Monografia: Privacidade na internet à luz do direito penal
1. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ –
UENP – CAMPUS DE JACAREZINHO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
TAINÁ CRISTINA DE OLIVEIRA
PRIVACIDADE NA INTERNET À LUZ DO DIREITO
PENAL
JACAREZINHO (PR)
2012
2. TAINÁ CRISTINA DE OLIVEIRA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
PRIVACIDADE NA INTERNET À LUZ DO DIREITO
PENAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da UENP, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Ms. Luiz Fernando Kazmierczak
JACAREZINHO (PR)
2012
3. TAINÁ CRISTINA DE OLIVEIRA
PRIVACIDADE NA INTERNET À LUZ DO DIREITO PENAL
Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do grau em Bacharel em
Direito e aprovada em sua forma final pela Banca examinadora do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas – UENP.
Banca examinadora:
Presidente: Ms. Luiz Fernando Kazmierczak
Membro: Bel. Leonardo Góes de Almeida
Membro: Bel. Lucyellen Roberta Dias Garcia
Jacarezinho, 28 de novembro de 2012.
4. A Deus e meus pais Luiz e Leila, sempre.
A meus pequenos grandes companheiros
de estudos, Blau e Jimi.
5. AGRADECIMENTOS
A Deus, por tantas graças que já tive a oportunidade de
experimentar nessa vida, pelo constante amparo, pela imensa gratidão que me
inspira a querer ser uma pessoa melhor.
Aos meus pais, Luiz e Leila, por cada gesto dedicado, pelas
oportunidades, esforços, por serem a melhor e mais digna plateia das minhas
músicas, dos meus desenhos, dos meus trabalhos, dos meus acertos e dos erros
também, pelo apoio em todos os meus passos, por muito mais do que eu seria
capaz de expressar ou até mesmo agradecer à altura.
Aos meus irmãos, que sempre estiveram e sempre estarão ao meu
lado, Luisley, Yuri e Talita, a esta especialmente por me ajudar com a tradução do
resumo.
Ao meu orientador, Prof. Ms. Luiz Fernando Kazmierczak, pela ajuda
desde a escolha do tema, pela amizade, paciência e disposição com as quais
sempre pude contar.
Ao meu coorientador, Prof. Leonardo Góes de Almeida, pela
atenção e todo o indispensável auxílio prestado durante a elaboração deste trabalho.
À Dra. Fabiana Januário Pesseghini, por ter me apresentado tão
bem ao mundo jurídico a que hoje pertenço. Obrigada por me ensinar muitas das
importantes lições que levarei para o resto da vida.
À Dra. Débora Demarchi Mendes de Melo e Dr. Anderson Osório
Rezende pelo aprendizado diário e pelas obras emprestadas que enriqueceram
meus estudos.
À querida e atenciosa veterana Mariana Picelli pelas dicas
extremamente úteis para a realização deste trabalho.
6. À Jaque, por infinitos galhos quebrados desde que começamos a
trabalhar juntas, e que muito me ajudaram em relação à faculdade.
Aos meus amigos da graduação – mais especificamente à Luciana e
seus preciosos ouvidos; à Nanny e sua imprescindível companhia; aos Siameses
por compartilharem comigo muitos momentos bons.
À minha amiga Carol Kazmierczak, pela assistência 24 horas que já
me salvou várias vezes.
À minha amiga Jéssica Fajardo, pela ajuda em questões técnicas,
incentivo e companhia nas madrugadas de pesquisa.
A todos, que direta ou indiretamente, contribuíram para a realização
deste trabalho e fizeram parte deste maravilhoso ciclo que se encerra para que outro
comece.
Muito obrigada!
7. “A proteção de dados constitui não
apenas um direito fundamental entre
outros: é o mais expressivo da condição
humana contemporânea”.
(RODOTÀ, 2008, p. 21)
8. A aprovação da presente monografia não
significará o endosso do Professor
Orientador, da Banca examinadora e do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas da
UENP à ideologia que a fundamenta ou
que nela é exposta.
9. OLIVEIRA, Tainá Cristina de. Privacidade na internet à luz do Direito Penal. 2012.
134f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP),
Jacarezinho – PR. 2012.
RESUMO
O presente trabalho analisa a tutela penal da privacidade na internet. Para isso,
antes de tratar especificamente o assunto, faz uma abordagem da evolução pela
qual passou o direito à privacidade ao longo dos tempos, salientando as
transformações quanto à sua função, concepção e aspectos. Ademais, observa a
relevância deste direito como instrumento para realização pessoal dos indivíduos em
sua liberdade de autodeterminação, bem como a importância da limitação do Estado,
assim como de empresas e terceiros em geral, em interferir na esfera privada.
Observa, historicamente, como se deu o surgimento do direito à privacidade, bem
conferindo destaque à sociedade norte americana, tendo em vista a influência que
esta exerce sobre nossa sociedade e, consequentemente, sobre a legislação. Nesse
contexto, pondera sobre como vem ocorrendo a inserção do direito digital em nosso
ordenamento, trazendo a evolução doutrinária e tendências de alteração legislativa
neste aspecto. Após traçar um breve histórico acerca dessa nova realidade, aponta
as principais correntes doutrinárias que surgiram a fim de explicar seus efeitos em
relação à privacidade, expondo os argumentos por elas sustentados, especialmente
no que tange à necessidade de regramento autônomo ou releitura da legislação
atual. Finalmente, conclui que, apesar das divergências, a positivação da tutela
penal da privacidade constituirá um grande avanço no direito penal brasileiro, já
consolidado em vários países estrangeiros.
Palavras-chave: Direito digital. Privacidade. Proteção de dados pessoais.
10. OLIVEIRA, Tainá Cristina de. Privacy in the internet from a criminal law view. 2012.
134f. Course Conclusion Work. Applied Social Sciences Center of Pioneer North
State Law College (UENP), Jacarezinho – PR. 2012.
ABSTRACT
The present work analyzes the penal protection of privacy on the Internet. To do so,
before treating the subject specifically, does one approach to the evolution
undergone by the right to privacy over time, highlighting the changes regarding its
function, design and features. Moreover, notes the importance of this right as a mean
to personal fulfillment of individuals in their freedom of self-determination as well as
the importance of limiting the state, as well as companies and third parties, to
interfere in the private sphere. Observes, historically, how was the emergence of the
right to privacy, giving emphasis on North American society, in view of the influence
that this has on our society and, consequently, on the legislation. In this context, there
has been mulling over how to insert the digital rights to our land, bringing the doctrinal
evolution and trends of legislative change in this aspect. After a brief history about
this new reality, it sets the mainstream doctrinal points that emerged to explain its
effects in relation to privacy, also exposing the arguments sustained by them,
especially in regard to the need for standalone law or rereading the current
legislation. It concludes that, despite differences, positivization of the penal protection
of privacy constitute a breakthrough in the Brazilian criminal law, already consolidated
in several foreign countries.
Keywords: Digital law. Privacy. Protection of personal data.
11. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1. DIREITO À PRIVACIDADE................................................................................... 15
1.1. PERSPECTIVAS HISTÓRICAS ................................................................................ 15
1.1.1. No direito comparado ...................................................................................... 15
1.1.2. No direito brasileiro.......................................................................................... 22
1.2. CONCEITUAÇÃO ................................................................................................. 30
1.3. NATUREZA JURÍDICA........................................................................................... 37
2. DIREITO DIGITAL................................................................................................. 40
2.1. INTERNET: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, TERMINOLÓGICAS E JURÍDICAS................... 43
2.2. O MARCO CIVIL DA INTERNET................................................................................. 54
2.3. A CRIMINALIZAÇÃO DOS ILÍCITOS INFORMÁTICOS ...................................................... 59
3. A TUTELA PENAL DA VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NA INTERNET............. 67
3.1. MEIOS DE VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE EM SEDE ELETRÔNICA..................................... 71
3.2. MECANISMOS ATUAIS DE TUTELA ............................................................................ 76
3.3. REFERENCIAIS DO DIREITO COMPARADO ................................................................. 84
3.4. INOVAÇÕES LEGISLATIVAS BRASILEIRAS .................................................................. 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 100
ANEXO A: PL Nº 84/99 – LEI AZEREDO – REDAÇÃO ATUAL ........................... 106
ANEXO B: PL Nº 2.126/2011 – MARCO CIVIL – REDAÇÃO ATUAL................... 116
ANEXO C: PL Nº 35/2012 – LEI CAROLINA DIECKMANN – REDAÇÃO ATUAL128
12. 11
INTRODUÇÃO
A preocupação individual em preservar a vida privada é presente na
humanidade desde tempos remotos, como um comportamento natural do homem.
Há, inclusive, passagens na Bíblia fazendo referência à necessidade de pudor, um
dos aspectos da privacidade pregado pelo Cristianismo, o que se observa de
algumas disposições acerca da vestimenta a ser usada pelas mulheres, por
exemplo, em 1 Timóteo 2:9: “Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje
honesto, com pudor e modéstia”, o que também deve ser observado devido à
onipresença divina, segundo a qual nada escapa aos olhos de Deus, criando uma
sensação de temor.
Já a privacidade vista como a liberdade do indivíduo de determinar-
se de forma livre de intervenções de terceiros se materializa no livre-arbítrio, dádiva
concedida pelo Deus Cristão a todos os homens.
Essa liberdade foi defendida em obras literárias célebres, como
1984, de George Orwell, e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, ambas
descrevendo um futuro em que haveria severa restrição à privacidade.
Hoje, na dita ‘sociedade da informação’, embora não exista de forma
significativa o medo de que o Estado interfira na privacidade como meio de
imposição de poder, é certo que já existem recursos que permitiriam tal cenário.
O computador, aparente simples ferramenta que ganhou lugar às
mesas de casas, escritórios e escolas, quando conectado à Internet abre janelas
para uma infinidade de informações, tão vasta a ponto de não ser questionado pelos
usuários com a devida atenção acerca da possibilidade de estarem simultaneamente
sendo observados através dessas janelas abertas – e nem sempre com finalidades
lícitas.
Tal raciocínio causa uma sensação de vulnerabilidade, seja quanto a
dados financeiros, educacionais, culturais ou pessoais, todos objeto de interações na
rede. Desaparece a sensação de navegação solitária. Pergunta-se de que forma o
acesso a tais dados poderia ser controlado.
13. 12
Paralelamente a este acontecimento, observa-se que a humanização
dos ordenamentos jurídicos do mundo inteiro tem ampliado a tutela jurisdicional a
situações antes ignoradas pela justiça, amparando finalmente o direito à
autodeterminação dos indivíduos, excepcionalmente no que se refere à vida privada.
Contudo, para que essa evolução se dê de forma plena, há outras mudanças sociais
que devem ser adaptadas pelo judiciário.
Atualmente com a inclusão digital e o elevado número de usuários
leigos em sistemas de informação, aliada à crescente necessidade de utilização da
web que se tem hoje, acaba por favorecer a ocorrência de abusos por parte dos mais
especializados nas relações eletrônicas.
