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                          Voltando ao Maranhão de João Lisboa
                                                        Por Flávio Soares†
                                                                              Para Flávio Reis, Chico Maranhão e Paulo Arantes.

                                                       “A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que
                                                       vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de
                                                       história que corresponda a esta verdade” (Walter Benjamin, Sobre o
                                                       conceito da história).

        Das nossas misérias - Olhando a         serão uma espécie de Lado B que hoje           análise crítica sobre a situação particular
História do Maranhão pelo retrovisor,           também é cada vez mais um Lado A,              do estado. Ponto caracterizado pelas
ressalta que ela foi para as classes            uma vez que réplicas de outros                 existências superpostas e reversas do
populares a experiência dolorosa de um          “maranhões” se generalizam pelo Brasil         que considerávamos “centros” e
desastre social. No imaginário popular          adentro e planeta afora, como sugerem          “periferias”      ou     “avançados”      e
ela é marcada por tempos de “fartura” e         aquelas analogias?                             “atrasados”. Sem perder de vista a
de “precisão” e violência, que se                      Considerando a constatação da           especificidade regional, nem eximir
combinam às vezes recusando a                   tragédia mesmo nos censos do IBGE e            grupos de poder locais das suas
mitificação: “Naquele tempo tudo era            os diagnósticos mencionados, resta             responsabilidades,       tal    perspectiva
ruim e... bom. Bom, porque tudo era                                                            permite ampliar a análise, evitando as
barato... ruim porque o pobre não tinha                                                        armadilhas dualistas que fixam o
nada” (João Moreno do povoado de                                                               Maranhão na mitologia de um Brasil
Porto Velho, em Assunção, A guerra dos                                                         “errado” contraposto simplesmente a
Bem-te-vis). Hoje, essa percepção                                                              outro que “deu certo” (a exemplo da TV
ganhou outras proporções. Assim, ao se                                                         Globo        no      episódio      “Vargem
medir, em juízo negativo, São Luís pela                                                        Grande/Vinhedo”), e inclusive avaliar a
Bagdá dos tempos da invasão                                                                    desfaçatez       e    o      avacalhamento
americana, ou o Maranhão pelo Haiti,                                                           intrínsecos daquelas classes quando
Angola, Afeganistão, tais comparações                                                          tentam se desculpar alegando “deus”, o
podem       soar     como      apreciações                                                     “mundo”, a “história”, a “cultura”, a
excessivas de quem quer liquidar                                                               “natureza” e por aí segue. Vale também
qualquer esperança. Lembram outras                                                             para a questão da resistência e
analogias frequentes no campo das                                                              dissensão, pois se a atual favela
reflexões locais, de sentido positivo,                                                         maranhense foi configurada graças às
como Atenas do século V antes de Cristo                                                        decisões dos grupos hegemônicos
ou Manchester do período da                                                                    locais, a diferença, a nosso ver, se dá no
industrialização inglesa. Como se a                                                            campo das lutas sociais, pois nos
generalização atenuasse o choque da                                                            “maranhões” de lá revoltas explodem e
realidade, deformando e sublimando a                                                           na “Palestina” de cá há tempos quase
compreensão. Mas, nessa era de                                                                 nada parece acontecer.
mundialização capitalista catastrófica,                                                                Não significa que todos aqui
os primeiros paralelos indicam uma                                                             aceitam a injustiça social sem protestar.
tragédia social real e antiga.                                                                 De um modo ou outro, resistência
        Talvez possamos pensar tais                                                            sempre houve e continua havendo, mas,
analogias enquanto parte da “fratura         O Historiador Flávio Soares enfatiza o olhar de   se não for querer demais, as energias da
brasileira do mundo” que Paulo Arantes       Glauber Rocha sobre o Maranhão: “uma velha        indignação não convergem para
examina (em livros inspirados como           sociedade de lideranças políticas demagógicas     efetivamente virar a regra do jogo ou
Zero à Esquerda e Extinção), ao              pusilânimes e corruptas, bacharéis vaidosos,      pelo menos gerar a possibilidade da
repassar, nos termos da “dialética da        autoritários e volúveis, padres colonizadores     construção da “exceção verdadeira”. Ao
malandragem”, as percepções da               histéricos, camponeses vivendo ao deus dará”.     contrário, quanto mais sobe o nível das
“brasilianização” do centro (EUA,            (Imagem do filme Maranhão 66).                    desgraças mais se agrava a corrosão das
França), emergentes num momento de               pouca dúvida de que, na condição de           forças dos movimentos sociais. A
esvaziamento do mito do “país do                 um dos primeiros exemplos da                  tendência é de que a miséria, em todos
futuro”. Neste âmbito, vale a pergunta           desigualdade social num país “líder da        os       sentidos,       se       normalize
seguinte. Se o sociólogo Francisco de            concentração da renda” no mundo, a            perigosamente como estado natural.
Oliveira acertou no diagnóstico de que o         nossa província encontra-se encravada         Frear tal processo pela impulsão
“futuro” do Brasil acabou na                     no horror nacional. Não só. Cada vez          daquelas forças é vital para os que
monstruosidade social presente (na               mais parte do “planeta favela”, isto é,       tentam exercer a crítica ou fazer
metáfora do ornitorrinco), resultante do         do mundo urbano instalado “na                 qualquer coisa criativa com algum
tipo de “modernização conservadora” e            miséria”, na “poluição, excrementos e         retorno social. O que, por sua vez, passa
dependente promovida no “passado”,               deterioração”,      mapeado        pelo       por refletir sobre as articulações entre
especialmente a partir do Golpe de               historiador Mike Davis, o Maranhão, de        antigos e novos dispositivos de controle
1964, o Maranhão não será então um               exceção vai passando à regra, se já não       social, seus agentes e suas eficácias,
dos lados particularmente reveladores?           passou. De toda maneira, a questão            bem como acerca das armas
Os maranhenses, nessa história, não              parece o ponto de partida de qualquer
empregadas para pensar e intervir a          vidas ilustres no Pantheon Maranhense               como o solteiro, o velho como o
respeito.                                    (1875).                                             mancebo, e pela manhã saem os
        Programa        maranhense       -            O seu funcionamento foi                    recrutados barra fora; recruta-se a
Voltando à perspectiva inicial, o outro      assegurado por um campo de forças ou                bordo das embarcações que estão de
lado da nossa experiência com                guerra latente caracterizado pela                   partida, e o que é mais, a bordo das
catástrofes indica sua ligação, em           combinação de formas extremas de                    embarcações de cabotagem, contra a
grande medida (se não toda), com a           domínios conservadores e intensa                    expressa determinação de vários avisos,
história dos negócios que proliferaram       desigualdade e injustiça sociais. Foram             recruta-se o povo que acorre a festejar
no Maranhão e suas “falsas euforias”,        partes      dessas     forças       (grandes        os dias nacionais; recruta-se o
desde o seu aparecimento como                proprietários de terras, alto comércio,             estudante, cuja aplicação e habilidade o
rendosa empresa da casa real na              elites      administrativas,       políticas,       próprio redator do Investigador [Sotero
colônia. Observe-se: não o Maranhão          militares, jurídicas, religiosas, letradas)         dos Reis] atesta na sua qualidade de
“Estado     colonial”    (1621-1772)     -   que decidiram os rumos a seguir neste               professor; e recruta-se finalmente
abrangendo, em princípio, gigantesca         território em todas as diferentes                   testemunha que é judicialmente
área de terras, rios e florestas quase       conjunturas decisivas da história política          convocado para jurar num processo de
equivalente a metade do Brasil de hoje       brasileira, a exemplos de 1822, 1831,               morte. Para coroar a obra S. Ex. [o
e estudada por Berredo nos Anais             1840, 1889, 1930, 1945, 1964, 1985.                 presidente da província] louva o
Históricos do Estado do Maranhão             Nesta história é preciso evocar                     patriotismo de um mandão do interior
(1749) -, mas o que seria a “Província”      especialmente o choque da balaiada ou,              que o aconselhara a recrutar um
do Norte do Império no século XIX.           melhor dizendo, da guerra dos bem-te-               vereador da câmara, só por ser este
Desse lado, o Maranhão sempre foi            vis e da revolta escrava (1838-41), por             bentevi e mulato; em alguns pontos do
negócio altamente lucrativo para as          duas razões básicas no mínimo (as quais             interior recruta-se para extorquir
classes proprietárias. Sem dúvida um         se nem sempre são ignoradas carecem                 dinheiros aos desgraçados”. Aqui, no
dos principais sócios foram os governos      ser redimensionadas).                               fundo, estava em questão a construção
e seus políticos patrimonialistas. Foi                A primeira refere-se ao modo               de um tipo de sociedade civilizada,
esse o sentido da sua história pós-          como foi pacificada: através da chacina             cristã    e   progressista    assentada
independência, durante a qual a região       de homens, mulheres e crianças de                   diretamente      na    barbárie.     Um
variou (embora nem sempre) os tipos          todas as cores, promovida pela Divisão              verdadeiro estado de sítio social. A
de “produto”: escravos, terras, drogas       Pacificadora do Norte sob o comando de              quadratura do círculo: uma civilização
do sertão, arroz, algodão, açúcar, gados,    Luiz Alves de Lima e Silva, o celebrado             bárbara.
couros, panos, madeiras, babaçu,             Duque de Caxias e Patrono do Exército
minérios,     carvão,     soja,   bancos     brasileiro. Isso manteve e reforçou um
comerciais, especulação imobiliária,         programa de poder em gestação desde
narcotráfico, obras e serviços públicos,     meados do século XVIII, pelo menos, no
etc.. O significado mercantil, porém,        bojo da colônia de exploração. A
manteve-se o mesmo.                          respeito do massacre, valem as palavras
        Nossa hipótese é de que, na base     de Carlota Carvalho, em O Sertão
desse empreendimento, o Maranhão             (1924): “O espetáculo dos suplícios não
emergiu como programa de elites              havia somente aterrado, como queriam
senhoriais, em geral luso-brasileiras.       os comandantes das forças legais. O
Programa? Sim, um “projeto” próprio de       espetáculo dos suplícios alucinou aquela
“classes” e poder construído e               gente”. Aconteceu o que Estêvão de
codificado nos seus “comandos” básicos       Carvalho antecipou em versos, no jornal
(natureza, território, população, classes,   Bem-te-vi, em julho de 1838: “Ferverão
memória, costumes, política, cultura) no     rodas       de      pau/Gonilhas           vão
final do período colonial e nos tempos       renascer/Duras           algemas,            e
do império, no interior da ordem             cordas/Nossos pulsos vão prender/Bem
nacional nascente. Assim, por exemplo,       tristes, bem desgraçados/Vão ser nossos
não se trata de outra coisa quando o         costados!/Calabouço           escuro,        e
ilustrado senhor de lavouras e escravos      feio/Pesados                         troncos,
                                                                                              Sobre a resistência política no Maranhão
Raimundo Gayoso, no Compêndio                grosseiros,/Prenderão         talvez      p`ra
                                                                                              hoje, o historiador opina, dizendo que, “de
Histórico-político dos Princípios da         sempre/Milhares de Brasileiros”.
