1) O documento é uma memória escrita por Irmã Lúcia sobre a vida de sua prima Jacinta Marto antes e depois das aparições de Nossa Senhora em Fátima.
2) Descreve Jacinta como uma criança doce e devota que gostava de rezar o terço e fazer sacrifícios pela conversão dos pecadores.
3) Relata como Jacinta levava muito a sério os pedidos de Nossa Senhora e incentivava Lúcia e Francisco a oferecer seus sacrifícios a Jesus.
Jornal A Família Católica, 17 edição. outubro 2014
1. Primeira Memória
Vida de Jacinta Marto
Memórias e Cartas da Irmã Lúcia
SANTOS E
FESTAS DO MÊS:
03– Sta. Teresinha do Menino
Jesus;
04– São Francisco de Assis;
06—São Bruno;
07– Nossa Senhora do Rosá-
rio;
11– Maternidade da Santíssi-
ma Virgem Maria;
12– Nossa Senhora Aparecida;
15– Sta. Teresa de Jesus;
17– Sta. Margarida Maria
Alacoque;
18– São Lucas, Evangelista;
19- S. Pedro de Alcântara,
padroeiro do Brasil;
23– Sto. Antônio Maria Claret;
24– S. Rafael, Arcanjo;
26– Festa de Cristo Rei;
28– São Simão e São Judas,
Apóstolos.
N E S T A
E D I Ç Ã O :
Vida Jacinta Marto 1,2
Quas Primas 3,4
Outubro/ 2014Edição 17
A Família CatólicaC A P E L A N O S S A S E N H O R A D A S A L E G R I A S
cadeira, traz-lo para aqui e, de joelhos, dás-lhe
três abraços e três beijos: um pelo Francisco,
outro por mim, e outro por ti.”
“A Nosso Senhor dou todos quantos quiseres.” —
E correu a buscar o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o
com tanta devoção, que nunca mais me esque-
ceu aquela ação. (...)
Eu conhecia, pois, a Paixão de Nosso Senhor
(...), comecei a contar, aos
meus companheiros, porme-
norizadamente, a história de
Nosso Senhor. (...)
Ao ouvir contar os sofrimen-
tos de Nosso Senhor, a pe-
quenina enterneceu-se e
chorou. Muitas vezes, depois,
pedia para lhe repetir. Chora-
va com pena, e dizia: -
“Coitadinho de Nosso Se-
nhor! Eu não hei de fazer
nunca nenhum pecado! Não
quero que Nosso Senhor
sofra mais!”
A pequenita gostava tam-
bém muito de ir, à noitinha,
(...) ver o lindo pôr do sol e o
céu estrelado, que se lhe
seguia. (...)Porfiávamos a ver
quem era capaz de contar as estrelas, que dizía-
mos serem as candeias dos anjos. A Lua era a de
Nossa Senhora e o sol a de Nosso Senhor. Pelo
que, a Jacinta dizia, às vezes: - “Ainda gosto mais
da candeia de Nossa Senhora, que não nos quei-
ma nem cega; e a de Nosso Senhor, sim.” Na
verdade o sol, ali, em alguns dias de verão, faz-se
sentir bem ardente; e a pequenina, como era de
compleição muito fraca, sofria muito com o calor.
(...)
Entretanto, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, che-
guei à idade em que minha mãe mandava os
seus filhos guardar o rebanho. (...) Dei a notícia
aos nossos companheiros, e disse-lhes que não
voltava mais a brincar com eles (...). Foram pedir
à mãe que os deixasse ir comigo, o que lhes foi
negado. Tivemos que nos conformar com a sepa-
ração. (...) Aos dois pequenitos custava o confor-
mar-se com a ausência da sua antiga companhei-
ra. Por isso, renovavam continuamente as instân-
cias junto de sua mãe. (...) Minha tia, talvez para
se ver livre de tantos pedidos, apesar de serem
No dia 12 de setembro de 1935, os restos mor-
tais da Jacinta foram removidos de Vila Nova de
Ourém para Fátima. Ao abrir-se o caixão, verificou-
se que o rosto da Vidente se mantinha incorrupto.