O sistema da civil law adotado pelo ordenamento pátrio,
predominantemente formal e analítico visando garantir uma ampla tutela prévia e
abstrata dos direitos humanos, acaba por retardar sua evolução e adaptação da lei
diante das constantes inovações tecnológicas, dificultando a aplicação desta pelos
operadores do direito, que tem de construir caso a caso a disciplina de situações
ainda não regidas pela legislação positiva.
A Constituição Federal prevê nos incisos IX e X do artigo 5º a
liberdade de comunicação e a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e
imagem das pessoas, assegurando a indenização em caso de dano. Trata-se de
medida repressiva genérica, diante dos muitos recursos de violação, pois, sem que
haja proibições específicas, tipificando modalidades de atos violadores de
privacidade, muitos desses atos podem continuar sendo cometidos sem serem
sequer identificados pela vítima, que pode ser rastreada e conduzida para o
consumo de determinados produtos e serviços, além de ter seus dados expostos a
fraudes e sua honra fragilmente protegida contra indiscrições.
Assim, busca-se através de jurisprudência, novos meios de
interpretação dos institutos jurídicos tradicionais e estudos de direito comparado,
alternativas suplementares para os constantes ilícitos virtuais, notadamente a
invasão de privacidade, na qual os usuários tem sido silenciosamente, mas
amplamente monitorados.
14. 13
Para alcançar o objetivo deste estudo e visando a facilitar a
compreensão de seu tema, o presente trabalho é disposto em três capítulos. Deste
modo, partindo de um contexto geral para o específico, estabelece-se uma relação
lógica, valendo-se do método dedutivo.
Dada à importância do contexto histórico na construção de um
instituto jurídico, no primeiro capítulo serão abordados dados históricos e casos
práticos em que o direito à privacidade foi pleiteado, consolidando-se como uma
garantia individual do homem e ensejando a criação de mecanismos de combate à
sua violação.
O segundo capítulo procurará demonstrar o impacto da Internet no
direito de modo geral e principalmente no direito à privacidade, as particularidades
das relações jurídicas virtuais e as necessidades criadas com este novo meio de
interação social. Com isso delimita-se o tema ora estudado, isto é, a manifestação do
direito à privacidade em ambiente eletrônico.
O terceiro capítulo analisará os atuais meios de violação e tutela da
privacidade no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as possibilidades futuras
de disciplina desse direito, que é objeto de discussão nos órgãos legislativos
nacionais. Em especial têm-se os projetos de lei nº 84/99 e 2.793/2011 que
pretendem coibir as condutas lesivas à privacidade e ao sigilo de dados através da
adição de dispositivos no Código Penal prevendo punições a estas condutas.
Desta maneira, procura-se neste trabalho demonstrar a evolução
gradual do direito à privacidade ao longo da história, notadamente nos dias atuais,
com a revolução tecnológica. A questão ganhou relevo devido ao crescimento
exponencial da Internet e a dificuldade de se acompanhar, na mesma medida, a
tutela jurídica, e também a insuficiência das alternativas informáticas na garantia de
segurança das relações virtuais.
Por esta razão iniciaram-se diversas discussões jurídicas em âmbito
internacional, preocupando-se em estabelecer princípios, diretrizes, definir direitos e
criar meios de garantias. Neste diapasão, busca-se abordar quais foram as principais
questões levantadas pelos juristas em seus estudos sobre o tema, que se mostra
15. 14
mais urgente sob o enfoque do direito penal, uma vez que, na área civil, há ampla
aplicabilidade de institutos tradicionais de tutela.
16. 15
1. DIREITO À PRIVACIDADE
Primeiramente, antes de dar início ao estudo da tutela da privacidade
na internet – no que consiste o principal objetivo desta pesquisa – faz-se necessária
a compreensão histórica, a delimitação conceitual do bem jurídico em análise e a
definição da natureza jurídica do direito à privacidade.
1.1. PERSPECTIVAS HISTÓRICAS
Os contornos da vida privada se manifestam sob diferentes
aspectos, que podem ser sociológicos, psicológicos ou jurídicos e, diante da
dificuldade de elaboração de um conceito único e preciso, adotam-se conceitos
plurais de privacidade, principalmente no direito brasileiro, onde há o costume de
recepcionar conceitos elaborados por países com maior tradição jurídica.
Por este motivo, é importante estudar seu histórico para então
entender “[...] a gradual mudança das manifestações tendentes à construção das
categorias que se quer adotar, seja em sua origem, seja após sua internalização em
nosso modelo normativo brasileiro”. (VIEIRA, 2008, p. 82).
Com efeito, é cediço que o contexto histórico em que um instituto
jurídico é invocado exerce ampla influência sobre a forma como tal instituto será
inserido neste meio.
1.1.1. No direito comparado
O direito à privacidade começa a se consolidar no período de
transição entre o final do século XIX e começo do século XX na Europa, com os
ideais da Revolução Francesa, em que os cidadãos buscavam maior autonomia em
face das interferências do Estado.
17. 16
Na concepção europeia, merece destaque a definição de Lucrecio
Rebollo Delgado, citado por José Ribas Vieira (2008, p. 83):
A intimidade é um âmbito delimitado e especialmente protegido, ao
qual se acrescenta um elemento de vontade, de exclusão pretendida.
Também é um espaço de plena disposição por parte do indivíduo, de
onde exerce liberalidades de forma constante. A intimidade é um
conjunto íntegro espiritual, um espaço físico e anímico regido pela
vontade do indivíduo.
Esta linha de raciocínio permite, inclusive, na visão de José Ribas
Vieira (2008, p. 84) estabelecer uma distinção entre intimidade e vida privada,
segundo a qual esta última é mais abrangente e a primeira consiste apenas no
núcleo comum a ambas.
A leitura do referido conceito mostra uma das dificuldades de sua
delimitação, ao incluir o elemento volitivo do indivíduo de resguardar a própria
intimidade, pois pode ocorrer ser da vontade do indivíduo expor determinados
elementos da própria intimidade, o que até hoje causa divergências doutrinárias.
Ao final do século XIX as manifestações históricas apresentaram
uma mudança em relação ao fundamento do direito à intimidade, que deixou de ser
a liberdade ou segurança do indivíduo de forma genérica, e passou a residir
especificamente na garantia de um âmbito no qual a pessoa não sofra interferências
alheias. (VIEIRA, 2008, p. 85)
Ilton Norberto Robl Filho (2010, p. 145-146) ilustra:
Com a criação de casas que privilegiam a vida privada e íntima, por
meio da maior individualidade propiciada através do banheiro e do
quarto individual, em virtude da maior higiene pessoal e do contato
com o corpo, com a alteração das artes e o advento do romance e da
leitura individual, em razão dos diários pessoais, das cartas íntimas,
da popularização das fotografias, da importância dos animais de
estimação e do surgimento dos amigos íntimos, a vida privada e
íntima, além de diversas outras situações e fatos que a influenciaram,
tornou-se um dos elementos centrais da personalidade humana.
Ainda, a vida privada e íntima, em especial a partir do século XIX,
passou a ser relacionada com a ideia de liberdade, pois era a forma
pela qual os seres humanos poderiam desenvolver sua vida de forma
autônoma para além da padronização e do moralismo social.
18. 17
A Constituição Francesa de 1791 ao dispor em seu título III, capítulo
V, artigo 17 que “As calúnias e injúrias, contra quaisquer pessoas, relativas a ações
de sua vida privada, serão punidas” foi marco importante de proteção da vida
privada, incluindo também proteções contra a liberdade de imprensa. (VIEIRA, 2008,
p. 87)
Destacou-se à época que a imprensa deveria exercer a sua
liberdade no domínio público, sem interferir na esfera privada. Na década de 1850
passa a ser discutido na França o direito à imagem, como um elemento da honra
pessoal. (VIEIRA, 2008, p. 89-90)
O direito europeu diverge do norte-americano quanto à sua
concepção de liberdade, pois neste último o que se quer precipuamente é resistir à
tirania, enquanto no primeiro há uma conotação pessoal relacionada à honra.
Entende-se a liberdade como a autodeterminação do indivíduo segundo suas
convicções íntimas. (ROBL FILHO, 2010, p. 149-150)
No direito alemão a história dos direitos fundamentais divide-se em
dois momentos históricos, sendo o primeiro marcado pelos estágios iniciais de sua
unificação até a ascensão do regime socialista, em 1945, e após a derrubada do
regime totalitário, instante em que ganhou destaque a defesa das liberdades
individuais. (VIEIRA, 2008, p. 91)
Os juristas alemães consideravam as soluções francesas quanto ao
direito à intimidade superficiais e buscavam maior aprofundamento no tema,
acreditando que “[...] a solução francesa para os direitos à privacidade não era
satisfatória. Os franceses estavam mais próximos de definições em normas sociais
vagas”. (VIEIRA, 2008, p. 92)
Atualmente no direito europeu a proteção à privacidade se
materializa no art. II da Constituição alemã de 19491
, que assegura o livre
desenvolvimento da personalidade, desde que não haja prejuízo aos direitos dos
outros. (VIEIRA, 2008, p. 92)
1
Cada pessoa tem o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade, contando que não
vulnere os direitos de outros e não colida com a ordem constituinte ou a lei de costumes.
19. 18
Há amparo à privacidade, também, no bloco de Direitos Humanos da
Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, que reconhece o direito à vida
privada em seu art. 8º2
, e foi incorporada ao Projeto de Tratado da Constituição
Europeia, de 2004, que no art. II-673
dispõe acerca da proteção da vida privada
familiar, incluindo a inviolabilidade de domicílio e de comunicações, havendo ainda a
proteção de dados no art. II-684
. (VIEIRA, 2008, p. 93)
No direito norte-americano, considera-se o artigo The right to privacy,
formulado por Samuel Warren e Louis Brandeis, a tese fundadora do direito à
privacidade, por ter impulsionado grande discussão doutrinária e jurisprudencial a
este respeito. (ROBL FILHO, 2010, p. 148)
Há críticas, no entanto, quanto à imprecisão da esfera privada
mencionada no estudo, conforme disserta José Ribas Vieira (2008, p. 95):
A crítica dirigida a esse tópico reside na vagueza da expressão direito
de estar só, posto que não se define com clareza o que deve ser
reputado como inquestionavelmente pertencente ao privado. Na
verdade, o artigo de Warren e Brandeis não propõe uma definição
precisa de privacidade, deixando uma margem muito ampla de
interpretações a respeito do tema.
O direito norte-americano assume papel de vanguarda em relação
ao direito à privacidade, com desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial utilizado
como referência em todo o mundo. (ROBL FILHO, 2010, p. 148)
2
Direito ao respeito pela vida privada e familiar: 1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua
vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da
autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e
constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança
nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a
prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das
liberdades de terceiros.
3
Respeito pela vida privada e familiar: Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada
e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.
4
Protecção de dados pessoais 1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter
pessoal que lhes digam respeito. 2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins
específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto
por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de
obter a respectiva rectificação. 3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de
uma autoridade independente.