                                                                                              um modo ou outro, resistência sempre
Lavoura      do     Maranhão      (1818),            Foi expressão marcante dessa
                                                                                              houve e continua havendo, mas, se for
hierarquiza as suas classes principais;      violência sem meios termos o
                                                                                              querer demais, as energias da indignação
frei Francisco Nossa Senhora dos             recrutamento                          forçado
                                                                                              não convergem para efetivamente virar regra
Prazeres sistematiza sua história na         (sintomaticamente        batizado       como
                                                                                              do jogo ou pelo menos gerar a possibilidade
Poranduba Maranhense (1826); ou              “pega” na memória popular) levado a
                                                                                              da construção da exceção verdadeira”. (Foto
então quando o major Paula Ribeiro           cabo pela polícia. Em janeiro de 1839,
                                                                                              da III Marcha contra a Corrupção no
descreve o território da Capitania, em       João Lisboa registrava na Chronica
                                                                                              Maranhão, ocorrida no ano passado, em São
especial Pastos Bons, em Roteiros e          Maranhense:          “recruta-se          sem
                                                                                              Luís).
Descrições (1815 e 1819). Do mesmo           precederem editais para o alistamento
modo quando o médico César Marques           voluntário; recruta-se o redator, e o                      A segunda razão deve-se à sua
constrói a sua memória no Dicionário         responsável dos jornais da oposição;                condição de instante único da
Histórico-Geográfico da Província do         recruta-se o cidadão unanimamente                   resistência popular na História do
Maranhão (1870) e Henriques Leal             absolvido      pelo     júri;     recruta-se        Maranhão, à sua intensidade e
(também médico de formação) biografa         indistintamente de noite, o casado                  amplitude, mas também aos germes de
                                                                                                 um “verdadeiro estado de exceção”. Os
camponeses e escravos puseram em             agora em modo de festa e espetáculo)?       exemplos de concentração da riqueza e
xeque o projeto de poder acima nos           Não seria também, por essas razões,         desigualdade social num país de
seus dispositivos básicos e intoleráveis,    momento crucial de decisão quanto à         vanguarda nestes quesitos. Noutras
abrindo a história para o inusitado. A       construção de uma ordem oligárquica         palavras, e na linha dos comentários de
criação de um grande quilombo dentro         do terror (inédita?), especialmente         Oliveira e Arantes sobre o Brasil, junto a
de uma fazenda, como a da Lagoa              contra camponeses, enquanto garantia        este,     nos      universalizamos     (os
Amarela, não é um acontecimento              de negócios rendosos (como os da terra)     maranhenses) como um dos nervos
desse porte? Já por isso tal revolta         e sabe-se lá o que mais? Olhando daqui,     expostos da monstruosa fratura social
precisa ser lembrada. Mas, com todos         parece mais que retórica a referência,      brasileira do mundo. Para além do
os paradoxos possíveis, os rebeldes          no discurso da posse do novo                problema da percepção, a intuição é de
ainda tomaram núcleos urbanos                governador, ao Marquês de Pombal, o         que definitivamente chegamos lá. O
importantes (Caxias, Brejo), quase           “déspota esclarecido” de D. José I por      programa mencionado compôs tanto a
ocuparam a capital e feriram dois            trás da criação da Companhia Geral do       matriz da sombria história do Maranhão
sustentáculos      da     província:    a    Grão-Pará e Maranhão (1755-1778).           Novo quanto foi realizado e, mais que
desigualdade social e o racismo. A                   Nem é segredo o quanto, em boa      isso, atualizado na forma da barbárie
“distinção do Homem só se distingue do       parte, o dito Maranhão foi concebido        social de agora e, por consequência,
Rico do Pobre, o virtuozo do libertino, o    como proposta de desenvolvimento            pelo choque entre passado e futuro.
Justo do Pecador em mais tudo tem            inspirada na retomada – e superação -               A chegada perturbadora do
igual direito”, dizia Raimundo Gomes.        de um passado glorioso e culturalmente      Maranhão ao seu “eterno presente”
No ofício ao major Pio, de 11 de             singular, inventado e reproduzido pelas     significa também passagem para uma
novembro de 1840, o “infame” Cosme           elites letradas como profecia de futuro.    espécie de castelo kafkiano (em versão
era mais radical: “a República é para não    O que sugere, outra vez, a convergência     local) de “gestores” de recursos,
a ver Escravidão”.                           de razões longínquas e próximas nas         misérias e domínios onde a política,
         Tempos depois, algo desse           camadas mais profundas da nossa             ultrapassando absurdamente a si
sonho de revide ainda pulsaria na            memória histórica. Por isto, em tempos      mesma, é vertida em pura dissimulação,
memória popular, em toadas antigas           mortos, dominados pelo espetáculo das       negócio e delinquência. Para as
iguais a de Sebastião Carvalho, do Boi       imagens e a simulação da política, as       oligarquias trata-se de um estado de
de Santa Luzia: “Avança meu                  gerações recentes talvez possam             “pós-política” ou “pré-política” (tanto
batalhão/Agora       que     eu     quero    aprender (esperamos) com Maranhão           faz), pois ao buscar suprir suas velhas
ver/Batalhão da linda amante/Bota a          66, de Glauber Rocha. Em janeiro de         pulsões de domínio total, atraindo à sua
polícia pra correr”. Ou nos versos de        1966 o novo governo teve início,            influência os diversos grupos de
canções como “Flor do Mal”, de César         literalmente sob a guarda do traumático     interesses (nos limites da indistinção), o
Teixeira: “bananeira não tem flor/mas        golpe civil-militar dado em abril de        seu comportamento ambíguo e
tem no chão/bananas para os                  1964. Ao filmar de “encomenda” a            intercessor que, mal ou bem, era fruto
macacos/que mataram lampião”.                “posse” e documentar, em imagem e           da margem de autonomia entre tais
        Maranhão Novo - Olhando de lá        som, a barbárie, um instante crucial foi    grupos, tende a perder a antiga função,
para cá ou ao inverso, a impressão é         flagrado pelo jovem cineasta de Deus e      preservando-se no máximo como
que, apesar das aparências em                o Diabo na Terra do Sol (1964): o das       simulacro. Neste ponto, sob a casca do
contrário, tal programa permaneceu           eleições para governador em 1965.           jogo das mediações domina o excesso.
inspirando as elites dirigentes depois da    Instantâneo que persiste e só ganha         Daí a pergunta: o que significa fazer
Abolição (1888) e da instalação da           plena compreensão nas lentes de Terra       política quando tudo se torna questão
República (1889). Atualizado na virada       em Transe (1967). Nestas, o Maranhão        de negócios escusos para os governos e
do século XIX para o XX, ele foi             do documentário é reapresentado na          seus chefões?