Tirou-se-lhe uma fotografia e o Snr. Bispo de Lei-
ria, D. José Alves Correia da Silva, enviou uma
cópia à irmã Lúcia, que, ao agradecer, se referiu
às virtudes da prima. Isto levou D. José a ordenar
à Lúcia que escrevesse tudo o que sabia da vida
da Jacinta. Assim nasceu a
“Primeira Memória”, que estava
pronta pelo Natal de 1935.
“Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo,
(...) Antes dos fatos de 1917, exce-
tuando o laço de parentesco que
nos unia, nenhum outro afeto par-
ticular me fazia preferir a compa-
nhia de Jacinta e Francisco à de
qualquer outra criança. Pelo con-
trário, a sua companhia tornava-se
-me, por vezes, bastante antipáti-
ca, pelo seu caráter demasiada-
mente melindroso. A menor con-
tenda, das que se levantam entre
as crianças quando jogam, era
bastante para a fazer ficar amua-
da, a um canto (...). Para a fazer
voltar a ocupar o seu lugar na brin-
cadeira, não bastavam as mais doces carícias,
que, em tais ocasiões, as crianças sabem fazer.
Era, então, preciso deixá-la escolher o jogo e o par
com quem queria jogar. Tinha, no entanto, já en-
tão, um coração muito bem inclinado; e o bom
Deus tinha-a dotado de um caráter doce e meigo,
que a tornava, ao mesmo tempo, amável e atraen-
te. (...)
Como já disse, um dos seus jogos escolhidos era
o das prendas. Como V. Ex.cia e Rev.ma decerto
sabe, quem ganha, manda, ao que perde, fazer
uma coisa qualquer, que lhe parecer. (...) Um dia,
jogávamos isto, em casa de meus pais, e tocou-
me a mim mandá-la a ela. Meu irmão estava sen-
tado a escrever, junto de uma mesa. Mandei-a,
então, dar-lhe um abraço e um beijo, mas ela res-
pondeu: - “Isso, não! Manda-me outra coisa. Por-
que não me mandas beijar aquele Nosso Senhor,
que está ali?!” - Era um crucifixo, que havia, pen-
durado na parede.
- “Pois sim,” - respondi-lhe. “Sobes acima de uma
Jacinta e Lúcia
2. demasiado pequenos, entregou-lhes a guarda das suas ovelhi-
nhas. (...)
Aqui temos, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, a Jacinta na sua nova
vida de pastorinha. As ovelhinhas, ganhámo-las à força de distri-
buir por elas as nossas merendas. Por isso, quando chegávamos
à pastagem, podíamos brincar descansados, que elas não se
afastavam de nós. (...)
Gostávamos, também, de entoar cânticos. Entre vários profa-
nos, que infelizmente sabíamos bastantes, a Jacinta preferia o
“Salve Nobre Padroeira”, “Virgem Pura”(...) Éramos, no entanto,
bastante afeiçoadas ao baile, e qualquer instrumento, que ouvís-
semos tocar aos outros pastores, era o bastante para nos pôr a
dançar. A Jacinta, apesar de ser tão pequena, tinha, para isso,
uma arte especial.
Tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezásse-
mos o Terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco para
brincar, arranjamos uma boa maneira de acabar breve: passáva-
mos as contas, dizendo somente: Ave Maria, Ave Maria, Ave Ma-
ria! Quando chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita
pausa, a simples palavra: Padre Nosso! E assim, em um abrir e
fechar de olhos, como se costuma dizer, tínhamos o nosso terço
rezado! (...)
