesmo sua isenção - não são socializados pela
população de modo geral e provocam transformações distintas no espaço urbano, apropriado de
modo também diferenciado pelos diferentes grupos sociais. Se por um lado os segmentos sociais
de maior renda têm suas necessidades básicas atendidas, o mesmo não se pode dizer da maior
parte da população.
A intervenção do Estado é dotada de uma “ambigüidade fundamental”, de modo a
privilegiar setores privados da promoção fundiária e imobiliária, o que se manifesta por sua política
de colocar equipamentos coletivos, principalmente nas zonas habitadas pelas classes médias e
superiores, aumentando ainda mais o processo de exclusão social. Bonduki e Rolnik (1979)
corroboram essa idéia alegando que os investimentos estatais têm priorizado setores mais vitais à
acumulação, como energia, financiamento às empresas, por exemplo, em detrimento da
reprodução da força de trabalho. Daí, os equipamentos urbanos coletivos não serem oferecidos
de maneira uniforme a toda a cidade, mas apenas parte dela, privilegiando as classes de média e
alta renda. Nesse sentido, nos indagamos: será possível conciliar políticas de desenvolvimento
econômico com inclusão e justiça social, numa sociedade de classes?
Para Lojkine (1981), numa sociedade baseada no valor de troca sobre o de uso, a
apropriação do espaço está diretamente ligada à sua noção mercadológica e privada, servindo às
necessidades de acumulação, passando a ser constantemente fragmentado, explorado, cujas
possibilidades de ocupá-lo se redefinem freqüentemente em função da contradição entre
abundância e escassez.
Daí emerge uma nova lógica associada a uma nova forma de dominação do espaço, que
se reproduz hierarquizando, selecionando e direcionando a ocupação a partir da intervenção da
iniciativa privada e do Estado. É no espaço que o poder ganha visibilidade através das
intervenções concretas, cujas estratégias estão vinculadas a grupos sociais, com objetivos e
interesses diferenciados.
Nesse sentido, temos a própria omissão do Estado diante de muitas situações ou sua
intervenção através do atendimento de exigências da reprodução, seja por meio de
implementação de infra-estrutura, seja de políticas urbanas, direcionando, assim, o tipo e o
sentido do deslocamento de atividades, alterando as funções e usos dos lugares, conseqüência
do processo de aumento ou diminuição de seus valores. Se há aumento de valor desse espaço,
ele é apropriado pelo proprietário e/ou setor imobiliário; se há desvalorização, ela é socializada.
Baseado nessas considerações e na importância de se refletir um pouco mais sobre o
papel atribuído ao Estado, diante dos inúmeros problemas gerados em nossas cidades pelo
modelo brasileiro de “modernização incompleta”, entendemos ser imprescindível abordar a
temática da habitação, de modo a poder refletir um pouco mais sobre a dinâmica socioespacial
urbana e o processo de acumulação capitalista dela decorrente.
Diante dos índices de crescimento demográfico das últimas décadas, da forte migração
rural-urbana e da ausência ou ineficácia de políticas habitacionais de grande porte por parte do
Estado, ressaltamos o fato do acesso à cidade, quando nos referimos à população de baixa
renda, estar restrito ao capital imobiliário privado, que viabiliza a ocupação das periferias, “fruto de
uma ação claramente orquestrada por parte de uma fração específica do capital imobiliário.”
(Costa,1994, p. 62) Trata-se do processo periférico de crescimento, ou seja, do padrão
descontínuo de expansão da mancha urbana, típico e facilmente perceptível nas grandes capitais
do país, mas verificável em todas as suas cidades.
Bolaffi (1979, p. 57) já afirmava que:
(...) a expansão descontínua da mancha urbana aumenta as distâncias,
encarece os investimentos para a implantação de serviços públicos, eleva
os custos da operação e de manutenção e reduz o aproveitamento per
capita dos equipamentos existentes. Enquanto porções do solo urbano
parcial ou totalmente permanecem ociosas, cada vez maiores populações
se instalam em áreas não servidas.
Bonduki e Rolnik (1979) acrescentam ainda que para os especuladores imobiliários, no
entanto, essa forma de crescimento é vantajosa, já que ocorre um aumento na demanda por
terrenos vazios e maior incorporação de áreas rurais ao espaço urbano, à disposição do mercado
imobiliário. “Assim, a esse padrão periférico de crescimento, sobrepõe-se a existência de grandes
extensões de terrenos desocupados ou subutilizados, localizados estrategicamente em relação às
áreas centrais mais consolidadas” (Costa, 1988, p. 889).
Nesse sentido, a política habitacional deve ser vista como uma forma encontrada pelo
capital, sob a égide do Estado, de imprimir ao espaço urbano uma valorização. A ocorrência
dessa política traz consigo o aumento em demasia do preço da terra urbana e dos seus impostos.
Desse modo, aqueles que lutaram por essa transformação, pela impossibilidade de pagar essas
taxas, são empurrados para longe, para recomeçar a produção social da cidade em outro lugar. E,
mais uma vez, propiciar a expropriação de renda que é feita por uma pequena parcela da
sociedade - na qual a grande massa da população não está incluída - os incorporadores
imobiliários, isto é, as empresas que, individualmente ou associadas aos proprietários de terra,
devem lotear glebas para o uso habitacional, obedecendo, portanto, à legislação em vigor.
No entanto, nem sempre as novas ocupações estão vinculadas às empresas
incorporadoras. Em diversas ocasiões, parte da população, excluída não apenas do processo de
moradia, mas de diversos outros processos, produz a cidade de uma outra maneira, considerada
politicamente e juridicamente clandestina, sendo a autoconstrução a alternativa encontrada para
suprir, mesmo que lentamente, a demanda pela moradia. E esse movimento de autoconstrução
institucionaliza-se via programas municipais como, por exemplo, o JF Cidadã, em que o poder
público do município de Juiz de Fora - MG fornecia os insumos básicos para construção de
moradias e a comunidade “contribuía” com a mão-de-obra, fato este que vem se repetindo em
inúmeros municípios brasileiros.
A adoção desse modelo que se utiliza da autoconstrução é na verdade um processo de
geração de moradia bastante demorado, uma vez que acontece a partir da utilização do tempo
livre de membros da família, como finais de semana e/ou períodos de férias. Assim, o ritmo da
autoconstrução segue o ritmo do tempo disponível da família, bem como a disponibilidade de
dinheiro dos seus integrantes, a partir de financiamento feito geralmente em lojas de material de
construção existentes no próprio bairro.
