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traziam informações de fontes de pesquisa do autor). Mas as que traziam informações
adicionais ao conteúdo foram preservadas, e estão com a fonte de cor cinza.

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SUMÁRIO

                                                           Capítulo I

INTRODUÇÃO
1. Definição do trabalho e sua importância.....................................................................6
2. Estrutura adotada........................................................................................................6
3. Objetivos teóricos perseguidos....................................................................................6

                                                           Capítulo II

HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO
4. Hermenêutica: conceito e aspectos gerais................................................................. 7
5. Lei como forma de comunicação humana.................................................................. 8
6. Hermenêutica, interpretação, aplicação e integração do Direito................................ 8
7. Evolução da hermenêutica em prol de um direito centrado no homem e no
povo.................................................................................................................................10

                                                          Capítulo III

MOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
8. Conceito e espécies.....................................................................................................11
9. Momento (ou processo) literal, gramatical ou filológico .............................................12
10. Momento (ou processo) lógico ou racional............................................................... 13
11. Momento (ou processo) sistemático ou orgânico..................................................... 14
12. Momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo........................................... 15
13. Momento (ou processo) teieológico.......................................................................... 17
14. Momento (ou processo) sociológico......................................................................... 18

                                                          Capítulo IV

ESCOLAS HERMENÊUTICAS
15. Conceito e divisão......................................................................................................20
16. Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo.............................................................22
16.1. Escola da Exegese.................................................................................................22
16.2. Escola dos pandectistas.........................................................................................24
16.3. Escola Analítica de Jurisprudência.........................................................................24
17. Escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo............................................25
17.1. Escola Histórica do Direito......................................................................................25
17.1.1. Escola Histórico-dogmática.................................................................................26
17.1.2. Escola Histórico-evolutiva...................................................................................26
17.2. Escola Teleológica.................................................................................................27
18. Escolas que se abrem a uma interpretação mais livre............................................ 28
18.1. Escola da Livre Pesquisa Científica......................................................................29
18.2. Escola do Direito Livre......................................................................................... 30
18.3. Escola Sociológica Americana............................................................................. 34
18.4. Escola da Jurisprudência de Interesses...............................................................36
18.5. Escola Realista Americana.................................................................................. 37
18.6. Escola Egológica..................................................................................................39

                                                                  3
18.7. Escola Vitalista do Direito..................................................................................... 42
19. Direito Alternativo.................................................................................................... 44

                                                             Capítulo V

A APLICAÇÃO DO DIREITO NUMA PERSPECTIVA AXIOLÓGICA, FENOMENOLÓGICA E
SOCIOLÓGICO-POLÍTICA
20. Uma tríplice perspectiva na aplicação do Direito......................................................... 45
21. A aplicação do Direito numa perspectiva axiológica.................................................... 45
21.1. — Pertinência da perspectiva axiológica na aplicação do Direito ............................45
21.2. — Argumentos contrários à vertente axiológica na aplicação do Direito. Recusa
preliminar desses argumentos........................................................................................... 46
21.3. A posição da doutrina em face do tema da valoração da lei pelo Juiz..................... 46
    21.3.1. A valoração da lei pelo juiz na doutrina brasileira............................................. 47
21.3.2. A valoração da lei pelo juiz na doutrina estrangeira.............................................. 49
21.3.3. Valoração da lei pelo juiz: colocações complementares........................................49
21.4. A crítica valorativa da norma e o sistema jurídico brasileiro ....................................50
21.5. Fundamentação teórica para a aplicação axiológica do Direito................................50
21.5.1. Condições metodológicas que devem presidir à aplicação axiológica do
Direito..................................................................................................................................50
21.5.2. Condições ideológicas que devem orientar a aplicação axiológica do
Direito................................................................................................................................. 51
21.5.3. Condições éticas relativamente aos magistrados que têm de pressupor a
aplicação axiológica do Direito.......................................................................................... 51
21.5.4. A hegemonia do juiz na vida do direito, observadas as condições que se
colocam.............................................................................................................................. 52
22. A aplicação do Direito numa perspectiva fenomenológica...........................................52
23. A aplicação do Direito numa perspectiva soeiológico-política......................................55
23.1. A essencialidade da aplicação sociológico-política do Direito.................................. 55
23.2.0 agasalho ao Direito e à cultura popular como fundamento de uma postura
sociológico-política.............................................................................................................55
23.3. Objeções à concepção extensiva da aplicação sociológico-política do Direito....... 58
23.4. Refutação das objeções............................................................................................58
23.4.1. A lei ante o caso singular e a mudança social........................................................58
23.4.2. O conteúdo subjetivo e político inerente a toda sentença..................................... 59
23.4.3. A supremacia do valor Justiça sobre o valor Segurança........................................61
23.4.4. Se o juiz falha, não é a lei que o salvará................................................................62
23.4.5. A representatividade popular dos juizes................................................................ 63
23.4.6. A Escola do Direito Justo, Magnaud e o posicionamento assumido neste
livro.....................................................................................................................................65
23.4.7. Condições para a utilização dos recursos da Informática......................................66


                                                            Capítulo VI

CONCLUSÃO
24. Os objetivos que este livro pretendeu alcançar............................................................67
25. Síntese das perspectivas propostas.............................................................................67
26. Considerações complementares..................................................................................68
26.1. A modernização e a democratização da Justiça como requisitos para o desempenho
eficaz do papel intervencionista que cabe à magistratura................................................. 68
                                                                     4
26.1.1. A realidade da Justiça no Brasil e o imperativo de Mudança.................................68
26.1.2. Medidas em favor da modernização, melhoria e democratização do aparelho
judiciário..............................................................................................................................69
26.1.3.0 poder das minorias como instrumento transformador..........................................72
26.2. A Justiça, o juiz e a libertação do oprimido...............................................................72
26.2.1. A Justiça como instrumento de libertação..............................................................72
26.2.2. A salvação do Direito pela arte do juiz....................................................................73
26.2.3. Em busca de um Direito da libertação....................................................................73

APÊNDICE - Entrevista concedida pelo Autor ao Jornal A Gazeta, de Vitória, por Ocasião
do Lançamento da Ia Edição deste Livro............................................................................75

Bibliografia........................................................................................................................87




                                                                    5
Capítulo I

INTRODUÇÃO

1. DEFINIÇÃO DO TRABALHO E SUA IMPORTÂNCIA

        O presente trabalho é uma pesquisa teórica que trata de problemas relacionados
com a Hermenêutica, a interpretação e a aplicação do Direito.
        Sua importância resulta, quer da posição eminente do assunto nas perquirições da
Teoria Geral do Direito,1 quer dos aspectos práticos ligados ao exercício das profissões
jurídicas.
        Não obstante outras obras, no Brasil e no Exterior, já tenham tratado longamente
da matéria, o enfoque desta monografia é original, como originais são algumas de suas
contribuições.

2. ESTRUTURA ADOTADA

        Dividi o presente estudo em seis capítulos:
- o primeiro — esta introdução -, para situar as questões que serão desenvolvidas;
- o segundo, em que trato de questões genéricas ligadas à hermenêutica, à interpretação
e à aplicação do Direito, e onde termino por apontar o salto que julgo deva ser dado pelo
aplicador do Direito, fazendo do homem julgado e das aspirações sociais o centro
inspirador da Hermenêutica, ponto que é retomado e desenvolvido no quinto capítulo;
- o terceiro, que cuida dos momentos (ou processos) da interpretação jurídica;
- o quarto, que versa, abreviadamente, sobre as escolas hermenêuticas. Estas são frutos
da disputa entre concepções do Direito e posições em face do labor hermenêutico;
- o quinto, através do qual procuro explicitar uma visão hermenêutica que nasceu da
experiência pessoal, conjugada com a reflexão sobre doutrinas e autores, buscando
resolver a angústia de distribuir Justiça, em choque com dogmas que era preciso
deslindar e discutir;
- o sexto, em que procuro concluir a visão teórica, elaborada no curso da dissertação, e
explicitar os requisitos estruturais que podem tomar possível o papel que o livro destina
ao juiz.
        As considerações gerais sobre a Hermenêutica servem de preparação aos
capítulos seguintes. Dos processos de interpretação, da posição dos juristas em face da
aceitação exclusiva ou da primazia de uma ou outra técnica, ou critério hermenêutico,
emergem as escolas hermenêuticas. O estudo destas permite aquilatar a evolução do
pensamento jurídico no que se refere à interpretação e aplicação do Direito, bem como
compreender o alcance e os limites da contribuição deste estudo ao tema de que cuida.

1 A teoria da interpretação é tema da Teoria Geral do Direito. Esta é um conhecimento epistemológico,
portanto filosófico, que constitui o centro da Introdução à Ciência do Direito.
Fernando Fueyo Laneri observa que a interpretação jurídica é estudada em variados ramos do Direito.
Contudo, "su puesto preciso se encuentra en la Doctrina General dei Derecho". Cf. Fernando Laneri Fueyo.
Interpretacióny Juez. Santiago de Chile, Universidad de Chile y Centro de Estúdios "Ratio Iuris", 1976, p.
161.

3. OBJETIVOS TEÓRICOS PERSEGUIDOS

      Tento cooperar na elaboração de uma doutrina da aplicação do Direito,
fundamentando uma percepção sedimentada no exercício da magistratura trabalhista e
comum durante cerca de trinta anos. A expressão teórica dessa práxis seria um Direito


                                                    6
aplicado, simultaneamente, sob a perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-
política.
        A perspectiva axiológica afirma que o juiz é portador de valores de que impregna
suas sentenças. Há de ser o varão digno que julgue o povo com retidão e veja sempre a
Justiça a serviço do homem.
        A perspectiva fenomenológica levará o julgador a descer ao homem julgado,
buscar seu mundo, compreender suas circunstâncias.
        A perspectiva sociológico-política possibilitará ao juiz a pesquisa dos valores do
povo, a identificação do seu sentimento do justo, a consideração do homem comum, o
desempenho de uma função renovadora e progressista, à frente da lei.
        As três perspectivas vão afinal embasar uma visão humanística do ofício judicial.
Essa visão humanística, a meu ver, é a única que pode possibilitar a libertação da lei.
        De outra forma, o sacerdote e o levita continuarão a passar de largo, deixando sem
socorro o ferido de Jerico - homem, mas desconhecido que não entra na fórmula, que não
está compreendido no elenco das pessoas que se devem ajudar.


Capítulo II

4. HERMENÊUTICA: CONCEITO E ASPECTOS GERAIS

        Hermenêutica, na sua acepção mais geral, é a interpretação do sentido das
palavras. Esse sentido das palavras, que cabe à Hermenêutica interpretar, restringe seu
campo à linguagem verbal, excluído, assim, o conceito amplo de linguagem, aquele que
abarca "todas as formas que servem a propósitos comunicativos".
        A palavra hermenêutica provém do grego hermeneúein, interpretar, e deriva de
Hermes, deus da mitologia grega, considerado o intérprete da vontade divina.
        No Organon, de Aristóteles, encontramos o mais remoto emprego do vocábulo
hermenêutica, tal como o traduziu Theodor Waitz, em 1844.
        Grande prestígio ganhou a Hermenêutica quando se intensificou o interesse pela
interpretação das Sagradas Escrituras. Isso ocorreu, especialmente, a partir do século
XVI, com Mathias Flacius Illyricus.
        A Hermenêutica afirma-se como disciplina filosófica em 1756, ano em que Georg
Friedrich Maier escreve uma obra, defendendo sua importância no campo da
especulação.
        Segundo Heidegger, a Hermenêutica é o estudo do compreender. Compreender
significa compreender a significação do mundo. O mundo consiste numa rede de
relações, é a possibilidade de relações. Pode-se organizar o mundo matematicamente;
pode-se conceber o mundo teologicamente; pode-se interpretar o mundo como
linguagem, que é o que interessa ao hermeneuta. Então, o mundo se torna dizível, o
mundo é convertido na linguagem que nós utilizamos.
        A Hermenêutica é sempre uma compreensão de sentido: buscar o ser que me fala
e o mundo a partir do qual ele me fala; descobrir atrás da linguagem o sentido radical, ou
seja, o discurso.
        Heidegger, Husserl e os demais filósofos da corrente fenome nológica entendem
que só se possa compreender o homem e o mundo a partir de sua facticidade.
        Dentro dessa concepção, toda hermenêutica é uma metafísica, uma ontologia
fenomenológica.




                                            7
5. LEI COMO FORMA DE COMUNICAÇÃO HUMANA

       A lei é uma forma de comunicação humana Forma imperativa de comunicação,
destinada a regular a conduta de um grupo social e emanada de um homem, de um grupo
de homens, de uma classe, ou da totalidade do grupo social, para traduzir os interesses
absolutos da classe minoritária dominante, numa sociedade de opressão ilimitada, ou
para expressar soluções de compromisso, numa sociedade onde os domina dos tenham
possibilidade de fazer valer sua força, ou para estabelecer a igualdade e o direito de
todos, numa sociedade que tenha superado, ou esteja em vias de superar, qualquer
forma de dominação e exploração.
       A hermenêutica jurídica é parte desse processo de comunicação.
       David Berlo assinala a presença de seis elementos no processo completo de
comunicação: a fonte, o codificador, a mensagem, o canal, o decodificador e o receptor.
       Creio adequado utilizar o esquema de David Berlo para dissecar o processo de
comunicação que se efetiva através da lei. Teremos, então: como fonte, o legislador;
como codificador, a palavra escrita; como mensagem, o conteúdo da lei; como canal, o
pergaminho, o jornal ou o livro no qual se faça o registro do texto legal; como
decodificador, a leitura; como receptor, a pessoa a quem a lei é dirigida, a qual opera o
processo de decodificação.
       Embora a lei seja codificada, normalmente, através da palavra escrita, uma
exceção à regra são os sinais de trânsito, que obrigam sob sanção, com características
de lei, e que não se limitam ao uso da palavra escrita mas apelam também para o
desenho.
       A palavra sob a forma escrita (em oposição à forma oral) é, modernamente, o
código obrigatório para o legislador.
       No Brasil, a lei entra em vigor quarenta e cinco dias depois de oficialmente
publicada, salvo disposição contrária.
       Na prática, porém, a palavra escrita não é o único nem o principal veículo de
comunicação entre o legislador e o receptor. O rádio e a televisão noticiam a promulgação
das leis antes de sua publicação na imprensa oficial. E depois de ter sido a lei publicada o
conhecimento de sua existência também chega ao receptor oralmente, pela circulação
verbal da notícia.
       A comunicação será tanto mais fiel quanto menor número de fatores, nas diversas
etapas do processo, influírem na alteração da mensagem que a fonte pretenda transmitir
ao receptor.
       No caso da comunicação através da lei, a fonte deve cuidar da fidelidade à
mensagem, no momento da codificação. Contudo, desprestigiada, modernamente, a idéia
de que o intérprete deveria descobrir e revelar a vontade, a intenção do legislador, o
processo hermenêutico parte da mensagem já codificada.


6. HERMENÊUTICA, INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO

A expressão hermenêutica jurídica é usada com diferente extensão, ou acepção, pelos
autores com freqüência, vê-se hermenêutica jurídica usada como sinônimo de
interpretação da lei. Outras vezes, é dado aos vocábulos um sentido amplo, que abrange
a interpretação e a aplicação.10
Carlos Maximiliano distingue Hermenêutica e Interpretação. A Hermenêutica é a teor ia
científica da arte de interpretar. Tem por objeto
"... o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito".'
A interpretação é a aplicação da Hermenêutica.12

                                             8
Ainda Carlos Maximiliano observa que:

"... interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tomar claro o respectivo
dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e
conducente a uma decisão reta".

         Sentidos mais amplos da expressão, afirma que, no sentido restrito, hermenêutica é sinônimo de
interpretação, que o tema tradicionalmente arrolado como especifico da hermenêutica jurídica é o da
interpretação, seus processos e sua técnica. Cf. Teoria Geral do Direito, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1966, pp. 233 e 234. Também Naylor Salles Gontijo identifica Hermenêutica Jurídica e Interpretação do
Direito. Cf. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1969, p. 291. Da mesma forma, A. B.
Alves da Silva. Cf. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Agir, 1956, p. 270.

10 Paulo Dourado de Gusmão entende que a Hermenêutica Jurídica é a "parte da ciência do direito que
trata da interpretação e aplicação do direito". Cf. Introdução ao Estudo^ do Direito, Rio de Janeiro, Forense,
1978, p. 253. Machado Neto, numa primeira extensão do conceito, vê a hermenêutica abrangendo a
interpretação, a integração e, quiçá, a própria aplicação. Num sentido ainda mais amplo, identifica
Hermenêutica Jurídica como Teoria da Técnica Jurídica, ou seja, a parte da Teoria Geral do Direito cujo
horizonte temático é a lógica jurídica material, em oposição à Teoria Geral do Direito stricto sensu, cujo
horizonte temático é a lógica jurídica formal. Cf. A . L. Machado Neto, Teoria Geral do Direito, Rio de
Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966, pp. 26 e 233.

12 Paulo Nader, que também distingue os conceitos, diz que a hermenêutica é teórica e visa a estabelecer
princípios, critérios, métodos, orientação geral. Já a interpretação é de cunho prático, aplicando os
ensinamentos da hermenêutica. Ver Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Forense,
1982, p. 314. No mesmo sentido, cf. Orlando de Almeida Secco, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de
Janeiro, Freitas Bastos, 1981, p. 185.

13 Carlos Maximiliano, ob. cie, p. 22. Ao termo "interpretação das leis" Carlos Maximiliano prefere
"interpretação das expressões do Direito" porque não se interpretam apenas as leis, mas também o Direito
Consuetudinário, os decretos, regulamentos em geral, avisos e portarias ministeriais, instruções e circulares
de autoridades administrativas, usos e decisões judiciárias, contratos, testamentos e outros atos jurídicos,
ajustes e contratos internacionais, convenções interestaduais e intermunicipais.

        Interpretar é apreender ou compreender os sentidos implícitos nas normas
jurídicas. E indagar a vontade atual da norma e determinar seu campo de incidência. É
expressar seu sentido recorrendo a signos diferentes dos usados na formulação original.
        A interpretação é tarefa prévia, indispensável à aplicação do Direito.
        A aplicação do Direito consiste em submeter o fato concreto à norma que o regule.
        A aplicação transforma a norma geral em norma individual, sob forma de sentença
ou decisão administrativa.16 Quando para o fato não há norma adequada, o aplicador
preenche a lacuna; através da integração do Direito.
        A integração é o processo de preenchimento das lacunas existentes na lei.
Na interpretação, parte-se da lei, para precisar-lhe o sentido e o alcance. Na integração,
parte-se da inexistência de lei.
        Se existe a norma, o aplicador, grosso modo, enquadra o fato na norma.
Na pesquisa da relação entre o caso concreto e o texto abstrato, entre a norma e o fato
social, a tarefa do aplicador,

15 "Interpretar un enunciado quiere decir ordinariamente expresar su sentido recurriendo a signos diferentes
de los usados para formulário originalmente." Roberto José VernengOi Curso de Teoria General dei
Derecho, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976, p. 404. Adverte Sônia Maria S.
Seganfreddo que o trabalho interpretaiivo não se limita a decifrar os sinais que os sentidos percebem mas,
também, visa à criação c elaboração intelectual, que conduz o intérprete a novas situações quando
desentranha o sentido de uma expressão. Cf. Sônia Maria S. Seganfreddo, Como Interpretar a Lei. Rio dc
Janeiro, Ed. Rio, 1981, p. 14.




                                                      9
16 Num sentido amplo, não haveria aplicação do Direito apenas nestas duas hipóteses Entendendo como
Kelsen que a aplicação é a formulação da norma particular, a partir dn norma geral, haveria aplicação
constitucional quando a Constituição é aplicada ao ia proceder a sua reforma, aplicação legislativa quando
se aplicam as disposições da Constituição para elaborar as leis, aplicação jurisdicional ou administrativa
quando t o jull ou o administrador quem aplica a Constituição, a lei ou o contrato ao caso particular, o
mesmo uma aplicação voluntária quando as partes se adaptam ao disposto na ConstituiçAo • nas leis. O
termo tem, neste trabalho, o sentido restrito de aplicação jurisdicional OU administrativa. Para o conceito de
aplicação do Direito, segundo Hans Kelsen, cf. Trona Pura do Direito, Coimbra, Armênio Amado, 1974, pp.
324 a 327.

sobretudo a do juiz, não se resume, contudo, a um mero silogismo, no qual fosse a lei a
premissa maior, o caso, a premissa menor, e a sentença judicial, a conclusão.
       A liberdade maior ou menor do juiz, no julgar, a irrestrita submissão à lei ou o
abrandamento dessa submissão, em diferentes graus, marcam posturas ligadas às
diversas escolas hermenêuticas.


7. EVOLUÇÃO DA HERMENÊUTICA EM PROL DE UM DIREITO CENTRADO NO
HOMEM E NO POVO

       Vejo a evolução da Hermenêutica, em geral, e da Hermenêutica Jurídica, em
particular, refletindo a evolução das idéias sobre o homem e seu papel no mundo: de uma
preocupação em investigar a vontade do legislador,17 entendido como ser onipotente,
passou se para a posição, mais liberal, de pesquisa da própria lei, como produto social,
fruto da consciência jurídica do povo, segundo seus pregoeiros.18

17 Paula Batista via como elementos da interpretação gramatical, o lógico e o científico. Este último é
aquele que presta ao elemento lógico "as premissas e dados para, sob a dupla relação das palavras e dos
pensamentos e por meio de legítimas conseqüências, não só atingir o sentido normal, e sem defeitos, como
adotar, dentre os sentidos possíveis, o que exprimir, com maior segurança possível, a vontade do
legislador". (Cf. Paula Batista, Compêndio de Hermenêutica Jurídica, São Paulo, São Paulo Saraiva, 1984,
pp. 10 e II.)
O Barão de Ramalho entendia que o estudo da hermenêutica jurídica devia preceder ao de todo direito
positivo, "por isso que como todo o direito precisa ser entendido para ser bem aplicado quando reduzido a
leis, segue-se que o primeiro estudo do jurisconsulto consiste em conhecer perfeitamente as regras
segundo as quais se deve apoderar o pensamento do legislador para genuinamente aplicá-las". (Cf. Barão
de Ramalho, Cinco Lições de Hermenêutica • Jurídica, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 91.)