Eis aqui, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, um pouco mais ou me-
nos, como se passaram os sete anos, que tinha Jacinta, quando
apareceu belo e risonho, como tantos outros, o dia 13 de Maio
de 1917. (Nota da edição: Neste primeiro manuscrito Lúcia não
diz nada acerca das aparições. Os fatos foram descritos em sua
Segunda Memória) (...)
Quando, nesse dia (o posterior à aparição), chegámos à pasta-
gem, a Jacinta sentou-se pensativa em uma pedra.
- “Jacinta! Anda a brincar.” -- “Hoje não quero brincar.” — “Porque
não queres brincar?” - “Porque estou a pensar. Aquela Senhora
disse-nos para rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela con-
versão dos pecadores. Agora, quando rezarmos o Terço, termos
que rezar a Ave–Maria e o Padre–Nosso inteiro! E, os sacrifícios,
como os havemos de fazer?”
O Francisco discorreu em breve um bom sacrifício: - “Demos a
nossa merenda às ovelhas, e fazemos o sacrifício de não meren-
dar!” (...) E assim passámos um dia de jejum, que nem o do mais
austero cartuxo!
A Jacinta tomou tanto a peito os sacrifícios pela conversão dos
pecadores, que não deixava escapar ocasião alguma. Havia
umas crianças, filhos de duas famílias da Moita, que andavam
pelas portas a pedir. (...) A Jacinta, ao vê-los, disse-nos:
– “Damos a nossa merenda àqueles pobrezinhos, pela conver-
são dos pecadores.” (...) Pela tarde, disse-me que tinha fome.
Havia ali algumas azinheiras e carvalhos. (...) O Francisco subiu a
uma azinheira para encher os bolsos, mas a Jacinta lembrou-se
que podíamos comer da dos carvalhos, para fazer o sacrifício de
comer a amarga. E lá saboreámos, aquela tarde, aquele delicio-
so manjar! A Jacinta tomou este por um dos seus sacrifícios habi-
tuais. (...)
A Jacinta parecia insaciável na prática do sacrifício. Um dia,
um vizinho ofereceu a minha Mãe uma boa pastagem para o
nosso rebanho; mas era bastante longe e estávamos no pino do
Verão. (...) Pelo caminho, encontrámos os nossos queridos po-
brezinhos e a Jacinta correu a levar-lhes a esmola. (...). A sede
fazia-se sentir e não havia pinga d’água para beber! A princípio,
oferecíamos o sacrifício com generosidade pela conversão dos
pecadores; mas, passada a hora do meio-dia, não se resistia.
Propus, então, aos meus companheiros, ir a um lugar, que
ficava cerca, pedir uma pouca de água. Aceitaram a proposta, e
lá fui bater à porta duma velhinha. (...) Dei a infusa (com água)
ao Francisco e disse-lhe que bebesse.
– “Não quero beber” – respondeu. – “Por quê?” – “Quero sofrer
pela conversão dos pecadores.” – “Bebe tu, Jacinta!” –
“Também quero oferecer o sacrifício pelos pecadores!”
Deitei, então, a água na cova duma pedra, para que a bebes-
sem as ovelhas e fui levar a infusa à sua dona. (...) As cigarras e
P á g i n a 2 A F a m í l i a C a t ó l i c a
os grilos juntavam o seu cantar ao das rãs da lagoa vizinha e fazi-
am uma grita insuportável. A Jacinta, debilitada pela fraqueza e
pela sede, disse-me, com aquela simplicidade que Lhe era habitu-
al: - “Diz aos grilos e às rãs que se calem! Dói-me tanto a minha
cabeça!” — Então, o Francisco perguntou-lhe: “– Não queres so-
frer isto pelos pecadores?!” — A pobre criança, apertando a cabe-
ça entre as mãozinhas, respondeu: “– Sim, quero. Deixa-as can-
tar.” (...)