Sendo assim, o sobre trabalho é um elemento de grande significado no processo de
autoconstrução, contribuindo para que a moradia não faça parte do cômputo do salário. Ou seja,
essa realidade nos mostra que não há pagamento por essa atividade que retira o tempo de
descanso do trabalhador, ou seja, configura-se numa super exploração da força de trabalho. Mas,
a população de baixa renda recorre a ela por total falta de opção, por ser a única possibilidade de
acesso à casa própria. Acrescenta-se ainda que diante dos dados estatísticos sobre déficit
habitacional no país, esse modelo e escala de produção de moradias - via autoconstrução - jamais
irá solucionar o problema.
Devemos acrescentar ainda que muitas das ocupações informais se efetivam, conforme
comprovam inúmeros estudos e pesquisas, através da invasão de áreas públicas e privadas,
geralmente desprovidas das condições mínimas de segurança, higiene e salubridade, o que têm
sido um dos resultados mais perversos do processo social de produção do espaço urbano
brasileiro. Na visão de Fernandes (1998), essa situação coloca em xeque o principal pilar do
sistema socioeconômico vigente, que é a propriedade privada. Daí, o cuidado do Estado no trato
de tais questões, especialmente quando se referem a processos de regularização de áreas
invadidas. Soma-se a isso, o fato de muitas favelas representarem verdadeiros entraves à
expansão urbana e especulação imobiliária, devido a sua localização, sendo acusadas de serem
as principais responsáveis por determinados problemas ambientais, como deslizamentos de
encostas, poluição das águas, entre outros.
Entretanto, não podemos deixar de considerar que a dimensão da ilegalidade na provisão
de moradias urbanas pode tornar-se, muitas vezes, funcional para o mercado ao estabelecer a
manutenção do baixo custo de reprodução da força de trabalho, como também para um mercado
imobiliário especulativo. (Maricato, 1997).
Assim sendo, solucionar o problema da moradia no Brasil, ou em qualquer país de
economia capitalista subdesenvolvida, não é uma tarefa fácil. Engels já afirmava que o problema
da habitação, antes de tudo, é uma questão de renda. Isso porque, no mundo capitalista, a terra,
mesmo não sendo uma mercadoria produzida socialmente, tem um preço e confere ao seu dono o
direito de auferir uma renda por posse. Para se produzir uma casa para morar, é necessário,
antes de tudo, que se tenha a propriedade do solo. Não pode ser ignorado que, em virtude da sua
condição de mercadoria, a terra passa a ser monopolizada por aqueles que têm dinheiro para
comprá-la.
No Brasil, o que se verificou após a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), na
década de 80, com todas as críticas que lhe possam ser erigidas, é que houve uma reestruturação
visando, de certa forma, “promover” uma política pública habitacional, dessa vez sem os princípios
de bem-estar social ou assistencialista. Assim, o Estado continuou a exercer a função de
mediador de recursos entre o poder público e a iniciativa privada, no que se refere aos programas
habitacionais. Houve, a partir de então, o surgimento de novos programas com base nos
empreendimentos privados e associativos, como casas e edifícios em loteamentos fechados, ou
mesmo habitações isoladas, muito embora, na sua maioria, por meio de financiamentos ou de
autofinanciamento de longa duração, através dos bancos.
Esses programas culminaram por excluir muitos cidadãos brasileiros, dada às exigências
colocadas, principalmente em relação à renda familiar necessária e juros cobrados, o que alijou
uma considerável parcela da população da obtenção dessas linhas de crédito destinadas à casa
própria. Segundo Maricato (2000, p. 162):
Nos países periféricos ou semiperiféricos, para usar o conceito de Arrighi, a
reestruturação produtiva impacta uma base socioeconômica historicamente
excludente. O mercado é restrito e as políticas sociais nunca tiveram
alcance extensivo, assim como a estrutura de emprego também nunca foi
extensiva. É interessante notar que o mercado habitacional brasileiro
quando mais cresceu, impulsionado pelo SFH/ BNH, esteve longe de
constituir um mercado capitalista concorrencial. (...) Inúmeros estudos
mostram como o mercado privado se apropriou da maior parcela do subsídio
habitacional favorecendo as classes médias urbanas e, até mesmo,
participando de sua consolidação, a qual cumpriu papel fundamental como
apoio político ao regime militar.
Assim, nos indagamos: existe realmente uma política habitacional no Brasil? Entendemos
que não e concordamos com Costa (1994) quando afirma que o atual momento está sendo
marcado pela orfandade de alternativas, seja por parte do Estado, seja pela iniciativa privada, de
investimentos e/ou políticas públicas eficazes no que se refere à tentativa de minimizar o déficit
habitacional do país, especialmente no que se refere às camadas de baixa renda. Maricato (1994)
ainda reforça essa afirmativa ao alegar que a realidade revela que sem planejamento habitacional
o planejamento urbano e as políticas urbanas do meio ambiente se tornam inócuas, tal a
gravidade e a dimensão da ocupação do solo pela habitação informal predatória e de má
qualidade.
Nos últimos tempos, na falta de ações dos governos federais, as diversas instâncias dos
poderes estaduais e municipais vêm tendo que assumir, mesmo que minimamente, políticas
públicas relativas à habitação popular. Daí a importância de se resgatar concepções subjacentes
ao ideário da reforma urbana, materializadas mesmo que parcialmente no Estatuto da Cidade e
que consideram que a propriedade urbana deve cumprir sua função social, regulando o seu uso
em prol do bem coletivo. Ou seja, busca-se colocar a terra com um aproveitamento mais social e
ambientalmente favorável.
Assim, foram disponibilizados aos municípios diferentes instrumentos e mecanismos que
podem intervir no mercado de terras e na produção da exclusão e que costumam estar ancorados
em pressupostos de natureza urbanística, voltados para induzir as formas de uso e ocupação do
solo. Além disso, o estatuto, apesar de ter sido homologado muitos anos após a Constituição de
88, abriu novas possibilidades no processo de gestão democrática das cidades ao incorporar a
idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade, como
é o caso do orçamento participativo e de ampliação das possibilidades de desenvolvimento
urbano.
Como exemplo desses mecanismos de intervenção, podemos citar a possibilidade do
poder público em capturar a mais-valia da terra urbana a partir de equipamentos coletivos
colocados pelo Estado via IPTU progressivo, o solo criado, edificações e parcelamentos
compulsórios etc.