18 Afirma José Maria Martin Oviedo que a doutrina atual submete a revisão as teorias subjetivas (vontade
do legislador) e objetiva (vontade da lei) que a doutrina clássica construiu, a respeito da interpretação.
Inclina-se a doutrina atual por um sincretismo, tanto metódico quanto técnico, com um certo predomínio da
interpretação objetiva e destacando-se, entre os elementos do processo interpretativo, a ratio legis, que
postula a prevalência do resultado interpretativo mais adequado à finalidade da lei. Cf. Formación y
Aplicación dei Derecho, Madrid, Instituto de Estúdios Políticos, 1972, p. 149.
José Maria Rodrigues Paniagua entende que, entre as posturas polêmicas (teoria da interpretação subjetiva
e da interpretação objetiva), o melhor caminho para o esclarecimento científico é a aceitação do que uma e
outra teoria possam ter de verdadeiro. Cf. Ley e Derecho, Madrid, Editorial Tecnos, 1976, pp. 90 e 91.

        O novo salto que penso deva ser dado, corajosamente, pelo aplicador do Direito,
sobretudo pelo juiz,19 impõe que este não se enclausure na sua ciência, causadora de
rigidez perceptiva, mas que se abra às outras ciências, à economia, à Política, à
Sociologia, à Psicologia, e que se deixe tocar pela influência das correntes
fenomenológica e existencialista, bem como das escolas sociológicas.
        Manuel de Andrade diz que para a escola tradicional, subjetivista, psicológica ou
histórico-filológica a lei deve ser entendida e aplicada conforme o pensamento e a
vontade do legislador.


                                                     10
Opondo-se a essa, a nova concepção "abstraindo do legislador, encara a lei
apenas, em si mesma a querendo interpretar, por maneira que o sentido legal prevalente
terá de ser um sentido objetivo, como que radicado na própria lei." (Manuel A. Domingues
de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da interpretação das Leis, Coimbra, Armênio Amado
— Editor, Sucessor, 1978, pp. 14e 15.)

19 As mudanças de 1993 e 1994 pouco alteraram as disposições do Código de Processo Civil relacionadas
com o juiz. Apenas deu-se mais ênfase à tarefa conciliatória que já era atribuída aos juizes e abrandou-se
ainda mais o princípio da vinculação do juiz ao processo sob o fundamento da identidade física.
Disciplina o art. 132 do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 8.637, de 31
de março de 1993:
"O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado,
afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos .em que passará os autos ao seu
sucessor".
O art. 132, na redação expressa pelo Código de Processo Civil, quando foi promulgado em 1973,
estabelecia:
"O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide salvo se for
transferido, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Ao recebê-los, o
sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas".
A mudança operada pela Lei n° 8.637 abrandou ainda mais o princípio da identidade física do juiz. O
princípio geral de vinculação ao processo passou a alcançar somente o juiz que concluir a audiência de
instrução, e não aquele que apenas tiver dado início a ela. Por outro lado, foram alargadas as hipóteses em
que o princípio da identidade física deve ceder. Desaparece a norma de vinculação ao processo se o juiz é
convocado para atuar em tribunal, ou se é promovido, aposentado, licenciado ou afastado por qualquer
motivo. Entretanto, o fato de entrar em gozo de férias não desvincula o juiz do feito, conforme a
jurisprudência tem entendido. (Cf. Theotonio, Negrão. Código de Processo Civil de Legislação Processual
em Vigor, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 164.)



Capítulo III

MOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

8. CONCEITO E ESPÉCIES

       Processos de interpretação são os recursos de que se vale o hermeneuta para
descobrir o sentido e o alcance das expressões do Direito.
       A interpretação incide sobre a lei e as demais expressões do Direito, e não sobre o
próprio Direito.
       Alei é a forma, o Direito é o conteúdo: a interpretação recai sobre a forma,
buscando o conteúdo. Já a aplicação é do Direito'. ante o fato concreto a tarefa do
aplicador, revelado o conteúdo da lei, sua substância, é fazer prevalecer esse conteúdo.
       A lei não evolui. Segue com passo tardo a mudança social. O Direito, entretanto,
pode acompanhar as transformações econômicas, políticas e sociais. Ao intérprete e ao
aplicador cabe responder ao desafio de dinamizar a lei, para que não seja força
retrógrada dentro da sociedade.
       Como observou Emmanoel Augusto Perillo, o conteúdo da lei é inteiramente vago,
dentro de sua esquematização lógica; sem a intervenção do hermeneuta, a lei morre no
tempo.
       Os processos de interpretação são também chamados elemen tos de
interpretação, métodos ou modos de interpretação, fases ou momentos da interpretação
ou critérios hermenêuticos.
       Os processos de interpretação não ocorrem ao intérprete numa ordem sistemática,
mas numa síntese imediata.



                                                      11
Esse caráter unitário da atividade hermenêutica aconselha que se encarem os
processos de interpretação como momentos do processo global interpretativo, de
preferência a conceituá-los como métodos.
       Por reconhecer que o processo interpretativo não obedece a uma ascensão
mecânica das partes ao todo, mas "... representa antes uma forma de captação do valor
das partes, inserido na estrutura da lei, por sua vez inseparável da estrutura do sistema e
do ordenamento".
       Miguel Reale propugna por uma hermenêutica estrutural.
       C. H. Porto Carreiro define-se por um método hermenêutico dialético, que "...
abrange a realidade como um todo e, como um todo, a examina, procurando tudo quanto
existe na letra e no espírito da lei".3
Embora haja variações terminológicas, de um autor para outro,4 se queremos buscar o
máximo de abrangência e pormenorização podemos enumerar como momentos (ou
processos) de interpretação os seguintes:
- momento (ou processo) literal, gramatical ou filológico;
- momento (ou processo) lógico ou racional;
- momento (ou processo) sistemático ou orgânico;
- momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo;
- momento (ou processo) teleológico;
- momento (ou processo) sociológico.


3 Cf. Carreiro, C. H. Porto. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, p. 250:
"Consideramos que o único método hermenêutico verdadeiramente válido e eficaz é o dialético, que
abrange a realidade como um todo e, como um todo, a examina, procurando desvendar tudo quanto existe
na letra e no espírito da lei. E nisso estão incluídos: 1. O conteúdo semântico dos vocábulos, naquilo que há
de histórico nas variações ideológicas, compreendendo o que significam as palavras para a classe que ditou
a norma jurídica; 2. O conteúdo lógico da inserção da regra nesta (e não em outra) lei considerando que
seus artigos devem exprimir um todo, que repele matéria estranha à versada pelo legislador, 3.0 exame das
condições históricas que ditaram, naquele (e não em outro) momento, sua feitura, ou seja, o estudo da
oportunidade histórica da lei, para que se vislumbrem os fatos geradores da norma criada, sua extensão e
sua finalidade; 4. O estudo das condições sociológicas que ressaltaram os interesses de classe a serem
protegidos, orientando o aplicador da lei no conhecimento do tipo de conflito que se deseja evitar, solucionar
ou minorar".
4 Naylor Salles Gontijo classifica os métodos de interpretação em dois grupos. Seriam métodos maiores, o
axiológico (que se utiliza dos juízos de valor para a interpretação do Direito), o lógico (que se serve do fato
para subir até a norma, porque entende o Direito como completivo da conduta social) e o de integração
dialética (que consiste na atualização normativa dos valores em uma condicionalidade fática). Seriam
métodos menores o gramatical, o sistemático, o histórico, o declaratório, o extensivo, o restritivo, o evolutivo
e o ab-rogante. Cf. Naylor Salles Gontijo, Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro, Forense, 1969,
pp. 308 e segs. Luís Alberto Warat alinha como métodos de interpretação: o gramatical, o exegético
(Bonnecase e Proudhon), o comparativo (lhering, na segunda fase), o científico (Geny e Planiol), o da
Escola do Positivismo Sociológico (Duguit), o da Escola de Direito livre (Erlich, Kantorowicz), o teleológico
(Heck), que se desdobra no teleológico em sentido estrito e no da jurisprudência de interesses, o da Escola
do Positivismo Eáctico (Cohen e Alf Ross), o da Escola Egológica (Cossio) e o tópico-retórico (Viehweg). Cf.
Luís Alberto Warat, Mitos e Teorias na Interpretação das Leis, Porto Alegre, Ed. Síntese, 1979, pp. 75 e
segs.

9. MOMENTO (OU PROCESSO) LITERAL, GRAMATICAL OU FÍLOLÓGICO

       O momento (ou processo) fílológico estabelece o sentido objetivo da lei com base
em sua letra, no valor das palavras, no exame da linguagem dos textos, na consideração
do significado técnico dos termos.
       Forma de comunicação humana que se utiliza da linguagem verbal, a lei é uma
realidade morfológica e sintática. Essa circunstância torna inafastável a utilização do
processo gramatical de interpretação. A interpretação exclusivamente filológica, ou a
preferência pela exegese verbal, ou mesmo a idéia de que se deva partir,
                                                      12
progressivamente, do processo gramatical para atingir depois a compreensão sistemática,
lógica, teleológica ou axiológica dos textos é que constituem posições doutrinárias
ultrapassadas. Certamente, foi com vistas a esses desvios hermenêuticos que Recaséns
Siches qualificou a interpretação literal como irracional e inútil.5

5 "Espantosa tontería", segundo suas palavras. Cf. Luís Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la
Interpretación dei Derecho, México, Editorial Porrúa, 1973, p. 182. Gustav Radbruch coloca a questão
nestes termos: "A interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já foi
pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um
outro. Sem dúvida, ela parte da interpretação filológica da lei; mas para ir mais além dela". Gustav
Radbruch, Filosofia do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 231.

       A interpretação filológica deve perseguir o conteúdo ideológico dos vocábulos,
descobrir o que de subjacente existe neles, com vistas a uma compreensão semântica
das palavras usadas na lei.6
       No uso do processo filológico, deve o intérprete estar advertido de que nem sempre
a palavra é fiel ao pensamento, afora as impropriedades de redação, freqüentes nas leis.
Sempre é preciso encontrar o que se acha implícito por trás das palavras.
       As palavras empregadas pelo legislador devem ser interpretadas em conexão com
as demais que constituem o texto.
Deve-se atentar para o uso da palavra no local em que foi redigida a lei ou a matéria a ser
interpretada.
       A pesquisa filológica há de interligar-se e harmonizar-se com os demais processos,
pois, "desde Saussure, não se tem mais uma compreensão analítica ou associativa da
linguagem, a qual também só pode ser entendida de maneira estrutural, em correlação
com as estruturas e mutações sociais."
       Essa visão estrutural da linguagem desautoriza o entendimento dogmático das
palavras da lei e impõe o entendimento histórico.
       A língua é um patrimônio comum, arsenal coletivo, instituição. A fala é a escolha
individual, a opção entre as possibilidades de expressão que se apresentam na língua.
       A lei é a fala do legislador, revelando a percepção da pessoa ou do grupo de
pessoas que elaborou a lei, mas, também, sem dúvida, a visão da época.
       Cada época tem uma visão da realidade.
       A consideração desses aspectos não pode ser ignorada pelo hermeneuta.
Se o intérprete possuir conhecimentos de filologia, lingüística e filosofia da linguagem,'0
poderá utilizar-se, com proveito, do auxílio desse processo.

6 Carlos Santiago Nino assinala como tendência da nova Ciência do Direito o desprender-se, na
interpretação, dos mitos derivados do "realismo verbal" para atender às modernas técnicas de análise
semântica e sintática. Cf. Carlos Santiago Nino, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires, Editorial
Astrea, 197S, vol. 4, p. 151.



10. MOMENTO (OU PROCESSO) LÓGICO OU RACIONAL

            O momento (ou processo) lógico baseia-se na investigação da ratio legis. Busca
descobrir o sentido e o alcance da lei, sem o auxílio de qualquer elemento exterior,
aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de
empréstimo à lógica geral. Funda-se no brocardo - Ubieadem ratio, ibi eadem legis
dispositio, ou seja, ali onde está o racional, ali está a correta disposição legislativa.
‘’’’’’’’’’’’Procura a idéia legal que se encontra sub litteris, partindo do pressuposto de que a
razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão de seu conteúdo; de seu
sentido e de sua finalidade. Numa lei, o que interessa não é o seu texto, mas o alvo fixado
pelo legislador.

                                                   13
O elemento lógico empregado nesse processo de interpretação é o fornecido pela lógica
formal."
             A ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicos dominantes e deve
prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este.
             O processo lógico permite que a interpretação alcance elevado padrão de rigor e
segurança. Contudo, como sublinha Flóscolo da Nóbrega:
"... o processo tem o grave inconveniente de esvaziar a lei de todo o conteúdo humano,
de tratá-la em termos de precisão matemática, como se fosse um teorema de geometria".
             Também Carlos Maximiliano censura o processo afirmando que, da preocupação
de reduzir toda a Hermenêutica a brocardos, a conseqüência é multiplicarem-se as regras
de interpretação, gerando a sutileza, incompatível com a segurança jurídica pretendida.
             Recaséns Siches considera o processo lógico imprestável na aplicação do Direito.
‘’’’’’’’’’’’’A lógica formal, de tipo puro, a priori, só é adequada na análise dos conceitos
jurídicos essenciais. Para tudo que pertence à existência humana - a prática do Direito,
inclusive - impõe-se o uso da lógica do humano e do razoável (lógica material).
             Carlos Coelho de Miranda Freire adverte que o raciocínio jurídico não se regula por
uma lógica do necessário. Nele domina um procedimento fundamentado em silogismos
retóricos, que são concluídos a partir de premissas prováveis.
             André Franco Montoro pensa que o jurista usa habitual mente a lógica em suas
sentenças, petições, pareceres etc, se bem que nem sempre o faça de forma consciente.
‘’’’’’’’’’’’Todas as vertentes da Lógica, segundo sua opinião, desde a lógica clás sica até a
lógica simbólica, a lógica da linguagem, a lógica deôntica e a lógica do concreto
(incluindo-se, nesta última designação, a lógica do razoável, da argumentação, da contro
vérsia, nova retórica e tópica) têm aplicação na tarefa herme nêutica.
             Wilson de Souza Campos Batalha observa que o rigor lógico, na interpretação e
aplicação das normas jurídicas, é simples apa rência. Há em toda interpretação e
aplicação ingredientes estima tivos, emocionais e irracionais.
             Embora a sentença - prossegue - revista-se de forma silogís-tica, a conclusão,
freqüentemente, precede as premissas.
             C. H. Porto Carreiro acha que, modernamente, a exegese racional voltou a merecer
atenção, uma vez que pode fornecer informações sobre as razões sociais da lei, isto é,
sobre o Direito que, em dado momento, se cristalizou em regra jurídica.
             Por isso, ao lado da ratio legis, aprofundou-se o exame da occasio legis, como
elemento histórico capaz de revelar ao intérprete as condições sociais que deveriam ter
influenciado na redação da lei.
             O processo lógico, ou racional, reformulado, poderá penetrar no espírito histórico
da lei, retirando daí as razões que a ditaram, sua finalidade imediata e os motivos do
momento que presidiram à sua feitura.
Observada essa advertência, creio que o processo lógico pode ser empregado com
utilidade.

11. MOMENTO (OU PROCESSO) SISTEMÁTICO OU ORGÂNICO

        O momento ou processo sistemático considera o caráter estrutural do Direito, pelo
que não interpreta isoladamente as normas. Vê cada regra legislativa como "... parte do
inteiro organismo dos princípios de determinado regime ou sistema de direito positivo".19
Consiste na “... adaptação do sentido de uma norma ao espírito do sistema". Carlos
Maximiliano fixa diretriz para o uso do processo: "Examine-se a norma na íntegra, e mais
ainda: o Direito todo, referente ao assunto. Além de comparar o dispositivo com outros
afins, que formam o mesmo instituto jurídico, e com os referentes a institutos análogos;
força é, também, afinal pôr tudo em relação com os princípios gerais, o conjunto do
sistema em vigor".

                                              14
Nos países de Constituição rígida, importante é ter presente a supremacia dos
dispositivos constitucionais, em comparação com os dispositivos da legislação ordinária.
       Quando se adota, como se faz, por longa tradição, no Brasil, o sistema de
constituições pormenorizadas, exaustivas, regulando matérias atinentes aos mais
diversos campos do Direito, indispensável é o cotejo de qualquer dispositivo que se queira
interpretar com o que, a respeito, disponha, específica ou genericamente, a Constituição
Federal.
       O processo sistemático tem a função de preservar a harmonia do sistema legal,
zelar por sua coerência.
       Esse objetivo deve ser perseguido não apenas pelo controle constitucional das leis:
também entre normas de igual hierarquia o princípio deve ser invocado.
       A meu ver, assiste razão a Cavalcanti Lana, em voto vencido que proferiu no Io
Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro:
       "Tem a jurisprudência um papel que não está suficientemente esclarecido e
estudado: o de preservar a harmonia do sistema legal. Não é ela mera intérprete da lei e
nem se unifica, em homenagem aos casos análogos, a fim de garantir a isonomia das
decisões. Sua função mais importante é a de zelar pela coerência do sistema. Argumenta-
se que esta coerência é dada pelo controle constitucional das leis, não havendo como
invocá-lo entre normas de igual magnitude hierárquica. Mas o argumento deixa ao juiz
uma pobre função - transforma-o em computador destinado a processar os dados que o
legislador, em desavisada hora, entendeu de lhe propiciar".22

22 "Isto vera ocorrendo" - prossegue o voto - "com a malsinada denunciação vazia (...) Para chegar a ela,
partiu o legislador da falsa premissa de que o Sistema Nacional de Habitação constituiu-se em um êxito tão
grande que somente excêntricos e pouco numerosos milionários se dão ao luxo do aluguel, quando todos,
por menor que lhes seja a renda familiar, têm acesso à casa própria. O engano é ledo, a realidade é outra.
(...) Por tais razões, a partir de agora, embora aparentemente contra legem, mas afeiçoando ao espirito
maior do sistema que se tomou tradicional do intervencionismo contratual por inspiração do bem comum,
voto no sentido de negar, peremptoriamente, reprise que imotivada seja." (Voto vencido do juiz Cavalcanti
Lana, na Apelação Cível n° 68.408, julgada pela 3* Câmara do 1° Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro. In
Litis, Rio de Janeiro, ano I, vol. IV, dez. 1976, pp. 155-157.)

             Integra o processo sistemático o recurso ao Direito Comparado, ou seja, a
confrontação do texto, sujeito a exegese, com leis congêneres de outros países,
especialmente daqueles que exerceram influência na construção do instituto jurídico que
se investiga.
’’’’’’’’’’’’’Nas matérias alcançadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é
necessário ter presente esse documento supranacional, quer quando se acolhe a doutrina
que sustenta sua auto-aplicação ao Direito interno23 - posição que julgo acertada -, quer,
pelo menos, como fonte subsidiária.
             O processo (ou momento) sistemático possibilita uma compreensão larga da lei. A
mens legis - que parecia muito precisa -, após a confrontação do texto interpretado com
outras normas de igual ou superior hierarquia, com os princípios gerais do Direito, com o
Direito Comparado, pode restringir-se, ampliar-se, ser, enfim, iluminada por uma visão
enriquecedora, que uma interpretação meramente lógica tornaria impossível.