brutalmente realizado após o Golpe de        alegoria da província do Alecrim. Afinal,            Ao tratar demandas que não se
Trinta, principalmente nos quadros da        que província é esta? Parte de Eldorado     encontram mais fora e sim dentro de
ditadura militar (1964-85) e da vigente      (Brasil) onde atuam figuras como Díaz,      um mesmo universo indiferenciado de
democracia “neoliberal”.                     Vieira, Paulo, Sara, Fuentes, ela é uma     ação, vistas principalmente como boas
        No século passado, a “ordem”         velha sociedade de lideranças políticas     oportunidades para faturar, a “política”
das fazendas acelerou a expansão para        demagógicas, pusilânimes e corruptas,       passa a referir-se a outra coisa melhor
o      Oeste      (Mearim,       Pindaré),   bacharéis vaidosos, autoritários e          caracterizada          talvez        como
massacrando                  camponeses,     volúveis,      padres     colonizadores     “gerenciamento”          arbitrário     de
conquistando “terras libertas” e tudo        histéricos, camponeses vivendo ao deus      interesses. É daqui que precisamos
mais existente fora dos seus domínios.       dará. Nela manda o fazendeiro. Como         situar a sensação ambivalente de que
Sempre movida pela sagrada fome do           um deus, seu poder é tão onipresente a      tudo e nada mudou e as chances para
ouro. Ao final, o “progresso” encurralou     ponto de parecer irrepresentável.           transformação nas percepções e
e praticamente eliminou a “fartura”.         Glauber não o mostra, apesar de             práticas à esquerda. Quem sabe isso
Perguntamos: do ângulo sugerido, o           sabermos ser ele o mandante do              seja óbvio aos analistas, mas não temos
Maranhão Novo, além das suas razões          assassinato do líder camponês. A            certeza porque, em primeiro lugar,
específicas, não teve também suas            província, ademais, agoniza enterrada       nestes termos, aquele Maranhão não se
condições de possibilidades sociais,         até a medula no “Terceiro Mundo”.           reduz a um governo específico, nem a
políticas e culturais mais remotas                    Em Maranhão 66, a realidade        um personagem ou grupo político e suas
naquele programa de senhores de              social cruel do “subdesenvolvimento” é      ideologias       idiossincráticas     (por
gentes, lavouras, gados e terras, nutrido    contraposta a uma promessa de               fundamentais que sejam), porém inclui
nas guerras de extermínios e em              superação que (diga-se quantas vezes        também a presença de forças históricas
miragens como a do Maranhão Atenas e         necessário) hoje sabemos aonde              antigas e latentes. E, em segundo lugar,
outras mais (uma delas se reencenando        chegou: ao status de um dos principais      com bases materiais definidas, entre
estas o vasto mundo das fazendas e          patrimonialista. Como indicado, nas                “glorioso” (e vice-versa). Assim sendo,
suas relações sociais dos tempos da         antigas formas de ação, bem ou mal, a              posto o tema da sua “extinção” (sempre
escravatura, foi programa exitoso,          lógica era “política”, pautada nas                 iminente), suponho possível começar a
socialmente        corporificado      nos   mediações do favor. Agora, nos                     olhar criticamente       essa história
“maranhenses”, indivíduos “dóceis” a        domínios da administração fria do medo             “teleológica” no retrovisor e demarcar o
compor rebanho de súditos cristãos          ou terror, esse velho habitus senão                que foi complicado inventariar todo
barbarizados, sem o que ele não             desapareceu pelo menos se assemelha                tempo: o problema da alteridade do
funciona e rende.                           rapidamente ao negócio puro e simples              passado relativa ao presente. Ou seja,
        Ditadura e democracia - Tal         do crime, isto é, tal como um sequestro,           escrever o testamento e enterrar prá
momento decisivo esteve inscrito            à troca do “risco” pela segurança                  valer os mortos insepultos – destino
visceralmente nas reviravoltas geradas      vendida pelo preço mais caro possível.             trágico das maiorias de ontem e hoje,
pela ditadura e seus desdobramentos na                A mutação da “malandragem”               esse do desterro até na morte... -
democracia contemporânea. Rearranjo         em “gangsterismo” (chame como                      produzidos pela sucessão infernal dos
marcado pela esperança, mas também          quiser), ao expor a face mais destrutiva           negócios catastróficos.
sacrifício de toda uma rica perspectiva     da política, sinaliza a possibilidade da                  Mas precisamente aí reside uma
democrática “antioligárquica” elaborada     extinção mesma do eterno balanceio                 das primeiras dificuldades a embaçar o
exemplarmente por gerações de               “dialético” entre ordem e desordem.                espelho referido. Receamos que parte
intelectuais (vários já desaparecidos)      Indica também as diferenças entre um               influente daqueles educados ou
como Sérgio B. de Holanda, Caio Prado       tipo de capitalismo (ou negócio) que,              inspirados na tradição crítica de fato
Jr., Celso Furtado, Raymundo Faoro,         bem ou mal, de maneira despótica ou                precisa dar-se conta de que a
Florestan Fernandes, Maria Sylvia de        não,     integra      aparentemente         a      perspectiva do seu objeto – associando
Carvalho Franco, Antonio Candido,           “sociedade” e outro que lucra através              desenvolvimentismo (seja em que
Roberto Schwarz, Fernando Novais            da invasão e matança. Seria tal juízo
(lembro alguns que nos marcaram de          mera        condenação        “moralista”,
perto). Foi o que aconteceu quando as       doutrinária,     pessimista      e       sem
presidências de FHC (1995-2002) e Lula      fundamentos? Talvez. Mas, mais que
(2003-2010), pelos pactos diabólicos de     isso, ele faz lembrar num plano amplo
sempre       entre     “avançados”      e   os comentários de Guy Debord sobre A
“atrasados”, aderiram ao ajuste e           Sociedade do Espetáculo (leia-se:
atualização conservadora aos novos          sociedades                      totalitárias
ditames do capitalismo mundial.             contemporâneas).          Neste        livro,
Ajoelharam e beijaram a cruz, na            elaborado na atmosfera do Maio de 68,
imagem do último feita por Arantes.         notava o outro lado do espetáculo na
Para este, na acusação tão justa quanto     conversão do capitalismo aos esquemas
maturada ao golpe de 1964 (em O Que         mafiosos: “No momento do espetacular
Resta da Ditadura, livro obrigatório        integrado, ela [a máfia] reina como
organizado por Edson Teles e Vladimir       modelo de todas as empresas
Safatle), tudo isso remontaria aos anos     comerciais       avançadas”.        Debord
1960, particularmente àquele marco          comentava da Itália (berço das máfias) e
genealógico e “interminável” do fim         observava essa coisa acontecendo nos
efetivo da Era Vargas e da montagem,        Estados Unidos (matriz do capitalismo
em dois tempos por assim dizer (o           contemporâneo).           Contra           as
“ditatorial” e o “democrático”), do         expectativas, tais formas sociais de
estado de emergência contemporâneo          organização      haviam     se     tornado      Segundo Flávio Soares, no Maranhão do
(ou domínio total do capital em sua fase    exemplos para empresas, governos e              sécúlo XXI, onde o político malandro de
financeira).                                instituições em geral. É no contexto            ontem, cedeu lugar ao gangster de hoje, o
        Se não erramos demais quanto        abrangente do “espetáculo integrado”            capitalismo “lucra através da invasão e
ao espírito geral do problema acusado,      que se dá (a partir do marco indicado) a        matança”. (Foto de madeireira na região de
o salto para a Nova República,              emergência no Brasil de um mundo de             Buriticupu).
executado com as Forças Armadas pelo        “honoráveis bandidos” e suas biografias            versão for) e radicalização democrática
ex-governador do Maranhão Novo e            autorizadas, as quais, quase sempre                – foi alterada e por mais que se queira
atual      presidente      do      Senado   fascinadas pelos seus personagens frios            não é possível voltar atrás, não nestes
(rigorosamente no melhor estilo             e cruéis procuram “humanizá-los” (na               termos, e simplesmente rejuntar os
“Porfirio Díaz” de Terra em Transe), é      verdade, mitificá-los), como se já não             cacos da história. Necessita partir daqui,
revelador dos laços de família              fossem        “humanos,        demasiado           dar o adeus final e deixar de escutar o
incontornáveis entre ditadura e             humanos”.                                          disco já furado da eterna formação do
democracia espetacular, constitutivos               Mudança de perspectiva - É                 país “novo” e suas sequências variadas
do nosso atual regime de exceção.           também        nesse      momento           da      de euforia e depressão. Nesse disco a
Neste,      somos     todos      lançados   constituição de uma democracia                     canção da “modernização” ainda é faixa
literalmente à condição de testemunhas      espetacular e sinistra a partir dos                das mais tocadas. Pura nostalgia, pois,
oculares de grupos governamentais que       governos militares que o programa                  mais que nunca os lances de agora
de políticos têm cada vez mais apenas       maranhense se consumou, mas agora                  envolvem a ultrapassagem da análise da
as máscaras (e nem isso talvez...). Na      de vez. Podemos dizer que, além de se              modernidade maranhense enquanto
prática, seguem “regras” que há muito       universalizar (junto com o país), para ele         promessa ou projeto realizado pela
suspenderam os escrúpulos de qualquer       o futuro enfim chegou e, de certo                  metade ou então dessa ou daquela
ética ou norma instituída, mesmo            modo, se encontrou com o seu passado               forma autoritária, contendo ainda, na
suas “contradições”, possibilidades                 Em função de tais danos tudo        nos quais aquela natureza “resiste” em
transformadoras.           Possibilidades   isso pode parecer atrasado. No entanto,     estado selvagem ou quase, agravando a
derivadas das “brechas” a serem             o negócio maranhense foi produto            percepção (cinicamente difundida) de
exploradas pelos grupos e pessoas           moderno de parto (ou estupro?) louco        que tudo resta a fazer quando, de
certas, isto é, aquelas sinceramente        das contradições em processo do capital     verdade, uma era se encerra. O
comprometidas com ideais populares e        e seus agentes, assegurado pela             resultado social aparece na proliferação,
democráticos e que, entendidas nas          construção de uma ordem estatal do          aparentemente estranha, de populações
complexidades e matizes de cada             terror ou do medo cujos capangas e          miseráveis e pobres, motorizadas e
“conjuntura”,     saberiam      negociar    policiais integram a linha de frente.       conectadas, sobrevivendo no meio da
alianças almejando o comando ou influir     Como de resto o Brasil, se é certo que o    “riqueza” natural. A desigualdade e
como assessor, consultor ou conselheiro     país é um “imenso maranhão”. Algumas        miséria social não será aqui, neste
sobre este.                                 lições iniciais, então, podem ser           mundo programado de guetos e favelas,
        Com franqueza, não há “razão        extraídas. Primeira: a formação e o         uma das questões mais promissoras
comunicativa” capaz de racionalizar         progresso da nação e de suas regiões        para a crítica?