Entretanto, devemos chamar a atenção para as dificuldades impostas quando se fala em
planejamento e gestão democrática da cidade, uma vez que aí está implícita a participação de
vários atores sociais, com diferentes interesses de grupos e classes, com acessos diferenciados
aos discursos, às informações, inclusive técnicas. Daí Dagnino (2002) perceber o processo de
construção democrática como “não linear, mas contraditório e fragmentado”. A autora considera
ainda que:
O peso das matrizes culturais no processo de construção democrática (...) é
um componente essencial desse retrato (...). É nesse campo que as
contradições e a fragmentação que caracterizam esse processo se mostram
mais evidente. Por um lado, o autoritarismo social e as visões hierárquicas e
excludentes da sociedade e da política constituem obstáculos cruciais na
constituição, mas também no funcionamento dos espaços públicos. Por
outro lado é precisamente a confrontação desses padrões que é apontada
como um dos principais resultados democratizantes de sua atuação.
Cardoso (1975) coloca que “a decisão de planejar é essencialmente política, já que ao
definir projetos, valores, objetivos, recursos são alocados, sendo as carências diagnosticadas por
um conjunto de técnicos, através de regras e procedimentos aceitos como razoáveis. Uma vez
alcançados os resultados, reforça-se politicamente o grupo que o apoiou”. Bernardes (1986)
corrobora com essa idéia ao considerar que o planejamento distanciado da política nada influencia
nas decisões, não atinge objetivos.
Dagnino (2002) também nos chama a atenção para o fato das continuidades autoritárias e
conservadoras que reproduzem e perpetuam a exclusão em nossa sociedade não estão apenas
confinadas no aparato estatal, mas encontram-se enraizadas e “entrincheiradas” na sociedade
civil e consequentemente nas diversas instâncias de participação, ainda que tidas como
democráticas. Por isso, o poder deliberativo de certos conselhos se transforma na simples prática
consultiva e até “legitimadora de decisões tomadas em gabinetes” que apregoam “falsos
consensos”.
É nesse contexto que devemos nos preocupar com certos “modismos” como Planos
Estratégicos ou Planos Diretores que visam apenas cumprir a legislação vigente, por serem
considerados Projetos de Cidade (Moura, 2001), verdadeiros simulacros: unificam diagnósticos,
executam ações de caráter público e privado e buscam demonstrar que o “processo participativo”
conseguiu alcançar um verdadeiro consenso entre os diferentes agentes sociais no que se refere
ao planejamento da cidade, o que não é verdade.
Mas, apesar de todas essas dificuldades encontradas no cenário do planejamento do
espaço urbano, Costa (2003) avalia que o planejamento vem sendo resgatado exatamente pelas
possibilidades de participação direta da população e que seu caráter pedagógico, inerente ao
processo, culmina por dar visibilidade às inúmeras demandas existentes na cidade como um todo,
auxiliando, de certa forma, a gestão urbana. Compans (2004) argumenta inclusive que os
integrantes do movimento pela reforma urbana brasileira buscaram a democratização do Estado e
o fortalecimento de seu papel regulador do mercado, principalmente na tentativa de subverter a
lógica excludente do processo de urbanização brasileira, com políticas mais distributivas e usos
de mecanismos e instrumentos políticos e jurídicos que permitam um acesso mais justo ao espaço
urbano.
Maricato (1994) apud Maricato (1997) acrescenta que para se chegar a esses objetivos
temos um longo percurso, como: implementar uma reforma tributária, com cobranças de impostos
mais justas e que desestimulem a especulação da terra urbana, uma reforma administrativa que
diminua a excessiva fragmentação, burocratização dos procedimentos técnico-jurídicos, além de
tentar resolver situações como a inadequação da legislação urbanística, cujo tratamento genérico
ignora especificidades sociais, econômicas e ambientais de nossa população, materializadas em
diferentes formas habitacionais.
Diante do que foi até aqui exposto, entendemos ser imprescindível a construção e gestão
de políticas públicas que tenham como foco principal o planejamento de nossas cidades,
especialmente no que concerne ao “eterno e já desgastado” problema da habitação para as
camadas de baixa renda. Não políticas imediatistas, voltadas ao atendimento de interesses
privados e individuais, mas sim políticas mais justas e inclusivas. Caso contrário, como podemos
reduzir o atual déficit habitacional brasileiro, a partir de construções que ocorrem em escala
praticamente “artesanal”? Por outro lado, se possuímos uma sociedade tão diversa, por que os
programas habitacionais, quando ocorrem, primam por construir casas iguais e de baixa
qualidade?
Também consideramos notório reforçar os avanços obtidos no que concerne aos
mecanismos disponibilizados para uma melhor gestão do espaço urbano e possibilidade de maior
justiça social. Entretanto, devemos estar atentos para que os municípios não só construam os
seus instrumentos legais de intervenção e participação popular, como é o caso do Plano Diretor e
de participação democrática da sociedade, via Conselhos Regionais, Orçamentos Participativos
etc., mas que efetivamente os fortaleçam e os utilizem, driblando as pressões oriundas de
determinados grupos e/ou do setor privado, que, muitas das vezes, se mantêm e se beneficiam à
custa de certo “clientelismo” e de conchavos e rearranjos políticos.
A simples existência das leis não garante a democratização e maior equilíbrio
socioambiental para as cidades brasileiras. Para que isso efetivamente ocorra, é necessário que
suas premissas saiam do texto e adentrem nas práticas de planejamento e gestão urbana e,
principalmente, sejam incorporadas pelo conjunto da sociedade. Caso contrário, nas palavras de
Souza (2003), a coletividade continuará a abrir mão da sua autonomia em detrimento da
delegação que atribui aos seus ditos “representantes”. Não podemos perder de vista o longo
caminho que temos pela frente, pois como já dissemos, a construção democrática no Brasil se liga
a um Estado capitalista, marcado pela supremacia da representação política/partidária das elites e
por uma participação popular frágil e ainda contaminada pelo erário colonialista de subordinação
de classes.