Desde que Nossa Senhora nos ensinou a oferecer a Jesus os
nossos sacrifícios, sempre que combinávamos fazer algum ou
que tínhamos alguma prova a sofrer, a Jacinta perguntava: “Já
disseste a Jesus que é por Seu amor?”. Se Lhe dizia que não... –
“Então digo-Lho eu”, - e punha as mãozinhas, levantava os olhos
ao Céu e dizia: “Ó Jesus! É por Vosso amor e pela conversão dos
pecadores.”
Foram interrogar-nos dois sacerdotes que nos recomendaram
que rezássemos pelo Santo Padre. A Jacinta perguntou quem era
o Santo Padre e os bons sacerdotes explicaram-nos quem era e
como precisava muito de orações. A Jacinta ficou com tanto amor
ao Santo Padre que, sempre que oferecia os seus sacrifícios a
Jesus, acrescentava: “e pelo Santo Padre”. No fim de rezar o Ter-
ço, rezava sempre três Ave Marias pelo Santo Padre e algumas
vezes dizia: “Quem me dera ver o Santo Padre! Vem cá tanta
gente e o Santo Padre nunca cá vem.” Na sua inocência de crian-
ça, julgava que o Santo Padre podia fazer esta viagem como as
outras pessoas. (...)
Quando, passado algum tempo, estivemos presos, à Jacinta, o
que mais lhe custava era o abandono dos pais; e dizia (...):
“- Nem os teus pais nem os meus nos vieram ver. Não se importa-
ram mais de nós!” – “Não chores” – lhe disse o Francisco. –
“Oferecemos a Jesus, pelos pecadores.” E levantando os olhos e
mãozinhas ao Céu, fez ele o oferecimento: “– Ó meu Jesus, é por
Vosso amor e pela conversão dos pecadores”. A Jacinta acrescen-
tou: “– É também pelo Santo Padre e em reparação dos pecados
cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”.
Os presos que presenciaram esta cena quiseram consolar-nos:
– “Mas vocês” – diziam eles – “digam ao Senhor Administrador lá
esse segredo. Que Lhes importa que essa Senhora não queira?” –
“Isso não!” – respondeu a Jacinta com vivacidade. – “Antes quero
morrer”. (...)
Minha tia, cansada de ter que mandar continuamente buscar os
seus filhinhos, para satisfazer o desejo de pessoas que pediam
para Lhes falar, mandou pastorear o seu rebanho o seu filhinho
João. À Jacinta custou muito esta ordem, por dois motivos: por ter
que falar a toda a gente que a procurava e, como ela dizia, por
não poder andar todo o dia junto de mim. Teve, no entanto, que
resignar-se. (...)
Havia no nosso lugar uma mulher que nos insultava sempre que
nos encontrava. Quando terminou o seu trabalho (de insultar os
pastorinhos), a Jacinta diz-me: – “Temos que pedir a Nossa Se-
nhora e oferecer-Lhe sacrifícios pela conversão desta mulher. Diz
tantos pecados que, se não se confessa, vai para o inferno.” Pas-
sados alguns dias, corríamos em frente da porta da casa desta
mulher. De repente, a Jacinta pára no meio da sua carreira e vol-
tando-se para trás pergunta: – “Olha, é amanhã que vamos ver
aquela Senhora?” – “É sim”. – “Então não brinquemos mais. Fa-
zemos este sacrifício pela conversão dos pecadores”.
E sem pensar que alguém a podia ver, levanta as mãozinhas e
os olhos ao Céu e faz o oferecimento. A mulherzinha espreitava
por um postigo da casa e depois, dizia ela a minha Mãe, que a
tinha impressionado tanto aquela ação da Jacinta, que não ne-
cessitava doutra prova para crer na realidade dos factos. (...)
Passavam assim os dias da Jacinta, quando Nosso Senhor man-
dou a pneumônica, que a prostrou em cama, com seu Irmãozi-
nho.” Continua na próxima edição.