12. MOMENTO (OU PROCESSO) HISTÓRICO OU HISTÓRICO-EVOLUTIVO

       O momento (ou processo) histórico leva em conta as idéias, os sentimentos e os
interesses dominantes, ao tempo da elaboração da lei. A lei representa uma realidade
cultural que se situa na progressão do tempo. Uma lei nasce, obedecendo a determinadas
aspirações da sociedade ou da classe dominante da sociedade, traduzidas pelos que a
elaboram, mas o seu significado não é imutável. E necessário verificar como a lei disporia


                                                   15
se, no tempo de sua feitura, houvesse os fenômenos que se encontram presentes, no
momento em que se interpreta ou aplica a lei.
        A lei, observa Paulo Dourado de Gusmão, "não é elaborada para um corpo social
moribundo, mas para um corpo social vivo, em desenvolvimento, com épocas de crise e
com épocas de estabilidade".
        Fundamenta esse processo hermenêutico a convicção de que o Direito é produto
histórico, herança cultural, criação da vida social, capaz de adaptar-se a todas as
condições e exigências novas, fruto da comunidade, e não resultado da vontade do
legislador. Daí o realce que seus corifeus deram à tradição e ao costume imemorial.
        O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem "conteúdo fixo,
invariável, não pode viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo
impermeável às reações do meio, às mutações da vida. Tem de ceder às imposições do
progresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evoluindo paralela à sociedade e
adquirindo significação nova, à base das novas valorações".
        O intérprete busca descobrir a vontade.atual da lei (voluntas legis), e não a vontade
pretérita do legislador (voluntas legislato-ris), vontade que deve sempre corresponder às
necessidades e condições sociais.
        O elemento histórico permite apreender as linhas gerais da evolução jurídica, as
transformações que sofreram os institutos no decurso do tempo, os traços comuns na
sucessão das leis, traços] que estão a indicar o que existe de permanente, em meio à
multiplicidade e variedade dos dispositivos.
        No processo (ou momento) histórico-evolutivo, socorre-se o intérprete da
pesquisados documentos históricos do Direito, quais sejam, dentre outros, os projetos e
anteprojetos de lei, mensagens e exposições de motivos, debates parlamentares,
pareceres, relatórios, votos, emendas e justificações. Esses documentos não têm força
vinculativa, pois a lei, uma vez sancionada, desgarra-se do autor ou autores, porém, de
qualquer forma, constituem subsídio apreciável para o estudo das razões históricas da lei.
        Consideram-se aqui também a história do direito anterior, especialmente a história
do instituto de que faz parte a lei, a história do dispositivo ou norma submetida a exegese,
bem como os fatos e circunstâncias que deram causa à lei.
        No processo histórico-evolutivo, como no processo lógico e no sistemático, o
intérprete mantém-se dentro das balizas da lei, não se admitindo aí a interpretação
criadora, a despeito ou à margem da lei. Justamente por isso, os apologistas deste
processo reputam-no valioso, porque, sem colocar o intérprete contra os códigos, permite
a evolução jurídica: concilia o princípio da legalidade com as transformações sociais.
        A utilização, na França, do processo histórico-evolutivo possibilitou atualizar o
Código de Napoleão (Código Civil), com a adoção, pela jurisprudência, de institutos da
maior relevância como a teoria da responsabilidade civil por riscos criados, a teoria da
imprevisão (que permitiu a revisão judicial dos contratos) e a teoria do abuso dos direitos.
        Sem negar o valor da História, no conhecimento das instituições sociais, C. H.
Porto Carreiro entende, contudo, que é fundamental dar-lhe tratamento dialético,
abandonando a simples relação cronológica dos fatos, para submetê-los a uma análise
infra-estrutural que conduza à real apreensão de uma realidade em movimento. Só se
refazendo a História, nas suas bases e nos seus conflitos, é possível chegar-se a esse
resultado.26
        A ênfase dada pelo processo histórico de interpretação ao exame dos materiais
legislativos merece a crítica desse mesmo autor. Essas peças têm a finalidade de
mistificar a opinião pública, pois o verdadeiro objetivo da lei - a garantia dos privilégios de
classe - nunca é confessado.

26 Cf, C. H. Porto Carreiro, Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, p. 240: "quando
sabemos que a superestrutura social está indissoluvelmente ligada a uma base econômica dada, que lhe
fornece a forma específica para seu conteúdo próprio, temos de concluir que essa base infra-estrutural

                                                    16
origina a superestrutura que lhe deve corresponder. A aparente autonomia da superestrutura tem levado
aqueles que examinam as coisas pela aparência e não pela essência a erros paimares. Assim, quando a
Escola Histórica exalta o valor do costume, como fonte precípua da lei, não se preocupa em indagar as
causas geradoras do consuetudinário. Toma o costume como está e sobre ele levanta o edifício histórico de
uma instituição jurídica".

       Georges Ripert também produziu veemente libelo contra a insinceridade das
exposições de motivos.
       Aliás, já os Estatutos de Coimbra preveniam que "... se não devem seguir, e
abraçar cegamente as razões indicadas na lei; antes pelo contrário se deve sempre
trabalhar por descobrir a verdadeira razão dela".
       Desprezada a postura estática, meramente descritiva, e assumida a postura crítica,
de aprofundamento da realidade, dialética, o momento histórico é de grande valia no
trabalho hermenêutico.

13. MOMENTO (OU PROCESSO) TELEOLÓGICO

        O processo ou momento teleológico busca a finalidade da lei. O fim da lei, numa
primeira abordagem, é garantir interesses, com base em valorações econômicas,
políticas, sociais e morais dominantes.
        A lei não explicita os interesses que defende, nem as valorações que a
fundamentam. Cabe ao hermeneuta pesquisá-los, com vistas a descobrir o fim da lei, o
resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática, assegurando a tutela do
interesse, para a qual foi estabelecida, ou de outro que deva substituí-lo.
        A interpretação teleológica visa, em princípio, à descoberta dos valores a que a lei
tenciona servir.30
        A pesquisa teleológica deve buscar o objetivo atual das disposições, à medida que
interesses emergentes possam ser enquadrados no texto primitivo.
        Dentro da perspectiva oferecida pela teoria do valor e da cultura, Miguel Reale diz
que "... fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em
vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir
que ocorra um desvalor. Ora, os valores não se explicam segundo nexos de causalidade,
mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se realiza através do
confronto das partes com o todo e vice-versa, iluminando-se e esclarecendo-se
reciprocamente, como é próprio do estudo de qualquer estrutura social".
        Assim, na concepção de Reale, toda interpretação jurídica é teleológica: funda-se
na consistência axiológica do Direito.
        O Direito brasileiro sufragou, amplamente, a interpretação teleológica ao estatuir o
art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum".
        Embora colocado na Lei de Introdução ao Código Civil, esse dispositivo não se
aplica apenas à interpretação do Código Civil: c uma diretriz básica do ordenamento
jurídico. Divergem os autores no entendimento do alcance que deve ter o artigo 5o da Lei
de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
        Entendem alguns que o bem comum a que a lei se destina, 6 aquele que a norma,
objeto da interpretação, está orientada a satisfazer. Outros pensam que deve o juiz
atender às exigências últimas e gerais do bem comum, afastando a incidência da lei ao
caso concreto, quando dessa incidência resulte obstrução àquele desiderato.
30 Hans Reichel coloca a questão assim: "Se em um caso particular, a lei opõe-se ao pensamento e ao fim
do Direito, pode ser ordenado que ao postulado do pensamento jurídico, que se acha sobre a lei, se
outorgue maior força que à existência sem vontade da lei apóstata." Hans Reichel, La Leyyla Sentencia,
Madrid, Editorial Reus, 1921, p. 146.



                                                   17
Comentando esse artigo escreveu Oscar Tenório: "O direito positivo brasileiro
preferiu caminho mais seguro e menos difícil. Deu ao juiz a missão de, na aplicação da
lei, apreciar a sua finalidade social e as exigências do bem comum. Confiou ao juiz a
missão de vencer os óbices criados por leis prenhes de individualismo. Instaurou-se o
governo dos juizes sem que possamos falar, entretanto, em oligarquia ou ditadura
judiciária".
        C. H. Porto Carreiro não vê, com otimismo, a efetiva aplicação do artigo 5o da Lei
de Introdução ao Código Civil, encontrando um conflito entre o artigo e o sistema jurídico-
político-econômico em que está inserido: "Não especificando as fronteiras dos 'fins
sociais' a que se destina a lei, deixa a critério do juiz o exame da questão. Mas, qual
espada de Dâmocles, pendente sobre a cabeça do julgador, estão os princípios gerais do
Direito, garantidores do status quo e das vigas mestras do regime. Teoricamente, o juiz
tem liberdade de pesquisar os 'fins sociais' da lei, perquirindo, como filósofo e como
sociólogo, a verdadeira ratio legis. No entanto, ao fazê-lo, há ele de esbarrar, fatalmente,
com os institutos jurídicos preestabeleci-dos (e que não podem ser por ele mudados), que
têm de ser seguidos e mantidos, sob pena de ser apontado como uma ameaça à
segurança nacional".35
        Penso que, realmente, a interpretação teleológica - sufragada, sem restrições, pelo
Direito Brasileiro - arma o Judiciário de grandes poderes e de inarredável missão política.
        De independência e coragem os juizes sempre precisarão, caso queiram ser úteis
ao povo, e não dóceis instrumentos da dominação de poucos. Independentes e corajosos,
ao aplicarem teleologicamente o Direito, tendo em vista as exigências da finalidade social
e do bem comum, os juizes não poderão obscurecer que o bem comum é, até
etimologicamente, felicidade coletiva, bem geral, e nunca o individualismo, a opressão,
que uma lei particular ou artigo de lei consagrar.

35 Prossegue: "E segurança nacional é preceito que visa à manutenção de uma situação vigente, mesmo
que esteja ela panda de conflitos sociais. Qualquer reforma deve partir de cima para baixo, de governantes
para governados, como uma espécie de outorga de direitos. As reivindicações, que têm sentido inverso,
podem ser interpretadas como perigosas ao sistema jurídico e ao regime político. O mesmo ocorrerá ao
aplicador, que der interpretação diversa às leis vigentes, ainda que fundamente sua decisão com base nos
'fins sociais' a que elas se destinam. Afinal, a que se destinam elas? À mudança social? A ampliação de
direitos? Não cremos". C. H. Porto Carreiro, Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976,
pp. 266-267.

14. MOMENTO (OU PROCESSO) SOCIOLÓGICO

        O momento (ou processo) sociológico conduz à investigação dos motivos e dos
efeitos sociais da lei.36 Leva a aplicar os textos de acordo com as necessidades
contemporâneas, com olhos postos no futuro, e não no passado. Considera a consciência
jurídica da coletividade,37 as aspirações do meio. Atende às conseqüências econômicas,
políticas e sociais da exegese. Vê o sistema jurídico como subsistema do sistema social,
e não como sistema autônomo.38

36 Na opinião de Carlos Santiago Nino, "requer-se, cada vez mais energicamente, que os juristas
justifiquem as soluções que propõem, mostrando que suas conseqüências são preferíveis às demais
soluções possíveis, em vez de manter num plano secundário a ponderação axiológica das soluções
propostas, detrás dos argumentos supostamente lógicos tendentes a mostrar que a interpretação escolhida
se infere das normas legais". Carlos Santiago Nino, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires,
Editorial Astrea, 1975, vol. 4, p. 147.

37 Diz Karl Engisch: "O jurista, se quer dar incidência prática à idéia do Direito (fazê-la vingar), há de prestar
ouvido atento à voz do 'espírito objetivo'. Ele precisa de saber o que as 'necessidades atuais'
imperiosamente exigem, quais as idéias supralegais que reclamam consideração e estão suficientemente
amadurecidas para serem juridicamente aplicadas". Engisch Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p. 324.

                                                       18
38 Carlos Maximiliano afirma que "o bom intérprete foi sempre o renovador insinuante, cauteloso, às vezes
até inconsciente, do sentido das disposições escritas - o sociólogo do Direito". Contudo, coloca-se numa
posição defensiva ante a interpretação sociológica, afirmando ' 'dever-se apelar para os fins sociais com
reserva e circunspecção, a fim de evitar o risco de fazer prevalecerem as tendências intelectuais do juiz
sobre as decorrentes dos textos, e até sobre as dominantes no meio em que ele tem jurisdição, como
sucedeu em França, com o magistrado Magnaud". Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do
Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, pp. 171-172. Não aconteceu isso na França. As sentenças de
Magnaud mereceram o apoio popular, conforme documentadamente se comprova no livro de Henry Leyret.
Cf. Henry Leyret Los Sentencias dei Buen Juez Magnaud, Bogotá, Editorial Temis, 1976. Ver, também, na
mesma obra, o prólogo escrito por D. Diez Enriquez, especialmente a p. X.

        Segundo Machado Neto, são objetivos pragmáticos do processo sociológico de
interpretação:
a) conferir a aplicabilidade da norma às relações sociais que lhe deram origem;
b) estender o sentido da norma a relações novas, inexistentes ao tempo de sua criação;
c) temperar o alcance do preceito normativo, a fim de fazê-lo corresponder às
necessidades reais e atuais de caráter social.
        O intérprete deverá conhecer a conexão do fenômeno jurídico com os demais
fenômenos sociais, o que reclama a cooperação da Economia, da Sociologia, da Ciência
Política, da Psicologia Social, da Antropologia etc. Para a declaração do sentido atual da
norma, para a determinação da vontade genérica da lei, será importante o estudo
sociológico do ambiente histórico, das condições de vida, dos ideais, valores e exigências
sociais dominantes.
        Para C. H. Porto Carreiro o processo sociológico visa a "... perscrutar a lei como
um produto orgânico que tem capacidade de evoluir por si mesma, segundo a
possibilidade de evolução da própria sociedade".
        Conforme opinião desse autor, para que a interpretação sociológica alcance seus
resultados deve indagar os motivos primários que ditaram a feitura da lei, os interesses
protegidos pela norma, a forma que se deu a essa proteção e a maneira pela qual deve
ela funcionar. O processo sociológico precisa ser reformulado, em termos de uma
Sociologia integral e completa, à base de uma realidade dialética.
        Homero Junger Mafra observa que pode alguém infringir a lei, sem infringir as
regras de seu grupo.
        Em face dessa situação - pergunta -, cabe ao jurista o papel dc, mecanicamente,
aplicar o texto legal, ou é função sua, lançando a luz sobre o texto, decidir com os valores
que traz o réu?
Discutindo a questão, opta pela segunda alternativa, adotando a opinião da corrente
finalista do Direito Penal, que juiga o dolo pela ação e entende que a culpabilidade é um
juízo de valor, só tendo sentido a norma em termos de relevância social.
Essa posição, que vai ao encontro do motivo social da lei, sufraga exegese tipicamente
sociológica.
        Theodor Sternberg afirma que o jurista não deve ser, ordinariamente, um repetidor
escolar de sentenças, ao qual somente em ocasião especial fosse permitida uma livre
criação; ao contrário, por sua profissão deve ser um pensador social e só
excepcionalmente deve estar acorrentado à lei.
        Renato José Costa Pacheco parte da averiguação de que, na situação de mudança
social em que nos encontramos, a lei é inadequada à direção da vida social. No caso
brasileiro, em que a taxa de mudança é desigual, diante da diferença entre meio urbano c
meio rural, bem como entre as diversas regiões do país, mais que ilusória é a ficção
jurídica da igualdade de todos perante a lei.
        Em face desse quadro, reflete o autor sobre o papel do juiz frente à mudança
social. Examina as posições de Mário Moacir Porto, que quer uma magistratura criadora,
legiferante, finalística, intervencionista, e de Mário Guimarães, para quem à magistratura

                                                   19
compete velar pela tradição jurídica. Entre os dois extremos fixa-se Renato Pacheco no
que ele denomina mediania virtuosa. Diante da perplexidade que a mudança traz, pede
que se dê ao magistrado independência, autoridade e responsabilidade, exigindo-se dele
dignidade. Neste período de intensa mudança social, quando se verifica a inadequação
da lei frente às modificações surgidas com velocidade e complexidade jamais observadas,
o juiz deve procurar adequar a lei à nova situação social, atuando como sociólogo em
ação, como pensador social.
        E a conceituação do Direito como fato social, atinente à conduta humana em
sociedade - diversamente das concepções de Direito como valor, ou Direito como norma
—, que dá base teórica à interpretação e aplicação jurídico-sociológica. O processo
sociológico, com teor político — como se tentará demonstrar nos dois últimos capítulos
deste trabalho -, não é apenas importante como um processo de interpretação, mas, na
verdade, deve ser o processo principal, na aplicação do Direito.
        Ao lado de uma perspectiva fenomenológica, que permite harmonizar o Direito com
o homem - um Direito para o homem -, a perspectiva sociológica poderá ensejar o
reencontro do Direito com o povo.



Capítulo IV

ESCOLAS HERMENÊUTICAS

15. CONCEITO E DIVISÃO

       A hermenêutica, num sentido amplo, é contemporânea do pensamento jurídico.1
1 Diversas escolas jurídicas da Antigüidade tocaram em problemas hermenêuticos: no mundo árabe, a
Escola Hanifita, a Escola Malequita, a Escola Chafe/ta e a Escola Hambalita. A Escola Hanifita surgiu na
Pérsia, foi adotada por vários povos árabes e teve longa influência no Império Otomano. Foi fundada por
Abu Hanifa (699-767). Atribuía predominância à eqüidade, como fonte do Direito, e ampliava assim a
atividade racional do juiz. A tradição devia passar a segundo plano, subordinada ao princípio da
interpretação analógica.
A Escola Malequita, que teve como fundador Malek ben Anas (713-795), desenvolveu-se na Espanha
árabe, no norte da África (Tunísia, Argélia, Marrocos e Alto Egito) e na África interior muçulmana. Opondo-
se aos hanifitas, procurou restringir a importância da eqüidade, como fonte do Direito, para considerar,
como principal critério de interpretação, o consentimento unânime. Já que a maioria das tradições tinham
surgido em Medina, o consenso das opiniões vigentes nessa cidade é que seria ponderado. A escola
também realçava as decisões jurídicas e o conceito de utilidade pública, que introduziu.
A Escola Chafe/ta, criada por Abu AbdaJah Mohamed ben Idris as Chafei (767-821), alcançou grande
prestígio entre os povos árabes. Desenvolveu a idéia do consentimento geral, já introduzido pelos
malequitas, entendendo, porém, que deveria ser o de toda a comunidade muçulmana, e não apenas o da
cidade de Medina. Segundo a escola, a indagação mais importante no Direito seria a da causa, ou raiz, da
norma jurídica, recurso que permitia resolver questões imprevistas.
A Escola Hambalita, que se espraiou pela Síria, Mesopotâmia e Arábia, foi fundada por Ahmed ben Hanbal
(780-855). Contrariando as outras escolas jurídicas muçulmanas, pregou o apego à tradição e à letra da lei,
rejeitando o recurso à eqüidade. (Cf. Paulo Jorge de Lima, Dicionário de Filosofia do Direito, São Paulo,
Sugestões Literárias, 1968, pp. 76,93,94,97
e98.)
       Somente o ritualismo da vida primitiva - pondera Machado Neto - poderia prescindir
de alguma indagação interpretativa, no momento de aplicar o costume imemorial.
       Entre os romanos, questões de interpretação dividiram os juristas.
       E, contudo, depois da promulgação dos códigos de Napoleão, especialmente o
Código Civil, que a hermenêutica jurídica alcançará relevo. Surgem, então, as escolas
hermenêuticas, como conseqüência teórica da disputa entre os diversos métodos ou
técnicas de interpretação do Direito.3

                                                    20
3 Escolas hermenêuticas, isto é, escolas jurídicas que se distinguem justamente pelo posicionamento, em
face de questões interpretativas, só surgem a partir dos códigos de Napoleão. Antes do século XIX,
diversas escolas cuidaram de problemas hermenêuticos, mas só o fizeram incidentalmente. Além das
escolas já citadas na nota n° 66, podem ser lembradas:
a) a Escola dos Glosadores, ou Escola de Bolonha (séculos XI a XIII), fundada por Irnério (aprox. 1055-
1125), na Itália, e a que pertenceram Francesco Accursio (1182-1260), Porcio Azon (?-1230), Búlgaro,
Martino Gosia, Ugo e Jacopo da Porta Ravenata. Fundava-se na interpretação gramatical, sem qualquer
esforço crítico, do Corpus Júris Civilis de Justiniano, através de glosas (anotações marginais ou
interlineares) acrescentadas aos textos estudados. A recepção do Direito Romano, nessa época, teve como
causas o aparecimento da burguesia (gerando novas e mais complexas relações jurídicas, que o costume e
os códigos bárbaros não estavam aptos a regular) e a necessidade de fortalecimento do poder real,
princípio que encontrava apoio no direito romano-bizantino. O labor dos glosadores desenvolveu-se
principalmente na Escola de Bolonha, estendendo-se depois para outros pontos da Itália e da Europa;
b) a Escola dos Comentaristas, também chamada dos Pós-Glosadores, Tratadistas, Esco-lásticos ou
Bartolistas (século XIII a XV). Consistiu na tentativa de adaptar o Direito Romano, que os glosadores
restauraram, às novas relações econômicas e sociais da sociedade feudal. Os comentaristas
acrescentaram apreciações próprias aos textos romanos, adotando o método lógico da dialética escolástica,
além de procurarem aplicá-lo na prática. Pertenceram a esta escola Jacques de Révigny (7-1296), seu
iniciador, e Pierre de Belleperche (?-1307), na França; Cino de Pistoia (1270-1336), Jacopo de Belviso
(1270-1335X Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), Pietro Baldo degli Ubaldi (1319 ou 1327-1400) e
Giasone dei Maino (1435-1519), na Itália;
c) a Escola da Culta Jurisprudência, ou Escola Culta, ou Escola dos Humanistas (séculos XVI a XVIII),
fundada pelo italiano Andréa Alciato (1492-1550) e que teve como principais representantes: Guillaume
Budé (1467-1540), Jacques Cujas (1522-1590), Hughes Doneau (1527-1591), François Hotman (1524-
1590), François de Connan (1508-1551), Bernabé Brisson (1531-1591), François Baudouin (1520-1573),
Antoine Favre (1557-1624), François Douaren (1509-1559) e Charles Annibal Fabrot (1580-1659), na
França; Ulrich Zasio (1461-1536) e Gregor Meltzer (1501-1532), na Alemanha; Antônio Agustín (1516-
1586), na Espanha; Denis Godefroy (1549-1622), na Suíça; e Gian Vincenzo Gravina (1664-1728), na Itália.
Em contraposição à Escola dos Comentaristas, estudava o Direito Romano de forma erudita,
transformando-o em direito histórico, cuja interpretação era feita à luz das fontes originais, com o auxílio da
Filologia, da História, da Literatura e do estudo da organização social da Antigüidade;
d) a Escola dos Feudistas (século XVI), surgida na França, sob a chefia de Charles Dumoulin (1500-1566) e
integrada, dentre outros, por Guy Coquílle (1523-1603), Antoine Loisel (1536-1617) eEtienne Pasquier
(1529-1615). Procurou unificar o direito comum, libertá-lo da desordem das instituições feudais e da
incoerência dos costumes díspares. Assim rejeitou, quer o método de adaptação das instituições romanas
(Escola dos Comentaristas), quer o estudo histórico-crítico do Direito Romano (Escola da Culta
Jurisprudência);
e) a Escola Holandesa (séculos XVII e XVIII), que apareceu nos Países Baixos, como extensão da Escola
da Culta Jurisprudência. Também procurava estudar o Direito Romano como direito histórico, como critério
crítico, dirigido, contudo, predominantemente, à prática jurídica, numa reação à postura excessivamente
teórica da Escola da Culta Jurisprudência. Foram seus principais representantes: Arnold Vinnen (1588-
1657), Jacobus Maestert (1610-1657), Ulrich Huber (1636-1694), Johann Voet (1647-1714), Gerhardt Noodt
(1647-1725), Laurens Theodor Gronow (1659-1710), Antonie Schulting (1659-1734), Cornelius von
Bynkershoeck (1673-1743), Johannes Jacobus Wissenbach (1607-1665) e Everhard Otto (1685-1756).
(Paulo Jorge de Lima, ver Dicionário de Filosofia do Direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1968, pp. 76 e
segs.)