20. 19
Apesar disso, o sistema normativo de proteção da intimidade e da
vida privada nos Estados Unidos não conta com disposição expressa na Constituição
Norte-Americana, pois seu sistema jurídico, denominado common law, tem como
fonte principal de direito os precedentes jurisprudenciais, enquanto o sistema da civil
law, adotado no Brasil, tem a legislação como fonte precípua. (VIEIRA, 2008, p. 105)
Assim, a abordagem de temas referentes ao direito norte-americano
consiste na análise de casos, denominados leading cases5
, que servem de
paradigmas para os futuros casos análogos.
No caso ‘Olmstead x Estados Unidos’, em 1928, discutiu-se sobre a
possibilidade de utilização de interceptação telefônica como meio de prova em
processos criminais.
A Suprema Corte conferiu singela proteção à intimidade do acusado
ao decidir que não havia ofensa à Constituição americana - que previa proteção à
privacidade das pessoas frente a procedimentos investigatórios desarrazoados -,
pois os grampos haviam sido colocados em fiações que não se localizavam dentro
de propriedades particulares.
Contudo, houve voto dissidente do jurista Louis Brandeis,
ressaltando a importância de se interpretar a Constituição conforme as inovações
sociais, refutando a interpretação excessivamente literal.
O arguto jurista previa que inovações tecnológicas incrementariam os
meios postos à disposição daqueles que intencionavam violar a
privacidade alheia. Se ao tempo dos ‘pais fundadores’ era suficiente
proteger a inviolabilidade do lar para manter reservados os
pensamentos e sentimentos mais íntimos de um homem, o advento
de novos mecanismos de telecomunicações lançavam no mundo
exterior, para fora das residências, cada vez maior quantidade de
informação que, ainda assim, tem cunho nitidamente privado.
(VIEIRA, 2008, p. 107)
Em seu voto, Brandeis, citado por José Ribas Vieira (2008, p. 111)
fez importantes colocações, a seguir:
5
Casos principais, em tradução livre.
21. 20
Os que elaboraram nossa Constituição se comprometeram a
assegurar condições favoráveis para a busca da felicidade. [...] Eles
outorgaram, quando em face do Governo, o direito a ser deixado só –
o mais abrangente dos direitos, e o de maior valor para homens
civilizados. Para proteger esse direito, toda invasão injustificada do
Governo na privacidade do indivíduo, quaisquer que sejam os meios
empregados, deve ser julgada uma violação à Quarta Emenda. E o
uso, como prova em um procedimento criminal, de fatos averiguados
por tal intrusão deve ser julgado uma violação da Quinta Emenda6
.
Caso semelhante foi o ‘Katz x Estados Unidos’, em que se discutia o
uso de escutas telefônicas como prova em procedimento criminal, porém nesta
ocasião a Suprema Corte não repetiu seu anterior posicionamento e entendeu que a
quarta emenda protegia também “[...] aspectos incorpóreos e não-patrimoniais da
atividade humana, que não dependiam de força física para serem violados”. (VIEIRA,
2008, p. 112)
O caso ‘Griswold x Connecticut’, por sua vez, tratava da privacidade
como capacidade de autodeterminação e escolha individual, e declarou, por 7 votos
a 2, a inconstitucionalidade de uma lei do Estado de Connecticut que proibia o uso
de métodos contraceptivos, violando, conforme se concluiu, o direito à privacidade
familiar.
Afirmou-se que embora este direito não possuísse disposição
expressa no Bill of Rights – que consistia nas dez primeiras emendas da
Constituição Norte Americana – encontrava respaldo em muitas de suas garantias.
(VIEIRA, 2008, p. 115)
Novamente o direito à autodeterminação individual é posto à
discussão na Suprema Corte Norte-Americana no caso ‘Lawrence x Texas’, em que
foi declarada a inconstitucionalidade de lei do Estado do Texas que proibia e
criminalizava a prática de sodomia por pessoas do mesmo sexo.
6
The makers of our Constitution undertook to secure conditions favorable to the pursuit of happiness.
[…] They conferred, as against the Government, the right to be let alone – the most comprehensive of
rights, and the right most valued by civilized men. To protect that right, every unjustifiable intrusion by
the Government upon the privacy of the individual, whatever the means employed, must be deemed a
violation of the Forth Amendment. And the use, as evidence in a criminal proceeding, of facts
ascertained by such intrusion must be deemed a violation of the Fifth.
22. 21
A decisão demonstrou mudança no entendimento da corte, que já
havia decidido em sentido contrário em caso análogo7
. (VIEIRA, 2008, p. 116)
Em suma, afirmou-se que a liberdade protegida pela Constituição
confere aos homossexuais a autonomia de assumir relacionamentos no âmbito de
suas vidas privadas, não cabendo ao Estado nisso interferir. (VIEIRA, 2008, p. 113)
Após os ataques terroristas de 11 de setembro, houve a edição de
leis pelo parlamento que ocasionaram significativa restrição de garantias individuais,
no intuito de fortalecer a atividade persecutória do Estado na polêmica ‘guerra ao
terror’.
O chamado Patriot Act8
teve amplas repercussões no direito à
privacidade, contendo disposições autorizando até mesmo a obtenção,
independentemente de autorização judicial prévia, de dados pessoais de usuários
junto a provedores de acesso à internet. (VIEIRA, 2008, p. 117)
Esse papel preventivo do Estado costuma acarretar prejuízo às
liberdades públicas, entretanto, tal conflito não deve ser visto de forma genérica, mas
sim observando as particularidades de cada caso, para que se alcance uma
alternativa racional, pois há medidas estatais razoáveis e outras excessivas.
(VIEIRA, 2008, p. 119)
De um modo geral, houve aceitação pela população norte-americana
quanto às políticas invasivas da privacidade, diante da insegurança gerada pelos
ataques de 11 de setembro.
Percebe-se que o direito à privacidade, um dos esteios da
democracia liberal norte-americana, encontra-se em profunda
remodelação frente às circunstâncias geradas pela crise mundial de
segurança. É preciso aprofundar o debate, trazendo à tona ao
máximo os fatores relevantes, para alcançar uma justa equação entre
os anseios de todos à segurança e à proteção da vida privada e
intimidade dos indivíduos. (VIEIRA, 2008, p. 122)
7
Caso Bowers x Hardwick, em que lei anti-sodomia do Estado da Geórgia havia sido declarada
constitucional.
8
Lei Norte Americana - nº 107–56, de 26/10/2001 - cujo título oficial da é "Unir e Fortalecer a América,
fornecendo ferramentas adequadas para Interceptar e Obstruir o Terrorismo”. (Online, 2001)
23. 22
A revisão do direito à privacidade diante de determinadas situações
demonstra a necessidade de adoção de conceitos pragmáticos desse direito, que
adquire diferentes dimensões de acordo com o contexto em que se insere. (VIEIRA,
2008, p. 122)
Com efeito, é da análise histórica que exsurgem, um a um, os
enfoques aptos a definir em conjunto os contornos da privacidade.
1.1.2. No direito brasileiro
A inviolabilidade de correspondência – aspecto relevante do direito à
privacidade – é tutelada pelo direito brasileiro desde a Constituição de 1824, e sua
proteção somente evoluiu no ordenamento nacional, encontrando dispositivo
correspondente nas leis posteriores até a Constituição de 1988, que incluiu também
o sigilo de dados, além das expressões intimidade e vida privada. (BURROWES,
Online, 2007)
Acredita-se estar havendo no Brasil um crescente interesse pelo
debate acerca da proteção da privacidade, visando enriquecer o estudo de suas
bases conceituais e encontrar formas de viabilizar sua eficácia prática.
José Ribas Vieira (2008, p. 123) justifica:
Esta atitude certamente decorre do nítido fato de que, apesar do
extenso catálogo de direitos fundamentais ter sido escrito na
Constituição Federal de 1988, ainda longe se encontra nossa
sociedade de os verem materializados em patamar minimamente
aceitável, face às crescentes questões no campo de privacidade
entre nós, como também aos novos problemas a partir da presença
do controle tecnológico afetando largos espectros da vida privada.
Deve ser considerado também o crescente número de conflitos desta
natureza aportando aos Tribunais Superiores e levando grande parte da comunidade
jurídica a estudá-los, sobrevindo novos enfoques.
No ‘Caso do Quartel’ um militar, maior, foi condenado por prática de
ato libidinoso em local público com menor, agravado por ser praticado por militar em
24. 23
serviço, nos termos dos artigos 2359
, 237 (agravante), inciso II e 7310
, todos do
Código Penal Militar.
Inconformado, o sentenciado impetrou ordem de habeas corpus com
dois fundamentos. O primeiro, de caráter processual, consistia na nulidade do
processo pela não observância da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei
nº 9.099/9511
); e o segundo, de caráter constitucional, pleiteava a declaração
incidental de inconstitucionalidade do artigo 235 do Código Penal Militar com base
no art. 5º, inciso X12
da Constituição Federal. (VIEIRA, 2008, p. 143)
O ministro relator entendeu não haver afronta ao direito à intimidade
por este não possuir caráter absoluto em conflito com outros bens jurídicos. Na visão
do jurista, houve o abuso de menor nas dependências do quartel, isto é, em local
público.
O jurista ressaltou a irrelevância da homossexualidade do ato e
pautou-se na interpretação literal de dispositivos legais, concluindo que o direito à
9
Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não,
em lugar sujeito a administração militar: Pena - detenção, de seis meses a um ano.
10
Art. 237. Nos crimes previstos neste capítulo, a pena é agravada, se o fato é praticado: [...] II - por
oficial, ou por militar em serviço. Art. 73. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena
sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da
pena cominada ao crime.
11
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou
não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do
processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha
sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão
condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor,
na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o
acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade
de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca
onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo,
mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras
condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do
acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado
por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá
ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou
descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará
extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º
Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores
termos.
12
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
25. 24
intimidade era limitado, no caso concreto, pelos interesses militares. (VIEIRA, 2008,
p. 145-146)
Quanto à tese de inconstitucionalidade do art. 235 do Código Penal
Militar, esclarece José Ribas Vieira (2008, p. 149):
No caso em análise, a previsão em abstrato da prática de crime
sexual não atinge a liberdade sexual do indivíduo, mas visa proteger
a liberdade sexual das vítimas dos abusos das liberdades sexuais –
caso do art. 21813
do Código Penal – e a ordem e o respeito do
serviço público, afastando, proibindo e punindo a prática de atos
sexuais, seja de que natureza for, nos prédios públicos militares,
praticados por servidores públicos militares.
Ao final tem-se que, embora tenha sido dado provimento ao
requerimento do autor, isto somente foi possível devido à suscitada nulidade
processual, pois a alegada violação do direito à intimidade não foi acolhida pela
autoridade julgadora, que manifestou “[...] sua indignação com a conduta do
paciente, reprovando-a moralmente, mas juridicamente nada pode fazer, vez que o
direito é soberano na exigibilidade da sua aplicação”. (VIEIRA, 2008, p. 150)
O ‘Caso Garotinho’ versa sobre o conflito entre a intimidade e a
liberdade de imprensa.