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  • 1. O PLANEJAMENTO URBANO E O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRO: BREVES NOTAS O presente artigo apresenta uma breve trajetória da história do Planejamento Urbano no Brasil, destacando o contexto, as influências sofridas e os objetivos que permearam a sua trajetória no país, do início do século passado até os dias atuais. Planejar para quê? Planejar para quem? Planejar por quê? São indagações que perpassam o texto através do diálogo com importantes autores contemporâneos e, ainda, com constatações empíricas da questão. A temática da habitação popular adquire centralidade nas análises do planejamento urbano brasileiro, trazendo para o centro do debate as desigualdades sociais cristalizadas no espaço. As políticas públicas de habitação são investigadas à luz do olhar crítico que pretende desvendar a postura muitas vezes parcial do Estado como planejador e gestor. Além disso, o artigo procura aponta as contradições inerentes à disputa pelo poder e a luta de classes nas dimensões do planejamento e ocupação do espaço urbano. Finalmente, são apontadas as demandas do capitalismo globalizado para esfera municipal que exigem novas escalas de planejamento urbano, integradoras do local e do global e que trazem para a pauta do debate o Plano Diretor, o Planejamento Estratégico e o city marketing.
  • 2. INTRODUÇÃO O planejamento urbano no Brasil, durante boa parte do século XX, sofreu influências do pensamento modernista-racionalista, cujos pressupostos básicos estavam calcados na idéia de modernidade, originária do iluminismo, crença no progresso linear, no discurso universal e o Estado centralizador, capaz de viabilizar usos e funções mais racionais do espaço. Nesse sentido, o planejamento urbano é entendido como um projeto acabado, que objetiva (re) estabelecer certa ordem, ou seja, alcançar a racionalidade espacial através de mecanismos de intervenção como hierarquização e zoneamento, por exemplo, visando disciplinar a ocupação urbana e inclusive os seus agentes sociais. Pode-se dizer que, segundo Monte–Mór (2007), o urbanismo progressista- racionalista propôs "autoritariamente um espaço urbano acabado e que visava permitir um rendimento máximo no desempenho das funções urbanas”, para tanto “ignorando” a luta de classes travadas em seu interior. Diante desse quadro, a escolha do projeto de Lúcio Costa para a construção da capital do país se tornou emblemática e “interessante” em termos políticos, já que Brasília passaria a representar a importância do Estado – Nação, símbolo do progresso e modernidade, e a vitória das concepções daqueles que propunham um uso mais racional e eficiente do espaço urbano. Enfim, se tornaria o marco de uma nova era. Maricato (2000) inclusive considera necessário “reconhecer que a arquitetura brasileira plasmou uma imagem, um ideário colado ao projeto de superação do subdesenvolvimento”, mas que tentava claramente ignorar as contradições sociais tão presentes na realidade de nosso país. Nesse mesmo período, anos 60, a recessão competitiva dos países centrais, decorrente da crise do fordismo, propiciou a liberação de créditos para os países em desenvolvimento investirem em infra-estrutura, modernização e indústria. Além disso, iniciou-se um processo de desconcentração produtiva das grandes empresas transnacionais, tendo em vista a necessidade de expansão dos mercados e a procura por vantagens locacionais como insumos e mão-de–obra barata. Tal processo foi denominado por Alain Lipietz1 de fordismo periférico. Ou seja, as formas de regulação até então atuantes no mundo desenvolvido passaram a fazer parte também do mundo subdesenvolvido. Em virtude desse novo contexto, o Brasil passou a vivenciar um notório dinamismo econômico, configurando-se no que foi denominado de “milagre brasileiro”. Nessa fase, profundas mudanças ocorreram na sociedade como um todo e, de modo especial, na estrutura produtiva, que passou a ser guiada pela indústria, embora sob uma forte intervenção estatal, principalmente no que se refere aos setores ditos estratégicos da sociedade. Pode-se afirmar que o modelo de desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro estava intimamente relacionado ao intenso ritmo da urbanização pela qual passava o país, favorecido por governos e empresas que via, especialmente nas cidades grandes, o local propício 1 LIPIETZ, Alain. Audácia. São Paulo, editora Nobel: 1991.
  • 3. ao aumento da rentabilidade do capital investido. Porém, tal fenômeno trouxe consigo as mazelas de um processo marcado por grandes disparidades sociais e econômicas de sua população, índices de crescimento demográficos elevados, poucas oportunidades de trabalho, bem como significativas diferenças relativas à divisão espacial do trabalho entre as suas regiões, além de dificuldades de participação popular na formulação de políticas públicas. O nível de complexidade das espacialidades das aglomerações urbanas, como as metropolitanas, já colocava em xeque as formas tradicionais de intervenção no espaço urbano. Nessa mesma perspectiva, Costa (1997) acrescenta que apesar dos diagnósticos que tratavam dos problemas urbanos salientarem a necessidade de intervenções intra-urbanas, a política federal dos anos 70 somente percebia a cidade como um locus de produção, contribuindo, assim, para o agravamento de questões como habitação, transporte, saneamento básico e que tinham efeitos diretos no plano ambiental, como ainda ocorre nos dias de hoje. Na visão de muitos pesquisadores, as cidades, inclusive as planejadas, demandavam, cada vez mais, soluções técnicas e políticas, sob responsabilidade de um Estado, cujo papel deveria ser o de evitar as instabilidades do mercado, assegurando o pleno desenvolvimento econômico e social. Monte–Mór (2007, p. 34) afirmou inclusive que “não só o problema da habitação popular não havia sido resolvido, como ainda constatava-se uma realidade: a população brasileira não possuía renda para ter casas - como tampouco foram equacionados os problemas urbanos trazidos à luz quase como decorrência da política habitacional”. Bernardes (1986, p. 86) corrobora com essa análise ao afirmar que: Fruto da aceleração da urbanização nas últimas décadas, da agudização dos problemas urbanos e das desigualdades regionais, em muitos casos como decorrentes da implementação de políticas setoriais que, voltadas para a promoção do desenvolvimento econômico, visavam diretamente a criação de condições favoráveis à produção capitalista, a questão urbana e as implicações da urbanização acelerada no espaço só passaram a ser consideradas com seriedade nos anos 70. Assim, a tentativa de ordenar o crescimento das cidades via implementação de padrões e regulamentações de uso e ocupação do solo, na realidade não se aplicava ao espaço urbano de modo geral, mas somente parte dele, o que culminou por reforçar as diferenças entre o que denominamos cidade formal e informal. Para Maricato (1997) foi nesse período que as grandes cidades brasileiras mais cresceram. E o fizeram abrigando em seu interior as não cidades, não contempladas nas reflexões daqueles que deveriam pensar o urbano e propor soluções para seus problemas. Segundo a autora, como insistir em um cenário de pós-modernidade, cercado pela não cidade?