“bagunça” tão monstruosa. Além disso,       acabaram na monstruosidade social e                  O outro lado dessas questões,
talvez por causa dos estilhaços no          no estado de emergência de agora;           tão ou mais importante, implica o
espelho, quem investiga tais assuntos       segunda:      a   lógica     social   do    retorno aos fundamentos da nossa
depara situação onde, com raras             desenvolvimentismo foi catastrófica,        história, recalcados ou não. História
exceções, os novos estudos do passado       com danos humanos irreparáveis;             onde, em síntese, sempre estiveram
estão apartados das pesquisas do            terceira: malgrado as “resistências” e      ligados negócio, exceção e miséria. E
presente, o debate local/nacional do        paciência admiráveis das classes            mentira, é claro. Neste caso, vale para
debate mundial, e o que se diz num          populares, o Maranhão foi de fato           as gerações “derrotadas” de hoje a
campo quase nada ressoa no outro            constituído por uma determinada             retomada daqueles instantes e sujeitos
(exemplos: a questão camponesa sobre        história da modernidade e reconhecer        que, de um modo ou outro, ajudem a
a da cultura popular ou a política sobre    isso não implica olhar para ela apenas      vislumbrar caminhos alternativos ou
a religiosa). Em meio a “migalhas” de       pelos seus dogmas (ao contrário, é          pelo menos questionamentos efetivos
histórias que nada teriam a ver entre si,   necessário narrá-la a contrapelo);          aos projetos vencedores. Um estudioso
as poucas tentativas de gerar               quarta: a população camponesa (onde         sensível da História do Maranhão (e do
percepções      mais      amplas      não   muitos localizaram de boa fé fontes de      Brasil) perceberá em João Francisco
conseguiram superar aquele tipo de          projetos alternativos, inclusive no         Lisboa (1812-1863) uma dessas figuras.
obra coletiva onde cada “especialista”      “campo” cultural e religioso com                     Ao analisar no Jornal de Timon,
apresenta em artigos ou capítulos o que     manifestações      como       boi-bumbá,    na fase da configuração do programa
vale a pena ser sabido no “seu campo”       tambor de crioula, casa das minas)          provincial, a sua política a partir do
(em geral propagado como em franca          sofreu brutal processo de expulsão e        crime ou “mal” e das suas formas de
expansão), sem que se vislumbrem            extinção, origem das novas vidas            encenação, o jornalista esperava dar
conexões ou possibilidade de reflexão       “matáveis” nas cidades e outros             conta dos temas a seguir: “o nascimento
fora das visões compartimentadas e          estados. Em suma, nesta esquina do          e organização dos nossos partidos, a sua
encurtadas. A “síntese”, quando             mundo aprendemos (ou precisamos             marcha, a sua queda e dissolução, as
procurada, não passa do título, reduzido    aprender),        sobretudo,         que    exclusões, as depurações, as ligas, as
a slogan.                                   modernização e radicalização social da      cisões, as lutas do governo e da
        Enquanto isso, grande parte vai     democracia são caminhos muitos              oposição, os jornais, as circulares, a
apenas tocando serviço e procurando se      distintos.                                  correspondência privada, os clubes, as
ajustar ou nadar do jeito que der a favor           Voltando a Lisboa - Repensar tais   procissões, os festins, as chapas, as
da corrente. Mas à medida que nosso         questões passa pela inserção criativa no    listas, as urnas, as apurações, a
retrovisor for se recompondo será           debate       mundial        sobre     as    falsificação em todos os seus graus, a
possível sentir (assim esperamos) o         transformações contemporâneas, as           calúnia e a injúria, a raiva e a violência,
quanto aquele programa funcionou, no        quais, até o momento apontam não            o tumulto e a desordem, as vias de fato,
fundo, como ilusão ou fantasmagoria         para democracias efetivas, mas para         o cacete, a pedra, e ainda, se tanto é
objetiva, ajudando a transpor ranços        modalidades sofisticadas e assustadoras     mister, o ferro e o fogo, rematando tudo
passadistas. Uma alucinação a revestir a    de controle social e desumanizador das      pelas escolhas mais vergonhosas e
história de um empreendimento que           vidas. O típico “caboclo” motorizado e      deploráveis, se é que a cousa sofre o
sob alguns aspectos (especialmente os       conectado por parabólicas, mas sempre       nome, e se escolhas se podem chamar o
da violência e “irracionalidade”)           pobre e precário, visto nas estradas,       resultado de tantas infâmias, do puro
extrapolaram os limites até de velhas e     povoados e cidades do interior, sinaliza    acaso, e do capricho.” Continuando: “E
boas     categorias    como     as     de   para novas formas de dominação e            como consequência destas paixões
“acumulação primitiva” de Marx ou de        “servidão por dívida”. São indícios de      delirantes, destes ódios acesos e
“capitalismo político” de Weber e cuja      situação onde a natureza (terras, rios,     travados pela peleja formal, a
produção permanente da tragédia             matas) foi quase toda apropriada pelas      degradação de todos os caracteres, a
natural e humana surge nos seus             fazendas ou outros tipos de negócios        cobiça desordenada, a avidez de
reversos: devastação da natureza,           (como indicam as cercas quilométricas),     distinções, a ambição de cargos
massacre e extermínio das populações        em parte explorada e em muito maior         elevados, o furto, o roubo, o
indígenas, escravidão dos negros,           parte mantida como pura reserva ou          estelionato,     os    assassinatos,    as
caçada e perseguição aos camponeses,        meio de especulação, gerando a              apostasias, as traições, a difamação
inferno e encarceramento urbano das         sensação de que mesmo nas áreas mais        erigida em sistema, a miséria real
classes populares e trabalhadoras nas       antigas, lesadas por séculos de             rebuçada por aparatosas ostentações, o
Pedrinhas da vida.                          ocupação e devastação, existam lugares      horror ao trabalho e ao estudo, a
ignorância, a presunção”. Por fim: “Esta     bem-te-vis e dos negros insurretos            que é Grupos Políticos e Estrutura
é a vida ordinária (ninguém pasme),          liderados por figuras excepcionais como       Oligárquica no Maranhão (1992). Diante
regular, ou normal, como se usa chamar       Raimundo e Cosme, não parece lançar           de diagnóstico tão implacável, produto
agora; mas para suavizar-lhe a               ainda apelos ao Maranhão de agora? Se         de análise lúcida, não obstante as
monotonia, e matizá-la, Tímon há de          sim, quais? Do nosso canto, o quadro          marcas de classe, o que fazer? Difícil
achar amplos recursos em todo gênero         das elites pintado por Lisboa sugere          responder, mas acho que a construção
de opressões, nas demissões, nos             linhas de fuga promissoras demais para        da pauta positiva começaria não pela
processos, nos recrutamentos; virão          terminar tombado como objeto de               recusa, porém, sobretudo, pela volta a
depois as revoltas, as rebeliões, as         discursos comemorativos, praças e             projetos como o do Jornal de Timon,
guerras civis ou, melhor, sociais; as        estátuas,     provavelmente       mirando     ruminando-o nos seus avessos, pois nele
repressões        sanguinolentas         e   reconhecimento e imortalidade pelos           a sociedade aparece nos termos da
inexoráveis, a impunidade, as anistias”.     serviços prestados numa academia,             política (na acepção liberal: eleições,
                                             universidade ou instituto quaisquer. No       partidos) e não enquanto sua usina
                                             entanto, ao se retomar projetos como o        geradora. Como a exceção assumiu
                                             do Jornal será necessário rever seu           outras dimensões, o retorno implicaria
                                             ponto de chegada, pois o horizonte            investigar o modo pelo qual essa
                                             atual não é mais o da formação nacional       política, tal qual velho vampiro ou
                                             ou regional a partir da experiência           saturno sedento, explorou as energias
                                             colonial. Em nossa opinião, isso implica      dessa usina nos seus limites,
                                             recuperar em perspectiva ampla no             principalmente das classes oprimidas,
                                             tempo e no espaço – nos termos de             invertendo a ordem das coisas e
                                             uma verdadeira história da exceção - a        produzindo a fantasmagoria, sem
                                             sua consciência crítica diante da             dúvida nenhuma objetiva, da sua
                                             realidade     local, indagando        suas    onipotência.      Qüiproquó      a    ser
                                             possibilidades e limitações.                  desarmado para que a sociedade e suas
                                                     Como dito, analisando o espírito      formas de associações reapareçam
                                             das elites governantes, ele soube             como espaço das multiplicidades e
                                             apanhar o problema do seu ethos               subjetividades e, aí sim, “um dia”, possa
                                             criminoso na raiz. Atraído pela               ser, além dos “muros descaídos” da
                                             compreensão dos costumes das classes          história, “menos ilusão”. De que outro
                                             dominantes, especialmente das elites          modo será se não assim?
 Flávio Soares diz que, “não é               políticas, notou o quanto eram                        Certo de que a província não é
 preciso        invocar      teorias         corrompidos e haviam se alastrado pelo        para principiantes, uma coisa é
 internacionais para perceber a              resto da população. O resultado era um        imprescindível a quem se disponha, nas
 atualidade de João Lisboa e o               tipo de sociedade moralmente sitiada,         próximas décadas, a trilhar a longa rua
 ponto de partida ou trincheira              onde a vida se apresentava restringida a      de mão única chamada Maranhão e
                                             recalques e sublimações de misérias e         onde não são poucas as razões para a
 singular que ele estabeleceu para a
                                             vícios, inclusive através das expressões      “vergonha de ser um homem”: a
 crítica,     longe de qualquer
                                             culturais e estéticas. Nela, a violência      compreensão de que novos conceitos,
 complacência”. (Foto de João                imediata, mais anárquica, da exceção          propostas e modos de agir, sejam quais
 Lisboa)                                     tendia a predominar sobre a oscilação         forem, precisam funcionar como
                                             entre o legal e o ilegal, radicalizando o     máquinas de guerra em zonas cinzentas.