A fim de impedir que conversas telefônicas pessoais fossem
divulgadas, o então governador do Estado do Rio de Janeiro, Anthony William
Garotinho Matheus de Oliveira, ajuizou medida cautelar junto ao Tribunal de Justiça
daquele estado, obtendo em provimento liminar a proibição de veiculação de
reportagens com o conteúdo das conversas interceptadas de forma ilícita, cujo
pedido foi fundamentado na violação do direito à intimidade e à vida privada, bem
como no sigilo de telecomunicações.
Apesar de sucessivos recursos da parte contrária (Infoglobo) a
liminar foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal. (VIEIRA, 2008, p. 153)
13
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena -
reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
26. 25
No ‘Caso CPI’ foi impetrado mandado de segurança com pedido
liminar pelo advogado Luiz Carlos Barretti Júnior contra ato de CPI14
que determinou
a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, e ordenou a busca e apreensão nas
casas e escritório do impetrante.
O impetrante era advogado de uma empresa – Teletrust de
Recebíveis S/A – investigada pela CPI e sustentou não exercer qualquer cargo de
direção, gestão ou administração na empresa. (CARDOSO JUNIOR apud VIEIRA,
2008, p. 167)
Discutiu-se a competência das Comissões Parlamentares de
Inquérito para determinar tais atos, que foram considerados arbitrários e abusivos
por ferirem a intimidade do impetrante sem apresentar fundamentação acerca de
interesse e necessidade para tanto, razão pela qual foi concedida a segurança e
declarada a nulidade dos atos.
Neste julgado foi destacada a inviolabilidade domiciliar e profissional
do advogado. (VIEIRA, 2008, p. 167-182) Vale dizer que tal inviolabilidade pode ser
afastada quando em conflito com interesses mais relevantes a ensejarem ordem
judicial fundamentada.
O ‘Caso Interceptação Telefônica’ consistiu em Ação Penal que teve
por objeto a apuração da prática de crimes de corrupção passiva (CP, art. 31715
caput), falsidade ideológica (CP, art. 29916
) dentre outros crimes relacionados,
cometidos por pessoas ligadas à Presidência da República, inclusive o ex-Presidente
Fernando Collor, acusado por atos praticados no exercício e em função do cargo
14
CPI iniciada pelo Requerimento 127/99, lido em plenário em 05/04/1999, de iniciativa do Senador
Jader Barbalho (PMDB/PA); presidida pelo Senador Bello Parga e relatada pelo Senador João Alberto
Souza; Relatório Final apresentado em 14/12/1999 (Relatório 4/99). A Comissão era destinada a
apurar fatos do conhecimento do Senado Federal, veiculados pela imprensa nacional, envolvendo
instituições financeiras, sociedades de crédito, financiamento e investimento que constituem o
Sistema Financeiro Nacional.
15
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal
vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
16
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele
inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um
a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o
documento é particular.
27. 26
então ocupado, o que fez com que a Denúncia fosse oferecida originariamente no
Supremo Tribunal Federal. (VIEIRA, 2008, p. 187)
Neste caso, discutiu-se preliminarmente a admissibilidade de provas
obtidas por meios ilícitos. A primeira delas consistia em laudos de degravação de
conversa telefônica, obtidos com o conhecimento de apenas um dos interlocutores e
portanto “[...] com inobservância do princípio do contraditório e utilizada com violação
à privacidade alheia. (CF, art. 5º, X)”.
A segunda consistia em registros armazenados na memória de
computador cuja apreensão se deu através de “[...] violação de domicílio praticado
por autoridade administrativa que não possuía competência ou autorização para
realizar semelhante diligência (CF, art. 5º, X e XI)”.17
(VIEIRA, 2008, p. 188)
Acerca de tais provas, o Tribunal decidiu:
Reconhecendo a procedência da proibição ao uso processual de
provas obtidas por meio ilícito, a Corte rechaçou as referidas provas,
de sorte que a apreciação quanto à ilicitude das condutas imputadas
aos acusados teve de ser feita com esteio exclusivamente nos
elementos restantes dos autos. (VIEIRA, 2008, p. 188)
O Ministro Celso de Mello declarou em seu voto que a busca da
verdade no processo penal deve ser limitada pelas garantias individuais. (VIEIRA,
2008, p. 191) Ao final, a denúncia foi julgada parcialmente procedente.
No ‘Caso Glória Trevi’ foi formulado pedido, autuado como
Reclamação, por Glória de Los Angeles Treviño Ruiz, a qual era submetida a
processo de Extradição – de nº 783 – e se encontrava detida cautelarmente à
disposição do Supremo Tribunal Federal. A reclamante engravidou durante seu
recolhimento carcerário na Polícia Federal, em Brasília, e afirmou ter sido vítima de
estupro, o que foi veiculado na imprensa. (VIEIRA, 2008, p. 207)
17
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial.
28. 27
Diante disso foi instaurado Inquérito Policial, porém a reclamante se
opôs a fornecer material para exame de DNA, para – pautando-se no direito à
intimidade – não expor com quem mantivera relação sexual.
O pedido foi indeferido sob o fundamento de que havia interesses
mais relevantes na coleta do material, pois era necessária a averiguação de possível
violência sexual praticada contra a reclamante, da mesma forma que era preciso
especificar o autor do crime para afastar as acusações que pesavam sobre vários
agentes públicos. (VIEIRA, 2008, p. 208-209)
Digno de nota também é o ‘Caso Cicarelli’, em que um paparazzo18
capturou momentos de intimidade entre a modelo e seu namorado em uma praia da
Espanha. O filme foi editado e publicado no site Youtube, que compartilha
gratuitamente vídeos em escala mundial. (SCHREIBER, 2011, p. 122)
O casal ajuizou ação inibitória contra a companhia Youtube Inc.,
entre outras, para interromper a divulgação daquelas cenas. O Tribunal de Justiça de
São Paulo concedeu liminar bloqueando o acesso ao site Youtube, de modo geral.
A medida foi criticada e se tornou símbolo dos efeitos perigosos da
falta de conhecimento das novas tecnologias pelo Poder Judiciário, o que ensejou
sua revisão, para restringir apenas a veiculação do vídeo que retratava a modelo. Ao
fim o pedido dos autores foi julgado procedente, restando mantida a proibição de
veiculação do vídeo.
O assunto gerou muita polêmica. Anderson Schreiber (2011, p. 122)
comenta:
Se o Poder Judiciário parece não ter compreendido bem os aspectos
tecnológicos do caso Cicarelli, a sociedade civil parece não ter
compreendido bem os seus aspectos jurídicos. Não foram poucas as
vozes que se ergueram para afirmar que o comportamento desinibido
da modelo implicava ‘autorização tácita’ para a divulgação do vídeo.
A divulgação foi defendida como uma espécie de sanção à conduta
reprovável da moça. [...] Sob o prisma jurídico, tal pena seria
18
Paparazzo é o nome do imortal personagem interpretado por Walter Santesso no filme La Dolce
Vita, de Federico Fellini (1960). A palavra foi incorporada a diversos idiomas para designar os
fotógrafos de celebridades. (SCHREIBER, 2011, p. 121)
29. 28
flagrantemente inconstitucional. Sob o prisma ético, representaria um
contrassenso, pois acabaria por propagar o mal causado.
E prossegue:
A dura reação da sociedade civil parece ter desconsiderado ainda um
outro aspecto: o peso desempenhado pela tecnologia na captação de
imagem. Uma análise fria do vídeo revela que os frequentadores da
praia parecem não perceber a troca de intimidades entre Daniela e
seu namorado. [...] O peso das novas tecnologias não pode ser
ignorado. Uma imagem captada no entardecer, à longa distância,
pode ser ampliada, ‘corrigida’ de modo a se suprir a precária
iluminação natural. Com isso, um afago à meia-luz pode acabar
convertido em uma cena de alta definição e impactante clareza. Tais
recursos devem ser levados em conta [...]. (SCHREIBER, 2011, p.
123)
O presente ano tem sido marcado por vários debates que
repercutem no direito à intimidade. Exemplo disso foi a Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental nº 54, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a
anencefalia19
como excludente de antijuridicidade para a antecipação terapêutica do
parto. O Relator do caso, Ministro Marco Aurélio, afirmou que “Cabe à mulher, e não
ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para
deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”. (Online, 2012)
Neste sentido também a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 132, que estendeu o reconhecimento do instituto da união estável
aos pares homossexuais, dando-lhes inédito amparo jurídico no país. O Procurador
do Estado Luis Roberto Barroso sustentou oralmente no julgamento que:
Interpretar o art. 226, § 3º20
, como sendo um fundamento para
discriminar os homossexuais é trair a inspiração dessa norma, é trair
o espírito da norma, é trair o fim da norma. É mais ou menos como
condenar alguém com base na lei de anistia. É um absurdo completo.
(BARROSO apud SCHREIBER, 2011, p. 223)
19
A anencefalia caracteriza-se pela ausência total ou parcial do encéfalo, derivada de uma má
formação do feto que pode ser constatada já nos primeiros meses de gestação. Trata-se de anomalia
letal. Embora não se possa determinar, com precisão, o tempo de vida extrauterina, a expectativa de
vida dos bebês anencefálicos é curtíssima. (SCHREIBER, 2011, p. 65)
20
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado [...] § 3º - Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
30. 29
Conforme afirma Anderson Schreiber, (2011, p. 223) esta decisão do
Supremo Tribunal Federal alinhou o ordenamento jurídico brasileiro com outros que
há tempos “[...] já reconhecem plenos efeitos às uniões homoafetivas. Reconheceu-
se por meio desta decisão uma das modalidades ao direito de autodeterminação do
indivíduo”.
Ainda sem desfecho judicial, mas com ampla repercussão no direito
à intimidade, tem-se o ‘Caso Carolina Dieckmann’, atriz que teve o computador
acessado sem autorização por crackers21
os quais divulgaram na internet suas fotos
íntimas. Especula-se que o acontecimento tenha provocado um adiantamento na
votação de projeto de lei que trata de crimes cibernéticos. (ATHENIENSE, Online,
2012)
Os casos analisados evidenciam que a privacidade do indivíduo se
estende a ambientes variados, superando o âmbito familiar. Em consequência, este
direito sofre diversas modalidades de violação, seja no mercado consumidor, no local
de trabalho ou em sede de investigação.
Da análise histórica se extrai não haver uma esfera privada estática,
pois o direito à privacidade demostra elasticidade ao se materializar onde quer que o
titular o exerça, sendo passível de proteção sempre que respeitar os demais
interesses jurídicos ao redor.
Ademais, as mudanças sociais advindas com os avanços
tecnológicos tem expressivo reflexo no direito à privacidade, que adquire novos
caracteres em face aos novos meios de comunicação.
Conforme destaca Frederick Burrowes (Online, 2007), o direito
constitucional à privacidade está longe de ser claro e de fácil interpretação.
O bem jurídico ora estudado encontra limites em diversos outros
direitos fundamentais, principalmente a liberdade de expressão e informação, ou
liberdade de imprensa, e a persecução penal.
21
Os crackers são os hackers do mal ou sem ética, normalmente especializados em quebrar as
travas de softwares comerciais para que possam ser pirateados, utilizando também seus
conhecimentos para invadir sítios e computadores com fins ilícitos. (ZANIOLO, 2012, p. 445)
31. 30
Quanto à liberdade de informação, Anderson Schreiber (2011, p.