3. Nota da edição: Colocamos, por ocasião da
Festa de Cristo Rei, esta encíclica de Pio XI
que institui a referida festa e nos explica
melhor acerca do Reinado Social de Nosso
Senhor Jesus Cristo, que segundo Monse-
nhor Lefebvre é a causa verdadeira e fun-
damental de nossa oposição à Roma mo-
dernista, nosso centro de combate.
***
Na primeira Encíclica que, elevado ao Ponti-
ficado, dirigimos a todos os Bispos do orbe
católico – ao indagarmos as causas princi-
pais daqueles desastres de que víamos
oprimido e angustiado o gênero humano –
lembramo-nos de haver claramente expres-
so não apenas que tal massa de males
assolava o mundo porque a maioria dos
homens havia afastado Jesus Cristo e sua
santa lei da prática de suas vidas, da famí-
lia e da sociedade, mas também que ja-
mais poderia ter esperança de uma paz
duradoura entre os povos, enquanto os
indivíduos e as nações tivessem negado e
por eles mesmos rejeitado o império de
Cristo Salvador.
A “paz de Cristo no reino de Cristo”
1. Portanto, por avisarmos que era neces-
sário buscar a paz de Cristo no Reino de
Cristo, anunciamos (na época) que faría-
mos para este fim quanto Nos era possível;
no Reino de Cristo - dizemos - porque Nos
parecia que não se pudesse mais eficaz-
mente alcançar a restauração e o fortaleci-
mento da paz se não através da restaura-
ção do Reino de nosso Senhor. (...)
I– A Realeza de Cristo
6. Desde há muito tempo tem se usado
comumente chamar Cristo com o título de
Rei, pelo sumo grau de excelência que pos-
sui em modo supereminente entre todas as
coisas criadas. Deste modo, na verdade, se
diz que Ele reina nas mentes dos homens
não apenas pela altura de seu pensamento
e pela amplitude de sua ciência, mas tam-
bém porque Ele é a Verdade e é necessário
que os homens alcancem e recebam com
obediência, Dele, a verdade; também na
vontade humana, seja porque, n’Ele, à san-
tidade da vontade divina responde a perfei-
ta inteireza e submissão da vontade huma-
na, seja porque com suas inspirações influ-
encia sobre a livre vontade nossa de modo
a inflamar-nos em direção às mais nobres
coisas. Finalmente, Cristo é reconhecido
como Rei dos corações por aquela sua cari-
dade que ultrapassa toda compreensão
humana (supereminentem scientiae carita-
tem) e pelos encantos de sua brandura e
misericórdia: pois nunca houve, no gênero
humano, e nunca haverá quem tanto amor
tenha ateado como Cristo Jesus. Aprofun-
demos sempre mais o nosso argumento. É
manifesto que o nome e o poder de "Rei",
no sentido próprio da palavra, competem a
Cristo em sua Humanidade, porque só de
Cristo enquanto homem é que se pode
dizer: do Pai recebeu "poder, honra e rea-
leza" (Dan 7, 13-14). Enquanto Verbo,
consubstanciai ao Pai, não pode deixar de
Lhe ser em tudo igual e, portanto, de ter,
como Ele, a suprema e absoluta sobera-
nia e domínio de todas as criaturas. (...)
II—CARÁTER DA REALEZA DE CRISTO
A) Triplo poder
13. Querendo agora expressar a natureza
e o valor deste principado, falaremos bre-
vemente que este consiste de um triplo
poder, que, se viesse a faltar, não se teria
mais o conceito de um verdadeiro e pró-
prio principado. Os testemunhos extraídos
das Sagradas Cartas acerca do império
universal do nosso Redentor provam mais
do que o suficiente o quanto dissemos; e
é um dogma de fé que Jesus Cristo foi
dado aos homens como Redentor, no qual
devem depositar sua confiança, e ao mes-
mo tempo como legislador, ao qual devem
obedecer. Os santos Evangelhos não so-
mente narram como Jesus tenha promul-
gado algumas leis, mas o mostram tam-
bém no ato de legislar; e o Divino Mestre
afirma, em circunstâncias e com diversas
expressões, que qualquer um que obser-
var os seus mandamentos dará prova de
amá-lo e permanecerá em sua caridade.