       Essas escolas - nota Eduardo Garcia Máynes - partem de concepções distintas da
ordem jurídica e do sentido do labor hermenêutico. Refletem as doutrinas que seus
defensores professam sobre o Direito em geral.
       Nesta mesma linha de idéias, Tércio Sampaio Ferraz Jr., depois de observar que o
desenvolvimento de técnicas de interpretação do direito é bastante antigo, sublinha que,
só no século XLX, a interpretação passa a ser objeto de reflexão, tendo em vista a
constituição de uma teoria.
       Tomando como baliza o maior ou menor aprisionamento do intérprete ou aplicador
do Direito à lei, parece-me que se podem dividir as escolas hermenêuticas em três
grupos:
a) escolas de estrito legalismo ou dogmatismo;
b) escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo;
c) escolas que se abrem a uma interpretação mais livre.6

                                                      21
6 Carlos Maximiliano toma como referência a vontade do legislador e, em conseqüência, vê a existência: a)
de um sistema tradicional de hermenêutica, cujo postulado é a aplicação do Direito hoje de acordo com a
vontade do legislador de ontem; b) de um sistema evolutivo, que tem o Direito como elaboração espontânea
da consciência jurídica nacional, um dos produtos espirituais da comunidade, e não obra do arbítrio de um;
c) de um sistema misto que, na interpretação e aplicação do Direito, busca descobrir não só o que o
legislador quis, mas também o que quereria, se vivesse no meio atual. Cf. Carlos Maximiliano,
Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, especialmente pp. 56 e segs.
Luís Fernando Coelho agrupa as escolas hermenêuticas segundo quatro orientações: a) a dogmática, que
abrange: a Escola da Exegese; a Escola da Jurisprudência Conceituai, em suas versões, a germanista e a
romanista (Escola dos Pandectistas); a Escola Analítica de Jurisprudência; b) a finalistica, que compreende:
a Jurisprudência Teleológica, a Jurispru dênciade Interesses e a Escola de Livre Pesquisa Científica; c) a
sociológica, que abarca a Escola de Direito Livre e a Escola de Jurisprudência Sociológica; d) a realista, que
se desdobra no Realismo Jurídico norte-americano e no Realismo Jurídico escandinavo, com vertentes na
Espanha, na Itália e na Inglaterra. Cf. L. Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretação das Leis, Rio de
Janeiro, Forense, 1979, p. 67. R. Limongi França divide os sistemas interpretativos em três grupos:
a) o dogmático exegético ou jurídico-tradicional, subdividido em duas orientações, a extremada e a
moderada;
b) o histórico-evolutivo;
c) o da livre pesquisa ou livre criação do Direito, subdividido em duas orientações que entende que sejam a
romântica e a científica. (Cf. França, R. Limongi, Elementos de Hermenêutica e Aplicação do Direito, São
Paulo, Saraiva, 1984, pp. 33 e segs.)
Carlos Campos vê duas tendências, na doutrina da interpretação - a hermenêutica tradicional e o
movimento doutrinário de livre pesquisa. Inclina-se pela primeira: "A melhor apreciação, o melhor método de
tradução de realidade do Direito é o que o subtrai ao arbítrio, à apreciação unilateral do seu conteúdo. Os
sentimentos de segurança, de orientação no sentido dominante, que excluem essas apreciações unilaterais
ou individuais, são essenciais ao Direito e constituem o seu aspecto mais importante de realidade.
A Hermenêutica Tradicional, pelo seu próprio aspecto, pelo seu método de revestimento, de controle, de
rigidez, de maior segurança, mais concordante ao Direito, parece, assim, o método de maior conjugação
com a realidade jurídica e com o sentido dominante de realidade." (Cf. Carlos Campos, Hermenêutica
Tradicional e Direito Científico, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1970, p. 202.)

16. ESCOLAS DE ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO

       São escolas presas a um estrito legalismo ou dogmatismo a Escola da Exegese, a
Escola dos Pandectistas e a Escola Analítica de Jurisprudência, todas surgidas no século
XIX, na França, Alemanha e Inglaterra, respectivamente.
       As três encarnam a projeção, na hermenêutica, do positivismo jurídico que:
a) na França, conduziu ao culto da vontade do legislador e ao culto dos códigos,
considerados sem lacunas;
b) na Alemanha, sob o influxo do historicismo jurídico, não subordinou o Direito ao
legislador, mas construiu uma teoria do direito positivo que, partindo das normas
singulares, tentou estabelecer as noções jurídicas fundamentais;
c) na Inglaterra, reduzindo o Direito aos precedentes judiciais e à lei, independentemente
de um juízo ético, caracterizou-se por ser uma análise e uma sistematização do direito
positivo, com o objetivo de estabelecer os conceitos jurídicos.

16.1. Escola da Exegese

        Era constituída pelos comentadores dos códigos de Napoleão, principalmente o
Código Civil de 1804.
        Fundava-se na concepção da perfeição do sistema normativo, na idéia de que a
legislação era completa e de que, na generalidade da lei, encontrava-se solução para
todas as situações jurídicas.
        Conseqüência desse entendimento era afirmar Bugnet que não conhecia o Direito
Civil, pois só ensinava o Código de Napoleão, enquanto Demolombe fixava como divisa,
como profissão de fé: "les textes avant tout!"


                                                     22
A Escola da Exegese via na lei escrita a única fonte do Direito, expressão mesmo
do Direito Natural. Adotava, como método de interpretação, o literal, orientado para
encontrar na pesquisa do texto a vontade ou intenção do legislador (mens legislatoris).
Somente quando a linguagem fosse obscura ou incompleta, o intérprete lançaria mão do
método lógico. A função do jurista consistia em extrair plenamente o sentido dos textos
legais para apreender o significado deles. Negava valor aos costumes e repudiava a
atividade criativa, mínima que fosse, da jurisprudência.
            Os mais extremados representantes da escola entendiam, como Blondeau, que,
em face de situações não previstas pelo legislador, deveria o juiz abster-se de julgar.
Outros, porém, menos radicais, aceitavam, nessas hipóteses, o uso da analogia como
mecanismo de integração do Direito.
            Aftalión, Olano e Vilanova destacam, como característica da Escola da Exegese,
um positivismo avalorativo, estatal e legalista. Esse positivismo avalorativo identifica todo
o Direito com o direito positivo.
            Razões históricas, políticas, econômicas e psicológicas explicam o positivismo
legal acentuado a que chegou a Escola da Exegese:
a) a legislação sobre a qual se ergueu foi produto da burguesia, classe recentemente
chegada ao poder e ciosa de que seu direito explicitava o próprio direito natural;8
b) a legislação napoleônica vinha de ser editada e, como sempre ocorre, tendem os
códigos a ser tidos, pela época em que surgem, como obra completa e acabada;9
c) o racionalismo do século XVIII, que alcançou o século seguinte, gerou o amor da
simetria, da construção lógica que, no Direito, encontra sua expressão maior nos códigos;
d) a doutrina da irrestrita separação dos poderes (o juiz é o porta-voz da lei -
Montesquieu), fruto da desconfiança do homem burguês,10 tornava intolerável que
penetrasse o Judiciário na esfera do Legislativo através de uma interpretação das leis que
não fosse rígida, literal.
            Foram representantes da Escola da Exegese, todos com. obras publicadas, dentre
outros, os franceses Jean Charles Demolombe (1804-1887), Raymond Troplong (1795-
1869), Victor Napoleón Marcadé (1810-1854), Charles Antoine Marie Barbe Aubry (1803-
1883), Charles Fréderic Rau (1803-1877), Marie Pierre Gabriel Baudry-Lacantinerie
(1837-1913), o belga François Laurent (1810-1887) e o alemão Karl Salomone Zachariae
(1769-1843).
Zachariae, não obstante alemão, ensinou o Código de Napoleão na Universidade de
Heidelberg, quando as províncias à esquerda do Reno foram anexadas à França.
‘’’’’’’’’’’’Escreveu sobre o Código de Napoleão um tratado (1808) que veio a ser a primeira
sistema-tização do Direito Civil francês.
            A Escola da Exegese perdurou durante grande parte do século XLX. Baudry-
Lacantinerie foi o último grande representante da Escola. Sua obra principal (Traité
Théorique et Pratique de Droit Civil, 1900), escrita em colaboração com outros juristas, já
reflete tendências inovadoras.
            A influência da Escola da Exegese ainda hoje está presente nos setores
reacionários do pensamento jurídico."

9 ' '£/ hecho histórico de la codificación conduce a la identificación dei derecho y la ley. La codiflcación es
elsupuesto histórico de la Exégesis." Cf. Luis Eduardo Nieto Arteta,, ib.
O próprio Napoleão tinha uma visão de eternidade, relativamente a seu código: "Minha verdadeira glória
não está cm ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que não se
apagará, o que viverá, eternamente, é o meu Código Civil." Cf. Ralph Lopes Pinheiro, História Resumida do
Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1981, p. 88.

10 "El burguês es un hombre receloso y profundamente desconfiado. Por eso Ias competências de los
órganos dei Estado burguês de Derecho son unas competências normadas. es decir, sujeitas a Ias regias
jurídicas que sehalan su contenido y su alcance." Cf. Luis Fernando Nieto Arteta, ib., p. 56.



                                                      23
16.2. Escola dos pandectistas

       Como a Escola da Exegese, foi também manifestação do positivismo jurídico do
século XLX.
       Considerava o Direito como um corpo de normas positivas. Conferia primado à
norma legal e às respectivas técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento
absoluto ou abstrato à idéia do Direito.
       A falta, na Alemanha, de códigos como os de Napoleão, os pandectistas
construíram um sistema dogmático de normas, usando como modelo as instituições do
Direito Romano, cuja recons-tituição histórica promoveram.
       Dedicaram-se ao estudo do Corpus Júris Civilis, de Justinia-no, especialmente à
segunda parte desse trabalho, as Pandectas, onde apareciam as normas de Direito Civil e
as respostas dos jurisconsultos as questões que lhes haviam sido formuladas. O nome da
Escola advém desse interesse pelas Pandectas.
       A Escola dos Pandectistas rejeitava as doutrinas jusnaturalis-tas dos séculos XVII c
XVIII e valorizava os costumes jurídicos formados pela tradição.
Essa atenção aos usos e costumes levava os pandectistas a uma interpretação do texto
legal mais elástica do que a preconizada pela Escola da Exegese.
       Foi Windscheid quem colocou o problema da interpretação em termos de "intenção
possível do legislador", não no seu tempo, mas na época em que se processasse o
trabalho interpretativo. Se o texto da lei comportasse duas interpretações, seria lícito optar
por aquela que realizasse um objetivo diverso do pretendido pelo legislador, levando em
consideração fatos supervenientes.
       Essa colocação representou, na época, um progresso.
       Dentre os principais representantes da Escola dos Pandectistas podem ser citados:
Bernhard Windscheid (1871-1892), Christian Friedrich Von Glück (1755-1831), Alõis "Von
Brinz (1820-1887), Heinrich Dernburg (1829-1907) e Ernst Immanuel Von Bekker (1827-
1916).

16.3. Escola Analítica de Jurisprudência

       Também manifestação do positivismo jurídico, a Escola Analítica de Jurisprudência
entendia que o Direito tinha por objeto apenas as leis positivas, não lhe interessando os
valores ou conteúdo ético das normas legais. Afirmava John Austin, fundador da Escola:
"A ciência da jurisprudência ocupa-se com leis positivas ou, simplesmente, com leis em
sentido estrito, sem considerar a sua bondade ou maldade".
       Segundo John Austin (1790-1859), os problemas relacionados com o Direito estão
compreendidos em três campos distintos:
a) a jurisprudência geral ou filosofia do direito positivo, que trata da exposição dos
princípios gerais comuns aos diversos sistemas jurídicos positivos;
b) a jurisprudência particular, que cuida do estudo das leis vigentes num determinado
país;
c) a ciência da legislação, situada nos domínios da Ética, que abrange os princípios que o
legislador deve ter em conta para elaborar leis justas e adequadas.
       O Direito está, dessa forma, completamente separado da Ética. O jurista ocupa-se
das leis positivas, sejam as leis particulares de um Estado, sejam os princípios gerais
comuns aos diversos sistemas jurídicos. Não considera se são justas ou injustas suas
prescrições. Ao legislador ou ao filósofo é que interessam os aspectos morais das
normas. Não há como confundir o "direito positivo", estudado pelos juristas, e o "direito
justo ou ideal", objeto das reflexões do legislador ou filósofo.
       A Escola Analítica de Jurisprudência colocou seu fundamento na análise
conceituai. Entendia que o conceito nada mais era que a representação intelectual da

                                             24
realidade. Assim, a realidade poderia ser integralmente conhecida através da análise dos
conceitos que a representavam.
       A única fonte do Direito eram os costumes acolhidos e chancelados pelos tribunais.
A escola tentou sistematizar e unificar o direito consuetudi-nário (essa foi sua
contribuição, numa perspectiva histórica), com olhos postos na realidade inglesa, onde
não se adotou uma constituição rígida e se fundou toda a estrutura jurídica no costume."

17. ESCOLAS DE REAÇÃO AO ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO

        Parece-me que se possam considerar como escolas que rea- i giram ao estrito
legalismo ou dogmatismo, abrindo novos horizontes à Ciência do Direito, a Escola
Histórico-Dogmática, a Escola I Histórico-Evolutiva e a Escola Teleológica.
        AEscola Histórico-Dogmática opôs-se à íiteralidade interpre-tativa chamando a
atenção para o elemento sistemático, inerente 1 ao caráter orgânico do Direito. A Escola
Histórico-Evolutiva avançou mais ainda, recusando o raciocínio formal adotado pelos
seguidores da Escola Histórico-Dogmática e propugnando pela pesquisa a posteriori do
sentido da lei. A Escola Teleológica combateu, quer o método dedutivo-silogístico, quer a
jurisprudência conceituai dos pandectistas e dos adeptos da Escola Histórico-Dogmática,
propugnando por uma interpretação que se inspirasse menos na lógica e mais no caráter
finalístico do Direito.

17.1. Escola Histórica do Direito

       Surgiu na Alemanha, em princípios do século XIX. Opôs-se às doutrinas
jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII. Negava a existência de um Direito Natural com
pressupostos racionais e universalmente válidos. Proclamava a historicidade do Direito,
cuja origem e fundamento repousavam na consciência nacional e  nos costumes jurídicos
oriundos da tradição.
       Podem ser resumidos, como postulados básicos da Escola Histórica do Direito, os
seguintes:

1º) o Direito é um produto histórico, e não o resultado das circunstâncias, do acaso, ou da
vontade arbitrária dos homens;

2º) o Direito surge da consciência nacional, do espírito do povo, das convicções da
comunidade pela tradição;

3º) o Direito forma-se e desenvolve-se espontaneamente, como a linguagem; não pode
ser imposto em nome de princípios racionais e abstratos;

4º) o Direito encontra sua expressão inconsciente no costume, que é sua fonte principal;

5º) é o povo que cria o seu Direito, entendido como povo não somente a geração
presente, mas as gerações que se sucedem. O legislador deve ser o intérprete das regras
consuetudinárias, com-pletando-as e garantindo-as através das leis.

       A Escola Histórica surgiu no apogeu do neo-humanismo, quando o Direito era tido
como pura criação racional. Foi contribuição sua ter retirado o Direito da perspectiva
abstrata do racio-nalismo, fundada em exercícios de lógica e dialética, para uma
perspectiva histórica, rente à vida real.
       Pertenceram à escola os alemães Gustav von Hugo (1764-1844), seu iniciador,
Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), sua principal figura, Georg Friedrich Puchta

                                            25
(1798-1846), Johann Friedrich Gõschen (1778-1837), Karl Friedrich Eichhom (1781 -
1854), Joseph Kõhler (1849-1919), o inglês Henry James Summer Maine (1822-1888) e o
francês17 Raymond Saleilles (1855-1912).
       Não obstante os princípios gerais que caracterizaram a I escola Histórica do
Direito, ela pode ser subdividida em duas outras, cujas diretrizes hermenêuticas diversas
são examinadas nos itens seguintes.

17.1.1. Escola Histórico-Dogmática

        A Escola Histórico-Dogmática foi o primeiro desdobramento da Escola Histórica do
Direito. Teve como principais representantes Savigny, Puchta, Hugo, Gõschen, Eichhorn
e Henry Maine. Ficou também conhecida como Escola Histórica Alemã.
        No terreno da Hermenêutica, a Escola Histórico-Dogmática representou um
avanço, comparativamente às escolas anteriores. O intérprete não se devia ater à letra da
lei para dela extrair soluções para os casos, usando o processo meramente lógico:
também o elemento sistemático devia ser utilizado, de modo que se pudesse^ reconstruir
o sistema orgânico do Direito, do qual a lei mostrava apenas uma face.
        Afirmando que o povo era o criador do seu Direito, indicava ao intérprete, não
obstante, pesquisar a intenção do legislador, representante da consciência coletiva.
Quando o pensamento da lei aparecesse em contraste com o que o intérprete
considerasse expressão da consciência coletiva do povo, no momento de ser aplicada a
lei, deveria optar pela revelação direta dessa fonte mais profunda do Direito.
        A Escola da Exegese supunha a plenitude e perfeição da lei escrita. A Escola
Histórico-Dogmática entendeu que essa plenitude l só poderia ser encontrada no sistema
do Direito Positivo.

17.1.2. Escola Histórico-Evolutiva

        A Escola Histórico-Evolutiva, também conhecida como Escola Atualizadora do
Direito, teve em Saleillese Kõhler seus vultos principais.
        Contrapôs-se à estratificação da Escola Histórico-Dogmática, através da superação
de seus métodos pela pesquisa a posteriori do sentido da lei. A rigidez do raciocínio
formal adotado pela primeira corrente da Escola Histórica, os seguidores da Escola
Histórico-Evolutiva acrescentaram - o que foi um passo adiante - certa medida de função
criadora, de modo que o Direito pudesse acompanhar as transformações sociais. Não
obstante, deveria o interprete ou aplicador manter-se no âmbito da lei.
        Entendia a escola que alei deveria ser considerada como portadora de vida própria,
de maneira que correspondesse não apenas às necessidades que lhe deram origem, mas
também às necessidades supervenientes. Observasse o intérprete não apenas o que o
legislador quis, porém também o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei;
adaptasse a velha lei aos tempos novos, dando vida aos códigos.
Saleilles achava que as normas jurídicas estavam sujeitas à lei geral da evolução.
11111Caberia ao juiz conciliar a idéia de regra com a idéia de evolução, conservando a
vida da lei através de sua adaptação à realidade e às mudanças sociais.
Kõhler observou que o pensamento da lei é todo e qualquer pensamento que possa estar
nas suas palavras, sendo possível retirar delas dois ou dez pensamentos.
Os princípios da interpretação devem possibilitar, dentre os pensamentos possíveis,
encontrar o verdadeiro.
        Dentre os vários possíveis pensamentos da lei, deve ser preferido aquele mediante
o qual a lei exteriorize o sentido mais razoável, mais salutar e que produza o efeito mais
benéfico.


                                           26
Deve-se preferir a interpretação mercê da qual a lei apresente a estrutura mais
conseqüente e organicamente correta, tomando em consideração o encadeamento das
diversas leis do país.
       Se ainda assim não se consegue um resultado seguro, deve-se recorrer às
aspirações e preocupações da lei, aos fins que buscou atingir, às intenções e desejos que
agitavam o meio no tempo em que loi a lei editada.