105) afirma que o art. 20 do Código Civil22
possui uma lacuna, que deve ser
preenchida pela interpretação segundo o caso concreto, da seguinte forma:
[...] o intérprete e o magistrado tem, nos casos relativos ao uso
indevido da imagem, o dever de suprir a omissão legislativa,
verificando se a hipótese diz respeito ao exercício da liberdade de
informação. Em caso positivo, deve-se proceder à ponderação entre
os dois direitos fundamentais em conflito: a liberdade de informação e
o direito à imagem.
Conforme se observa dos casos abordados, há diversos enfoques
pelos quais se postula em juízo a defesa da vida privada.
1.2. CONCEITUAÇÃO
Segundo Marcel Leonardi (2012, p. 46) o direito brasileiro apresenta
diversos termos para se referir à privacidade, o que também ocorre na doutrina
estrangeira. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, declara, em seu art. 5º,
inciso X, serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas. O Código Civil de 2002, da mesma forma, declara no art. 2123
ser inviolável
a vida privada da pessoa natural.
O autor observa que “Nenhum desses diplomas legais, porém,
oferece algum conceito objetivo para as expressões privacidade, intimidade e vida
privada, e o mesmo ocorre no Direito estrangeiro [...]”.
Assim como liberdade e dignidade da pessoa humana, a palavra
privacidade reflete conceitos jurídicos indeterminados, o que dificulta a realização de
22
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a
utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
23
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado,
adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
32. 31
políticas públicas e resolução de casos práticos, dificultando sua tutela e causando
divergências jurisprudenciais, conforme as circunstâncias de cada caso.
(LEONARDI, 2012, p. 47)
Tal imprecisão terminológica pode ser observada das palavras de
Maria Lúcia Karam (2009, p. 31):
[...] a dignidade de cada indivíduo o faz respeitável pelo simples fato
de existir e o faz livre para escolher entre um comportamento e outro,
para pensar da forma que lhe convier, para acreditar naquilo que
achar melhor, para ser e agir da maneira que quiser, sendo essa sua
liberdade absoluta enquanto não atingir ou ameaçar concretamente
direitos de terceiros.
Liliana Minardi Paesani (2012, p. 34) acrescenta:
Tem-se demonstrado particularmente delicada a operação para
delimitar a esfera de privacidade, mas é evidente que o direito à
privacidade constitui um limite natural ao direito à informação. Em
contrapartida, está privada de tutela a divulgação da notícia, quando
consentida pela pessoa. Admite-se, porém, o consentimento
implícito, quando a pessoa demonstra interesse em divulgar aspectos
da própria vida privada.
A autora (PAESANI, 2012, p. 33) esclarece em seguida:
Certas manifestações da pessoa destinam-se a conservar-se
completamente inacessíveis ao conhecimento dos outros, quer dizer,
secretas; não é apenas ilícito divulgar tais manifestações, mas
também tomar delas conhecimento, e revelá-las, não importa a
quantas pessoas. Entretanto, essas mesmas informações podem ser
consideradas lícitas, quando justificadas por um legítimo interesse do
sujeito que as recebe; trata-se de saber se o fim a que a informação
serve tem maior valor que o interesse do sujeito ao qual se refere
essa informação.
Marcel Leonardi (2012, p. 48) afirma que apesar da relevância da
privacidade, existe um vício dos doutrinadores ao tentar encontrar um conceito único
para o tema.
Dependendo do doutrinador consultado, encontram-se conceitos
abrangentes ou restritivos de privacidade. Assuntos como liberdade
de pensamento, controle sobre o próprio corpo, quietude do lar,
recato, controle sobre informações pessoais, proteção da reputação,
33. 32
proteção contra buscas e investigações, desenvolvimento da
personalidade, autodeterminação informativa, entre outros, são
excluídos ou incluídos, de acordo com a definição adotada.
Uma das formas utilizadas para conceituar a privacidade se dá pela
utilização de termos que traduzam o cerne do tema e, ao mesmo tempo, o diferencie
de outros direitos.
A problemática deste método é que os conceitos encontrados são
ora genéricos, ora demasiadamente restritos. (LEONARDI, 2012, p. 51) Os conceitos
unitários encontrados pela doutrina se enquadram nas concepções a seguir
expostas.
A ideia de privacidade como direito a ser deixado só foi formulada
por Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis no artigo The right to privacy, que
influenciou profundamente a doutrina e a jurisprudência norte-americanas. Na obra,
os autores concluíram que a essência da privacidade seria a inviolabilidade da
personalidade. (LEONARDI, 2012, p. 53)
Contudo, aponta Marcel Leonardi (2012, p. 54) que este conceito
“[...] não indica o que exatamente a privacidade representa; não aponta em quais
circunstâncias nem sobre quais questões devemos ser deixados a sós”. Desta forma,
o conceito pode ser entendido em sua amplitude como uma privação absoluta.
Outra definição encontrada para o tema foi o resguardo contra
interferências alheias, isto é, a liberdade do indivíduo de se autodeterminar conforme
sua vontade e não ser perseguido. Este conceito já foi adotado pelo Supremo
Tribunal Federal, em sede de liminar de Mandado de Segurança (nº 23.669-DF) em
que o Ministro Celso de Mello considerou que o direito à intimidade seria,
[...] expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em
reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço
indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências
de terceiros na esfera de sua vida privada. (MELLO apud
LEONARDI, 2012, p. 57)
Esta teoria é bem aceita, dentre outros motivos, devido à
popularidade da Teoria das Esferas, de Robert Alexy, (2008, p. 360-361) segundo a
qual,
34. 33
[...] é possível distinguir três esferas, com intensidade de proteção
decrescente: a) a esfera mais interior (‘último e inviolável âmbito de
liberdade humana’, ‘âmbito mais interno (íntimo)’, ‘esfera íntima
inviolável’, ‘esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida
de forma absoluta’); b) a esfera privada ampliada, que inclui o âmbito
privado que não pertence à esfera mais interior, e c) a esfera social,
que inclui tudo aquilo que não for atribuído nem ao menos à esfera
privada ampliada.
Diz-se, por um lado, que a teoria das esferas permite ao judiciário
uma ponderação da penalidade a ser aplicada conforme o âmbito em que ocorre a
violação.
Por outro lado, a teoria é alvo de diversas críticas, sendo
considerada superficial, bem como que tal gradação é inócua, visto que não guarda
relação com a extensão do dano decorrente da violação de cada um de seus níveis.
(LEONARDI, 2012, p. 59-60)
O autor (LEONARDI, 2012, p. 61) adverte ainda que
O principal problema de se conceituar a privacidade somente como o
resguardo contra interferências alheias é que essa ideia não delimita
a razoabilidade das intromissões. Certamente, nem todas as
intromissões alheias violam a privacidade, mas apenas aquelas
relacionadas à dimensões específicas da pessoa, ou a certas
informações e assuntos peculiares. [...] Não há parâmetros claros
para definir os limites que estipulam quais interferências são ou não
razoáveis.
De outra banda, há a definição de privacidade como segredo ou
sigilo de determinadas informações a respeito do indivíduo. Marcel Leonardi (2012,
p. 62) destaca que “No Brasil, normalmente entende-se que o sigilo de informações é
um dos meios de proteção à privacidade – e não sua própria essência”.
Este entendimento já foi externado pelo Supremo Tribunal Federal
(Petição nº 577-DF), ao classificar o sigilo bancário como espécie do direito à
privacidade. Assim, torna-se inviável a adoção do conceito, eis que limitado a apenas
uma de suas plurais manifestações.
Marcel Leonardi (2012, p. 65) faz interessante colocação acerca do
sigilo:
35. 34
[...] quando informações íntimas a respeito de um indivíduo circulam
em um pequeno grupo de pessoas que o conhecem bem, seu
significado pode ser ponderado ante outros aspectos do caráter e da
personalidade desse indivíduo. Em contrapartida, quando essas
mesmas informações são removidas do contexto original e reveladas
a estranhos, o indivíduo se torna vulnerável, correndo o risco de ser
julgado com base em seus gostos e suas preferências mais
embaraçosas.
Sob este ângulo, ilógica se mostra a ideia de segredo absoluto
trazida por este conceito, pois o que parece mais adequado aos interesses do titular
seria, na verdade, confidencialidade, ou seja, a liberdade de compartilhar certas
particularidades apenas em um pequeno círculo de pessoas de sua confiança.
Uma das correntes mais influentes acerca do direito à privacidade é
a que o define como controle de informações e dados pessoais. (LEONARDI, 2012,
p. 67) Trata-se da autonomia para decidir o que deve ser divulgado, de que forma e
em que extensão, o que demonstra certa amplitude do conceito. Entretanto, omitem-
se os reflexos referentes à autodeterminação do indivíduo.
Outra ressalva desta definição se encontra na dificuldade em se
controlar efetivamente os dados pessoais. Raramente dados pessoais ficam sob a
posse do titular, mas sim com os terceiros com quem se relaciona. (LEONARDI,
2012, p. 68)
Tais estudos demonstram a inviabilidade de utilização de um
conceito único de privacidade. Marcel Leonardi (2012, p. 79) afirma que os
estudiosos e operadores do direito “[...] vem paulatinamente reconhecendo que a
privacidade relaciona-se com uma série de interesses distintos, o que modifica
substancialmente seu perfil tradicional”.
José Afonso da Silva (2012, p. 205) faz importantes considerações
quanto à distinção de intimidade e privacidade. Segundo o autor, o direito à
privacidade é amplo, sendo a intimidade um de seus desdobramentos.
O direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo de
direito à privacidade. Esta é uma terminologia do direito anglo-
americano (right of privacy), para designar aquele, mais empregado
no direito dos povos latinos. Nos termos da Constituição, contudo, é
plausível a distinção que estamos fazendo, já que o inciso X do art.
36. 35
5º separa intimidade de outras manifestações da privacidade: vida
privada, honra e imagem das pessoas [...].
O autor menciona como institutos do direito à intimidade a
inviolabilidade de domicílio, o sigilo de correspondência24
e o segredo profissional25
.
Quanto à vida privada, José Afonso da Silva (2012, p. 208) entende
que a Constituição “[...] deu destaque ao conceito, para que seja mais abrangente,
como conjunto de modo de ser e viver, como direito de o indivíduo viver a própria
vida”.
E, nesta linha de raciocínio, acrescenta:
A tutela constitucional visa proteger as pessoas de dois atentados
particulares: (a) ao segredo da vida privada; e (b) à liberalidade da
vida privada. O segredo da vida privada é a condição de expansão da
personalidade. Para tanto, é indispensável que a pessoa tenha ampla
liberdade de realizar sua vida privada, sem perturbação de terceiros.
(SILVA, 2012, p. 208)
Quanto à distinção entre privacidade e intimidade, Alexandre de
Moraes (2011, p. 138) leciona:
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam
interligação, podendo porém ser diferenciados por meio da menor
amplitude do primeiro que se encontra no âmbito de incidência do
segundo. Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações
subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações
familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve
todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais
como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.