O mesmo Jesus, diante dos Judeus que o
acusavam de ter violado o sábado ao
devolver a saúde ao paralítico, afirma que
a Ele foi dado, pelo Pai, o poder de julgar:
―o Pai não julga ninguém, mas entregou
todo o julgamento ao Filho. Nisso é incluí-
do também o direito de premiar e punir os
homens mesmo durante a vida deles,
porque isso não pode ser dissociado de
uma forma própria de juízo. Além disso, o
poder executivo deve também ser atribuí-
do a Jesus Cristo, porque é necessário
que todos obedeçam a seu comando, e
ninguém pode escapar Dele e das san-
ções por Ele estabelecidas.
B) Campos da Realeza de Cristo
No espiritual
14. Que este Reino seja principalmente
espiritual e pertinente às coisas espiritu-
ais, o demonstram as passagens da Bíblia
Sagrada acima referidas, e o confirma o
próprio Jesus Cristo com seu modo de
agir. Em várias ocasiões, de fato, quando
os Judeus e os próprios Apóstolos errone-
amente acreditavam que o Messias iria
devolver a liberdade ao povo e restaurar o
reino de Israel, ele procurou remover e
derrubar essa vã expectativa e esperança;
e assim também, quando estava para ser
proclamado Rei pela multidão que, toma-
da de admiração, o cercava, Ele recusou
esse título e essa honra, retirando-se e
escondendo-se na solidão; finalmente
diante do Governador romano anunciou
que seu Reino ―não é deste mundo. Este
Reino é apresentado nos Evangelhos de
tal forma que os homens devem se prepa-
rar para entrar nele por meio da penitên-
cia, e não podem nele entrar se não pela
fé e pelo batismo, o qual, apesar de ser
um rito exterior, significa, porém, e produz
a regeneração interior. Este reino é opos-
to ao reino de Satanás e ao ―poder das
trevas e exige de seus súditos, não só o
espírito desapegado das riquezas e das
coisas terrenas, a mansidão, a fome e
sede de justiça, mas também que rene-
guem a si mesmos e tomem a própria
cruz. Tendo Cristo como Redentor funda-
do com seu sangue a Igreja e como Sacer-
dote oferecido a si mesmo in perpetuo
como Hóstia de propiciação pelos peca-
dos dos homens, quem não vê que a ré-
gia dignidade d’Ele reveste o caráter espi-
ritual de ambos os ofícios?
No temporal
15. Por outro lado, erraria gravemente
quem tirasse de Cristo Homem o poder
sobre todas as coisas temporais, visto
que Ele recebeu do Pai um direito absolu-
to sobre todas as coisas criadas, de modo
que tudo sucumba ao seu arbítrio. No
entanto, enquanto esteve sobre a terra se
absteve completamente de exercer tal
poder, e, como uma vez desprezou a pos-
se e o cuidado das coisas humanas, as-
sim permitiu e permite que os possuido-
res devidamente delas se sirvam.
A este propósito, bem se adaptam estas
palavras: "Não tira o trono terrestre Aque-
le que dá o reino eterno dos céus" . Por-
tanto, o domínio do nosso Redentor abra-
ça todos os homens, como afirmam estas
palavras de Nosso Predecessor de imortal
memória Leão XIII, que Nós aqui fazemos
nossas: "O império de Cristo se estende
não só sobre as nações católicas e sobre
os que receberam o batismo, que juridica-
mente pertencem à Igreja, ainda quando
dela separados por opiniões errôneas ou
pelo cisma: estende-se igualmente e sem
exceções aos homens todos, mesmo
alheios à fé cristã, de modo que o império
de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da
verdade, o gênero humano inteiro"
Nos indivíduos e na sociedade
16. Ele é, com efeito, a fonte do bem pú-
blico e privado. Fora d’Ele não há que se
buscar a salvação em nenhum outro; pois
não foi dado aos homens outro nome
debaixo do céu pelo qual devamos ser
salvos.