       O leitor do Jornal verá o quanto      “mal” sem o contraponto “dialético”           Isto é, como conceitos e formas de ação
foi cumprido á risca tal proposta de         forte do bem. Diante disso, como              que, dialéticos ou não, mantenham o
exposição      da     normalidade       e    mestre na província, ao anotar grande         pensamento vivo e criativo, atualizem
anormalidade      da     vida    política    parte do jogo pelo qual, sem mais, a          projetos     alternativos   virtualmente
provinciana aos seus contemporâneos.         civilização resulta em barbárie, o            existentes nas multidões e abram novos
Não é preciso invocar teorias                progresso na destruição, a lei no crime,      horizontes de expectativas. Em suma,
internacionais    para     perceber     a    Francisco Lisboa chegou ao sentimento         categorias independentes do controle
atualidade de João Lisboa e o ponto de       dramático do impasse decorrente das           midiático e calhorda (essa é a palavra)
partida ou trincheira singular que ele       semelhanças profundas entre situação e        dos grupos de poder hegemônicos, para
estabeleceu para a crítica, longe de         oposição e da impotência da “patuléia”.       lembrar o alerta de Walter Benjamin
qualquer complacência. Ao lê-lo somos        Ou seja, à percepção de que dentro do         sobre o uso que o fascismo fez do
assaltados pelo estranho presságio de        programa        mencionado        (leia-se:   conceito de progresso. Pois, como tigres
que ao avançarmos rumo aos horizontes        MARANHÃO) eram praticamente nulas             ou serpentes famintas, tais classes
de expectativas do Maranhão Novo,            as possibilidades de novos usos para as       vivem à espreita das ideias novas para
regredimos, mais que aos tempos da           classes de baixo (além dos indicados),        reterem em suas garras ou anéis e, com
República Velha, aos espaços de              mas também para o reformismo                  elas, se perpetuarem no mando,
experiência da antiga Província do           ilustrado de alguns segmentos das elites      sujeitando massas interessadamente
Norte. A impressão do encontro sinistro      dirigentes.                                   servis à espera da salvação. Ou será que
entre vivos e mortos, entre últimas e                Talvez intervenções neutras do        não?
primeiras gerações, justifica um enigma      poder central pudessem alterar alguma
                                             coisa? O tempo indicou que nem assim,         *
crucial a ser decifrado: esse Maranhão                                                      Ensaio publicado no Jornal Vias de Fato,
que é tanto o dos poderes oligárquicos       dada as conexões umbilicais das               edição janeiro 2012.
bárbaros e dos seus delírios atenienses      oligarquias com esse poder, como              †
                                                                                               Flávio Soares é professor da UFMA.
quanto o do Timon, o da guerra dos           mostrou Flávio Reis no estudo magistral

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Voltando ao Maranhão de João Lisboa.

  • 1. * Voltando ao Maranhão de João Lisboa Por Flávio Soares† Para Flávio Reis, Chico Maranhão e Paulo Arantes. “A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a esta verdade” (Walter Benjamin, Sobre o conceito da história). Das nossas misérias - Olhando a serão uma espécie de Lado B que hoje análise crítica sobre a situação particular História do Maranhão pelo retrovisor, também é cada vez mais um Lado A, do estado. Ponto caracterizado pelas ressalta que ela foi para as classes uma vez que réplicas de outros existências superpostas e reversas do populares a experiência dolorosa de um “maranhões” se generalizam pelo Brasil que considerávamos “centros” e desastre social. No imaginário popular adentro e planeta afora, como sugerem “periferias” ou “avançados” e ela é marcada por tempos de “fartura” e aquelas analogias? “atrasados”. Sem perder de vista a de “precisão” e violência, que se Considerando a constatação da especificidade regional, nem eximir combinam às vezes recusando a tragédia mesmo nos censos do IBGE e grupos de poder locais das suas mitificação: “Naquele tempo tudo era os diagnósticos mencionados, resta responsabilidades, tal perspectiva ruim e... bom. Bom, porque tudo era permite ampliar a análise, evitando as barato... ruim porque o pobre não tinha armadilhas dualistas que fixam o nada” (João Moreno do povoado de Maranhão na mitologia de um Brasil Porto Velho, em Assunção, A guerra dos “errado” contraposto simplesmente a Bem-te-vis). Hoje, essa percepção outro que “deu certo” (a exemplo da TV ganhou outras proporções. Assim, ao se Globo no episódio “Vargem medir, em juízo negativo, São Luís pela Grande/Vinhedo”), e inclusive avaliar a Bagdá dos tempos da invasão desfaçatez e o avacalhamento americana, ou o Maranhão pelo Haiti, intrínsecos daquelas classes quando Angola, Afeganistão, tais comparações tentam se desculpar alegando “deus”, o podem soar como apreciações “mundo”, a “história”, a “cultura”, a excessivas de quem quer liquidar “natureza” e por aí segue. Vale também qualquer esperança. Lembram outras para a questão da resistência e analogias frequentes no campo das dissensão, pois se a atual favela reflexões locais, de sentido positivo, maranhense foi configurada graças às como Atenas do século V antes de Cristo decisões dos grupos hegemônicos ou Manchester do período da locais, a diferença, a nosso ver, se dá no industrialização inglesa. Como se a campo das lutas sociais, pois nos generalização atenuasse o choque da “maranhões” de lá revoltas explodem e realidade, deformando e sublimando a na “Palestina” de cá há tempos quase compreensão. Mas, nessa era de nada parece acontecer. mundialização capitalista catastrófica, Não significa que todos aqui os primeiros paralelos indicam uma aceitam a injustiça social sem protestar. tragédia social real e antiga. De um modo ou outro, resistência Talvez possamos pensar tais sempre houve e continua havendo, mas, analogias enquanto parte da “fratura O Historiador Flávio Soares enfatiza o olhar de se não for querer demais, as energias da brasileira do mundo” que Paulo Arantes Glauber Rocha sobre o Maranhão: “uma velha indignação não convergem para examina (em livros inspirados como sociedade de lideranças políticas demagógicas efetivamente virar a regra do jogo ou Zero à Esquerda e Extinção), ao pusilânimes e corruptas, bacharéis vaidosos, pelo menos gerar a possibilidade da repassar, nos termos da “dialética da autoritários e volúveis, padres colonizadores construção da “exceção verdadeira”. Ao malandragem”, as percepções da histéricos, camponeses vivendo ao deus dará”. contrário, quanto mais sobe o nível das “brasilianização” do centro (EUA, (Imagem do filme Maranhão 66). desgraças mais se agrava a corrosão das França), emergentes num momento de pouca dúvida de que, na condição de forças dos movimentos sociais. A esvaziamento do mito do “país do um dos primeiros exemplos da tendência é de que a miséria, em todos futuro”. Neste âmbito, vale a pergunta desigualdade social num país “líder da os sentidos, se normalize seguinte. Se o sociólogo Francisco de concentração da renda” no mundo, a perigosamente como estado natural. Oliveira acertou no diagnóstico de que o nossa província encontra-se encravada Frear tal processo pela impulsão “futuro” do Brasil acabou na no horror nacional. Não só. Cada vez daquelas forças é vital para os que monstruosidade social presente (na mais parte do “planeta favela”, isto é, tentam exercer a crítica ou fazer metáfora do ornitorrinco), resultante do do mundo urbano instalado “na qualquer coisa criativa com algum tipo de “modernização conservadora” e miséria”, na “poluição, excrementos e retorno social. O que, por sua vez, passa dependente promovida no “passado”, deterioração”, mapeado pelo por refletir sobre as articulações entre especialmente a partir do Golpe de historiador Mike Davis, o Maranhão, de antigos e novos dispositivos de controle 1964, o Maranhão não será então um exceção vai passando à regra, se já não social, seus agentes e suas eficácias, dos lados particularmente reveladores? passou. De toda maneira, a questão bem como acerca das armas Os maranhenses, nessa história, não parece o ponto de partida de qualquer
  • 2. empregadas para pensar e intervir a vidas ilustres no Pantheon Maranhense como o solteiro, o velho como o respeito. (1875). mancebo, e pela manhã saem os Programa maranhense - O seu funcionamento foi recrutados barra fora; recruta-se a Voltando à perspectiva inicial, o outro assegurado por um campo de forças ou bordo das embarcações que estão de lado da nossa experiência com guerra latente caracterizado pela partida, e o que é mais, a bordo das catástrofes indica sua ligação, em combinação de formas extremas de embarcações de cabotagem, contra a grande medida (se não toda), com a domínios conservadores e intensa expressa determinação de vários avisos, história dos negócios que proliferaram desigualdade e injustiça sociais. Foram recruta-se o povo que acorre a festejar no Maranhão e suas “falsas euforias”, partes dessas forças (grandes os dias nacionais; recruta-se o desde o seu aparecimento como proprietários de terras, alto comércio, estudante, cuja aplicação e habilidade o rendosa empresa da casa real na elites administrativas, políticas, próprio redator do Investigador [Sotero colônia. Observe-se: não o Maranhão militares, jurídicas, religiosas, letradas) dos Reis] atesta na sua qualidade de “Estado colonial” (1621-1772) - que decidiram os rumos a seguir neste professor; e recruta-se finalmente abrangendo, em princípio, gigantesca território em todas as diferentes testemunha que é judicialmente área de terras, rios e florestas quase conjunturas decisivas da história política convocado para jurar num processo de equivalente a metade do Brasil de hoje brasileira, a exemplos de 1822, 1831, morte. Para coroar a obra S. Ex. [o e estudada por Berredo nos Anais 1840, 1889, 1930, 1945, 1964, 1985. presidente da província] louva o Históricos do Estado do Maranhão Nesta história é preciso evocar patriotismo de um mandão do interior (1749) -, mas o que seria a “Província” especialmente o choque da balaiada ou, que o aconselhara a recrutar um do Norte do Império no século XIX. melhor dizendo, da guerra dos bem-te- vereador da câmara, só por ser este Desse lado, o Maranhão sempre foi vis e da revolta escrava (1838-41), por bentevi e mulato; em alguns pontos do negócio altamente lucrativo para as duas razões básicas no mínimo (as quais interior recruta-se para extorquir classes proprietárias. Sem dúvida um se nem sempre são ignoradas carecem dinheiros aos desgraçados”. Aqui, no dos principais sócios foram os governos ser redimensionadas). fundo, estava em questão a construção e seus políticos patrimonialistas. Foi A primeira refere-se ao modo de um tipo de sociedade civilizada, esse o sentido da sua história pós- como foi pacificada: através da chacina cristã e progressista assentada independência, durante a qual a região de homens, mulheres e crianças de diretamente na barbárie. Um variou (embora nem sempre) os tipos todas as cores, promovida pela Divisão verdadeiro estado de sítio social. A de “produto”: escravos, terras, drogas Pacificadora do Norte sob o comando de quadratura do círculo: uma civilização do sertão, arroz, algodão, açúcar, gados, Luiz Alves de Lima e Silva, o celebrado bárbara. couros, panos, madeiras, babaçu, Duque de Caxias e Patrono do Exército minérios, carvão, soja, bancos brasileiro. Isso manteve e reforçou um comerciais, especulação imobiliária, programa de poder em gestação desde narcotráfico, obras e serviços públicos, meados do século XVIII, pelo menos, no etc.. O significado mercantil, porém, bojo da colônia de exploração. A manteve-se o mesmo. respeito do massacre, valem as palavras Nossa hipótese é de que, na base de Carlota Carvalho, em O Sertão desse empreendimento, o Maranhão (1924): “O espetáculo dos suplícios não emergiu como programa de elites havia somente aterrado, como queriam senhoriais, em geral luso-brasileiras. os comandantes das forças legais. O Programa? Sim, um “projeto” próprio de espetáculo dos suplícios alucinou aquela “classes” e poder construído e gente”. Aconteceu o que Estêvão de codificado nos seus “comandos” básicos Carvalho antecipou em versos, no jornal (natureza, território, população, classes, Bem-te-vi, em julho de 1838: “Ferverão memória, costumes, política, cultura) no rodas de pau/Gonilhas vão final do período colonial e nos tempos renascer/Duras algemas, e do império, no interior da ordem cordas/Nossos pulsos vão prender/Bem nacional nascente. Assim, por exemplo, tristes, bem desgraçados/Vão ser nossos não se trata de outra coisa quando o costados!/Calabouço escuro, e ilustrado senhor de lavouras e escravos feio/Pesados troncos, Sobre a resistência política no Maranhão Raimundo Gayoso, no Compêndio grosseiros,/Prenderão talvez p`ra hoje, o historiador opina, dizendo que, “de Histórico-político dos Princípios da sempre/Milhares de Brasileiros”. um modo ou outro, resistência sempre Lavoura do Maranhão (1818), Foi expressão marcante dessa houve e continua havendo, mas, se for hierarquiza as suas classes principais; violência sem meios termos o querer demais, as energias da indignação frei Francisco Nossa Senhora dos recrutamento forçado não convergem para efetivamente virar regra Prazeres sistematiza sua história na (sintomaticamente batizado como do jogo ou pelo menos gerar a possibilidade Poranduba Maranhense (1826); ou “pega” na memória popular) levado a da construção da exceção verdadeira”. (Foto então quando o major Paula Ribeiro cabo pela polícia. Em janeiro de 1839, da III Marcha contra a Corrupção no descreve o território da Capitania, em João Lisboa registrava na Chronica Maranhão, ocorrida no ano passado, em São especial Pastos Bons, em Roteiros e Maranhense: “recruta-se sem Luís). Descrições (1815 e 1819). Do mesmo precederem editais para o alistamento modo quando o médico César Marques voluntário; recruta-se o redator, e o A segunda razão deve-se à sua constrói a sua memória no Dicionário responsável dos jornais da oposição; condição de instante único da Histórico-Geográfico da Província do recruta-se o cidadão unanimamente resistência popular na História do Maranhão (1870) e Henriques Leal absolvido pelo júri; recruta-se Maranhão, à sua intensidade e (também médico de formação) biografa indistintamente de noite, o casado amplitude, mas também aos germes de um “verdadeiro estado de exceção”. Os
  • 3. camponeses e escravos puseram em agora em modo de festa e espetáculo)? exemplos de concentração da riqueza e xeque o projeto de poder acima nos Não seria também, por essas razões, desigualdade social num país de seus dispositivos básicos e intoleráveis, momento crucial de decisão quanto à vanguarda nestes quesitos. Noutras abrindo a história para o inusitado. A construção de uma ordem oligárquica palavras, e na linha dos comentários de criação de um grande quilombo dentro do terror (inédita?), especialmente Oliveira e Arantes sobre o Brasil, junto a de uma fazenda, como a da Lagoa contra camponeses, enquanto garantia este, nos universalizamos (os Amarela, não é um acontecimento de negócios rendosos (como os da terra) maranhenses) como um dos nervos desse porte? Já por isso tal revolta e sabe-se lá o que mais? Olhando daqui, expostos da monstruosa fratura social precisa ser lembrada. Mas, com todos parece mais que retórica a referência, brasileira do mundo. Para além do os paradoxos possíveis, os rebeldes no discurso da posse do novo problema da percepção, a intuição é de ainda tomaram núcleos urbanos governador, ao Marquês de Pombal, o que definitivamente chegamos lá. O importantes (Caxias, Brejo), quase “déspota esclarecido” de D. José I por programa mencionado compôs tanto a ocuparam a capital e feriram dois trás da criação da Companhia Geral do matriz da sombria história do Maranhão sustentáculos da província: a Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). Novo quanto foi realizado e, mais que desigualdade social e o racismo. A Nem é segredo o quanto, em boa isso, atualizado na forma da barbárie “distinção do Homem só se distingue do parte, o dito Maranhão foi concebido social de agora e, por consequência, Rico do Pobre, o virtuozo do libertino, o como proposta de desenvolvimento pelo choque entre passado e futuro. Justo do Pecador em mais tudo tem inspirada na retomada – e superação - A chegada perturbadora do igual direito”, dizia Raimundo Gomes. de um passado glorioso e culturalmente Maranhão ao seu “eterno presente” No ofício ao major Pio, de 11 de singular, inventado e reproduzido pelas significa também passagem para uma novembro de 1840, o “infame” Cosme elites letradas como profecia de futuro. espécie de castelo kafkiano (em versão era mais radical: “a República é para não O que sugere, outra vez, a convergência local) de “gestores” de recursos, a ver Escravidão”. de razões longínquas e próximas nas misérias e domínios onde a política, Tempos depois, algo desse camadas mais profundas da nossa ultrapassando absurdamente a si sonho de revide ainda pulsaria na memória histórica. Por isto, em tempos mesma, é vertida em pura dissimulação, memória popular, em toadas antigas mortos, dominados pelo espetáculo das negócio e delinquência. Para as iguais a de Sebastião Carvalho, do Boi imagens e a simulação da política, as oligarquias trata-se de um estado de de Santa Luzia: “Avança meu gerações recentes talvez possam “pós-política” ou “pré-política” (tanto batalhão/Agora que eu quero aprender (esperamos) com Maranhão faz), pois ao buscar suprir suas velhas ver/Batalhão da linda amante/Bota a 66, de Glauber Rocha. Em janeiro de pulsões de domínio total, atraindo à sua polícia pra correr”. Ou nos versos de 1966 o novo governo teve início, influência os diversos grupos de canções como “Flor do Mal”, de César literalmente sob a guarda do traumático interesses (nos limites da indistinção), o Teixeira: “bananeira não tem flor/mas golpe civil-militar dado em abril de seu comportamento ambíguo e tem no chão/bananas para os 1964. Ao filmar de “encomenda” a intercessor que, mal ou bem, era fruto macacos/que mataram lampião”. “posse” e documentar, em imagem e da margem de autonomia entre tais Maranhão Novo - Olhando de lá som, a barbárie, um instante crucial foi grupos, tende a perder a antiga função, para cá ou ao inverso, a impressão é flagrado pelo jovem cineasta de Deus e preservando-se no máximo como que, apesar das aparências em o Diabo na Terra do Sol (1964): o das simulacro. Neste ponto, sob a casca do contrário, tal programa permaneceu eleições para governador em 1965. jogo das mediações domina o excesso. inspirando as elites dirigentes depois da Instantâneo que persiste e só ganha Daí a pergunta: o que significa fazer Abolição (1888) e da instalação da plena compreensão nas lentes de Terra política quando tudo se torna questão República (1889). Atualizado na virada em Transe (1967). Nestas, o Maranhão de negócios escusos para os governos e do século XIX para o XX, ele foi do documentário é reapresentado na seus chefões? brutalmente realizado após o Golpe de alegoria da província do Alecrim. Afinal, Ao tratar demandas que não se Trinta, principalmente nos quadros da que província é esta? Parte de Eldorado encontram mais fora e sim dentro de ditadura militar (1964-85) e da vigente (Brasil) onde atuam figuras como Díaz, um mesmo universo indiferenciado de democracia “neoliberal”. Vieira, Paulo, Sara, Fuentes, ela é uma ação, vistas principalmente como boas No século passado, a “ordem” velha sociedade de lideranças políticas oportunidades para faturar, a “política” das fazendas acelerou a expansão para demagógicas, pusilânimes e corruptas, passa a referir-se a outra coisa melhor o Oeste (Mearim, Pindaré), bacharéis vaidosos, autoritários e caracterizada talvez como massacrando camponeses, volúveis, padres colonizadores “gerenciamento” arbitrário de conquistando “terras libertas” e tudo histéricos, camponeses vivendo ao deus interesses. É daqui que precisamos mais existente fora dos seus domínios. dará. Nela manda o fazendeiro. Como situar a sensação ambivalente de que Sempre movida pela sagrada fome do um deus, seu poder é tão onipresente a tudo e nada mudou e as chances para ouro. Ao final, o “progresso” encurralou ponto de parecer irrepresentável. transformação nas percepções e e praticamente eliminou a “fartura”. Glauber não o mostra, apesar de práticas à esquerda. Quem sabe isso Perguntamos: do ângulo sugerido, o sabermos ser ele o mandante do seja óbvio aos analistas, mas não temos Maranhão Novo, além das suas razões assassinato do líder camponês. A certeza porque, em primeiro lugar, específicas, não teve também suas província, ademais, agoniza enterrada nestes termos, aquele Maranhão não se condições de possibilidades sociais, até a medula no “Terceiro Mundo”. reduz a um governo específico, nem a políticas e culturais mais remotas Em Maranhão 66, a realidade um personagem ou grupo político e suas naquele programa de senhores de social cruel do “subdesenvolvimento” é ideologias idiossincráticas (por gentes, lavouras, gados e terras, nutrido contraposta a uma promessa de fundamentais que sejam), porém inclui nas guerras de extermínios e em superação que (diga-se quantas vezes também a presença de forças históricas miragens como a do Maranhão Atenas e necessário) hoje sabemos aonde antigas e latentes. E, em segundo lugar, outras mais (uma delas se reencenando chegou: ao status de um dos principais com bases materiais definidas, entre