Sobre os avanços tecnológicos, José Afonso da Silva (2012, p. 209)
faz importantes ponderações.
24
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
25
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional.
37. 36
Assevera o autor que: “O intenso desenvolvimento de complexa rede
de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa
ameaça à privacidade das pessoas”.
E continua:
O amplo sistema de informações computadorizadas gera um
processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua
individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto
mais a utilização da informática facilita a interconexão de fichários
com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que
desvendem a vida dos indivíduos, sem sua autorização e até sem
seu conhecimento. A Constituição não descurou dessa ameaça [...].
(SILVA, 2012, p. 210)
De mesmo teor são as observações de Liliana Minardi Paesani
(2012, p. 35):
O desenvolvimento da informática colocou em crise o conceito de
privacidade, e, a partir dos anos 80, passamos a ter um novo
conceito de privacidade que corresponde ao direito que toda pessoa
tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações
mesmo quando disponíveis em bancos de dados.
Quanto à coleta de informações pessoais, pontua a autora
(PAESANI, 2012, p. 37) :
A utilização dos computadores determinou uma transformação
qualitativa nos efeitos decorrentes da coleta de informações. A
tecnologia, com a inserção de mecanismos cada vez mais
sofisticados de difusão de informações, tem contribuído para um
estreitamento crescente do circuito privado, na medida em que
possibilita, até a longa distância, a penetração na intimidade da
pessoa.
Tem-se, pois, a privacidade como gênero em que a intimidade é uma
das espécies, a mais específica e pessoal do sujeito. Contudo, em nenhum caso há
uma delimitação objetiva de sua extensão conceitual.
Outrossim, ambos são termos imprecisos e plurais quanto ao
conteúdo, podendo se manifestar de diferentes formas, o que impossibilita a
utilização de um conceito único.
38. 37
1.3. NATUREZA JURÍDICA
O direito à privacidade está inserido em dois dispositivos legais
brasileiros. A saber: art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, o que lhe confere, por
interpretação sistemática, o status de direito fundamental.
Ademais, há disposição no mesmo sentido no art. 21 do Código Civil
de 2002, colocada entre os direitos da personalidade.
Para Celso Lafer (1988, p. 239-240), o direito à intimidade está
inserido entre os direitos da personalidade, dotado de autonomia em relação aos
demais direitos desta categoria.
Os direitos da personalidade são categorias de direitos fundamentais
individuais, “[...] que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares,
garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da
sociedade política e do próprio Estado”. (SILVA, 2012, p. 183)
Anderson Schreiber (2011, p. 13) anota que:
[...] a maior parte dos direitos da personalidade mencionados pelo
Código Civil Brasileiro (imagem, honra, privacidade) encontram
previsão expressa no art. 5º do texto constitucional. Mesmo os que
não contam com previsão explícita nesse dispositivo são sempre
referidos como consectários da dignidade humana, protegida no art.
1º, III, da Constituição. Os direitos da personalidade são, portanto,
direitos fundamentais.
Já os direitos fundamentais são, na lição de Alexandre de Moraes
(2011, p. 20),
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano
que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de
sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento
de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade
humana [...].
39. 38
No mesmo sentido aponta José Afonso da Silva (2012, p. 178), após
tecer breves comentários acerca das diferentes terminologias utilizadas para
denominar esta classe de direitos:
[...] acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as
quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem
mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a
todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos,
mas concreta e materialmente efetivados. [...] É com esse conteúdo
que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da
Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da
pessoa humana, no art. 17.
Tratando-se a privacidade de direito fundamental individual,
enquadra-se no rol dos direitos fundamentais de primeira geração, que abrangem as
liberdades públicas. (MORAES, 2011, p. 25)
São características dos direitos fundamentais, em síntese: a
imprescritibilidade, segundo a qual estes não se sujeitam a decurso de prazo;
inalienabilidade, que consiste em vedação à transmissão onerosa ou gratuita do
direito; irrenunciabilidade, pela qual o titular não pode dele abdicar; inviolabilidade,
que é a vedação a terceiros de interferirem nestes direitos sob pena de
responsabilidade civil e criminal; universalidade, que traduz sua abrangência geral;
efetividade, que caracteriza o dever do poder público de viabilizar o exercício de tais
direitos; interdependência, que denota o fato de os direitos fundamentais
relacionarem-se entre si; e, por fim, a complementaridade, que consiste na
necessidade de interpretação conjunta dos direitos fundamentais. (MORAES, 2011,
p. 22)
Apesar das características acima elencadas, Anderson Schreiber
(2012, p. 27) traz interessante discussão referente à possibilidade de limitação
voluntária de direitos da personalidade pelo próprio titular.
Segundo o autor,
[...] a autolimitação ao exercício dos direitos da personalidade deve
ser admitida pela ordem jurídica quando atenda genuinamente ao
propósito de realização da personalidade de seu titular. Deve, ao
contrário, ser repelida sempre que guiada por interesses que não
40. 39
estão própria ou imediatamente voltados à realização da dignidade
daquela pessoa.
Acerca do assunto, Liliana Minardi Paesani (2012, p. 40):
[...] a liberdade de preservar ou não a própria intimidade e
privacidade é um direito do cidadão, confirmado por preceito
constitucional, e cabe ao Estado a função de tutelar esse direito; e,
se o Estado se omite, delega-se ao cidadão o direito de substituí-lo. A
presente questão afronta o segredo das comunicações interpessoais
na internet e a intromissão do Poder Público ou de outros sujeitos
privados.
A verificação de tal requisito guarda certa subjetividade, impondo a
apreciação desta hipótese sob a ótica da razoabilidade.
É imperioso observar que os direitos fundamentais não são
absolutos, pois se limitam pelos demais direitos consagrados pela Carta Magna.
Alexandre de Moraes (2011, p. 27) adverte que,
Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como
um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem
tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da
responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total
consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
Assim, deve-se buscar uma harmonização diante de conflitos de
direitos de mesma hierarquia. Assim como a privacidade limita determinadas
intervenções na vida do indivíduo, há outros interesses limitadores da garantia de
privacidade, que podem a afastar para tutelar bens jurídicos que eventualmente
adquiram maior relevância.
41. 40
2. DIREITO DIGITAL
Sociedade da informação é expressão de uso comum nos dias de
hoje. A internet, embora seja fenômeno relativamente recente na história, é uma
realidade já enraizada em todo o mundo. Aliada a diversos recursos tecnológicos,
abriga uma infinidade de atos humanos, dos mais banais aos de maior relevo.
O que a princípio era visto apenas como nova modalidade de meio
de comunicação se tornou um complexo e amplo sistema, dotado de características
próprias, cujos reflexos jurídicos são objeto de estudo indispensável por todos os
operadores do direito, em fase de intensa adaptação.
Patrícia Peck (2002, p. 27-28) analisando a necessidade de
aperfeiçoamento do direito digital aponta que “A velocidade das informações é uma
barreira à legislação sobre o assunto” e explica:
[...] qualquer lei que venha a tratar dos institutos jurídicos deve ser
genérica o suficiente para sobreviver e flexível para atender aos
diversos formatos que podem surgir de um único assunto. [...] A
exigência de processos mais céleres também sempre foi um anseio
da sociedade, não sendo resultado apenas da conjuntura atual. [...] O
Direito Digital faz a convergência entre o Direito Codificado e o Direito
Costumeiro, aplicando elementos que cada um tem de melhor para a
solução das questões da sociedade digital.
Em seguida a autora cita elementos do direito costumeiro que devem
amparar o Direito Digital. São eles: a generalidade, caracterizada pela reiteração de
uma conduta para que ela possa ser objeto de regulação; uniformidade, que é a
adoção dos mesmos critérios para disciplinar situações semelhantes, segundo os
preceitos de segurança jurídica; continuidade, pela qual os posicionamentos
jurisdicionais devem ser constantes enquanto perdurarem as circunstâncias que os
ensejaram; durabilidade, por sua vez, é o que viabiliza a continuidade, isto é, a
adoção de critérios efetivamente capazes de regular de forma satisfatória
determinadas situações ao longo do tempo; e notoriedade ou publicidade, ou seja, o
imperativo de que tais decisões sejam levadas a conhecimento público. (PECK,
2002, p. 29)
42. 41
Quanto às provas no direito digital, Patrícia Peck afirma a
possibilidade de aplicação do instituto da inversão do ônus da prova26
, do Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e ressalta que a prova em meios eletrônicos
pode ser mais facilmente coletada se compararmos com o direito tradicional, pois os
dados são armazenados nas máquinas, permitindo que peritos especializados
reúnam elementos probatórios.
Neste diapasão, as características do Direito Digital podem ser assim
elencadas “[...] celeridade, dinamismo, autorregulamentação, poucas leis, base legal
na prática costumeira, uso de analogia e solução por arbitragem”. (PECK, 2002, p.
30) conclui-se, sob este ponto de vista, que o Direito Digital não é totalmente novo,
mas tem guarida na maioria dos princípios do direito atual. Além disso, a solução por
arbitragem, marcada pela celeridade, relaciona-se diretamente com a eficiência no
Direito Digital.
O Direito Digital tem o tempo como importante elemento, essencial
para que a resposta jurídica tenha validade dentro deste âmbito de atuação. Patrícia
Peck (2002, p. 31) acrescenta:
[...] o Direito Digital é a aplicação da fórmula tridimensional do direito,
adicionada de um quarto elemento, o Tempo, que é determinante
para estabelecer obrigações e limites de responsabilidade entre as
partes, quer seja no aspecto de contratos, serviços, direitos autorais,
quer seja na proteção da própria credibilidade jurídica quanto à sua
capacidade de dar solução a conflitos.
Como uma das formas mais simples e céleres de solucionar
litigiosidades, em âmbito digital a conciliação amigável torna-se, no panorama atual,
uma das únicas vias sustentáveis dentro da dinâmica imposta pela velocidade de
mudanças tecnológicas.
Outro elemento de delicada influência no Direito Digital segundo
Patrícia Peck (2002, p. 32) é a territorialidade, pois o mundo virtual tem território
26
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências; [...].
43. 42
próprio, porém de difícil demarcação. “Ter presença virtual representa a
responsabilidade de poder ser acessado por indivíduo de qualquer parte do mundo”.
Além disso,
[...] esta discussão sobre territorialidade não se esgota na
necessidade de solucionar casos práticos, mas faz-nos repensar o
próprio conceito de soberania, e, assim, o próprio Estado de Direito
em sua concepção originária. Para a sociedade digital, não é mais
um acidente geográfico, como um rio, montanha ou baía, que
determina a atuação do Estado sobre seus indivíduos e as
responsabilidades pelas consequências dos atos destes. A
convergência, seja pela Internet, seja por outro meio, elimina a
barreira geográfica e cria um ambiente de relacionamento virtual
paralelo no qual todos estão sujeitos aos mesmos defeitos, ações e
reações. (PECK, 2002, p. 35)
Sob este ponto de vista tem-se que o Direito Digital é, por sua
própria natureza, comunitário, ou seja, exerce influência sobre todos que nele se
inserem, indistintamente, criando um grupo.