Só Ele é quem dá a prosperidade e a feli-
cidade verdadeira, tanto aos indivíduos
como às nações: porque a felicidade da
nação não procede de uma fonte distinta
da dos seus cidadãos, pois a nação não é
outra coisa senão um conjunto concorde
de cidadãos. Não se neguem, pois, os
governantes das nações a dar, por si mes-
mos e pelo povo, mostras públicas de
veneração e de obediência ao império de
Cristo se querem conservar incólume sua
Quas Primas
Pio XI
4. A F a m í l i a C a t ó l i c aE d i ç ã o 1 6
Edição:
Capela Nossa Senhora das Alegrias - Vitória, ES.
http:/www.nossasenhoradasalegrias.com.br
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autoridade e trazer a felicidade e a fortuna à sua pátria. (...)
17. Em contrapartida, se os homens, pública e privadamente,
reconhecem a autoridade real de Cristo, necessariamente
virão para toda a sociedade civil incríveis benefícios, como a
justa liberdade, a tranquilidade e disciplina, a paz e a concór-
dia. A dignidade real de Nosso Senhor, assim como, de certo
modo, torna sagrada a autoridade humana dos chefes e go-
vernantes de Estado, assim também enobrece os deveres e a
obediência dos súditos. Por isso, o apóstolo São Paulo, embo-
ra tenha ordenado às casadas e aos servos que reverencias-
sem a Cristo na pessoa de seus maridos e senhores, também
os advertiu que não os obedecessem como a simples homens,
mas como representantes de Cristo, porque é indigno de ho-
mens redimidos por Cristo servir a outros homens.
18. Se os príncipes e governos legitimamente constituídos
tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome
do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usari-
am do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria
possíveis. Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam
de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus
súbditos! Então floresceria a ordem, então víramos difundir-se
e firmar-se a tranqüilidade e a paz (...).
19. Pelo que respeita à concórdia e à paz, é evidente que,
quanto mais vasto é um reino, quanto mais largamente abra-
ça o gênero humano, tanto é maior a consciência em seus
membros do vínculo de fraternidade que os une. Esta convic-
ção, assim como remove e dissipa os freqüentes conflitos,
assim também atenua e suaviza seus amargores. E se o reino
de Cristo abraçasse de fato, como de direito abraça, à todos
os homens, porque deveríamos perder a esperança dessa paz
que à Terra veio trazer o Rei pacífico, esse Rei que veio "para
reconciliar todas as coisas" (Col 1, 20); "que não veio para ser
servido, mas para servir aos outros" (Mc 10, 45); que sendo o
“Senhor de todos”, fez a si mesmo exemplo de humildade e
estabeleceu como lei principal esta virtude, unida com o man-
damento da caridade; que disse, finalmente, “Meu jugo é sua-
ve e minha carga é leve”?
Oh! que ventura poderíamos gozar, se os indivíduos, se as
famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então,
verdadeiramente — diremos com as mesmas palavras que
nosso predecessor Leão XIII dirigiu, a vinte e cinco anos, a
todos os bispos do orbe católico — então seria possível sanar
tantas feridas; o direito recobriria seu antigo viço, seu prestí-
gio de outras eras; então tornaria a paz com todos os seus
encantos e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos
de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedeces-
sem, e toda língua proclamasse que "Nosso Senhor Jesus
Cristo está na glória de Deus Padre" .
III— A FESTA DE JESUS CRISTO REI
(...)
As festas da Igreja
Para instruir ao povo nas coisas da fé e atraí-los por meio de-
las às íntimas felicidades do espírito, muito mais eficaz são as
festas anuais dos sagrados mistérios que quaisquer outros
ensinamentos, por autorizados que sejam, do magistério ecle-
siástico.