17.2. Escola Teleológica

        O Teleologismo Jurídico, sendo uma teoria do Direito, é também uma escola
hermenêutica.
        Seu fundador foi o jurisconsulto alemão Rudolph Von Ihering (1818-1892).
        Adepto do positivismo jurídico do século XLX, Ihering acresceu aos postulados da
Escola Histórico-Dogmática as teorias or-gano-evolucionistas do seu tempo.
        Pregou Ihering que o Direito, como organismo vivo, é produto da luta, e não de um
processo natural, segundo pretendia Savigny. O paralelismo entre o Direito, de um lado, e
a língua e a arte, de outro, devia ser recusado. Falso mas inofensivo, como concepção
histórica, esse paralelismo, como máxima política,] encerrava uma heresia funesta, uma
vez que, num terreno em que o homem deveria empenhar todas as suas forças, com
plena consciência dos objetivos, ele o induziria a crer que as coisas se arranjam por si,
"... que o melhor que se tem a fazer é permanecer inativo e aguardar confiante aquilo que
o pretenso manancial do Direito, a consciência nacional do Direito, há de trazer
paulatinamente à luz do dia".
        Toda história do Direito é história de lutas; todo direito foi adquirido pela luta. O
Direito supõe luta, quer para sua criação, quer para sua defesa:
"O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta. Enquanto o direito tiver de contar com
as agressões partidas dos arraiais da injustiça - e isso acontecerá enquanto o mundo for
mundo - não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta - uma luta dos povos, dos
governos, das classes sociais, dos indivíduos".
Segundo Ihering, da mesma forma que todas as ações humanas têm uma finalidade,
também no Direito tudo existe para um fim, sendo o mais geral a garantia de condições de
existência da sociedade. O fim é o criador do Direito.
        A luta e o fim são elementos decisivos na formação e transformação do Direito.
        O interesse é o motor do Direito. A finalidade do Direito é a proteção de interesses.
Sendo opostos os interesses, cabe ao Direito conciliá-los, com a predominância dos
interesses sociais e altruís-tas. Para essa subordinação dos interesses individuais aos
interesses sociais, é necessária a coação, exercida pelo Estado.
        Os direitos não surgiram como corporificação de uma vontade jurídica abstrata, e
sim para assegurar os interesses da vida, satisfazer suas necessidades, realizar seus
fins.
        No campo da hermenêutica, Ihering criticou o método dedu-tivo-silogístico.
Combateu a jurisprudência conceptualista desenvolvida quer pelos pandectistas, quer
pelos discípulos da Escola Histórico-Dogmática. Pretendeu sua substituição por uma
jurisprudência que se guiasse pelos resultados, invocando o caráter finalístico do Direito:
não é a vida que existe para os conceitos, mas os conceitos é que existem para a vida.
Não é a lógica que tem direito à existência, mas o que a vida reclama, o que as relações
sociais e o senso de justiça exigem, pouco importando que seja logicamente necessário
ou logicamente impossível.
        Ihering condenou o processo das construções a priori e das deduções geométricas.
Verberou os que pretendiam, em nome da lógica, fazer da jurisprudência a matemática do
direito. Investiu contra os processos dialéticos da Escola Histórico-Dogmática e o valor
excessivo que atribuiu ao elemento lógico no Direito.