  • 4. 1- PLANEJAMENTO URBANO E HABITAÇÃO O que percebemos foi um agravamento dessa situação a partir dos anos 80/90, com a hegemonia da ideologia neoliberal em detrimento do welfare state, da flexibilização sobre a rigidez. Insegurança, fragmentação e efemeridade assumiram novas centralidades. A redução das barreiras espaciais reforçou, paradoxalmente, o significado do local (Harvey, 1995). Dentro dessa nova lógica, de geopolítica local, as cidades passaram a desempenhar um papel de protagonistas da atual ordem mundial que se estabelece, pautada na hegemonia do sistema capitalista, no processo de globalização, nos grandes avanços tecnológicos, especialmente nos setores de comunicação e transporte, na grande competitividade empresarial e importância do setor financeiro. Desse modo, elas deveriam responder a alguns desafios básicos: constituição de uma nova base econômica, maior oferta de infra-estrutura urbana e governabilidade. Somente a partir destes pressupostos as cidades poderiam tornar-se competitivas e atraentes no cenário nacional e internacional, favorecendo a tão alardeada “guerra dos lugares”, baseada não apenas na produção, mas também na busca de ampliação do consumo. Harvey (1996, p.50) nos chama a atenção para as negociações estabelecidas entre o capital financeiro internacional e os poderes locais, que tudo fazem para maximizar a atratividade local, de modo a atrair investimentos e, assim, obter ganhos políticos e econômicos, contribuindo, dessa forma para o pleno desenvolvimento da dinâmica capitalista. A título de exemplo, podemos recuperar o fato de, recentemente, o governador de Minas Gerais Aécio Neves ter assinado o decreto que prevê a adoção de medidas para proteção da economia em face da concorrência de outros estados, especialmente em relação à Zona da Mata Mineira, via incentivos fiscais em relação ao ICMs. Tal fato “marcou a entrada do estado na guerra fiscal”. Trata-se de uma reação à lei estadual 4.533/2005, do Rio de Janeiro, conhecida como Lei Rosinha, editada pela ex-governadora Rosinha Matheus, que reduziu o imposto de 19% para 2%, por 25 anos, para as empresas que se instalassem em determinados municípios, como Três Rios, por exemplo, próximo à Juiz de Fora/MG. Esse é um claro exemplo das disputas travadas, nas diferentes instâncias do poder e que visam a atração de investimentos e maior dinamismo econômico e financeiro. Por isso Souza (2003, p. 31) coloca que o neoliberalismo substituiu um “planejamento forte”, por um “planejamento fraco” – muita gestão e pouco planejamento, com tomadas de decisão que visam atender interesses imediatos do capital privado e tendências de mercado. Visando promover não só metrópoles, mas também cidades-médias, como Juiz de Fora, por exemplo, as políticas urbanas cedem lugar a práticas de cunho empresarial, como os planos estratégicos e city marketing, que visam ativar a cidade como um dos nós da rede mundial de cidades. Segundo seus defensores, essa seria a única alternativa possível para o seu
  • 5. desenvolvimento no contexto da atual ordem econômica mundial. É por isso que muitos municípios tornam-se receptivos a implantar modelos de planejamento oferecidos por empresas de assessoria internacionais, principalmente oriundos dos países desenvolvidos. (Rodrigues, 2005) Ao adotar, desde a gestão municipal 2000-2004, um Plano Estratégico para a cidade de Juiz de Fora/MG, através de assessoria do CIDEU - Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano, de Barcelona, o poder público de Juiz de Fora tentou criar uma imagem de cidade coesa, competitiva e moderna, pautada em modelos de planejamento eficientes, com grande destaque para o urbanismo, através da (re) criação de espaços comerciais, culturais, turísticos, residenciais e que se tornam atrativos a diferentes tipos de investimentos. Acreditamos que buscar investimentos e gerar empregos seja necessário para a economia local. Entretanto, o que se constata facilmente é que os benefícios advindos desses investimentos - a despeito do pagamento de baixos impostos ou mesmo sua isenção - não são socializados pela população de modo geral e provocam transformações distintas no espaço urbano, apropriado de modo também diferenciado pelos diferentes grupos sociais. Se por um lado os segmentos sociais de maior renda têm suas necessidades básicas atendidas, o mesmo não se pode dizer da maior parte da população. A intervenção do Estado é dotada de uma “ambigüidade fundamental”, de modo a privilegiar setores privados da promoção fundiária e imobiliária, o que se manifesta por sua política de colocar equipamentos coletivos, principalmente nas zonas habitadas pelas classes médias e superiores, aumentando ainda mais o processo de exclusão social. Bonduki e Rolnik (1979) corroboram essa idéia alegando que os investimentos estatais têm priorizado setores mais vitais à acumulação, como energia, financiamento às empresas, por exemplo, em detrimento da reprodução da força de trabalho. Daí, os equipamentos urbanos coletivos não serem oferecidos de maneira uniforme a toda a cidade, mas apenas parte dela, privilegiando as classes de média e alta renda. Nesse sentido, nos indagamos: será possível conciliar políticas de desenvolvimento econômico com inclusão e justiça social, numa sociedade de classes? Para Lojkine (1981), numa sociedade baseada no valor de troca sobre o de uso, a apropriação do espaço está diretamente ligada à sua noção mercadológica e privada, servindo às necessidades de acumulação, passando a ser constantemente fragmentado, explorado, cujas possibilidades de ocupá-lo se redefinem freqüentemente em função da contradição entre abundância e escassez. Daí emerge uma nova lógica associada a uma nova forma de dominação do espaço, que se reproduz hierarquizando, selecionando e direcionando a ocupação a partir da intervenção da iniciativa privada e do Estado. É no espaço que o poder ganha visibilidade através das intervenções concretas, cujas estratégias estão vinculadas a grupos sociais, com objetivos e interesses diferenciados.