Assim como a influência temporal e territorial, imperiosa se faz a
alusão ao anonimato na internet, que, embora à primeira vista pareça ser grave
empecilho à aplicação do direito, na verdade tem pouca influência, uma vez que se
trata de camuflagem relativa, pois o emissor pode ser regularmente rastreado. O e-
mail e endereço de IP são considerados a identidade virtual do usuário.
O que ocorre é a falta de iniciativa das empresas em relatar os
abusos cometidos por anônimos em seus locais, por medo da repercussão negativa
que a medida possa causar em relação à segurança virtual de seus sistemas.
(PECK, 2002, p. 38)
É importante observar que, nos provedores pagos, é mais fácil
identificar os usuários e restringir práticas delituosas, porque há
emissão de fatura mensal ou débito em cartão de crédito. Seus
bancos de dados são normalmente mais detalhados e seguros.
(PECK, 2002, p. 126)
Patrícia Peck (2002, p. 41) disserta ainda sobre a tendência à
autorregulamentação virtual, o que se manifesta, por exemplo, nas regras
estabelecidas por provedores de acesso aos usuários do serviço. A autora destaca
que “[...] isto permite maior adequação do direito à realidade social, assim como
44. 43
maior dinâmica e flexibilidade para que ele possa perdurar no tempo e manter-se
eficaz”.
Todavia, a experiência jurídica tem evidenciado a necessidade de
intervenção estatal na regulamentação das relações eletrônicas.
2.1. INTERNET: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, TERMINOLÓGICAS E JURÍDICAS
Antes de adentrar o estudo da tutela da privacidade virtual, é
interessante tecer breves considerações sobre aspectos relevantes da internet, bem
como suas origens históricas e expressões referentes ao ciberespaço27
. Sandra
Gouvêa (1997, p. 33) afirma que “A humanidade não teria alcançado o estado de
evolução que apresenta hoje se não tivesse desenvolvido a capacidade intelectual
de elaborar e transmitir informações”.
Cumpre tecer, de forma sucinta, algumas noções históricas sobre a
internet, desde sua criação, sua rápida expansão e a situação em que se encontra
nos dias atuais.
O primeiro dado histórico considerado relevante quanto à criação da
internet ocorreu em 1969, quando, visando se proteger de ataques nucleares russos,
o Departamento de Defesa Norte-Americano providenciou junto à Rand Corporation
pequenas redes locais, denominadas LAN - Local Area Network (rede de
computadores local) para que, caso uma cidade fosse destruída por ataque nuclear,
fosse garantida a comunicação entre as remanescentes cidades coligadas por este
meio, que foi intitulado Arpanet. (PAESANI, 2012, p. 10)
27
O mundo ciberespacial é composto e constitui-se não pelo espaço ou tempo que ocupa, mas pelo
intercâmbio de informações – permuta de dados e comunicabilidade intersignificativa –, propulsionado
pela energia colateral teleológica de sistemas vivos (seres humanos e sociedade). Não se trata de
dicotomizar realidades, uma virtual e outra real – termos utilizados equivocadamente [...] -, para se
estabelecer o que é fluxo de informações e o que é movimento corpóreo (ação e presença física),
mas sim de agregar e encarar como contínuos os mundos off-line (materespaço) e on-line
(ciberespaço), como essenciais à vida da sociedade na velocidade a qual está submersa hoje em dia.
(COLLI, 2010, p. 31)
45. 44
Apesar disso, segundo Liliana Minardi Paesani este ainda não é
considerado o evento inicial da internet, mas sim o seguinte registro:
[...] a decolagem da internet ocorreu no ano de 1973, quando Vinton
Cerf, do departamento de Pesquisa avançada da Universidade da
Califórnia e responsável pelo projeto, registrou o (protocolo TCP/ IP)
Protocolo de controle de Transmissão/ Protocolo Internet; trata-se de
um código que consente aos diversos networks (serviços de internet)
incompatíveis por programas e sistemas comunicarem-se entre si.
Pedro Augusto Zaniolo (2012, p. 142) refere que no ano de 1971 foi
criado por Ray Tomlinson o correio eletrônico, e em 1974 a rede local de
computadores, por Bob Metcalfe.
Destaca Liliana Minardi Paesani (2012, p. 11) como elemento mais
importante para a expansão da internet, “[...] que permitiu à Internet se transformar
num instrumento de comunicação de massa, foi o ‘world wide web’ (ou ‘www’ ou
ainda W3, ou simplesmente web), a rede mundial”. O www se originou no ano de
1989, em Genebra, e possui a seguinte descrição:
É composto por hipertextos, ou seja, documentos cujo texto, imagem
e sons são evidenciados de forma particular e podem ser
relacionados com outros documentos. Com um clique no ‘mouse’ o
usuário pode ter acesso aos mais variados serviços, sem
necessidade de conhecer inúmeros códigos de acesso.
Esta é considerada a rede em alcance mundial, criada pelo
engenheiro britânico Tim Berners-Lee, do Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear.
(ZANIOLO, 2012, p. 143)
Posteriormente, em 1995 a America Online inicia a prestação de
serviços de conexão discada à internet. Em seguida o sistema operacional Windows
95 introduz o navegador Web Internet Explorer, da Microsoft. (ZANIOLO, 2012, o.
144)
Pouco mais tarde, em 2000 surgiu o polêmico software28
de
compartilhamento de arquivos musicais Napster, e em 2001 nasce o projeto
28
O conceito de software está inserido no art. 1º da Lei nº 9.609/98 – “Lei do Software”, da seguinte
forma: Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em
46. 45
Wikipedia29
. Em 2004, Mark Zuckerberg cria a rede social Facebook e, em 2005,
surge o site de compartilhamento de vídeos Youtube. (ZANIOLO, 2012, p. 144)
No Brasil, a internet chegou somente em 1988, por iniciativa da
comunidade acadêmica de São Paulo (Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a princípio
com finalidade estritamente educacional. (ZANIOLO, 2012, p. 147)
A exploração comercial da internet brasileira iniciou em 1994, com a
instalação de internet por meio da linha telefônica (conexão discada), a partir de um
projeto-piloto da Embratel. Cinco anos depois, em 1999, o número de internautas
brasileiros já ultrapassava a marca dos 2,5 milhões. A temática referente aos crimes
informáticos dominou o noticiário brasileiro em 2008. (ZANIOLO, 2012, p. 147-148)
Em 1995 foi criado pelo Ministério das Comunicações, através da
portaria Interministerial nº 147, de 31/05/95, o Comitê Gestor da Internet, com o
objetivo de assegurar qualidade e eficiência dos serviços ofertados, justa e livre
competição entre provedores, e manutenção de padrões de conduta de usuários e
provedores, tendo em vista a necessidade de coordenar e integrar todas as
iniciativas de serviços Internet no país. O órgão teve seus membros nomeados pela
Portaria nº 183, de 03/07/95, que veio a sofrer alterações por diversas portarias
posteriores30
. (PAESANI, 2012, p. 28)
Gustavo Testa Corrêa (2000, p. 17) descreve as principais
atribuições do Comitê, que são:
linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou
equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e
para fins determinados.
29
Wikipédia é um projeto de enciclopédia multilíngue livre, baseado na web, colaborativo e apoiado
pela organização sem fins lucrativos Wikimedia Foundation. Seus 19 milhões de artigos (752 849 em
português em 03 de setembro de 2012) foram escritos de forma colaborativa por voluntários ao redor
do mundo e quase todos os seus verbetes podem ser editados por qualquer pessoa com acesso ao
site. (Online, 2012)
30
(a) Portaria Interministerial nº 269, de 01/11/1995; (b) Portaria nº 9, de 19/01/1996; (c) Portaria
Interministerial nº 252, de 30/03/1996; (d) Portaria Interministerial de nº 1.281, de 04/10/1996; (e)
Portaria Interministerial de nº 165, de 21/05/1997; (f) Portaria Interministerial nº 408, de 22/08/1007;
(g) Portaria Interministerial nº 25, de 22/01/1998.
47. 46
1. Fomentar o desenvolvimento de serviços ligados à Internet no
Brasil; 2. Recomendar padrões e procedimentos técnicos e
operacionais para a Internet no País; 3. Coordenar a atribuição de
endereços na Internet, o registro de nomes de domínios e a
interconexão de espinhas dorsais; 4. Coletar, organizar e disseminar
informações sobre os serviços ligados à Internet.
Referido órgão tem a participação do Ministério das Comunicações e
da Tecnologia, de representantes de provedores de acesso ou de informações, de
representantes de usuários, da comunidade acadêmica e de entidades operadoras e
gestoras de espinhas dorsais (backbones) – estruturas que movimentam grandes
volumes de informações. (PAESANI, 2009, p. 28)
A simples observação da evolução da internet demonstra seu
crescimento exponencial em curto período de tempo, bem como a dificuldade em
traçar limites territoriais, o que, conforme salientou Liliana Minardi Paesani, deve ser
amplamente considerado pelos juristas da era digital.
Feitas estas considerações de ordem cronológica, é preciso
mencionar que, devido ao fato de o ambiente informático possuir expressões
terminológicas próprias, referentes a seus inúmeros recursos, a leitura de tais
expressões é de grande utilidade para estudo de suas implicações jurídicas.
Inicialmente, Liliana Minardi Paesani (2012, p. 12) aborda o conceito
de internet da seguinte maneira:
Sob o ponto de vista técnico, a Internet é uma imensa rede que liga
elevado número de computadores em todo o planeta. As ligações
surgem de várias maneiras: redes telefônicas, cabos e satélites. Sua
difusão é levemente semelhante à da rede telefônica. Existe,
entretanto, uma radical diferença entre uma rede de computadores e
uma rede telefônica: cada computador pode conter e fornecer, a
pedido do usuário, uma infinidade de informações que dificilmente
seriam obtidas por meio de telefonemas.
A autora (PAESANI, 2012, p. 13) apresenta como aspectos
relevantes da internet o fato de consistir em gigantesca fonte de informações e de
relações interpessoais. Há, inclusive, crítica quanto aos relacionamentos virtuais, à
medida que são usados como equivocados substitutos de relações tradicionais.
Além disso, Zygmunt Bauman (1999, p. 25) pondera acerca dos
efeitos da extraterritorialidade virtual sobre o convívio social:
48. 47
[...] em vez de homogeneizar a condição humana, a anulação
tecnológica das distâncias temporais/ espaciais tende a polarizá-la.
Ela emancipa certos seres humanos das restrições territoriais e torna
extraterritoriais certos significados geradores da comunidade – ao
mesmo tempo que desnuda o território, no qual outras pessoas
continuam sendo confinadas, do seu significado e da sua capacidade
de doar identidade. [...] Alguns podem agora mover-se para fora da
localidade – qualquer localidade – quando quiserem. Outros
observam, impotentes, a única localidade que habitam movendo-se
sob seus pés.
Uma das modalidades de comunicação virtual se dá pelo serviço de
correio eletrônico, por meio do qual são trocadas mensagens (e-mails) entre usuários
de uma rede comum a eles. É uma das aplicações mais populares da rede internet.