                                             27
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  • 1. 1
  • 2. Proibido todo e qualquer uso comercial. Se você pagou por esse livro VOCÊ FOI ROUBADO! Versão para eBook Outubro de 2008 Obs.: Algumas notas de rodapé foram descartadas no momento da digitalização (pois só traziam informações de fontes de pesquisa do autor). Mas as que traziam informações adicionais ao conteúdo foram preservadas, e estão com a fonte de cor cinza. Boa leitura... 2
  • 3. SUMÁRIO Capítulo I INTRODUÇÃO 1. Definição do trabalho e sua importância.....................................................................6 2. Estrutura adotada........................................................................................................6 3. Objetivos teóricos perseguidos....................................................................................6 Capítulo II HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO 4. Hermenêutica: conceito e aspectos gerais................................................................. 7 5. Lei como forma de comunicação humana.................................................................. 8 6. Hermenêutica, interpretação, aplicação e integração do Direito................................ 8 7. Evolução da hermenêutica em prol de um direito centrado no homem e no povo.................................................................................................................................10 Capítulo III MOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA 8. Conceito e espécies.....................................................................................................11 9. Momento (ou processo) literal, gramatical ou filológico .............................................12 10. Momento (ou processo) lógico ou racional............................................................... 13 11. Momento (ou processo) sistemático ou orgânico..................................................... 14 12. Momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo........................................... 15 13. Momento (ou processo) teieológico.......................................................................... 17 14. Momento (ou processo) sociológico......................................................................... 18 Capítulo IV ESCOLAS HERMENÊUTICAS 15. Conceito e divisão......................................................................................................20 16. Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo.............................................................22 16.1. Escola da Exegese.................................................................................................22 16.2. Escola dos pandectistas.........................................................................................24 16.3. Escola Analítica de Jurisprudência.........................................................................24 17. Escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo............................................25 17.1. Escola Histórica do Direito......................................................................................25 17.1.1. Escola Histórico-dogmática.................................................................................26 17.1.2. Escola Histórico-evolutiva...................................................................................26 17.2. Escola Teleológica.................................................................................................27 18. Escolas que se abrem a uma interpretação mais livre............................................ 28 18.1. Escola da Livre Pesquisa Científica......................................................................29 18.2. Escola do Direito Livre......................................................................................... 30 18.3. Escola Sociológica Americana............................................................................. 34 18.4. Escola da Jurisprudência de Interesses...............................................................36 18.5. Escola Realista Americana.................................................................................. 37 18.6. Escola Egológica..................................................................................................39 3
  • 4. 18.7. Escola Vitalista do Direito..................................................................................... 42 19. Direito Alternativo.................................................................................................... 44 Capítulo V A APLICAÇÃO DO DIREITO NUMA PERSPECTIVA AXIOLÓGICA, FENOMENOLÓGICA E SOCIOLÓGICO-POLÍTICA 20. Uma tríplice perspectiva na aplicação do Direito......................................................... 45 21. A aplicação do Direito numa perspectiva axiológica.................................................... 45 21.1. — Pertinência da perspectiva axiológica na aplicação do Direito ............................45 21.2. — Argumentos contrários à vertente axiológica na aplicação do Direito. Recusa preliminar desses argumentos........................................................................................... 46 21.3. A posição da doutrina em face do tema da valoração da lei pelo Juiz..................... 46 21.3.1. A valoração da lei pelo juiz na doutrina brasileira............................................. 47 21.3.2. A valoração da lei pelo juiz na doutrina estrangeira.............................................. 49 21.3.3. Valoração da lei pelo juiz: colocações complementares........................................49 21.4. A crítica valorativa da norma e o sistema jurídico brasileiro ....................................50 21.5. Fundamentação teórica para a aplicação axiológica do Direito................................50 21.5.1. Condições metodológicas que devem presidir à aplicação axiológica do Direito..................................................................................................................................50 21.5.2. Condições ideológicas que devem orientar a aplicação axiológica do Direito................................................................................................................................. 51 21.5.3. Condições éticas relativamente aos magistrados que têm de pressupor a aplicação axiológica do Direito.......................................................................................... 51 21.5.4. A hegemonia do juiz na vida do direito, observadas as condições que se colocam.............................................................................................................................. 52 22. A aplicação do Direito numa perspectiva fenomenológica...........................................52 23. A aplicação do Direito numa perspectiva soeiológico-política......................................55 23.1. A essencialidade da aplicação sociológico-política do Direito.................................. 55 23.2.0 agasalho ao Direito e à cultura popular como fundamento de uma postura sociológico-política.............................................................................................................55 23.3. Objeções à concepção extensiva da aplicação sociológico-política do Direito....... 58 23.4. Refutação das objeções............................................................................................58 23.4.1. A lei ante o caso singular e a mudança social........................................................58 23.4.2. O conteúdo subjetivo e político inerente a toda sentença..................................... 59 23.4.3. A supremacia do valor Justiça sobre o valor Segurança........................................61 23.4.4. Se o juiz falha, não é a lei que o salvará................................................................62 23.4.5. A representatividade popular dos juizes................................................................ 63 23.4.6. A Escola do Direito Justo, Magnaud e o posicionamento assumido neste livro.....................................................................................................................................65 23.4.7. Condições para a utilização dos recursos da Informática......................................66 Capítulo VI CONCLUSÃO 24. Os objetivos que este livro pretendeu alcançar............................................................67 25. Síntese das perspectivas propostas.............................................................................67 26. Considerações complementares..................................................................................68 26.1. A modernização e a democratização da Justiça como requisitos para o desempenho eficaz do papel intervencionista que cabe à magistratura................................................. 68 4
  • 5. 26.1.1. A realidade da Justiça no Brasil e o imperativo de Mudança.................................68 26.1.2. Medidas em favor da modernização, melhoria e democratização do aparelho judiciário..............................................................................................................................69 26.1.3.0 poder das minorias como instrumento transformador..........................................72 26.2. A Justiça, o juiz e a libertação do oprimido...............................................................72 26.2.1. A Justiça como instrumento de libertação..............................................................72 26.2.2. A salvação do Direito pela arte do juiz....................................................................73 26.2.3. Em busca de um Direito da libertação....................................................................73 APÊNDICE - Entrevista concedida pelo Autor ao Jornal A Gazeta, de Vitória, por Ocasião do Lançamento da Ia Edição deste Livro............................................................................75 Bibliografia........................................................................................................................87 5
  • 6. Capítulo I INTRODUÇÃO 1. DEFINIÇÃO DO TRABALHO E SUA IMPORTÂNCIA O presente trabalho é uma pesquisa teórica que trata de problemas relacionados com a Hermenêutica, a interpretação e a aplicação do Direito. Sua importância resulta, quer da posição eminente do assunto nas perquirições da Teoria Geral do Direito,1 quer dos aspectos práticos ligados ao exercício das profissões jurídicas. Não obstante outras obras, no Brasil e no Exterior, já tenham tratado longamente da matéria, o enfoque desta monografia é original, como originais são algumas de suas contribuições. 2. ESTRUTURA ADOTADA Dividi o presente estudo em seis capítulos: - o primeiro — esta introdução -, para situar as questões que serão desenvolvidas; - o segundo, em que trato de questões genéricas ligadas à hermenêutica, à interpretação e à aplicação do Direito, e onde termino por apontar o salto que julgo deva ser dado pelo aplicador do Direito, fazendo do homem julgado e das aspirações sociais o centro inspirador da Hermenêutica, ponto que é retomado e desenvolvido no quinto capítulo; - o terceiro, que cuida dos momentos (ou processos) da interpretação jurídica; - o quarto, que versa, abreviadamente, sobre as escolas hermenêuticas. Estas são frutos da disputa entre concepções do Direito e posições em face do labor hermenêutico; - o quinto, através do qual procuro explicitar uma visão hermenêutica que nasceu da experiência pessoal, conjugada com a reflexão sobre doutrinas e autores, buscando resolver a angústia de distribuir Justiça, em choque com dogmas que era preciso deslindar e discutir; - o sexto, em que procuro concluir a visão teórica, elaborada no curso da dissertação, e explicitar os requisitos estruturais que podem tomar possível o papel que o livro destina ao juiz. As considerações gerais sobre a Hermenêutica servem de preparação aos capítulos seguintes. Dos processos de interpretação, da posição dos juristas em face da aceitação exclusiva ou da primazia de uma ou outra técnica, ou critério hermenêutico, emergem as escolas hermenêuticas. O estudo destas permite aquilatar a evolução do pensamento jurídico no que se refere à interpretação e aplicação do Direito, bem como compreender o alcance e os limites da contribuição deste estudo ao tema de que cuida. 1 A teoria da interpretação é tema da Teoria Geral do Direito. Esta é um conhecimento epistemológico, portanto filosófico, que constitui o centro da Introdução à Ciência do Direito. Fernando Fueyo Laneri observa que a interpretação jurídica é estudada em variados ramos do Direito. Contudo, "su puesto preciso se encuentra en la Doctrina General dei Derecho". Cf. Fernando Laneri Fueyo. Interpretacióny Juez. Santiago de Chile, Universidad de Chile y Centro de Estúdios "Ratio Iuris", 1976, p. 161. 3. OBJETIVOS TEÓRICOS PERSEGUIDOS Tento cooperar na elaboração de uma doutrina da aplicação do Direito, fundamentando uma percepção sedimentada no exercício da magistratura trabalhista e comum durante cerca de trinta anos. A expressão teórica dessa práxis seria um Direito 6
  • 7. aplicado, simultaneamente, sob a perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico- política. A perspectiva axiológica afirma que o juiz é portador de valores de que impregna suas sentenças. Há de ser o varão digno que julgue o povo com retidão e veja sempre a Justiça a serviço do homem. A perspectiva fenomenológica levará o julgador a descer ao homem julgado, buscar seu mundo, compreender suas circunstâncias. A perspectiva sociológico-política possibilitará ao juiz a pesquisa dos valores do povo, a identificação do seu sentimento do justo, a consideração do homem comum, o desempenho de uma função renovadora e progressista, à frente da lei. As três perspectivas vão afinal embasar uma visão humanística do ofício judicial. Essa visão humanística, a meu ver, é a única que pode possibilitar a libertação da lei. De outra forma, o sacerdote e o levita continuarão a passar de largo, deixando sem socorro o ferido de Jerico - homem, mas desconhecido que não entra na fórmula, que não está compreendido no elenco das pessoas que se devem ajudar. Capítulo II 4. HERMENÊUTICA: CONCEITO E ASPECTOS GERAIS Hermenêutica, na sua acepção mais geral, é a interpretação do sentido das palavras. Esse sentido das palavras, que cabe à Hermenêutica interpretar, restringe seu campo à linguagem verbal, excluído, assim, o conceito amplo de linguagem, aquele que abarca "todas as formas que servem a propósitos comunicativos". A palavra hermenêutica provém do grego hermeneúein, interpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, considerado o intérprete da vontade divina. No Organon, de Aristóteles, encontramos o mais remoto emprego do vocábulo hermenêutica, tal como o traduziu Theodor Waitz, em 1844. Grande prestígio ganhou a Hermenêutica quando se intensificou o interesse pela interpretação das Sagradas Escrituras. Isso ocorreu, especialmente, a partir do século XVI, com Mathias Flacius Illyricus. A Hermenêutica afirma-se como disciplina filosófica em 1756, ano em que Georg Friedrich Maier escreve uma obra, defendendo sua importância no campo da especulação. Segundo Heidegger, a Hermenêutica é o estudo do compreender. Compreender significa compreender a significação do mundo. O mundo consiste numa rede de relações, é a possibilidade de relações. Pode-se organizar o mundo matematicamente; pode-se conceber o mundo teologicamente; pode-se interpretar o mundo como linguagem, que é o que interessa ao hermeneuta. Então, o mundo se torna dizível, o mundo é convertido na linguagem que nós utilizamos. A Hermenêutica é sempre uma compreensão de sentido: buscar o ser que me fala e o mundo a partir do qual ele me fala; descobrir atrás da linguagem o sentido radical, ou seja, o discurso. Heidegger, Husserl e os demais filósofos da corrente fenome nológica entendem que só se possa compreender o homem e o mundo a partir de sua facticidade. Dentro dessa concepção, toda hermenêutica é uma metafísica, uma ontologia fenomenológica. 7
  • 8. 5. LEI COMO FORMA DE COMUNICAÇÃO HUMANA A lei é uma forma de comunicação humana Forma imperativa de comunicação, destinada a regular a conduta de um grupo social e emanada de um homem, de um grupo de homens, de uma classe, ou da totalidade do grupo social, para traduzir os interesses absolutos da classe minoritária dominante, numa sociedade de opressão ilimitada, ou para expressar soluções de compromisso, numa sociedade onde os domina dos tenham possibilidade de fazer valer sua força, ou para estabelecer a igualdade e o direito de todos, numa sociedade que tenha superado, ou esteja em vias de superar, qualquer forma de dominação e exploração. A hermenêutica jurídica é parte desse processo de comunicação. David Berlo assinala a presença de seis elementos no processo completo de comunicação: a fonte, o codificador, a mensagem, o canal, o decodificador e o receptor. Creio adequado utilizar o esquema de David Berlo para dissecar o processo de comunicação que se efetiva através da lei. Teremos, então: como fonte, o legislador; como codificador, a palavra escrita; como mensagem, o conteúdo da lei; como canal, o pergaminho, o jornal ou o livro no qual se faça o registro do texto legal; como decodificador, a leitura; como receptor, a pessoa a quem a lei é dirigida, a qual opera o processo de decodificação. Embora a lei seja codificada, normalmente, através da palavra escrita, uma exceção à regra são os sinais de trânsito, que obrigam sob sanção, com características de lei, e que não se limitam ao uso da palavra escrita mas apelam também para o desenho. A palavra sob a forma escrita (em oposição à forma oral) é, modernamente, o código obrigatório para o legislador. No Brasil, a lei entra em vigor quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, salvo disposição contrária. Na prática, porém, a palavra escrita não é o único nem o principal veículo de comunicação entre o legislador e o receptor. O rádio e a televisão noticiam a promulgação das leis antes de sua publicação na imprensa oficial. E depois de ter sido a lei publicada o conhecimento de sua existência também chega ao receptor oralmente, pela circulação verbal da notícia. A comunicação será tanto mais fiel quanto menor número de fatores, nas diversas etapas do processo, influírem na alteração da mensagem que a fonte pretenda transmitir ao receptor. No caso da comunicação através da lei, a fonte deve cuidar da fidelidade à mensagem, no momento da codificação. Contudo, desprestigiada, modernamente, a idéia de que o intérprete deveria descobrir e revelar a vontade, a intenção do legislador, o processo hermenêutico parte da mensagem já codificada. 6. HERMENÊUTICA, INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO A expressão hermenêutica jurídica é usada com diferente extensão, ou acepção, pelos autores com freqüência, vê-se hermenêutica jurídica usada como sinônimo de interpretação da lei. Outras vezes, é dado aos vocábulos um sentido amplo, que abrange a interpretação e a aplicação.10 Carlos Maximiliano distingue Hermenêutica e Interpretação. A Hermenêutica é a teor ia científica da arte de interpretar. Tem por objeto "... o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito".' A interpretação é a aplicação da Hermenêutica.12 8
  • 9. Ainda Carlos Maximiliano observa que: "... interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tomar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta". Sentidos mais amplos da expressão, afirma que, no sentido restrito, hermenêutica é sinônimo de interpretação, que o tema tradicionalmente arrolado como especifico da hermenêutica jurídica é o da interpretação, seus processos e sua técnica. Cf. Teoria Geral do Direito, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966, pp. 233 e 234. Também Naylor Salles Gontijo identifica Hermenêutica Jurídica e Interpretação do Direito. Cf. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1969, p. 291. Da mesma forma, A. B. Alves da Silva. Cf. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Agir, 1956, p. 270. 10 Paulo Dourado de Gusmão entende que a Hermenêutica Jurídica é a "parte da ciência do direito que trata da interpretação e aplicação do direito". Cf. Introdução ao Estudo^ do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 253. Machado Neto, numa primeira extensão do conceito, vê a hermenêutica abrangendo a interpretação, a integração e, quiçá, a própria aplicação. Num sentido ainda mais amplo, identifica Hermenêutica Jurídica como Teoria da Técnica Jurídica, ou seja, a parte da Teoria Geral do Direito cujo horizonte temático é a lógica jurídica material, em oposição à Teoria Geral do Direito stricto sensu, cujo horizonte temático é a lógica jurídica formal. Cf. A . L. Machado Neto, Teoria Geral do Direito, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966, pp. 26 e 233. 12 Paulo Nader, que também distingue os conceitos, diz que a hermenêutica é teórica e visa a estabelecer princípios, critérios, métodos, orientação geral. Já a interpretação é de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica. Ver Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 314. No mesmo sentido, cf. Orlando de Almeida Secco, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1981, p. 185. 13 Carlos Maximiliano, ob. cie, p. 22. Ao termo "interpretação das leis" Carlos Maximiliano prefere "interpretação das expressões do Direito" porque não se interpretam apenas as leis, mas também o Direito Consuetudinário, os decretos, regulamentos em geral, avisos e portarias ministeriais, instruções e circulares de autoridades administrativas, usos e decisões judiciárias, contratos, testamentos e outros atos jurídicos, ajustes e contratos internacionais, convenções interestaduais e intermunicipais. Interpretar é apreender ou compreender os sentidos implícitos nas normas jurídicas. E indagar a vontade atual da norma e determinar seu campo de incidência. É expressar seu sentido recorrendo a signos diferentes dos usados na formulação original. A interpretação é tarefa prévia, indispensável à aplicação do Direito. A aplicação do Direito consiste em submeter o fato concreto à norma que o regule. A aplicação transforma a norma geral em norma individual, sob forma de sentença ou decisão administrativa.16 Quando para o fato não há norma adequada, o aplicador preenche a lacuna; através da integração do Direito. A integração é o processo de preenchimento das lacunas existentes na lei. Na interpretação, parte-se da lei, para precisar-lhe o sentido e o alcance. Na integração, parte-se da inexistência de lei. Se existe a norma, o aplicador, grosso modo, enquadra o fato na norma. Na pesquisa da relação entre o caso concreto e o texto abstrato, entre a norma e o fato social, a tarefa do aplicador, 15 "Interpretar un enunciado quiere decir ordinariamente expresar su sentido recurriendo a signos diferentes de los usados para formulário originalmente." Roberto José VernengOi Curso de Teoria General dei Derecho, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976, p. 404. Adverte Sônia Maria S. Seganfreddo que o trabalho interpretaiivo não se limita a decifrar os sinais que os sentidos percebem mas, também, visa à criação c elaboração intelectual, que conduz o intérprete a novas situações quando desentranha o sentido de uma expressão. Cf. Sônia Maria S. Seganfreddo, Como Interpretar a Lei. Rio dc Janeiro, Ed. Rio, 1981, p. 14. 9
  • 10. 16 Num sentido amplo, não haveria aplicação do Direito apenas nestas duas hipóteses Entendendo como Kelsen que a aplicação é a formulação da norma particular, a partir dn norma geral, haveria aplicação constitucional quando a Constituição é aplicada ao ia proceder a sua reforma, aplicação legislativa quando se aplicam as disposições da Constituição para elaborar as leis, aplicação jurisdicional ou administrativa quando t o jull ou o administrador quem aplica a Constituição, a lei ou o contrato ao caso particular, o mesmo uma aplicação voluntária quando as partes se adaptam ao disposto na ConstituiçAo • nas leis. O termo tem, neste trabalho, o sentido restrito de aplicação jurisdicional OU administrativa. Para o conceito de aplicação do Direito, segundo Hans Kelsen, cf. Trona Pura do Direito, Coimbra, Armênio Amado, 1974, pp. 324 a 327. sobretudo a do juiz, não se resume, contudo, a um mero silogismo, no qual fosse a lei a premissa maior, o caso, a premissa menor, e a sentença judicial, a conclusão. A liberdade maior ou menor do juiz, no julgar, a irrestrita submissão à lei ou o abrandamento dessa submissão, em diferentes graus, marcam posturas ligadas às diversas escolas hermenêuticas. 7. EVOLUÇÃO DA HERMENÊUTICA EM PROL DE UM DIREITO CENTRADO NO HOMEM E NO POVO Vejo a evolução da Hermenêutica, em geral, e da Hermenêutica Jurídica, em particular, refletindo a evolução das idéias sobre o homem e seu papel no mundo: de uma preocupação em investigar a vontade do legislador,17 entendido como ser onipotente, passou se para a posição, mais liberal, de pesquisa da própria lei, como produto social, fruto da consciência jurídica do povo, segundo seus pregoeiros.18 17 Paula Batista via como elementos da interpretação gramatical, o lógico e o científico. Este último é aquele que presta ao elemento lógico "as premissas e dados para, sob a dupla relação das palavras e dos pensamentos e por meio de legítimas conseqüências, não só atingir o sentido normal, e sem defeitos, como adotar, dentre os sentidos possíveis, o que exprimir, com maior segurança possível, a vontade do legislador". (Cf. Paula Batista, Compêndio de Hermenêutica Jurídica, São Paulo, São Paulo Saraiva, 1984, pp. 10 e II.) O Barão de Ramalho entendia que o estudo da hermenêutica jurídica devia preceder ao de todo direito positivo, "por isso que como todo o direito precisa ser entendido para ser bem aplicado quando reduzido a leis, segue-se que o primeiro estudo do jurisconsulto consiste em conhecer perfeitamente as regras segundo as quais se deve apoderar o pensamento do legislador para genuinamente aplicá-las". (Cf. Barão de Ramalho, Cinco Lições de Hermenêutica • Jurídica, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 91.) 18 Afirma José Maria Martin Oviedo que a doutrina atual submete a revisão as teorias subjetivas (vontade do legislador) e objetiva (vontade da lei) que a doutrina clássica construiu, a respeito da interpretação. Inclina-se a doutrina atual por um sincretismo, tanto metódico quanto técnico, com um certo predomínio da interpretação objetiva e destacando-se, entre os elementos do processo interpretativo, a ratio legis, que postula a prevalência do resultado interpretativo mais adequado à finalidade da lei. Cf. Formación y Aplicación dei Derecho, Madrid, Instituto de Estúdios Políticos, 1972, p. 149. José Maria Rodrigues Paniagua entende que, entre as posturas polêmicas (teoria da interpretação subjetiva e da interpretação objetiva), o melhor caminho para o esclarecimento científico é a aceitação do que uma e outra teoria possam ter de verdadeiro. Cf. Ley e Derecho, Madrid, Editorial Tecnos, 1976, pp. 90 e 91. O novo salto que penso deva ser dado, corajosamente, pelo aplicador do Direito, sobretudo pelo juiz,19 impõe que este não se enclausure na sua ciência, causadora de rigidez perceptiva, mas que se abra às outras ciências, à economia, à Política, à Sociologia, à Psicologia, e que se deixe tocar pela influência das correntes fenomenológica e existencialista, bem como das escolas sociológicas. Manuel de Andrade diz que para a escola tradicional, subjetivista, psicológica ou histórico-filológica a lei deve ser entendida e aplicada conforme o pensamento e a vontade do legislador. 10
  • 11. Opondo-se a essa, a nova concepção "abstraindo do legislador, encara a lei apenas, em si mesma a querendo interpretar, por maneira que o sentido legal prevalente terá de ser um sentido objetivo, como que radicado na própria lei." (Manuel A. Domingues de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da interpretação das Leis, Coimbra, Armênio Amado — Editor, Sucessor, 1978, pp. 14e 15.) 19 As mudanças de 1993 e 1994 pouco alteraram as disposições do Código de Processo Civil relacionadas com o juiz. Apenas deu-se mais ênfase à tarefa conciliatória que já era atribuída aos juizes e abrandou-se ainda mais o princípio da vinculação do juiz ao processo sob o fundamento da identidade física. Disciplina o art. 132 do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 8.637, de 31 de março de 1993: "O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos .em que passará os autos ao seu sucessor". O art. 132, na redação expressa pelo Código de Processo Civil, quando foi promulgado em 1973, estabelecia: "O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide salvo se for transferido, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Ao recebê-los, o sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas". A mudança operada pela Lei n° 8.637 abrandou ainda mais o princípio da identidade física do juiz. O princípio geral de vinculação ao processo passou a alcançar somente o juiz que concluir a audiência de instrução, e não aquele que apenas tiver dado início a ela. Por outro lado, foram alargadas as hipóteses em que o princípio da identidade física deve ceder. Desaparece a norma de vinculação ao processo se o juiz é convocado para atuar em tribunal, ou se é promovido, aposentado, licenciado ou afastado por qualquer motivo. Entretanto, o fato de entrar em gozo de férias não desvincula o juiz do feito, conforme a jurisprudência tem entendido. (Cf. Theotonio, Negrão. Código de Processo Civil de Legislação Processual em Vigor, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 164.) Capítulo III MOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA 8. CONCEITO E ESPÉCIES Processos de interpretação são os recursos de que se vale o hermeneuta para descobrir o sentido e o alcance das expressões do Direito. A interpretação incide sobre a lei e as demais expressões do Direito, e não sobre o próprio Direito. Alei é a forma, o Direito é o conteúdo: a interpretação recai sobre a forma, buscando o conteúdo. Já a aplicação é do Direito'. ante o fato concreto a tarefa do aplicador, revelado o conteúdo da lei, sua substância, é fazer prevalecer esse conteúdo. A lei não evolui. Segue com passo tardo a mudança social. O Direito, entretanto, pode acompanhar as transformações econômicas, políticas e sociais. Ao intérprete e ao aplicador cabe responder ao desafio de dinamizar a lei, para que não seja força retrógrada dentro da sociedade. Como observou Emmanoel Augusto Perillo, o conteúdo da lei é inteiramente vago, dentro de sua esquematização lógica; sem a intervenção do hermeneuta, a lei morre no tempo. Os processos de interpretação são também chamados elemen tos de interpretação, métodos ou modos de interpretação, fases ou momentos da interpretação ou critérios hermenêuticos. Os processos de interpretação não ocorrem ao intérprete numa ordem sistemática, mas numa síntese imediata. 11