  • 4. estas o vasto mundo das fazendas e patrimonialista. Como indicado, nas “glorioso” (e vice-versa). Assim sendo, suas relações sociais dos tempos da antigas formas de ação, bem ou mal, a posto o tema da sua “extinção” (sempre escravatura, foi programa exitoso, lógica era “política”, pautada nas iminente), suponho possível começar a socialmente corporificado nos mediações do favor. Agora, nos olhar criticamente essa história “maranhenses”, indivíduos “dóceis” a domínios da administração fria do medo “teleológica” no retrovisor e demarcar o compor rebanho de súditos cristãos ou terror, esse velho habitus senão que foi complicado inventariar todo barbarizados, sem o que ele não desapareceu pelo menos se assemelha tempo: o problema da alteridade do funciona e rende. rapidamente ao negócio puro e simples passado relativa ao presente. Ou seja, Ditadura e democracia - Tal do crime, isto é, tal como um sequestro, escrever o testamento e enterrar prá momento decisivo esteve inscrito à troca do “risco” pela segurança valer os mortos insepultos – destino visceralmente nas reviravoltas geradas vendida pelo preço mais caro possível. trágico das maiorias de ontem e hoje, pela ditadura e seus desdobramentos na A mutação da “malandragem” esse do desterro até na morte... - democracia contemporânea. Rearranjo em “gangsterismo” (chame como produzidos pela sucessão infernal dos marcado pela esperança, mas também quiser), ao expor a face mais destrutiva negócios catastróficos. sacrifício de toda uma rica perspectiva da política, sinaliza a possibilidade da Mas precisamente aí reside uma democrática “antioligárquica” elaborada extinção mesma do eterno balanceio das primeiras dificuldades a embaçar o exemplarmente por gerações de “dialético” entre ordem e desordem. espelho referido. Receamos que parte intelectuais (vários já desaparecidos) Indica também as diferenças entre um influente daqueles educados ou como Sérgio B. de Holanda, Caio Prado tipo de capitalismo (ou negócio) que, inspirados na tradição crítica de fato Jr., Celso Furtado, Raymundo Faoro, bem ou mal, de maneira despótica ou precisa dar-se conta de que a Florestan Fernandes, Maria Sylvia de não, integra aparentemente a perspectiva do seu objeto – associando Carvalho Franco, Antonio Candido, “sociedade” e outro que lucra através desenvolvimentismo (seja em que Roberto Schwarz, Fernando Novais da invasão e matança. Seria tal juízo (lembro alguns que nos marcaram de mera condenação “moralista”, perto). Foi o que aconteceu quando as doutrinária, pessimista e sem presidências de FHC (1995-2002) e Lula fundamentos? Talvez. Mas, mais que (2003-2010), pelos pactos diabólicos de isso, ele faz lembrar num plano amplo sempre entre “avançados” e os comentários de Guy Debord sobre A “atrasados”, aderiram ao ajuste e Sociedade do Espetáculo (leia-se: atualização conservadora aos novos sociedades totalitárias ditames do capitalismo mundial. contemporâneas). Neste livro, Ajoelharam e beijaram a cruz, na elaborado na atmosfera do Maio de 68, imagem do último feita por Arantes. notava o outro lado do espetáculo na Para este, na acusação tão justa quanto conversão do capitalismo aos esquemas maturada ao golpe de 1964 (em O Que mafiosos: “No momento do espetacular Resta da Ditadura, livro obrigatório integrado, ela [a máfia] reina como organizado por Edson Teles e Vladimir modelo de todas as empresas Safatle), tudo isso remontaria aos anos comerciais avançadas”. Debord 1960, particularmente àquele marco comentava da Itália (berço das máfias) e genealógico e “interminável” do fim observava essa coisa acontecendo nos efetivo da Era Vargas e da montagem, Estados Unidos (matriz do capitalismo em dois tempos por assim dizer (o contemporâneo). Contra as “ditatorial” e o “democrático”), do expectativas, tais formas sociais de estado de emergência contemporâneo organização haviam se tornado Segundo Flávio Soares, no Maranhão do (ou domínio total do capital em sua fase exemplos para empresas, governos e sécúlo XXI, onde o político malandro de financeira). instituições em geral. É no contexto ontem, cedeu lugar ao gangster de hoje, o Se não erramos demais quanto abrangente do “espetáculo integrado” capitalismo “lucra através da invasão e ao espírito geral do problema acusado, que se dá (a partir do marco indicado) a matança”. (Foto de madeireira na região de o salto para a Nova República, emergência no Brasil de um mundo de Buriticupu). executado com as Forças Armadas pelo “honoráveis bandidos” e suas biografias versão for) e radicalização democrática ex-governador do Maranhão Novo e autorizadas, as quais, quase sempre – foi alterada e por mais que se queira atual presidente do Senado fascinadas pelos seus personagens frios não é possível voltar atrás, não nestes (rigorosamente no melhor estilo e cruéis procuram “humanizá-los” (na termos, e simplesmente rejuntar os “Porfirio Díaz” de Terra em Transe), é verdade, mitificá-los), como se já não cacos da história. Necessita partir daqui, revelador dos laços de família fossem “humanos, demasiado dar o adeus final e deixar de escutar o incontornáveis entre ditadura e humanos”. disco já furado da eterna formação do democracia espetacular, constitutivos Mudança de perspectiva - É país “novo” e suas sequências variadas do nosso atual regime de exceção. também nesse momento da de euforia e depressão. Nesse disco a Neste, somos todos lançados constituição de uma democracia canção da “modernização” ainda é faixa literalmente à condição de testemunhas espetacular e sinistra a partir dos das mais tocadas. Pura nostalgia, pois, oculares de grupos governamentais que governos militares que o programa mais que nunca os lances de agora de políticos têm cada vez mais apenas maranhense se consumou, mas agora envolvem a ultrapassagem da análise da as máscaras (e nem isso talvez...). Na de vez. Podemos dizer que, além de se modernidade maranhense enquanto prática, seguem “regras” que há muito universalizar (junto com o país), para ele promessa ou projeto realizado pela suspenderam os escrúpulos de qualquer o futuro enfim chegou e, de certo metade ou então dessa ou daquela ética ou norma instituída, mesmo modo, se encontrou com o seu passado forma autoritária, contendo ainda, na
  • 5. suas “contradições”, possibilidades Em função de tais danos tudo nos quais aquela natureza “resiste” em transformadoras. Possibilidades isso pode parecer atrasado. No entanto, estado selvagem ou quase, agravando a derivadas das “brechas” a serem o negócio maranhense foi produto percepção (cinicamente difundida) de exploradas pelos grupos e pessoas moderno de parto (ou estupro?) louco que tudo resta a fazer quando, de certas, isto é, aquelas sinceramente das contradições em processo do capital verdade, uma era se encerra. O comprometidas com ideais populares e e seus agentes, assegurado pela resultado social aparece na proliferação, democráticos e que, entendidas nas construção de uma ordem estatal do aparentemente estranha, de populações complexidades e matizes de cada terror ou do medo cujos capangas e miseráveis e pobres, motorizadas e “conjuntura”, saberiam negociar policiais integram a linha de frente. conectadas, sobrevivendo no meio da alianças almejando o comando ou influir Como de resto o Brasil, se é certo que o “riqueza” natural. A desigualdade e como assessor, consultor ou conselheiro país é um “imenso maranhão”. Algumas miséria social não será aqui, neste sobre este. lições iniciais, então, podem ser mundo programado de guetos e favelas, Com franqueza, não há “razão extraídas. Primeira: a formação e o uma das questões mais promissoras comunicativa” capaz de racionalizar progresso da nação e de suas regiões para a crítica? “bagunça” tão monstruosa. Além disso, acabaram na monstruosidade social e O outro lado dessas questões, talvez por causa dos estilhaços no no estado de emergência de agora; tão ou mais importante, implica o espelho, quem investiga tais assuntos segunda: a lógica social do retorno aos fundamentos da nossa depara situação onde, com raras desenvolvimentismo foi catastrófica, história, recalcados ou não. História exceções, os novos estudos do passado com danos humanos irreparáveis; onde, em síntese, sempre estiveram estão apartados das pesquisas do terceira: malgrado as “resistências” e ligados negócio, exceção e miséria. E presente, o debate local/nacional do paciência admiráveis das classes mentira, é claro. Neste caso, vale para debate mundial, e o que se diz num populares, o Maranhão foi de fato as gerações “derrotadas” de hoje a campo quase nada ressoa no outro constituído por uma determinada retomada daqueles instantes e sujeitos (exemplos: a questão camponesa sobre história da modernidade e reconhecer que, de um modo ou outro, ajudem a a da cultura popular ou a política sobre isso não implica olhar para ela apenas vislumbrar caminhos alternativos ou a religiosa). Em meio a “migalhas” de pelos seus dogmas (ao contrário, é pelo menos questionamentos efetivos histórias que nada teriam a ver entre si, necessário narrá-la a contrapelo); aos projetos vencedores. Um estudioso as poucas tentativas