(ZANIOLO, 2012, p. 169)
Há também o comércio eletrônico (e-commerce), que, na doutrina de
Angelo Volpi Neto, citado por Pedro Augusto Zaniolo (2012, p. 251) “[...] pode ser
conceituado como a compra e venda de produtos e bens pela internet”.
Pedro Augusto Zaniolo (2012, p. 252) complementa:
Sobre o que se entende por quais bens caracterizam o comércio
eletrônico, há duas correntes: alguns entendem que somente os
produtos que podem ser transferidos de um computador para outro,
tais como programas de computador, músicas em formato digital ou o
conteúdo de um livro. A outra, por seu turno, entende que todos os
produtos adquiridos pela internet fazem parte do comércio eletrônico.
Ainda, perante o ordenamento jurídico, não se chegou a consenso
sobre a sua definição ou delimitação e atualmente a tendência tem
sido no sentido de que a característica fundamental do comércio
eletrônico está no pedido ser feito pela rede, não importando o tipo
de produto.
O autor (ZANIOLO, 2012, p. 252) apresenta ainda duas modalidades
de comércio eletrônico. A primeira é a que se dá entre parceiros de negócios e, a
segunda, ocorre entre fornecedores e consumidores31
, que são conceituados pela
Lei nº 8.078/90 como destinatários finais dos produtos.
31
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
49. 48
Sobre o tema é importante mencionar a seguinte observação de
Liliana Minardi Paesani (2012, p. 37):
[...] hoje, não é o governo que ameaça a privacidade – é o comércio
pela Internet. A web transformou-se num mercado e, nesse processo,
fez a privacidade passar de um direito a uma commodity32
. O poder
informático indica não só a possibilidade de acumular informações
em quantidade ilimitada sobre a vida de cada indivíduo, isto é, suas
condições físicas, mentais, econômicas ou suas opiniões religiosas e
políticas, mas também de confrontar, agregar, rejeitar e comunicar as
informações assim obtidas.
Serviço típico da informática e de pertinente realce é o Software,
com conceito previsto na Lei nº 9.609/98, onde se lê:
Art. 1º. Programa de computador é a expressão de um conjunto
organizado de instruções em linguagem natural ou codificada,
contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação,
dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados
em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e
para fins determinados.
Necessário distinguir Software de Hardware. Este último representa
o equipamento físico no qual o computador se insere, é sua parte corpórea.
(WACHOWICZ apud ZANIOLO, 2012, p. 303)
Redes sociais, conforme ensina o sociólogo Manuel Castells, citado
por Pedro Augusto Zaniolo (2012, p. 270), são:
[...] estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada,
integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da
rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de
comunicação (por exemplo, valores ou objetos de desempenho).
Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto
altamente dinâmico suscetível de inovação, sem ameaças do seu
equilíbrio.
32
Denominação de artigos de consumo, bens móveis, mercadorias. Commodity Paper é a
denominação de um título de crédito negociável, emitido por sociedade mercantil e garantido por
conhecimento de embarque ou recibo de depósito de mercadorias. (ACQUAVIVA, 2008, p. 966).
50. 49
São exemplos destas redes: o Orkut, caracterizado pelas
comunidades temáticas em que os usuários debatem sobre seus interesses; o
Facebook, que propõe reunir amigos e colegas de trabalho; LinkedIn, que tem
caráter estritamente profissional; MySpace, bastante utilizado para promover o
mercado de massa, música, moda e celebridades; Flickr, considerado o maior
aplicativo on-line de gerenciamento e compartilhamento de fotografias no mundo, e,
por fim, o Twitter, de larga expansão mundial e que, conquanto seja considerado
rede social para alguns, para outros é uma rede de informações em tempo real.
(ZANIOLO, 2012, p. 270-277)
Com a rápida expansão do mundo virtual e a facilidade de acesso
aos dados nele armazenados, sobressai a preocupação com a segurança de tais
dados. As vulnerabilidades encontradas no cotidiano se refletem no meio digital,
agravados pelo desconhecimento técnico de muitos dos seus usuários que não
sabem como interagir na rede de forma segura a respeito de seus dados pessoais.
Liliana Minardi Paesani (2012, p. 43) assevera:
Estão em risco os nichos mais preciosos da privacidade. Contas
correntes, declarações de Imposto de Renda, números e operações
dos cartões de crédito, dados do passaporte, nomes e endereços de
contatos comerciais e pessoais poderão ser devassados e alterados
por qualquer pessoa. O mais grave: isso poderá ocorrer em qualquer
lugar do mundo. Serão crimes, porém difíceis de apurar e de punir.
Proteger-se será o mesmo que renunciar aos computadores.
Segundo a autora, o único meio eficaz de proteção seria privar-se
dos sistemas eletrônicos, o que atualmente é inviável diante do processo de
informatização da prestação de serviços ao consumidor e cidadão. Este raciocínio
denota a necessidade da movimentação jurídica para a disciplina de tais situações.
As ameaças à segurança de sistemas informáticos também tem
conceituação própria, conforme veremos a seguir.
Hackers são os termos utilizados desde 1960 para intitular
[...] programador e especialista em computadores, embora fosse
comum usá-lo para definir qualquer especialista, como os hackers de
astronomia ou de mecânica de automóveis. Atualmente o termo
51. 50
hacker tende a se referir aos criminosos digitais. (ZANIOLO, 2012, p.
444)
O autor aponta a seguinte ressalva quanto à utilização do termo: “[...]
a comunidade hacker tradicional, que exerce totalmente tal definição, denomina de
crackers os que praticam atividades ilegais”.
Assim, nem todos os hackers são criminosos virtuais, apenas parte
deles, com denominação própria.
Os crackers são os hackers do mal ou sem ética, normalmente
especializados em quebrar as travas de softwares comerciais para
que possam ser pirateados, utilizando também seus conhecimentos
para invadir sítios e computadores com fins ilícitos. (ZANIOLO, 2012,
p. 445)
Os hackers são ainda chamados de white hats (chapéus brancos),
referindo-se à ética com que navegam na rede, enquanto os crackers são chamados
de black hats (chapéus pretos), que praticam ações delitivas. (CRESPO, 2011, p. 98)
Sniffers são, segundo Fabrizio Rosa citado por Pedro Augusto
Zaniolo, (2012, p. 449) “Programas encarregados de interceptar a informação que
circula pela rede”. Pedro Augusto Zaniolo descreve a forma pela qual as informações
são interceptadas, explicando:
[...] no controle de acesso de determinado sistema de informações, o
usuário ingressa com seu identificativo (login) e a respectiva senha
(password). Enquanto esses dados são comprovados, remotamente,
nesse caminho é que atua o sniffer, interceptando-os e
armazenando-os para posterior utilização, geralmente de forma
fraudulenta.
Cookies são truques de programação embutidos em navegadores33
(web browser) da web (rede), que rastreiam os usuários. Há empresas que os
utilizam para coletar dados e produzir anúncios direcionados. Os cookies não podem
33
É um programa de computador (software) que habilita seus usuários a interagirem com documentos
virtuais da Internet, também conhecidos como páginas da web, que estão hospedadas em um
servidor.
52. 51
coletar informações pessoais, mas, se utilizados indevidamente, podem gerar ilícitos
informáticos. (ZANIOLO, 2012, p. 449)
Vírus é um tipo de “[...] segmento de programa de computação capaz
de mudar a estrutura do software do sistema e destruir ou alterar dados ou
programas ou outras ações nocivas [...]”. (ROSA apud ZANIOLO, 2012, p. 318)
Devendo-se destacar que para isso independem de consentimento do operador.
Além disso, os vírus podem servir para coletar informações pessoais
sem o conhecimento do usuário. São exemplos comuns de vírus ou malware, o
spyware, scareware e trojan horse (Cavalo de Troia), que serão estudados mais
adiante.
Feitas estas considerações, passa-se à análise das implicações
jurídicas dos atos praticados na internet.
A princípio defendeu-se a autorregulação de conflitos cibernéticos,
sob o argumento de que deveriam ser solucionados no âmbito das ferramentas
tecnológicas, sem interferência do Estado, seja pela via legislativa ou judicial.
(LEONARDI, 2012, p. 130)
Nesse sentido é a manifestação de Liliana Minardi Paesani (2012, p.
44):
[...] o funcionamento da rede recusa um controle hierárquico, global,
ou qualquer possível sistema de censura de informação ou da
comunicação, mas acata e faz apelo à responsabilidade dos
fornecedores e usuários da informação desse espaço público. A
profusão do fluxo de informações não impede que a coletividade dos
internautas construa hierarquias e estruturas por sua própria conta e
crie mecanismos próprios de defesa da privacidade e do controle das
informações.
No entanto, ocorre que,
[...] os usuários da rede não constituem um grupo homogêneo com
interesses comuns, mas sim indivíduos com crenças e visões de
mundo próprias, tão diversas quanto o pensamento humano, sendo
impossível obter algum tipo de consenso, ainda que pequeno, sobre
qualquer assunto. (LEONARDI, 2012, p. 135)
53. 52
Além disso, esta ideia de autonomia conferida às relações
informáticas fez com que surgissem microssistemas com regulamentação própria e
organização hierárquica, alguns, inclusive, contrários ao direito, como os códigos de
ética dos crackers, os quais, curiosamente, são popularmente conhecidos como
hackers sem ética, por praticarem violações a sistemas eletrônicos. (VIANNA, 2001,
p. 60)
Por esta razão, ao longo do tempo, e com o crescimento do uso da
Rede para a prática de ilicitudes, afastou-se a ideia de autorregulação, dando lugar
ao interesse de que o ciberespaço se sujeite aos mecanismos tradicionais de
disciplina jurídica, segundo novos meios de interpretação. Neste sentido disserta
Stefano Rodotà (2008, p. 181):
A insistência em sustentar que a melhor defesa da liberdade é aquela
que deriva da ausência de qualquer regra pode fazer com que se
continue prisioneiro da imagem original da Internet como um espaço
de liberdade infinita, ignorando as profundas mudanças de sua
natureza nos últimos anos, que a tem transformado em um
gigantesco espaço para a troca de bens e serviços, em um imenso
manancial de informações úteis para fins de controle, em produtora
de conhecimento [...]. Nasceu o maior espaço público que a
humanidade jamais conheceu. Por isto é indispensável elaborar uma
‘Constituição para a Internet’.
A partir daí surgiu uma teoria a respeito do regime jurídico do direito
digital, proposta por David G. Johnson e David G. Post. Consistia na criação do
‘direito do ciberespaço’, distinto do direito convencional, e em escala internacional,
pois “[...] a Internet, além de ser muito diferente dos meios de comunicação e
interação tradicionais, tem um alcance mundial que impossibilitaria a sua regulação
por jurisdições separadas”. (LEONARDI, 2012, p. 136)
Apesar de interessante por eliminar conflitos de leis no espaço e
possibilitar a criação de melhores normas pela reunião de diferentes teóricos do
direito, a dificuldade das nações em obter consenso para a proteção efetiva de
direitos fundamentais na elaboração de tratados demonstra que a busca por uma
legislação global tende a fracassar.
Exatamente porque há valores sociais radicalmente diferentes no
mundo moderno, inclusive em um mesmo país, afigura-se