  • 6. Nesse sentido, temos a própria omissão do Estado diante de muitas situações ou sua intervenção através do atendimento de exigências da reprodução, seja por meio de implementação de infra-estrutura, seja de políticas urbanas, direcionando, assim, o tipo e o sentido do deslocamento de atividades, alterando as funções e usos dos lugares, conseqüência do processo de aumento ou diminuição de seus valores. Se há aumento de valor desse espaço, ele é apropriado pelo proprietário e/ou setor imobiliário; se há desvalorização, ela é socializada. Baseado nessas considerações e na importância de se refletir um pouco mais sobre o papel atribuído ao Estado, diante dos inúmeros problemas gerados em nossas cidades pelo modelo brasileiro de “modernização incompleta”, entendemos ser imprescindível abordar a temática da habitação, de modo a poder refletir um pouco mais sobre a dinâmica socioespacial urbana e o processo de acumulação capitalista dela decorrente. Diante dos índices de crescimento demográfico das últimas décadas, da forte migração rural-urbana e da ausência ou ineficácia de políticas habitacionais de grande porte por parte do Estado, ressaltamos o fato do acesso à cidade, quando nos referimos à população de baixa renda, estar restrito ao capital imobiliário privado, que viabiliza a ocupação das periferias, “fruto de uma ação claramente orquestrada por parte de uma fração específica do capital imobiliário.” (Costa,1994, p. 62) Trata-se do processo periférico de crescimento, ou seja, do padrão descontínuo de expansão da mancha urbana, típico e facilmente perceptível nas grandes capitais do país, mas verificável em todas as suas cidades. Bolaffi (1979, p. 57) já afirmava que: (...) a expansão descontínua da mancha urbana aumenta as distâncias, encarece os investimentos para a implantação de serviços públicos, eleva os custos da operação e de manutenção e reduz o aproveitamento per capita dos equipamentos existentes. Enquanto porções do solo urbano parcial ou totalmente permanecem ociosas, cada vez maiores populações se instalam em áreas não servidas. Bonduki e Rolnik (1979) acrescentam ainda que para os especuladores imobiliários, no entanto, essa forma de crescimento é vantajosa, já que ocorre um aumento na demanda por terrenos vazios e maior incorporação de áreas rurais ao espaço urbano, à disposição do mercado imobiliário. “Assim, a esse padrão periférico de crescimento, sobrepõe-se a existência de grandes extensões de terrenos desocupados ou subutilizados, localizados estrategicamente em relação às áreas centrais mais consolidadas” (Costa, 1988, p. 889). Nesse sentido, a política habitacional deve ser vista como uma forma encontrada pelo capital, sob a égide do Estado, de imprimir ao espaço urbano uma valorização. A ocorrência dessa política traz consigo o aumento em demasia do preço da terra urbana e dos seus impostos. Desse modo, aqueles que lutaram por essa transformação, pela impossibilidade de pagar essas taxas, são empurrados para longe, para recomeçar a produção social da cidade em outro lugar. E,
  • 7. mais uma vez, propiciar a expropriação de renda que é feita por uma pequena parcela da sociedade - na qual a grande massa da população não está incluída - os incorporadores imobiliários, isto é, as empresas que, individualmente ou associadas aos proprietários de terra, devem lotear glebas para o uso habitacional, obedecendo, portanto, à legislação em vigor. No entanto, nem sempre as novas ocupações estão vinculadas às empresas incorporadoras. Em diversas ocasiões, parte da população, excluída não apenas do processo de moradia, mas de diversos outros processos, produz a cidade de uma outra maneira, considerada politicamente e juridicamente clandestina, sendo a autoconstrução a alternativa encontrada para suprir, mesmo que lentamente, a demanda pela moradia. E esse movimento de autoconstrução institucionaliza-se via programas municipais como, por exemplo, o JF Cidadã, em que o poder público do município de Juiz de Fora - MG fornecia os insumos básicos para construção de moradias e a comunidade “contribuía” com a mão-de-obra, fato este que vem se repetindo em inúmeros municípios brasileiros. A adoção desse modelo que se utiliza da autoconstrução é na verdade um processo de geração de moradia bastante demorado, uma vez que acontece a partir da utilização do tempo livre de membros da família, como finais de semana e/ou períodos de férias. Assim, o ritmo da autoconstrução segue o ritmo do tempo disponível da família, bem como a disponibilidade de dinheiro dos seus integrantes, a partir de financiamento feito geralmente em lojas de material de construção existentes no próprio bairro. Sendo assim, o sobre trabalho é um elemento de grande significado no processo de autoconstrução, contribuindo para que a moradia não faça parte do cômputo do salário. Ou seja, essa realidade nos mostra que não há pagamento por essa atividade que retira o tempo de descanso do trabalhador, ou seja, configura-se numa super exploração da força de trabalho. Mas, a população de baixa renda recorre a ela por total falta de opção, por ser a única possibilidade de acesso à casa própria. Acrescenta-se ainda que diante dos dados estatísticos sobre déficit habitacional no país, esse modelo e escala de produção de moradias - via autoconstrução - jamais irá solucionar o problema. Devemos acrescentar ainda que muitas das ocupações informais se efetivam, conforme comprovam inúmeros estudos e pesquisas, através da invasão de áreas públicas e privadas, geralmente desprovidas das condições mínimas de segurança, higiene e salubridade, o que têm sido um dos resultados mais perversos do processo social de produção do espaço urbano brasileiro. Na visão de Fernandes (1998), essa situação coloca em xeque o principal pilar do sistema socioeconômico vigente, que é a propriedade privada. Daí, o cuidado do Estado no trato de tais questões, especialmente quando se referem a processos de regularização de áreas invadidas. Soma-se a isso, o fato de muitas favelas representarem verdadeiros entraves à expansão urbana e especulação imobiliária, devido a sua localização, sendo acusadas de serem as principais responsáveis por determinados problemas ambientais, como deslizamentos de encostas, poluição das águas, entre outros.