de gerar quarta: a população camponesa (onde sensível da História do Maranhão (e do percepções mais amplas não muitos localizaram de boa fé fontes de Brasil) perceberá em João Francisco conseguiram superar aquele tipo de projetos alternativos, inclusive no Lisboa (1812-1863) uma dessas figuras. obra coletiva onde cada “especialista” “campo” cultural e religioso com Ao analisar no Jornal de Timon, apresenta em artigos ou capítulos o que manifestações como boi-bumbá, na fase da configuração do programa vale a pena ser sabido no “seu campo” tambor de crioula, casa das minas) provincial, a sua política a partir do (em geral propagado como em franca sofreu brutal processo de expulsão e crime ou “mal” e das suas formas de expansão), sem que se vislumbrem extinção, origem das novas vidas encenação, o jornalista esperava dar conexões ou possibilidade de reflexão “matáveis” nas cidades e outros conta dos temas a seguir: “o nascimento fora das visões compartimentadas e estados. Em suma, nesta esquina do e organização dos nossos partidos, a sua encurtadas. A “síntese”, quando mundo aprendemos (ou precisamos marcha, a sua queda e dissolução, as procurada, não passa do título, reduzido aprender), sobretudo, que exclusões, as depurações, as ligas, as a slogan. modernização e radicalização social da cisões, as lutas do governo e da Enquanto isso, grande parte vai democracia são caminhos muitos oposição, os jornais, as circulares, a apenas tocando serviço e procurando se distintos. correspondência privada, os clubes, as ajustar ou nadar do jeito que der a favor Voltando a Lisboa - Repensar tais procissões, os festins, as chapas, as da corrente. Mas à medida que nosso questões passa pela inserção criativa no listas, as urnas, as apurações, a retrovisor for se recompondo será debate mundial sobre as falsificação em todos os seus graus, a possível sentir (assim esperamos) o transformações contemporâneas, as calúnia e a injúria, a raiva e a violência, quanto aquele programa funcionou, no quais, até o momento apontam não o tumulto e a desordem, as vias de fato, fundo, como ilusão ou fantasmagoria para democracias efetivas, mas para o cacete, a pedra, e ainda, se tanto é objetiva, ajudando a transpor ranços modalidades sofisticadas e assustadoras mister, o ferro e o fogo, rematando tudo passadistas. Uma alucinação a revestir a de controle social e desumanizador das pelas escolhas mais vergonhosas e história de um empreendimento que vidas. O típico “caboclo” motorizado e deploráveis, se é que a cousa sofre o sob alguns aspectos (especialmente os conectado por parabólicas, mas sempre nome, e se escolhas se podem chamar o da violência e “irracionalidade”) pobre e precário, visto nas estradas, resultado de tantas infâmias, do puro extrapolaram os limites até de velhas e povoados e cidades do interior, sinaliza acaso, e do capricho.” Continuando: “E boas categorias como as de para novas formas de dominação e como consequência destas paixões “acumulação primitiva” de Marx ou de “servidão por dívida”. São indícios de delirantes, destes ódios acesos e “capitalismo político” de Weber e cuja situação onde a natureza (terras, rios, travados pela peleja formal, a produção permanente da tragédia matas) foi quase toda apropriada pelas degradação de todos os caracteres, a natural e humana surge nos seus fazendas ou outros tipos de negócios cobiça desordenada, a avidez de reversos: devastação da natureza, (como indicam as cercas quilométricas), distinções, a ambição de cargos massacre e extermínio das populações em parte explorada e em muito maior elevados, o furto, o roubo, o indígenas, escravidão dos negros, parte mantida como pura reserva ou estelionato, os assassinatos, as caçada e perseguição aos camponeses, meio de especulação, gerando a apostasias, as traições, a difamação inferno e encarceramento urbano das sensação de que mesmo nas áreas mais erigida em sistema, a miséria real classes populares e trabalhadoras nas antigas, lesadas por séculos de rebuçada por aparatosas ostentações, o Pedrinhas da vida. ocupação e devastação, existam lugares horror ao trabalho e ao estudo, a
  • 6. ignorância, a presunção”. Por fim: “Esta bem-te-vis e dos negros insurretos que é Grupos Políticos e Estrutura é a vida ordinária (ninguém pasme), liderados por figuras excepcionais como Oligárquica no Maranhão (1992). Diante regular, ou normal, como se usa chamar Raimundo e Cosme, não parece lançar de diagnóstico tão implacável, produto agora; mas para suavizar-lhe a ainda apelos ao Maranhão de agora? Se de análise lúcida, não obstante as monotonia, e matizá-la, Tímon há de sim, quais? Do nosso canto, o quadro marcas de classe, o que fazer? Difícil achar amplos recursos em todo gênero das elites pintado por Lisboa sugere responder, mas acho que a construção de opressões, nas demissões, nos linhas de fuga promissoras demais para da pauta positiva começaria não pela processos, nos recrutamentos; virão terminar tombado como objeto de recusa, porém, sobretudo, pela volta a depois as revoltas, as rebeliões, as discursos comemorativos, praças e projetos como o do Jornal de Timon, guerras civis ou, melhor, sociais; as estátuas, provavelmente mirando ruminando-o nos seus avessos, pois nele repressões sanguinolentas e reconhecimento e imortalidade pelos a sociedade aparece nos termos da inexoráveis, a impunidade, as anistias”. serviços prestados numa academia, política (na acepção liberal: eleições, universidade ou instituto quaisquer. No partidos) e não enquanto sua usina entanto, ao se retomar projetos como o geradora. Como a exceção assumiu do Jornal será necessário rever seu outras dimensões, o retorno implicaria ponto de chegada, pois o horizonte investigar o modo pelo qual essa atual não é mais o da formação nacional política, tal qual velho vampiro ou ou regional a partir da experiência saturno sedento, explorou as energias colonial. Em nossa opinião, isso implica dessa usina nos seus limites, recuperar em perspectiva ampla no principalmente das classes oprimidas, tempo e no espaço – nos termos de invertendo a ordem das coisas e uma verdadeira história da exceção - a produzindo a fantasmagoria, sem sua consciência crítica diante da dúvida nenhuma objetiva, da sua realidade local, indagando suas onipotência. Qüiproquó a ser possibilidades e limitações. desarmado para que a sociedade e suas Como dito, analisando o espírito formas de associações reapareçam das elites governantes, ele soube como espaço das multiplicidades e apanhar o problema do seu ethos subjetividades e, aí sim, “um dia”, possa criminoso na raiz. Atraído pela ser, além dos “muros descaídos” da compreensão dos costumes das classes história, “menos ilusão”. De que outro dominantes, especialmente das elites modo será se não assim? Flávio Soares diz que, “não é políticas, notou o quanto eram Certo de que a província não é preciso invocar teorias corrompidos e haviam se alastrado pelo para principiantes, uma coisa é internacionais para perceber a resto da população. O resultado era um imprescindível a quem se disponha, nas atualidade de João Lisboa e o tipo de sociedade moralmente sitiada, próximas décadas, a trilhar a longa rua ponto de partida ou trincheira onde a vida se apresentava restringida a de mão única chamada Maranhão e recalques e sublimações de misérias e onde não são poucas as razões para a singular que ele estabeleceu para a vícios, inclusive através das expressões “vergonha de ser um homem”: a crítica, longe de qualquer culturais e estéticas. Nela, a violência compreensão de que novos conceitos, complacência”. (Foto de João imediata, mais anárquica, da exceção propostas e modos de agir, sejam quais Lisboa) tendia a predominar sobre a oscilação forem, precisam funcionar como entre o legal e o ilegal, radicalizando o máquinas de guerra em zonas cinzentas. O leitor do Jornal verá o quanto “mal” sem o contraponto “dialético” Isto é, como conceitos e formas de ação foi cumprido á risca tal proposta de forte do bem. Diante disso, como que, dialéticos ou não, mantenham o exposição da normalidade e mestre na província, ao anotar grande pensamento vivo e criativo, atualizem anormalidade da vida política parte do jogo pelo qual, sem mais, a projetos alternativos virtualmente provinciana aos seus contemporâneos. civilização resulta em barbárie, o existentes nas multidões e abram novos Não é preciso invocar teorias progresso na destruição, a lei no crime, horizontes de expectativas. Em suma, internacionais para perceber a Francisco Lisboa chegou ao sentimento categorias independentes do controle atualidade de João Lisboa e o ponto de dramático do impasse decorrente das midiático e calhorda (essa é a palavra) partida ou trincheira singular que ele semelhanças profundas entre situação e dos grupos de poder hegemônicos, para estabeleceu para a crítica, longe de oposição e da impotência da “patuléia”. lembrar o alerta de Walter Benjamin qualquer complacência. Ao lê-lo somos Ou seja, à percepção de que dentro do sobre o uso que o fascismo fez do assaltados pelo estranho presságio de programa mencionado (leia-se: conceito de progresso. Pois, como tigres que ao avançarmos rumo aos horizontes MARANHÃO) eram praticamente nulas ou serpentes famintas, tais classes de expectativas do Maranhão Novo, as possibilidades de novos usos para as vivem à espreita das ideias novas para regredimos, mais que aos tempos da classes de baixo (além dos indicados), reterem em suas garras ou anéis e, com República Velha, aos espaços de mas também para o reformismo elas, se perpetuarem no mando, experiência da antiga Província do ilustrado de alguns segmentos das elites sujeitando massas interessadamente Norte. A impressão do encontro sinistro dirigentes. servis à espera da salvação. Ou será que entre vivos e mortos, entre últimas e Talvez intervenções neutras do não? primeiras gerações, justifica um enigma poder central pudessem alterar alguma coisa? O tempo indicou que nem assim, * crucial a ser decifrado: esse Maranhão Ensaio publicado no Jornal Vias de Fato, que é tanto o dos poderes oligárquicos dada as conexões umbilicais das edição janeiro 2012. bárbaros e dos seus delírios atenienses oligarquias com esse poder, como † Flávio Soares é professor da UFMA. quanto o do Timon, o da guerra dos mostrou Flávio Reis no estudo magistral