  • 12. Esse caráter unitário da atividade hermenêutica aconselha que se encarem os processos de interpretação como momentos do processo global interpretativo, de preferência a conceituá-los como métodos. Por reconhecer que o processo interpretativo não obedece a uma ascensão mecânica das partes ao todo, mas "... representa antes uma forma de captação do valor das partes, inserido na estrutura da lei, por sua vez inseparável da estrutura do sistema e do ordenamento". Miguel Reale propugna por uma hermenêutica estrutural. C. H. Porto Carreiro define-se por um método hermenêutico dialético, que "... abrange a realidade como um todo e, como um todo, a examina, procurando tudo quanto existe na letra e no espírito da lei".3 Embora haja variações terminológicas, de um autor para outro,4 se queremos buscar o máximo de abrangência e pormenorização podemos enumerar como momentos (ou processos) de interpretação os seguintes: - momento (ou processo) literal, gramatical ou filológico; - momento (ou processo) lógico ou racional; - momento (ou processo) sistemático ou orgânico; - momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo; - momento (ou processo) teleológico; - momento (ou processo) sociológico. 3 Cf. Carreiro, C. H. Porto. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, p. 250: "Consideramos que o único método hermenêutico verdadeiramente válido e eficaz é o dialético, que abrange a realidade como um todo e, como um todo, a examina, procurando desvendar tudo quanto existe na letra e no espírito da lei. E nisso estão incluídos: 1. O conteúdo semântico dos vocábulos, naquilo que há de histórico nas variações ideológicas, compreendendo o que significam as palavras para a classe que ditou a norma jurídica; 2. O conteúdo lógico da inserção da regra nesta (e não em outra) lei considerando que seus artigos devem exprimir um todo, que repele matéria estranha à versada pelo legislador, 3.0 exame das condições históricas que ditaram, naquele (e não em outro) momento, sua feitura, ou seja, o estudo da oportunidade histórica da lei, para que se vislumbrem os fatos geradores da norma criada, sua extensão e sua finalidade; 4. O estudo das condições sociológicas que ressaltaram os interesses de classe a serem protegidos, orientando o aplicador da lei no conhecimento do tipo de conflito que se deseja evitar, solucionar ou minorar". 4 Naylor Salles Gontijo classifica os métodos de interpretação em dois grupos. Seriam métodos maiores, o axiológico (que se utiliza dos juízos de valor para a interpretação do Direito), o lógico (que se serve do fato para subir até a norma, porque entende o Direito como completivo da conduta social) e o de integração dialética (que consiste na atualização normativa dos valores em uma condicionalidade fática). Seriam métodos menores o gramatical, o sistemático, o histórico, o declaratório, o extensivo, o restritivo, o evolutivo e o ab-rogante. Cf. Naylor Salles Gontijo, Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro, Forense, 1969, pp. 308 e segs. Luís Alberto Warat alinha como métodos de interpretação: o gramatical, o exegético (Bonnecase e Proudhon), o comparativo (lhering, na segunda fase), o científico (Geny e Planiol), o da Escola do Positivismo Sociológico (Duguit), o da Escola de Direito livre (Erlich, Kantorowicz), o teleológico (Heck), que se desdobra no teleológico em sentido estrito e no da jurisprudência de interesses, o da Escola do Positivismo Eáctico (Cohen e Alf Ross), o da Escola Egológica (Cossio) e o tópico-retórico (Viehweg). Cf. Luís Alberto Warat, Mitos e Teorias na Interpretação das Leis, Porto Alegre, Ed. Síntese, 1979, pp. 75 e segs. 9. MOMENTO (OU PROCESSO) LITERAL, GRAMATICAL OU FÍLOLÓGICO O momento (ou processo) fílológico estabelece o sentido objetivo da lei com base em sua letra, no valor das palavras, no exame da linguagem dos textos, na consideração do significado técnico dos termos. Forma de comunicação humana que se utiliza da linguagem verbal, a lei é uma realidade morfológica e sintática. Essa circunstância torna inafastável a utilização do processo gramatical de interpretação. A interpretação exclusivamente filológica, ou a preferência pela exegese verbal, ou mesmo a idéia de que se deva partir, 12
  • 13. progressivamente, do processo gramatical para atingir depois a compreensão sistemática, lógica, teleológica ou axiológica dos textos é que constituem posições doutrinárias ultrapassadas. Certamente, foi com vistas a esses desvios hermenêuticos que Recaséns Siches qualificou a interpretação literal como irracional e inútil.5 5 "Espantosa tontería", segundo suas palavras. Cf. Luís Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la Interpretación dei Derecho, México, Editorial Porrúa, 1973, p. 182. Gustav Radbruch coloca a questão nestes termos: "A interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro. Sem dúvida, ela parte da interpretação filológica da lei; mas para ir mais além dela". Gustav Radbruch, Filosofia do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 231. A interpretação filológica deve perseguir o conteúdo ideológico dos vocábulos, descobrir o que de subjacente existe neles, com vistas a uma compreensão semântica das palavras usadas na lei.6 No uso do processo filológico, deve o intérprete estar advertido de que nem sempre a palavra é fiel ao pensamento, afora as impropriedades de redação, freqüentes nas leis. Sempre é preciso encontrar o que se acha implícito por trás das palavras. As palavras empregadas pelo legislador devem ser interpretadas em conexão com as demais que constituem o texto. Deve-se atentar para o uso da palavra no local em que foi redigida a lei ou a matéria a ser interpretada. A pesquisa filológica há de interligar-se e harmonizar-se com os demais processos, pois, "desde Saussure, não se tem mais uma compreensão analítica ou associativa da linguagem, a qual também só pode ser entendida de maneira estrutural, em correlação com as estruturas e mutações sociais." Essa visão estrutural da linguagem desautoriza o entendimento dogmático das palavras da lei e impõe o entendimento histórico. A língua é um patrimônio comum, arsenal coletivo, instituição. A fala é a escolha individual, a opção entre as possibilidades de expressão que se apresentam na língua. A lei é a fala do legislador, revelando a percepção da pessoa ou do grupo de pessoas que elaborou a lei, mas, também, sem dúvida, a visão da época. Cada época tem uma visão da realidade. A consideração desses aspectos não pode ser ignorada pelo hermeneuta. Se o intérprete possuir conhecimentos de filologia, lingüística e filosofia da linguagem,'0 poderá utilizar-se, com proveito, do auxílio desse processo. 6 Carlos Santiago Nino assinala como tendência da nova Ciência do Direito o desprender-se, na interpretação, dos mitos derivados do "realismo verbal" para atender às modernas técnicas de análise semântica e sintática. Cf. Carlos Santiago Nino, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires, Editorial Astrea, 197S, vol. 4, p. 151. 10. MOMENTO (OU PROCESSO) LÓGICO OU RACIONAL O momento (ou processo) lógico baseia-se na investigação da ratio legis. Busca descobrir o sentido e o alcance da lei, sem o auxílio de qualquer elemento exterior, aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Funda-se no brocardo - Ubieadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou seja, ali onde está o racional, ali está a correta disposição legislativa. ‘’’’’’’’’’’’Procura a idéia legal que se encontra sub litteris, partindo do pressuposto de que a razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão de seu conteúdo; de seu sentido e de sua finalidade. Numa lei, o que interessa não é o seu texto, mas o alvo fixado pelo legislador. 13
  • 14. O elemento lógico empregado nesse processo de interpretação é o fornecido pela lógica formal." A ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este. O processo lógico permite que a interpretação alcance elevado padrão de rigor e segurança. Contudo, como sublinha Flóscolo da Nóbrega: "... o processo tem o grave inconveniente de esvaziar a lei de todo o conteúdo humano, de tratá-la em termos de precisão matemática, como se fosse um teorema de geometria". Também Carlos Maximiliano censura o processo afirmando que, da preocupação de reduzir toda a Hermenêutica a brocardos, a conseqüência é multiplicarem-se as regras de interpretação, gerando a sutileza, incompatível com a segurança jurídica pretendida. Recaséns Siches considera o processo lógico imprestável na aplicação do Direito. ‘’’’’’’’’’’’’A lógica formal, de tipo puro, a priori, só é adequada na análise dos conceitos jurídicos essenciais. Para tudo que pertence à existência humana - a prática do Direito, inclusive - impõe-se o uso da lógica do humano e do razoável (lógica material). Carlos Coelho de Miranda Freire adverte que o raciocínio jurídico não se regula por uma lógica do necessário. Nele domina um procedimento fundamentado em silogismos retóricos, que são concluídos a partir de premissas prováveis. André Franco Montoro pensa que o jurista usa habitual mente a lógica em suas sentenças, petições, pareceres etc, se bem que nem sempre o faça de forma consciente. ‘’’’’’’’’’’’Todas as vertentes da Lógica, segundo sua opinião, desde a lógica clás sica até a lógica simbólica, a lógica da linguagem, a lógica deôntica e a lógica do concreto (incluindo-se, nesta última designação, a lógica do razoável, da argumentação, da contro vérsia, nova retórica e tópica) têm aplicação na tarefa herme nêutica. Wilson de Souza Campos Batalha observa que o rigor lógico, na interpretação e aplicação das normas jurídicas, é simples apa rência. Há em toda interpretação e aplicação ingredientes estima tivos, emocionais e irracionais. Embora a sentença - prossegue - revista-se de forma silogís-tica, a conclusão, freqüentemente, precede as premissas. C. H. Porto Carreiro acha que, modernamente, a exegese racional voltou a merecer atenção, uma vez que pode fornecer informações sobre as razões sociais da lei, isto é, sobre o Direito que, em dado momento, se cristalizou em regra jurídica. Por isso, ao lado da ratio legis, aprofundou-se o exame da occasio legis, como elemento histórico capaz de revelar ao intérprete as condições sociais que deveriam ter influenciado na redação da lei. O processo lógico, ou racional, reformulado, poderá penetrar no espírito histórico da lei, retirando daí as razões que a ditaram, sua finalidade imediata e os motivos do momento que presidiram à sua feitura. Observada essa advertência, creio que o processo lógico pode ser empregado com utilidade. 11. MOMENTO (OU PROCESSO) SISTEMÁTICO OU ORGÂNICO O momento ou processo sistemático considera o caráter estrutural do Direito, pelo que não interpreta isoladamente as normas. Vê cada regra legislativa como "... parte do inteiro organismo dos princípios de determinado regime ou sistema de direito positivo".19 Consiste na “... adaptação do sentido de uma norma ao espírito do sistema". Carlos Maximiliano fixa diretriz para o uso do processo: "Examine-se a norma na íntegra, e mais ainda: o Direito todo, referente ao assunto. Além de comparar o dispositivo com outros afins, que formam o mesmo instituto jurídico, e com os referentes a institutos análogos; força é, também, afinal pôr tudo em relação com os princípios gerais, o conjunto do sistema em vigor". 14
  • 15. Nos países de Constituição rígida, importante é ter presente a supremacia dos dispositivos constitucionais, em comparação com os dispositivos da legislação ordinária. Quando se adota, como se faz, por longa tradição, no Brasil, o sistema de constituições pormenorizadas, exaustivas, regulando matérias atinentes aos mais diversos campos do Direito, indispensável é o cotejo de qualquer dispositivo que se queira interpretar com o que, a respeito, disponha, específica ou genericamente, a Constituição Federal. O processo sistemático tem a função de preservar a harmonia do sistema legal, zelar por sua coerência. Esse objetivo deve ser perseguido não apenas pelo controle constitucional das leis: também entre normas de igual hierarquia o princípio deve ser invocado. A meu ver, assiste razão a Cavalcanti Lana, em voto vencido que proferiu no Io Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro: "Tem a jurisprudência um papel que não está suficientemente esclarecido e estudado: o de preservar a harmonia do sistema legal. Não é ela mera intérprete da lei e nem se unifica, em homenagem aos casos análogos, a fim de garantir a isonomia das decisões. Sua função mais importante é a de zelar pela coerência do sistema. Argumenta- se que esta coerência é dada pelo controle constitucional das leis, não havendo como invocá-lo entre normas de igual magnitude hierárquica. Mas o argumento deixa ao juiz uma pobre função - transforma-o em computador destinado a processar os dados que o legislador, em desavisada hora, entendeu de lhe propiciar".22 22 "Isto vera ocorrendo" - prossegue o voto - "com a malsinada denunciação vazia (...) Para chegar a ela, partiu o legislador da falsa premissa de que o Sistema Nacional de Habitação constituiu-se em um êxito tão grande que somente excêntricos e pouco numerosos milionários se dão ao luxo do aluguel, quando todos, por menor que lhes seja a renda familiar, têm acesso à casa própria. O engano é ledo, a realidade é outra. (...) Por tais razões, a partir de agora, embora aparentemente contra legem, mas afeiçoando ao espirito maior do sistema que se tomou tradicional do intervencionismo contratual por inspiração do bem comum, voto no sentido de negar, peremptoriamente, reprise que imotivada seja." (Voto vencido do juiz Cavalcanti Lana, na Apelação Cível n° 68.408, julgada pela 3* Câmara do 1° Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro. In Litis, Rio de Janeiro, ano I, vol. IV, dez. 1976, pp. 155-157.) Integra o processo sistemático o recurso ao Direito Comparado, ou seja, a confrontação do texto, sujeito a exegese, com leis congêneres de outros países, especialmente daqueles que exerceram influência na construção do instituto jurídico que se investiga. ’’’’’’’’’’’’’Nas matérias alcançadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é necessário ter presente esse documento supranacional, quer quando se acolhe a doutrina que sustenta sua auto-aplicação ao Direito interno23 - posição que julgo acertada -, quer, pelo menos, como fonte subsidiária. O processo (ou momento) sistemático possibilita uma compreensão larga da lei. A mens legis - que parecia muito precisa -, após a confrontação do texto interpretado com outras normas de igual ou superior hierarquia, com os princípios gerais do Direito, com o Direito Comparado, pode restringir-se, ampliar-se, ser, enfim, iluminada por uma visão enriquecedora, que uma interpretação meramente lógica tornaria impossível. 12. MOMENTO (OU PROCESSO) HISTÓRICO OU HISTÓRICO-EVOLUTIVO O momento (ou processo) histórico leva em conta as idéias, os sentimentos e os interesses dominantes, ao tempo da elaboração da lei. A lei representa uma realidade cultural que se situa na progressão do tempo. Uma lei nasce, obedecendo a determinadas aspirações da sociedade ou da classe dominante da sociedade, traduzidas pelos que a elaboram, mas o seu significado não é imutável. E necessário verificar como a lei disporia 15
  • 16. se, no tempo de sua feitura, houvesse os fenômenos que se encontram presentes, no momento em que se interpreta ou aplica a lei. A lei, observa Paulo Dourado de Gusmão, "não é elaborada para um corpo social moribundo, mas para um corpo social vivo, em desenvolvimento, com épocas de crise e com épocas de estabilidade". Fundamenta esse processo hermenêutico a convicção de que o Direito é produto histórico, herança cultural, criação da vida social, capaz de adaptar-se a todas as condições e exigências novas, fruto da comunidade, e não resultado da vontade do legislador. Daí o realce que seus corifeus deram à tradição e ao costume imemorial. O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem "conteúdo fixo, invariável, não pode viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo impermeável às reações do meio, às mutações da vida. Tem de ceder às imposições do progresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evoluindo paralela à sociedade e adquirindo significação nova, à base das novas valorações". O intérprete busca descobrir a vontade.atual da lei (voluntas legis), e não a vontade pretérita do legislador (voluntas legislato-ris), vontade que deve sempre corresponder às necessidades e condições sociais. O elemento histórico permite apreender as linhas gerais da evolução jurídica, as transformações que sofreram os institutos no decurso do tempo, os traços comuns na sucessão das leis, traços] que estão a indicar o que existe de permanente, em meio à multiplicidade e variedade dos dispositivos. No processo (ou momento) histórico-evolutivo, socorre-se o intérprete da pesquisados documentos históricos do Direito, quais sejam, dentre outros, os projetos e anteprojetos de lei, mensagens e exposições de motivos, debates parlamentares, pareceres, relatórios, votos, emendas e justificações. Esses documentos não têm força vinculativa, pois a lei, uma vez sancionada, desgarra-se do autor ou autores, porém, de qualquer forma, constituem subsídio apreciável para o estudo das razões históricas da lei. Consideram-se aqui também a história do direito anterior, especialmente a história do instituto de que faz parte a lei, a história do dispositivo ou norma submetida a exegese, bem como os fatos e circunstâncias que deram causa à lei. No processo histórico-evolutivo, como no processo lógico e no sistemático, o intérprete mantém-se dentro das balizas da lei, não se admitindo aí a interpretação criadora, a despeito ou à margem da lei. Justamente por isso, os apologistas deste processo reputam-no valioso, porque, sem colocar o intérprete contra os códigos, permite a evolução jurídica: concilia o princípio da legalidade com as transformações sociais. A utilização, na França, do processo histórico-evolutivo possibilitou atualizar o Código de Napoleão (Código Civil), com a adoção, pela jurisprudência, de institutos da maior relevância como a teoria da responsabilidade civil por riscos criados, a teoria da imprevisão (que permitiu a revisão judicial dos contratos) e a teoria do abuso dos direitos. Sem negar o valor da História, no conhecimento das instituições sociais, C. H. Porto Carreiro entende, contudo, que é fundamental dar-lhe tratamento dialético, abandonando a simples relação cronológica dos fatos, para submetê-los a uma análise infra-estrutural que conduza à real apreensão de uma realidade em movimento. Só se refazendo a História, nas suas bases e nos seus conflitos, é possível chegar-se a esse resultado.26 A ênfase dada pelo processo histórico de interpretação ao exame dos materiais legislativos merece a crítica desse mesmo autor. Essas peças têm a finalidade de mistificar a opinião pública, pois o verdadeiro objetivo da lei - a garantia dos privilégios de classe - nunca é confessado. 26 Cf, C. H. Porto Carreiro, Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, p. 240: "quando sabemos que a superestrutura social está indissoluvelmente ligada a uma base econômica dada, que lhe fornece a forma específica para seu conteúdo próprio, temos de concluir que essa base infra-estrutural 16
  • 17. origina a superestrutura que lhe deve corresponder. A aparente autonomia da superestrutura tem levado aqueles que examinam as coisas pela aparência e não pela essência a erros paimares. Assim, quando a Escola Histórica exalta o valor do costume, como fonte precípua da lei, não se preocupa em indagar as causas geradoras do consuetudinário. Toma o costume como está e sobre ele levanta o edifício histórico de uma instituição jurídica". Georges Ripert também produziu veemente libelo contra a insinceridade das exposições de motivos. Aliás, já os Estatutos de Coimbra preveniam que "... se não devem seguir, e abraçar cegamente as razões indicadas na lei; antes pelo contrário se deve sempre trabalhar por descobrir a verdadeira razão dela". Desprezada a postura estática, meramente descritiva, e assumida a postura crítica, de aprofundamento da realidade, dialética, o momento histórico é de grande valia no trabalho hermenêutico. 13. MOMENTO (OU PROCESSO) TELEOLÓGICO O processo ou momento teleológico busca a finalidade da lei. O fim da lei, numa primeira abordagem, é garantir interesses, com base em valorações econômicas, políticas, sociais e morais dominantes. A lei não explicita os interesses que defende, nem as valorações que a fundamentam. Cabe ao hermeneuta pesquisá-los, com vistas a descobrir o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática, assegurando a tutela do interesse, para a qual foi estabelecida, ou de outro que deva substituí-lo. A interpretação teleológica visa, em princípio, à descoberta dos valores a que a lei tenciona servir.30 A pesquisa teleológica deve buscar o objetivo atual das disposições, à medida que interesses emergentes possam ser enquadrados no texto primitivo. Dentro da perspectiva oferecida pela teoria do valor e da cultura, Miguel Reale diz que "... fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor. Ora, os valores não se explicam segundo nexos de causalidade, mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se realiza através do confronto das partes com o todo e vice-versa, iluminando-se e esclarecendo-se reciprocamente, como é próprio do estudo de qualquer estrutura social". Assim, na concepção de Reale, toda interpretação jurídica é teleológica: funda-se na consistência axiológica do Direito. O Direito brasileiro sufragou, amplamente, a interpretação teleológica ao estatuir o art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum". Embora colocado na Lei de Introdução ao Código Civil, esse dispositivo não se aplica apenas à interpretação do Código Civil: c uma diretriz básica do ordenamento jurídico. Divergem os autores no entendimento do alcance que deve ter o artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Entendem alguns que o bem comum a que a lei se destina, 6 aquele que a norma, objeto da interpretação, está orientada a satisfazer. Outros pensam que deve o juiz atender às exigências últimas e gerais do bem comum, afastando a incidência da lei ao caso concreto, quando dessa incidência resulte obstrução àquele desiderato. 30 Hans Reichel coloca a questão assim: "Se em um caso particular, a lei opõe-se ao pensamento e ao fim do Direito, pode ser ordenado que ao postulado do pensamento jurídico, que se acha sobre a lei, se outorgue maior força que à existência sem vontade da lei apóstata." Hans Reichel, La Leyyla Sentencia, Madrid, Editorial Reus, 1921, p. 146. 17
  • 18. Comentando esse artigo escreveu Oscar Tenório: "O direito positivo brasileiro preferiu caminho mais seguro e menos difícil. Deu ao juiz a missão de, na aplicação da lei, apreciar a sua finalidade social e as exigências do bem comum. Confiou ao juiz a missão de vencer os óbices criados por leis prenhes de individualismo. Instaurou-se o governo dos juizes sem que possamos falar, entretanto, em oligarquia ou ditadura judiciária". C. H. Porto Carreiro não vê, com otimismo, a efetiva aplicação do artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil, encontrando um conflito entre o artigo e o sistema jurídico- político-econômico em que está inserido: "Não especificando as fronteiras dos 'fins sociais' a que se destina a lei, deixa a critério do juiz o exame da questão. Mas, qual espada de Dâmocles, pendente sobre a cabeça do julgador, estão os princípios gerais do Direito, garantidores do status quo e das vigas mestras do regime. Teoricamente, o juiz tem liberdade de pesquisar os 'fins sociais' da lei, perquirindo, como filósofo e como sociólogo, a verdadeira ratio legis. No entanto, ao fazê-lo, há ele de esbarrar, fatalmente, com os institutos jurídicos preestabeleci-dos (e que não podem ser por ele mudados), que têm de ser seguidos e mantidos, sob pena de ser apontado como uma ameaça à segurança nacional".35 Penso que, realmente, a interpretação teleológica - sufragada, sem restrições, pelo Direito Brasileiro - arma o Judiciário de grandes poderes e de inarredável missão política. De independência e coragem os juizes sempre precisarão, caso queiram ser úteis ao povo, e não dóceis instrumentos da dominação de poucos. Independentes e corajosos, ao aplicarem teleologicamente o Direito, tendo em vista as exigências da finalidade social e do bem comum, os juizes não poderão obscurecer que o bem comum é, até etimologicamente, felicidade coletiva, bem geral, e nunca o individualismo, a opressão, que uma lei particular ou artigo de lei consagrar. 35 Prossegue: "E segurança nacional é preceito que visa à manutenção de uma situação vigente, mesmo que esteja ela panda de conflitos sociais. Qualquer reforma deve partir de cima para baixo, de governantes para governados, como uma espécie de outorga de direitos. As reivindicações, que têm sentido inverso, podem ser interpretadas como perigosas ao sistema jurídico e ao regime político. O mesmo ocorrerá ao aplicador, que der interpretação diversa às leis vigentes, ainda que fundamente sua decisão com base nos 'fins sociais' a que elas se destinam. Afinal, a que se destinam elas? À mudança social? A ampliação de direitos? Não cremos". C. H. Porto Carreiro, Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, pp. 266-267. 14. MOMENTO (OU PROCESSO) SOCIOLÓGICO O momento (ou processo) sociológico conduz à investigação dos motivos e dos efeitos sociais da lei.36 Leva a aplicar os textos de acordo com as necessidades contemporâneas, com olhos postos no futuro, e não no passado. Considera a consciência jurídica da coletividade,37 as aspirações do meio. Atende às conseqüências econômicas, políticas e sociais da exegese. Vê o sistema jurídico como subsistema do sistema social, e não como sistema autônomo.38 36 Na opinião de Carlos Santiago Nino, "requer-se, cada vez mais energicamente, que os juristas justifiquem as soluções que propõem, mostrando que suas conseqüências são preferíveis às demais soluções possíveis, em vez de manter num plano secundário a ponderação axiológica das soluções propostas, detrás dos argumentos supostamente lógicos tendentes a mostrar que a interpretação escolhida se infere das normas legais". Carlos Santiago Nino, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires, Editorial Astrea, 1975, vol. 4, p. 147. 37 Diz Karl Engisch: "O jurista, se quer dar incidência prática à idéia do Direito (fazê-la vingar), há de prestar ouvido atento à voz do 'espírito objetivo'. Ele precisa de saber o que as 'necessidades atuais' imperiosamente exigem, quais as idéias supralegais que reclamam consideração e estão suficientemente amadurecidas para serem juridicamente aplicadas". Engisch Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p. 324. 18
  • 19. 38 Carlos Maximiliano afirma que "o bom intérprete foi sempre o renovador insinuante, cauteloso, às vezes até inconsciente, do sentido das disposições escritas - o sociólogo do Direito". Contudo, coloca-se numa posição defensiva ante a interpretação sociológica, afirmando ' 'dever-se apelar para os fins sociais com reserva e circunspecção, a fim de evitar o risco de fazer prevalecerem as tendências intelectuais do juiz sobre as decorrentes dos textos, e até sobre as dominantes no meio em que ele tem jurisdição, como sucedeu em França, com o magistrado Magnaud". Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, pp. 171-172. Não aconteceu isso na França. As sentenças de Magnaud mereceram o apoio popular, conforme documentadamente se comprova no livro de Henry Leyret. Cf. Henry Leyret Los Sentencias dei Buen Juez Magnaud, Bogotá, Editorial Temis, 1976. Ver, também, na mesma obra, o prólogo escrito por D. Diez Enriquez, especialmente a p. X. Segundo Machado Neto, são objetivos pragmáticos do processo sociológico de interpretação: a) conferir a aplicabilidade da norma às relações sociais que lhe deram origem; b) estender o sentido da norma a relações novas, inexistentes ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do preceito normativo, a fim de fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social. O intérprete deverá conhecer a conexão do fenômeno jurídico com os demais fenômenos sociais, o que reclama a cooperação da Economia, da Sociologia, da Ciência Política, da Psicologia Social, da Antropologia etc. Para a declaração do sentido atual da norma, para a determinação da vontade genérica da lei, será importante o estudo sociológico do ambiente histórico, das condições de vida, dos ideais, valores e exigências sociais dominantes. Para C. H. Porto Carreiro o processo sociológico visa a "... perscrutar a lei como um produto orgânico que tem capacidade de evoluir por si mesma, segundo a possibilidade de evolução da própria sociedade". Conforme opinião desse autor, para que a interpretação sociológica alcance seus resultados deve indagar os motivos primários que ditaram a feitura da lei, os interesses protegidos pela norma, a forma que se deu a essa proteção e a maneira pela qual deve ela funcionar. O processo sociológico precisa ser reformulado, em termos de uma Sociologia integral e completa, à base de uma realidade dialética. Homero Junger Mafra observa que pode alguém infringir a lei, sem infringir as regras de seu grupo. Em face dessa situação - pergunta -, cabe ao jurista o papel dc, mecanicamente, aplicar o texto legal, ou é função sua, lançando a luz sobre o texto, decidir com os valores que traz o réu? Discutindo a questão, opta pela segunda alternativa, adotando a opinião da corrente finalista do Direito Penal, que juiga o dolo pela ação e entende que a culpabilidade é um juízo de valor, só tendo sentido a norma em termos de relevância social. Essa posição, que vai ao encontro do motivo social da lei, sufraga exegese tipicamente sociológica. Theodor Sternberg afirma que o jurista não deve ser, ordinariamente, um repetidor escolar de sentenças, ao qual somente em ocasião especial fosse permitida uma livre criação; ao contrário, por sua profissão deve ser um pensador social e só excepcionalmente deve estar acorrentado à lei. Renato José Costa Pacheco parte da averiguação de que, na situação de mudança social em que nos encontramos, a lei é inadequada à direção da vida social. No caso brasileiro, em que a taxa de mudança é desigual, diante da diferença entre meio urbano c meio rural, bem como entre as diversas regiões do país, mais que ilusória é a ficção jurídica da igualdade de todos perante a lei. Em face desse quadro, reflete o autor sobre o papel do juiz frente à mudança social. Examina as posições de Mário Moacir Porto, que quer uma magistratura criadora, legiferante, finalística, intervencionista, e de Mário Guimarães, para quem à magistratura 19