  • 8. Entretanto, não podemos deixar de considerar que a dimensão da ilegalidade na provisão de moradias urbanas pode tornar-se, muitas vezes, funcional para o mercado ao estabelecer a manutenção do baixo custo de reprodução da força de trabalho, como também para um mercado imobiliário especulativo. (Maricato, 1997). Assim sendo, solucionar o problema da moradia no Brasil, ou em qualquer país de economia capitalista subdesenvolvida, não é uma tarefa fácil. Engels já afirmava que o problema da habitação, antes de tudo, é uma questão de renda. Isso porque, no mundo capitalista, a terra, mesmo não sendo uma mercadoria produzida socialmente, tem um preço e confere ao seu dono o direito de auferir uma renda por posse. Para se produzir uma casa para morar, é necessário, antes de tudo, que se tenha a propriedade do solo. Não pode ser ignorado que, em virtude da sua condição de mercadoria, a terra passa a ser monopolizada por aqueles que têm dinheiro para comprá-la. No Brasil, o que se verificou após a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), na década de 80, com todas as críticas que lhe possam ser erigidas, é que houve uma reestruturação visando, de certa forma, “promover” uma política pública habitacional, dessa vez sem os princípios de bem-estar social ou assistencialista. Assim, o Estado continuou a exercer a função de mediador de recursos entre o poder público e a iniciativa privada, no que se refere aos programas habitacionais. Houve, a partir de então, o surgimento de novos programas com base nos empreendimentos privados e associativos, como casas e edifícios em loteamentos fechados, ou mesmo habitações isoladas, muito embora, na sua maioria, por meio de financiamentos ou de autofinanciamento de longa duração, através dos bancos. Esses programas culminaram por excluir muitos cidadãos brasileiros, dada às exigências colocadas, principalmente em relação à renda familiar necessária e juros cobrados, o que alijou uma considerável parcela da população da obtenção dessas linhas de crédito destinadas à casa própria. Segundo Maricato (2000, p. 162): Nos países periféricos ou semiperiféricos, para usar o conceito de Arrighi, a reestruturação produtiva impacta uma base socioeconômica historicamente excludente. O mercado é restrito e as políticas sociais nunca tiveram alcance extensivo, assim como a estrutura de emprego também nunca foi extensiva. É interessante notar que o mercado habitacional brasileiro quando mais cresceu, impulsionado pelo SFH/ BNH, esteve longe de constituir um mercado capitalista concorrencial. (...) Inúmeros estudos mostram como o mercado privado se apropriou da maior parcela do subsídio habitacional favorecendo as classes médias urbanas e, até mesmo, participando de sua consolidação, a qual cumpriu papel fundamental como apoio político ao regime militar. Assim, nos indagamos: existe realmente uma política habitacional no Brasil? Entendemos que não e concordamos com Costa (1994) quando afirma que o atual momento está sendo
  • 9. marcado pela orfandade de alternativas, seja por parte do Estado, seja pela iniciativa privada, de investimentos e/ou políticas públicas eficazes no que se refere à tentativa de minimizar o déficit habitacional do país, especialmente no que se refere às camadas de baixa renda. Maricato (1994) ainda reforça essa afirmativa ao alegar que a realidade revela que sem planejamento habitacional o planejamento urbano e as políticas urbanas do meio ambiente se tornam inócuas, tal a gravidade e a dimensão da ocupação do solo pela habitação informal predatória e de má qualidade. Nos últimos tempos, na falta de ações dos governos federais, as diversas instâncias dos poderes estaduais e municipais vêm tendo que assumir, mesmo que minimamente, políticas públicas relativas à habitação popular. Daí a importância de se resgatar concepções subjacentes ao ideário da reforma urbana, materializadas mesmo que parcialmente no Estatuto da Cidade e que consideram que a propriedade urbana deve cumprir sua função social, regulando o seu uso em prol do bem coletivo. Ou seja, busca-se colocar a terra com um aproveitamento mais social e ambientalmente favorável. Assim, foram disponibilizados aos municípios diferentes instrumentos e mecanismos que podem intervir no mercado de terras e na produção da exclusão e que costumam estar ancorados em pressupostos de natureza urbanística, voltados para induzir as formas de uso e ocupação do solo. Além disso, o estatuto, apesar de ter sido homologado muitos anos após a Constituição de 88, abriu novas possibilidades no processo de gestão democrática das cidades ao incorporar a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade, como é o caso do orçamento participativo e de ampliação das possibilidades de desenvolvimento urbano. Como exemplo desses mecanismos de intervenção, podemos citar a possibilidade do poder público em capturar a mais-valia da terra urbana a partir de equipamentos coletivos colocados pelo Estado via IPTU progressivo, o solo criado, edificações e parcelamentos compulsórios etc. Entretanto, devemos chamar a atenção para as dificuldades impostas quando se fala em planejamento e gestão democrática da cidade, uma vez que aí está implícita a participação de vários atores sociais, com diferentes interesses de grupos e classes, com acessos diferenciados aos discursos, às informações, inclusive técnicas. Daí Dagnino (2002) perceber o processo de construção democrática como “não linear, mas contraditório e fragmentado”. A autora considera ainda que: O peso das matrizes culturais no processo de construção democrática (...) é um componente essencial desse retrato (...). É nesse campo que as contradições e a fragmentação que caracterizam esse processo se mostram mais evidente. Por um lado, o autoritarismo social e as visões hierárquicas e excludentes da sociedade e da política constituem obstáculos cruciais na constituição, mas também no funcionamento dos espaços públicos. Por outro lado é precisamente a confrontação desses padrões que é apontada como um dos principais resultados democratizantes de sua atuação.
  • 10. Cardoso (1975) coloca que “a decisão de planejar é essencialmente política, já que ao definir projetos, valores, objetivos, recursos são alocados, sendo as carências diagnosticadas por um conjunto de técnicos, através de regras e procedimentos aceitos como razoáveis. Uma vez alcançados os resultados, reforça-se politicamente o grupo que o apoiou”. Bernardes (1986) corrobora com essa idéia ao considerar que o planejamento distanciado da política nada influencia nas decisões, não atinge objetivos. Dagnino (2002) também nos chama a atenção para o fato das continuidades autoritárias e conservadoras que reproduzem e perpetuam a exclusão em nossa sociedade não estão apenas confinadas no aparato estatal, mas encontram-se enraizadas e “entrincheiradas” na sociedade civil e consequentemente nas diversas instâncias de participação, ainda que tidas como democráticas. Por isso, o poder deliberativo de certos conselhos se transforma na simples prática consultiva e até “legitimadora de decisões tomadas em gabinetes” que apregoam “falsos consensos”. É nesse contexto que devemos nos preocupar com certos “modismos” como Planos Estratégicos ou Planos Diretores que visam apenas cumprir a legislação vigente, por serem considerados Projetos de Cidade (Moura, 2001), verdadeiros simulacros: unificam