Estas só são conhecidas, na maior parte das vezes, por alguns
poucos fiéis, mais instruídos que os demais; aquelas impressi-
onam e instruem todos os fiéis; estas, digamos assim, falam
uma só vez, aquelas, a cada ano e perpetuamente (...).
23. E se agora mandamos que Cristo Rei seja honrado por todos os
católicos do mundo, com isso prevemos as necessidades dos tem-
pos presentes e colocamos um remédio eficacíssimo à peste que
hoje infecta a sociedade. Julgamos peste de nossos dias o chama-
do laicismo com seus erros e intentos abomináveis; e vós sabeis,
veneráveis irmãos, que esta impiedade não apareceu de um dia
para o outro, mas sim que se cultivou desde muito antes no seio da
sociedade. (...)
Condição litúrgica da festa
Portanto, com nossa autoridade apostólica, instituímos a Festa de
Nosso Senhor Jesus Cristo Rei, e decretamos que se celebre em
todas as partes da terra no último domingo de outubro, isto é, no
domingo que antecede à festividade de Todos os Santos. (...)
32. Antes de terminar esta carta, nos compraz, veneráveis irmãos,
indicar brevemente as utilidades que, tanto para a Igreja e para a
sociedade civil, como para cada um dos fiéis, nós esperamos e
prometemos em decorrência deste culto público a Cristo Rei.
A) Para a Igreja
Com efeito, tributando estas honras à soberania real de Jesus Cris-
to, os homens recordarão necessariamente que a Igreja, como
sociedade perfeita instituída por Cristo, exige—por direito próprio e
impossível de renunciar– plena liberdade e independência do po-
der civil; e que no cumprimento do ofício encomendado a Ela por
Deus, de ensinar, reger e conduzir à eterna felicidade a quantos
pertencem ao Reino de Cristo, não pode depender do arbítrio de
ninguém.
Mais ainda, o Estado deve conceder também a mesma liberdade
às ordens e congregações religiosas de ambos os sexos, as quais,
sendo como são auxiliares valorosíssimas dos pastores da Igreja,
cooperam grandemente para o estabelecimento e propagação do
Reino de Cristo, seja combatendo, com a observância dos três vo-
tos, a tríplice concupiscência do mundo, seja professando uma
vida mais perfeita (...).
B) Para a sociedade civil
A celebração desta festa, que se renovará a cada ano, ensinará
também às nações que o dever de adorar publicamente e obede-
cer à Jesus Cristo não só obriga aos indivíduos, mas também aos
governantes e magistrados.
A estes lhes trará à memória o pensamento do juízo final, quando
Cristo, tanto por haver sido retirado do governo do Estado, quanto
por haver sido ignorado e desprezado, vingará terrivelmente todas
estas injúrias. (...)
C) Para os fiéis
Porque se a Cristo Nosso Senhor foi dado todo o poder no céu e na
terra; se os homens, por terem sido remidos com seu sangue, es-
tão sujeitos à sua autoridade; se, enfim, este poder abraça toda
natureza humana, claramente se vê que não há em nós nenhuma
faculdade que se possa subtrair à tão grande soberania. É, pois,
necessário que Cristo reine na inteligência do homem, a qual, com
perfeito acatamento, há de consentir firme e constantemente às
verdades reveladas e à doutrina de Cristo; necessário que reina na
vontade, a qual há de obedecer às leis e preceitos divinos; neces-
sário que reine nos corações, o qual sobrepondo-se aos afetos
naturais, há de amar a Deus sobre todas as coisas e estar unido
somente a Ele; é necessário que reine no corpo e em seus mem-
bros, que como instrumentos, ou como disse o apóstolo São Paulo,
como armas de justiça para Deus, devem servir para a santificação
da alma. Tudo isso, que se propõe à meditação e profunda consi-
deração dos fiéis, servirá sem dúvidas para incliná-los mais facil-
mente à perfeição. (...)