  • 20. compete velar pela tradição jurídica. Entre os dois extremos fixa-se Renato Pacheco no que ele denomina mediania virtuosa. Diante da perplexidade que a mudança traz, pede que se dê ao magistrado independência, autoridade e responsabilidade, exigindo-se dele dignidade. Neste período de intensa mudança social, quando se verifica a inadequação da lei frente às modificações surgidas com velocidade e complexidade jamais observadas, o juiz deve procurar adequar a lei à nova situação social, atuando como sociólogo em ação, como pensador social. E a conceituação do Direito como fato social, atinente à conduta humana em sociedade - diversamente das concepções de Direito como valor, ou Direito como norma —, que dá base teórica à interpretação e aplicação jurídico-sociológica. O processo sociológico, com teor político — como se tentará demonstrar nos dois últimos capítulos deste trabalho -, não é apenas importante como um processo de interpretação, mas, na verdade, deve ser o processo principal, na aplicação do Direito. Ao lado de uma perspectiva fenomenológica, que permite harmonizar o Direito com o homem - um Direito para o homem -, a perspectiva sociológica poderá ensejar o reencontro do Direito com o povo. Capítulo IV ESCOLAS HERMENÊUTICAS 15. CONCEITO E DIVISÃO A hermenêutica, num sentido amplo, é contemporânea do pensamento jurídico.1 1 Diversas escolas jurídicas da Antigüidade tocaram em problemas hermenêuticos: no mundo árabe, a Escola Hanifita, a Escola Malequita, a Escola Chafe/ta e a Escola Hambalita. A Escola Hanifita surgiu na Pérsia, foi adotada por vários povos árabes e teve longa influência no Império Otomano. Foi fundada por Abu Hanifa (699-767). Atribuía predominância à eqüidade, como fonte do Direito, e ampliava assim a atividade racional do juiz. A tradição devia passar a segundo plano, subordinada ao princípio da interpretação analógica. A Escola Malequita, que teve como fundador Malek ben Anas (713-795), desenvolveu-se na Espanha árabe, no norte da África (Tunísia, Argélia, Marrocos e Alto Egito) e na África interior muçulmana. Opondo- se aos hanifitas, procurou restringir a importância da eqüidade, como fonte do Direito, para considerar, como principal critério de interpretação, o consentimento unânime. Já que a maioria das tradições tinham surgido em Medina, o consenso das opiniões vigentes nessa cidade é que seria ponderado. A escola também realçava as decisões jurídicas e o conceito de utilidade pública, que introduziu. A Escola Chafe/ta, criada por Abu AbdaJah Mohamed ben Idris as Chafei (767-821), alcançou grande prestígio entre os povos árabes. Desenvolveu a idéia do consentimento geral, já introduzido pelos malequitas, entendendo, porém, que deveria ser o de toda a comunidade muçulmana, e não apenas o da cidade de Medina. Segundo a escola, a indagação mais importante no Direito seria a da causa, ou raiz, da norma jurídica, recurso que permitia resolver questões imprevistas. A Escola Hambalita, que se espraiou pela Síria, Mesopotâmia e Arábia, foi fundada por Ahmed ben Hanbal (780-855). Contrariando as outras escolas jurídicas muçulmanas, pregou o apego à tradição e à letra da lei, rejeitando o recurso à eqüidade. (Cf. Paulo Jorge de Lima, Dicionário de Filosofia do Direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1968, pp. 76,93,94,97 e98.) Somente o ritualismo da vida primitiva - pondera Machado Neto - poderia prescindir de alguma indagação interpretativa, no momento de aplicar o costume imemorial. Entre os romanos, questões de interpretação dividiram os juristas. E, contudo, depois da promulgação dos códigos de Napoleão, especialmente o Código Civil, que a hermenêutica jurídica alcançará relevo. Surgem, então, as escolas hermenêuticas, como conseqüência teórica da disputa entre os diversos métodos ou técnicas de interpretação do Direito.3 20
  • 21. 3 Escolas hermenêuticas, isto é, escolas jurídicas que se distinguem justamente pelo posicionamento, em face de questões interpretativas, só surgem a partir dos códigos de Napoleão. Antes do século XIX, diversas escolas cuidaram de problemas hermenêuticos, mas só o fizeram incidentalmente. Além das escolas já citadas na nota n° 66, podem ser lembradas: a) a Escola dos Glosadores, ou Escola de Bolonha (séculos XI a XIII), fundada por Irnério (aprox. 1055- 1125), na Itália, e a que pertenceram Francesco Accursio (1182-1260), Porcio Azon (?-1230), Búlgaro, Martino Gosia, Ugo e Jacopo da Porta Ravenata. Fundava-se na interpretação gramatical, sem qualquer esforço crítico, do Corpus Júris Civilis de Justiniano, através de glosas (anotações marginais ou interlineares) acrescentadas aos textos estudados. A recepção do Direito Romano, nessa época, teve como causas o aparecimento da burguesia (gerando novas e mais complexas relações jurídicas, que o costume e os códigos bárbaros não estavam aptos a regular) e a necessidade de fortalecimento do poder real, princípio que encontrava apoio no direito romano-bizantino. O labor dos glosadores desenvolveu-se principalmente na Escola de Bolonha, estendendo-se depois para outros pontos da Itália e da Europa; b) a Escola dos Comentaristas, também chamada dos Pós-Glosadores, Tratadistas, Esco-lásticos ou Bartolistas (século XIII a XV). Consistiu na tentativa de adaptar o Direito Romano, que os glosadores restauraram, às novas relações econômicas e sociais da sociedade feudal. Os comentaristas acrescentaram apreciações próprias aos textos romanos, adotando o método lógico da dialética escolástica, além de procurarem aplicá-lo na prática. Pertenceram a esta escola Jacques de Révigny (7-1296), seu iniciador, e Pierre de Belleperche (?-1307), na França; Cino de Pistoia (1270-1336), Jacopo de Belviso (1270-1335X Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), Pietro Baldo degli Ubaldi (1319 ou 1327-1400) e Giasone dei Maino (1435-1519), na Itália; c) a Escola da Culta Jurisprudência, ou Escola Culta, ou Escola dos Humanistas (séculos XVI a XVIII), fundada pelo italiano Andréa Alciato (1492-1550) e que teve como principais representantes: Guillaume Budé (1467-1540), Jacques Cujas (1522-1590), Hughes Doneau (1527-1591), François Hotman (1524- 1590), François de Connan (1508-1551), Bernabé Brisson (1531-1591), François Baudouin (1520-1573), Antoine Favre (1557-1624), François Douaren (1509-1559) e Charles Annibal Fabrot (1580-1659), na França; Ulrich Zasio (1461-1536) e Gregor Meltzer (1501-1532), na Alemanha; Antônio Agustín (1516- 1586), na Espanha; Denis Godefroy (1549-1622), na Suíça; e Gian Vincenzo Gravina (1664-1728), na Itália. Em contraposição à Escola dos Comentaristas, estudava o Direito Romano de forma erudita, transformando-o em direito histórico, cuja interpretação era feita à luz das fontes originais, com o auxílio da Filologia, da História, da Literatura e do estudo da organização social da Antigüidade; d) a Escola dos Feudistas (século XVI), surgida na França, sob a chefia de Charles Dumoulin (1500-1566) e integrada, dentre outros, por Guy Coquílle (1523-1603), Antoine Loisel (1536-1617) eEtienne Pasquier (1529-1615). Procurou unificar o direito comum, libertá-lo da desordem das instituições feudais e da incoerência dos costumes díspares. Assim rejeitou, quer o método de adaptação das instituições romanas (Escola dos Comentaristas), quer o estudo histórico-crítico do Direito Romano (Escola da Culta Jurisprudência); e) a Escola Holandesa (séculos XVII e XVIII), que apareceu nos Países Baixos, como extensão da Escola da Culta Jurisprudência. Também procurava estudar o Direito Romano como direito histórico, como critério crítico, dirigido, contudo, predominantemente, à prática jurídica, numa reação à postura excessivamente teórica da Escola da Culta Jurisprudência. Foram seus principais representantes: Arnold Vinnen (1588- 1657), Jacobus Maestert (1610-1657), Ulrich Huber (1636-1694), Johann Voet (1647-1714), Gerhardt Noodt (1647-1725), Laurens Theodor Gronow (1659-1710), Antonie Schulting (1659-1734), Cornelius von Bynkershoeck (1673-1743), Johannes Jacobus Wissenbach (1607-1665) e Everhard Otto (1685-1756). (Paulo Jorge de Lima, ver Dicionário de Filosofia do Direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1968, pp. 76 e segs.) Essas escolas - nota Eduardo Garcia Máynes - partem de concepções distintas da ordem jurídica e do sentido do labor hermenêutico. Refletem as doutrinas que seus defensores professam sobre o Direito em geral. Nesta mesma linha de idéias, Tércio Sampaio Ferraz Jr., depois de observar que o desenvolvimento de técnicas de interpretação do direito é bastante antigo, sublinha que, só no século XLX, a interpretação passa a ser objeto de reflexão, tendo em vista a constituição de uma teoria. Tomando como baliza o maior ou menor aprisionamento do intérprete ou aplicador do Direito à lei, parece-me que se podem dividir as escolas hermenêuticas em três grupos: a) escolas de estrito legalismo ou dogmatismo; b) escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo; c) escolas que se abrem a uma interpretação mais livre.6 21
  • 22. 6 Carlos Maximiliano toma como referência a vontade do legislador e, em conseqüência, vê a existência: a) de um sistema tradicional de hermenêutica, cujo postulado é a aplicação do Direito hoje de acordo com a vontade do legislador de ontem; b) de um sistema evolutivo, que tem o Direito como elaboração espontânea da consciência jurídica nacional, um dos produtos espirituais da comunidade, e não obra do arbítrio de um; c) de um sistema misto que, na interpretação e aplicação do Direito, busca descobrir não só o que o legislador quis, mas também o que quereria, se vivesse no meio atual. Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, especialmente pp. 56 e segs. Luís Fernando Coelho agrupa as escolas hermenêuticas segundo quatro orientações: a) a dogmática, que abrange: a Escola da Exegese; a Escola da Jurisprudência Conceituai, em suas versões, a germanista e a romanista (Escola dos Pandectistas); a Escola Analítica de Jurisprudência; b) a finalistica, que compreende: a Jurisprudência Teleológica, a Jurispru dênciade Interesses e a Escola de Livre Pesquisa Científica; c) a sociológica, que abarca a Escola de Direito Livre e a Escola de Jurisprudência Sociológica; d) a realista, que se desdobra no Realismo Jurídico norte-americano e no Realismo Jurídico escandinavo, com vertentes na Espanha, na Itália e na Inglaterra. Cf. L. Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretação das Leis, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 67. R. Limongi França divide os sistemas interpretativos em três grupos: a) o dogmático exegético ou jurídico-tradicional, subdividido em duas orientações, a extremada e a moderada; b) o histórico-evolutivo; c) o da livre pesquisa ou livre criação do Direito, subdividido em duas orientações que entende que sejam a romântica e a científica. (Cf. França, R. Limongi, Elementos de Hermenêutica e Aplicação do Direito, São Paulo, Saraiva, 1984, pp. 33 e segs.) Carlos Campos vê duas tendências, na doutrina da interpretação - a hermenêutica tradicional e o movimento doutrinário de livre pesquisa. Inclina-se pela primeira: "A melhor apreciação, o melhor método de tradução de realidade do Direito é o que o subtrai ao arbítrio, à apreciação unilateral do seu conteúdo. Os sentimentos de segurança, de orientação no sentido dominante, que excluem essas apreciações unilaterais ou individuais, são essenciais ao Direito e constituem o seu aspecto mais importante de realidade. A Hermenêutica Tradicional, pelo seu próprio aspecto, pelo seu método de revestimento, de controle, de rigidez, de maior segurança, mais concordante ao Direito, parece, assim, o método de maior conjugação com a realidade jurídica e com o sentido dominante de realidade." (Cf. Carlos Campos, Hermenêutica Tradicional e Direito Científico, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1970, p. 202.) 16. ESCOLAS DE ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO São escolas presas a um estrito legalismo ou dogmatismo a Escola da Exegese, a Escola dos Pandectistas e a Escola Analítica de Jurisprudência, todas surgidas no século XIX, na França, Alemanha e Inglaterra, respectivamente. As três encarnam a projeção, na hermenêutica, do positivismo jurídico que: a) na França, conduziu ao culto da vontade do legislador e ao culto dos códigos, considerados sem lacunas; b) na Alemanha, sob o influxo do historicismo jurídico, não subordinou o Direito ao legislador, mas construiu uma teoria do direito positivo que, partindo das normas singulares, tentou estabelecer as noções jurídicas fundamentais; c) na Inglaterra, reduzindo o Direito aos precedentes judiciais e à lei, independentemente de um juízo ético, caracterizou-se por ser uma análise e uma sistematização do direito positivo, com o objetivo de estabelecer os conceitos jurídicos. 16.1. Escola da Exegese Era constituída pelos comentadores dos códigos de Napoleão, principalmente o Código Civil de 1804. Fundava-se na concepção da perfeição do sistema normativo, na idéia de que a legislação era completa e de que, na generalidade da lei, encontrava-se solução para todas as situações jurídicas. Conseqüência desse entendimento era afirmar Bugnet que não conhecia o Direito Civil, pois só ensinava o Código de Napoleão, enquanto Demolombe fixava como divisa, como profissão de fé: "les textes avant tout!" 22
  • 23. A Escola da Exegese via na lei escrita a única fonte do Direito, expressão mesmo do Direito Natural. Adotava, como método de interpretação, o literal, orientado para encontrar na pesquisa do texto a vontade ou intenção do legislador (mens legislatoris). Somente quando a linguagem fosse obscura ou incompleta, o intérprete lançaria mão do método lógico. A função do jurista consistia em extrair plenamente o sentido dos textos legais para apreender o significado deles. Negava valor aos costumes e repudiava a atividade criativa, mínima que fosse, da jurisprudência. Os mais extremados representantes da escola entendiam, como Blondeau, que, em face de situações não previstas pelo legislador, deveria o juiz abster-se de julgar. Outros, porém, menos radicais, aceitavam, nessas hipóteses, o uso da analogia como mecanismo de integração do Direito. Aftalión, Olano e Vilanova destacam, como característica da Escola da Exegese, um positivismo avalorativo, estatal e legalista. Esse positivismo avalorativo identifica todo o Direito com o direito positivo. Razões históricas, políticas, econômicas e psicológicas explicam o positivismo legal acentuado a que chegou a Escola da Exegese: a) a legislação sobre a qual se ergueu foi produto da burguesia, classe recentemente chegada ao poder e ciosa de que seu direito explicitava o próprio direito natural;8 b) a legislação napoleônica vinha de ser editada e, como sempre ocorre, tendem os códigos a ser tidos, pela época em que surgem, como obra completa e acabada;9 c) o racionalismo do século XVIII, que alcançou o século seguinte, gerou o amor da simetria, da construção lógica que, no Direito, encontra sua expressão maior nos códigos; d) a doutrina da irrestrita separação dos poderes (o juiz é o porta-voz da lei - Montesquieu), fruto da desconfiança do homem burguês,10 tornava intolerável que penetrasse o Judiciário na esfera do Legislativo através de uma interpretação das leis que não fosse rígida, literal. Foram representantes da Escola da Exegese, todos com. obras publicadas, dentre outros, os franceses Jean Charles Demolombe (1804-1887), Raymond Troplong (1795- 1869), Victor Napoleón Marcadé (1810-1854), Charles Antoine Marie Barbe Aubry (1803- 1883), Charles Fréderic Rau (1803-1877), Marie Pierre Gabriel Baudry-Lacantinerie (1837-1913), o belga François Laurent (1810-1887) e o alemão Karl Salomone Zachariae (1769-1843). Zachariae, não obstante alemão, ensinou o Código de Napoleão na Universidade de Heidelberg, quando as províncias à esquerda do Reno foram anexadas à França. ‘’’’’’’’’’’’Escreveu sobre o Código de Napoleão um tratado (1808) que veio a ser a primeira sistema-tização do Direito Civil francês. A Escola da Exegese perdurou durante grande parte do século XLX. Baudry- Lacantinerie foi o último grande representante da Escola. Sua obra principal (Traité Théorique et Pratique de Droit Civil, 1900), escrita em colaboração com outros juristas, já reflete tendências inovadoras. A influência da Escola da Exegese ainda hoje está presente nos setores reacionários do pensamento jurídico." 9 ' '£/ hecho histórico de la codificación conduce a la identificación dei derecho y la ley. La codiflcación es elsupuesto histórico de la Exégesis." Cf. Luis Eduardo Nieto Arteta,, ib. O próprio Napoleão tinha uma visão de eternidade, relativamente a seu código: "Minha verdadeira glória não está cm ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que não se apagará, o que viverá, eternamente, é o meu Código Civil." Cf. Ralph Lopes Pinheiro, História Resumida do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1981, p. 88. 10 "El burguês es un hombre receloso y profundamente desconfiado. Por eso Ias competências de los órganos dei Estado burguês de Derecho son unas competências normadas. es decir, sujeitas a Ias regias jurídicas que sehalan su contenido y su alcance." Cf. Luis Fernando Nieto Arteta, ib., p. 56. 23
  • 24. 16.2. Escola dos pandectistas Como a Escola da Exegese, foi também manifestação do positivismo jurídico do século XLX. Considerava o Direito como um corpo de normas positivas. Conferia primado à norma legal e às respectivas técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato à idéia do Direito. A falta, na Alemanha, de códigos como os de Napoleão, os pandectistas construíram um sistema dogmático de normas, usando como modelo as instituições do Direito Romano, cuja recons-tituição histórica promoveram. Dedicaram-se ao estudo do Corpus Júris Civilis, de Justinia-no, especialmente à segunda parte desse trabalho, as Pandectas, onde apareciam as normas de Direito Civil e as respostas dos jurisconsultos as questões que lhes haviam sido formuladas. O nome da Escola advém desse interesse pelas Pandectas. A Escola dos Pandectistas rejeitava as doutrinas jusnaturalis-tas dos séculos XVII c XVIII e valorizava os costumes jurídicos formados pela tradição. Essa atenção aos usos e costumes levava os pandectistas a uma interpretação do texto legal mais elástica do que a preconizada pela Escola da Exegese. Foi Windscheid quem colocou o problema da interpretação em termos de "intenção possível do legislador", não no seu tempo, mas na época em que se processasse o trabalho interpretativo. Se o texto da lei comportasse duas interpretações, seria lícito optar por aquela que realizasse um objetivo diverso do pretendido pelo legislador, levando em consideração fatos supervenientes. Essa colocação representou, na época, um progresso. Dentre os principais representantes da Escola dos Pandectistas podem ser citados: Bernhard Windscheid (1871-1892), Christian Friedrich Von Glück (1755-1831), Alõis "Von Brinz (1820-1887), Heinrich Dernburg (1829-1907) e Ernst Immanuel Von Bekker (1827- 1916). 16.3. Escola Analítica de Jurisprudência Também manifestação do positivismo jurídico, a Escola Analítica de Jurisprudência entendia que o Direito tinha por objeto apenas as leis positivas, não lhe interessando os valores ou conteúdo ético das normas legais. Afirmava John Austin, fundador da Escola: "A ciência da jurisprudência ocupa-se com leis positivas ou, simplesmente, com leis em sentido estrito, sem considerar a sua bondade ou maldade". Segundo John Austin (1790-1859), os problemas relacionados com o Direito estão compreendidos em três campos distintos: a) a jurisprudência geral ou filosofia do direito positivo, que trata da exposição dos princípios gerais comuns aos diversos sistemas jurídicos positivos; b) a jurisprudência particular, que cuida do estudo das leis vigentes num determinado país; c) a ciência da legislação, situada nos domínios da Ética, que abrange os princípios que o legislador deve ter em conta para elaborar leis justas e adequadas. O Direito está, dessa forma, completamente separado da Ética. O jurista ocupa-se das leis positivas, sejam as leis particulares de um Estado, sejam os princípios gerais comuns aos diversos sistemas jurídicos. Não considera se são justas ou injustas suas prescrições. Ao legislador ou ao filósofo é que interessam os aspectos morais das normas. Não há como confundir o "direito positivo", estudado pelos juristas, e o "direito justo ou ideal", objeto das reflexões do legislador ou filósofo. A Escola Analítica de Jurisprudência colocou seu fundamento na análise conceituai. Entendia que o conceito nada mais era que a representação intelectual da 24
  • 25. realidade. Assim, a realidade poderia ser integralmente conhecida através da análise dos conceitos que a representavam. A única fonte do Direito eram os costumes acolhidos e chancelados pelos tribunais. A escola tentou sistematizar e unificar o direito consuetudi-nário (essa foi sua contribuição, numa perspectiva histórica), com olhos postos na realidade inglesa, onde não se adotou uma constituição rígida e se fundou toda a estrutura jurídica no costume." 17. ESCOLAS DE REAÇÃO AO ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO Parece-me que se possam considerar como escolas que rea- i giram ao estrito legalismo ou dogmatismo, abrindo novos horizontes à Ciência do Direito, a Escola Histórico-Dogmática, a Escola I Histórico-Evolutiva e a Escola Teleológica. AEscola Histórico-Dogmática opôs-se à íiteralidade interpre-tativa chamando a atenção para o elemento sistemático, inerente 1 ao caráter orgânico do Direito. A Escola Histórico-Evolutiva avançou mais ainda, recusando o raciocínio formal adotado pelos seguidores da Escola Histórico-Dogmática e propugnando pela pesquisa a posteriori do sentido da lei. A Escola Teleológica combateu, quer o método dedutivo-silogístico, quer a jurisprudência conceituai dos pandectistas e dos adeptos da Escola Histórico-Dogmática, propugnando por uma interpretação que se inspirasse menos na lógica e mais no caráter finalístico do Direito. 17.1. Escola Histórica do Direito Surgiu na Alemanha, em princípios do século XIX. Opôs-se às doutrinas jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII. Negava a existência de um Direito Natural com pressupostos racionais e universalmente válidos. Proclamava a historicidade do Direito, cuja origem e fundamento repousavam na consciência nacional e nos costumes jurídicos oriundos da tradição. Podem ser resumidos, como postulados básicos da Escola Histórica do Direito, os seguintes: 1º) o Direito é um produto histórico, e não o resultado das circunstâncias, do acaso, ou da vontade arbitrária dos homens; 2º) o Direito surge da consciência nacional, do espírito do povo, das convicções da comunidade pela tradição; 3º) o Direito forma-se e desenvolve-se espontaneamente, como a linguagem; não pode ser imposto em nome de princípios racionais e abstratos; 4º) o Direito encontra sua expressão inconsciente no costume, que é sua fonte principal; 5º) é o povo que cria o seu Direito, entendido como povo não somente a geração presente, mas as gerações que se sucedem. O legislador deve ser o intérprete das regras consuetudinárias, com-pletando-as e garantindo-as através das leis. A Escola Histórica surgiu no apogeu do neo-humanismo, quando o Direito era tido como pura criação racional. Foi contribuição sua ter retirado o Direito da perspectiva abstrata do racio-nalismo, fundada em exercícios de lógica e dialética, para uma perspectiva histórica, rente à vida real. Pertenceram à escola os alemães Gustav von Hugo (1764-1844), seu iniciador, Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), sua principal figura, Georg Friedrich Puchta 25
  • 26. (1798-1846), Johann Friedrich Gõschen (1778-1837), Karl Friedrich Eichhom (1781 - 1854), Joseph Kõhler (1849-1919), o inglês Henry James Summer Maine (1822-1888) e o francês17 Raymond Saleilles (1855-1912). Não obstante os princípios gerais que caracterizaram a I escola Histórica do Direito, ela pode ser subdividida em duas outras, cujas diretrizes hermenêuticas diversas são examinadas nos itens seguintes. 17.1.1. Escola Histórico-Dogmática A Escola Histórico-Dogmática foi o primeiro desdobramento da Escola Histórica do Direito. Teve como principais representantes Savigny, Puchta, Hugo, Gõschen, Eichhorn e Henry Maine. Ficou também conhecida como Escola Histórica Alemã. No terreno da Hermenêutica, a Escola Histórico-Dogmática representou um avanço, comparativamente às escolas anteriores. O intérprete não se devia ater à letra da lei para dela extrair soluções para os casos, usando o processo meramente lógico: também o elemento sistemático devia ser utilizado, de modo que se pudesse^ reconstruir o sistema orgânico do Direito, do qual a lei mostrava apenas uma face. Afirmando que o povo era o criador do seu Direito, indicava ao intérprete, não obstante, pesquisar a intenção do legislador, representante da consciência coletiva. Quando o pensamento da lei aparecesse em contraste com o que o intérprete considerasse expressão da consciência coletiva do povo, no momento de ser aplicada a lei, deveria optar pela revelação direta dessa fonte mais profunda do Direito. A Escola da Exegese supunha a plenitude e perfeição da lei escrita. A Escola Histórico-Dogmática entendeu que essa plenitude l só poderia ser encontrada no sistema do Direito Positivo. 17.1.2. Escola Histórico-Evolutiva A Escola Histórico-Evolutiva, também conhecida como Escola Atualizadora do Direito, teve em Saleillese Kõhler seus vultos principais. Contrapôs-se à estratificação da Escola Histórico-Dogmática, através da superação de seus métodos pela pesquisa a posteriori do sentido da lei. A rigidez do raciocínio formal adotado pela primeira corrente da Escola Histórica, os seguidores da Escola Histórico-Evolutiva acrescentaram - o que foi um passo adiante - certa medida de função criadora, de modo que o Direito pudesse acompanhar as transformações sociais. Não obstante, deveria o interprete ou aplicador manter-se no âmbito da lei. Entendia a escola que alei deveria ser considerada como portadora de vida própria, de maneira que correspondesse não apenas às necessidades que lhe deram origem, mas também às necessidades supervenientes. Observasse o intérprete não apenas o que o legislador quis, porém também o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei; adaptasse a velha lei aos tempos novos, dando vida aos códigos. Saleilles achava que as normas jurídicas estavam sujeitas à lei geral da evolução. 11111Caberia ao juiz conciliar a idéia de regra com a idéia de evolução, conservando a vida da lei através de sua adaptação à realidade e às mudanças sociais. Kõhler observou que o pensamento da lei é todo e qualquer pensamento que possa estar nas suas palavras, sendo possível retirar delas dois ou dez pensamentos. Os princípios da interpretação devem possibilitar, dentre os pensamentos possíveis, encontrar o verdadeiro. Dentre os vários possíveis pensamentos da lei, deve ser preferido aquele mediante o qual a lei exteriorize o sentido mais razoável, mais salutar e que produza o efeito mais benéfico. 26
  • 27. Deve-se preferir a interpretação mercê da qual a lei apresente a estrutura mais conseqüente e organicamente correta, tomando em consideração o encadeamento das diversas leis do país. Se ainda assim não se consegue um resultado seguro, deve-se recorrer às aspirações e preocupações da lei, aos fins que buscou atingir, às intenções e desejos que agitavam o meio no tempo em que loi a lei editada. 17.2. Escola Teleológica O Teleologismo Jurídico, sendo uma teoria do Direito, é também uma escola hermenêutica. Seu fundador foi o jurisconsulto alemão Rudolph Von Ihering (1818-1892). Adepto do positivismo jurídico do século XLX, Ihering acresceu aos postulados da Escola Histórico-Dogmática as teorias or-gano-evolucionistas do seu tempo. Pregou Ihering que o Direito, como organismo vivo, é produto da luta, e não de um processo natural, segundo pretendia Savigny. O paralelismo entre o Direito, de um lado, e a língua e a arte, de outro, devia ser recusado. Falso mas inofensivo, como concepção histórica, esse paralelismo, como máxima política,] encerrava uma heresia funesta, uma vez que, num terreno em que o homem deveria empenhar todas as suas forças, com plena consciência dos objetivos, ele o induziria a crer que as coisas se arranjam por si, "... que o melhor que se tem a fazer é permanecer inativo e aguardar confiante aquilo que o pretenso manancial do Direito, a consciência nacional do Direito, há de trazer paulatinamente à luz do dia". Toda história do Direito é história de lutas; todo direito foi adquirido pela luta. O Direito supõe luta, quer para sua criação, quer para sua defesa: "O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta. Enquanto o direito tiver de contar com as agressões partidas dos arraiais da injustiça - e isso acontecerá enquanto o mundo for mundo - não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta - uma luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos". Segundo Ihering, da mesma forma que todas as ações humanas têm uma finalidade, também no Direito tudo existe para um fim, sendo o mais geral a garantia de condições de existência da sociedade. O fim é o criador do Direito. A luta e o fim são elementos decisivos na formação e transformação do Direito. O interesse é o motor do Direito. A finalidade do Direito é a proteção de interesses. Sendo opostos os interesses, cabe ao Direito conciliá-los, com a predominância dos interesses sociais e altruís-tas. Para essa subordinação dos interesses individuais aos interesses sociais, é necessária a coação, exercida pelo Estado. Os direitos não surgiram como corporificação de uma vontade jurídica abstrata, e sim para assegurar os interesses da vida, satisfazer suas necessidades, realizar seus fins. No campo da hermenêutica, Ihering criticou o método dedu-tivo-silogístico. Combateu a jurisprudência conceptualista desenvolvida quer pelos pandectistas, quer pelos discípulos da Escola Histórico-Dogmática. Pretendeu sua substituição por uma jurisprudência que se guiasse pelos resultados, invocando o caráter finalístico do Direito: não é a vida que existe para os conceitos, mas os conceitos é que existem para a vida. Não é a lógica que tem direito à existência, mas o que a vida reclama, o que as relações sociais e o senso de justiça exigem, pouco importando que seja logicamente necessário ou logicamente impossível. Ihering condenou o processo das construções a priori e das deduções geométricas. Verberou os que pretendiam, em nome da lógica, fazer da jurisprudência a matemática do direito. Investiu contra os processos dialéticos da Escola Histórico-Dogmática e o valor excessivo que atribuiu ao elemento lógico no Direito. 27