diagnósticos, executam ações de caráter público e privado e buscam demonstrar que o “processo participativo” conseguiu alcançar um verdadeiro consenso entre os diferentes agentes sociais no que se refere ao planejamento da cidade, o que não é verdade. Mas, apesar de todas essas dificuldades encontradas no cenário do planejamento do espaço urbano, Costa (2003) avalia que o planejamento vem sendo resgatado exatamente pelas possibilidades de participação direta da população e que seu caráter pedagógico, inerente ao processo, culmina por dar visibilidade às inúmeras demandas existentes na cidade como um todo, auxiliando, de certa forma, a gestão urbana. Compans (2004) argumenta inclusive que os integrantes do movimento pela reforma urbana brasileira buscaram a democratização do Estado e o fortalecimento de seu papel regulador do mercado, principalmente na tentativa de subverter a lógica excludente do processo de urbanização brasileira, com políticas mais distributivas e usos de mecanismos e instrumentos políticos e jurídicos que permitam um acesso mais justo ao espaço urbano. Maricato (1994) apud Maricato (1997) acrescenta que para se chegar a esses objetivos temos um longo percurso, como: implementar uma reforma tributária, com cobranças de impostos mais justas e que desestimulem a especulação da terra urbana, uma reforma administrativa que diminua a excessiva fragmentação, burocratização dos procedimentos técnico-jurídicos, além de tentar resolver situações como a inadequação da legislação urbanística, cujo tratamento genérico ignora especificidades sociais, econômicas e ambientais de nossa população, materializadas em diferentes formas habitacionais. Diante do que foi até aqui exposto, entendemos ser imprescindível a construção e gestão de políticas públicas que tenham como foco principal o planejamento de nossas cidades,
  • 11. especialmente no que concerne ao “eterno e já desgastado” problema da habitação para as camadas de baixa renda. Não políticas imediatistas, voltadas ao atendimento de interesses privados e individuais, mas sim políticas mais justas e inclusivas. Caso contrário, como podemos reduzir o atual déficit habitacional brasileiro, a partir de construções que ocorrem em escala praticamente “artesanal”? Por outro lado, se possuímos uma sociedade tão diversa, por que os programas habitacionais, quando ocorrem, primam por construir casas iguais e de baixa qualidade? Também consideramos notório reforçar os avanços obtidos no que concerne aos mecanismos disponibilizados para uma melhor gestão do espaço urbano e possibilidade de maior justiça social. Entretanto, devemos estar atentos para que os municípios não só construam os seus instrumentos legais de intervenção e participação popular, como é o caso do Plano Diretor e de participação democrática da sociedade, via Conselhos Regionais, Orçamentos Participativos etc., mas que efetivamente os fortaleçam e os utilizem, driblando as pressões oriundas de determinados grupos e/ou do setor privado, que, muitas das vezes, se mantêm e se beneficiam à custa de certo “clientelismo” e de conchavos e rearranjos políticos. A simples existência das leis não garante a democratização e maior equilíbrio socioambiental para as cidades brasileiras. Para que isso efetivamente ocorra, é necessário que suas premissas saiam do texto e adentrem nas práticas de planejamento e gestão urbana e, principalmente, sejam incorporadas pelo conjunto da sociedade. Caso contrário, nas palavras de Souza (2003), a coletividade continuará a abrir mão da sua autonomia em detrimento da delegação que atribui aos seus ditos “representantes”. Não podemos perder de vista o longo caminho que temos pela frente, pois como já dissemos, a construção democrática no Brasil se liga a um Estado capitalista, marcado pela supremacia da representação política/partidária das elites e por uma participação popular frágil e ainda contaminada pelo erário colonialista de subordinação de classes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BERNARDES, L. Política urbana: uma análise da experiência brasileira. Análise e conjuntura, v.1, n.1. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1986, p. 83-118. BOLAFFI, G. Habitação e urbanismo: o problema e o falso problema. In: Maricato, E. (ed.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Editora Alfa – Omega, 1979, p. 37-70. BONDUKI, N.; ROLNIK, R. Periferia da Grande São Paulo. Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho. In: Maricato, E. (ed). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979. CARDOSO, F.H. Aspectos políticos do planejamento. In: Lafer, B.M. Planejamento no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975. COMPANS, R. Plano diretor: entre a reforma urbana e o planejamento estratégico. In: Schicchi, M.C.; Benfatti, D. (UFRGS.) Urbanismo: Dossiê São Paulo – Rio de Janeiro. Campinas: PUCCAMP/PROURB, 2004. p. 199-212.
  • 12. COSTA, G.M. Exclusão sócio-espacial na era urbano-industrial: uma introdução ao tema. In: VII Encontro Nacional da Anpur, Anais. Recife: MDU/UFPE. v.2, 1997, p.1421-1436. COSTA, H.S.M. Gestão urbana e controle social: a trajetória recente e alguns desdobramentos do Orçamento Participativo em Belo Horizonte. In: Gonçalves, M.F.; Brandão, C.A.; Galvão, A.C. (orgs.) Regiões e cidades, cidades nas regiões. O desafio urbano-regional. São Paulo: Ed. UNESP: ANPUR, 2003. p. 113 - 129. COSTA, H.S.M. Habitação e produção do espaço em Belo Horizonte. In: Monte-Mór, R.L. (coord). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: CEDEPLAR/PBH, 1994.p. 51 - 78. COSTA, H.S.M. A reforma urbana e a busca da cidadania. Revista Indicador, n. 27. Belo Horizonte: ALEMG, 1988. DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: Dagnino, E. (org.) Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 279 – 303. FERNANDES, E. A regularização de favelas no Brasil: o caso de Belo Horizonte. In: Fernandes, E. (org). Direito urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.133 - 168. HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates, n. 39, ano XVI. São Paulo, NERU, 1996, p. 48-64. HARVEY, D. Espaços urbanos na “aldeia global”: reflexões sobre a condição urbana no capitalismo do final do século XX. Mimeo. (Transcrição de conferência proferida em Belo Horizonte), 1995. LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981. MARICATO, E. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: Arantes, O. et al. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 121 - 192. MARICATO, E. Brasil 2000: qual planejamento urbano? Cadernos IPPUR, ano XI, nos. 1 e 2, jan. – dez, 1997. MARICATO, E. Reforma urbana: limites e possibilidades – uma trajetória incompleta. In: Ribeiro, L.C.Q.; Santos Jr., O. (Orgs.) Globalização, fragmentação e reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994, 309 – 325. MONTE-MÓR, R.L. Planejamento urbano no Brasil; emergência e consolidação. Etc... espaço, tempo e crítica, vol. 1, nº1, 2007. MOURA, Rosa. Gestão desarticulada: políticas urbanas em tempos de ajuste estrutural. In: Sposito, Maria Encarnação Beltrão (Org.) Urbanização e cidades: perspectivas geográficas. Presidente Prudente, 2001 RODRIGUES, Andréia de Souza Ribeiro. Atuais Dinâmicas Socioespaciais: a Habitação em Juiz de Fora MG. Dissertação de Mestrado: UFRJ, Instituto de Geociências, 2005. SOUZA, M. L. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 25 – 55.