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To my Mom with Love
Era uma vez um ser
 corcunda e melancólico,
muitas vezes confundido
   com objeto e outras
vezes considerado troféu,
 condenado a agir como
 máquina, por obrigação.
Apesar da pose de rei,
   era profundamente
   infeliz. E, no final de
 carreira, cada vez mais
frequentemente recorria
  aos confeitos azulados
   para manter a fama.
Aquele ser frequentava,
     oficialmente,
    há muitos anos,
     uma casa fria,
 de paredes encardidas
 e pomar abandonado.
Mas nem sempre foi
     assim. Quando se
conheceram, aquele ser e
 a casa formavam um par
      radiante: a casa
   resplendia, vibrava e
    seduzia o ser que a
visitava incansavelmente.
O ser até então era um
    tipo vulcânico.
 A sintonia entre eles
  era tamanha que,
juntos, haviam gerado
     belos frutos.
Com o tempo, porém,
      a rotina venceu
    aquela harmonia.
    O ser, cansado de
    frequentar aquela
     casa monótona,
tornou-se frio e distante.
A casa, abandonada e
  ferida pelo descaso,
 tornou-se decadente.
   Ambos morreram
    enquanto vivos,
mas continuavam unidos,
 pela força da inércia.
Um certo dia,
 aquele ser obscuro
deparou-se com uma
    nova morada
     e renasceu
 instantaneamente.
A nova morada era
    atraente, ampla,
  iluminada, cheia de
  surpresas, ângulos,
entranhas e novidades.
  Parecia um castelo:
  magnífico labirinto.
Com a novidade,
  o ser transformou-se
   novamente em um
elemento surpreendente,
    dinâmico e ativo.
Deixou aquela penumbra
 no passado e passou a
   emanar luz própria
    como quando era
    jovem e robusto.
 Quem convivia com ele
 não o reconhecia mais:
      da corcunda
   nem sombra havia!
Sorrateiramente,
     o ser mudou-se
para sua nova residência.
    Porém continuou
      frequentando
       a velha casa,
em nome da moral e dos
     bons costumes.
Depois de tantos anos,
 era o automatismo que
    unia aquelas duas
    criaturas e coisas
automáticas muitas vezes
  tornam-se eternas...
Mas era em sua fortaleza
 particular que o ser se
revelava, se expandia e
 explodia de vitalidade.
       Aquele ser,
 aparentemente morto,
   havia ressuscitado,
   quase por milagre.
Renascido, refeito e
revigorado, o ser foi
finalmente batizado.
   E não foi difícil
    encontrar-lhe
     um nome.
Seu gosto-gostoso
     era adocicado.
Seu cheiro perfumado
    era hipnotizante
e sua textura era tenra,
 de dar água na boca,
       meu bem!
Descobriu-se
  rapidamente que,
dentre suas inúmeras
qualidades, havia uma
 realmente especial:
Quando palmilhado e
   aquecido, o ser se
 derretia placidamente,
deixando quem estivesse
  presente sem fôlego
     e sem palavras.
Eis, então,
o nome escolhido
 para aquele ser
 deliciosamente
   renovado:
   Caramelo!
Dia após dia,
   Caramelo repetia
 seu enredo: visitava a
casa velha, mas voltava
sempre para refugiar-se
    em seu castelo.
Sorridente, Caramelo
 penetrava o jardim,
 escalava as torres e
brincava no pátio do
 castelo. Exausto, se
deixava repousar feliz
    no aconchego
 de seus aposentos.
Caramelo sentia-se
protegido e vivo dentro
   daquelas paredes.
  O castelo não exigia
 exclusividade e dividia
    resignidamente
     seu Caramelo
   com a velha casa.
A velha casa,
     do alto de sua
      experiência,
aparentemente aceitava
  compartilhar seu ser
    com o castelo,
 embora oficialmente
    nada soubesse.
Entre a velha casa,
 Caramelo e o castelo, a
    vida seguiu assim,
       vez após vez,
      mês após mês,
até que um dia, Caramelo
   perdeu o viço e viu
declinar a paixão ardente
     pelo seu castelo.
A velha casa e o castelo
    agora gozavam da
     mesma situação.
 Caramelo retomou sua
  tristeza e sua postura
curvada, mas continuava
      cumprindo suas
        obrigações.
Agora Caramelo vivia
dividido entre as paredes
 encardidas da casa e os
 muros intransponíveis
    do castelo. Um ser
que não tinha mais vida,
       era acusado
   de levar vida dupla.
Pobre Caramelo!
  Um ser que mal sabia
subtrair, passou a somar
  e a multiplicar e, em
  meio à aritmética da
vida, quase se perdeu na
divisão de seus gametas.
Um dia,
cansada daquele jogo,
 a casa velha deu um
 xeque-mate no ser:
  exigiu excluvidade.
    Usando de suas
 prerrogativas legais,
  baniu o castelo do
       horizonte.
Caramelo era fraco e
contra os argumentos da
 velha casa nada podia
   fazer. Antes um ser
      morto, depois
   ressuscitado, agora
    Caramelo parecia
      encuralado...
O castelo
compreendeu a situação
mesmo não tendo ouvido
    de Caramelo
  uma única palavra.
Inicialmente, pensou em
 fechar sua ponte móvel,
  única entrada para seu
jardim dos prazeres, com
  Caramelo dentro, para
       tomar posse
  definitivamente do ser
    amado, adorado e
         batizado.
Mas logo entendeu que
 sua essência de castelo
  não poderia nunca ser
 confundida com prisão,
    que suas paredes
protetoras não poderiam
  ser vistas como jaulas,
que seus aposentos,
outrora verdadeiros
  ninhos de amor,
 não poderiam ser
 chamados de cela,
e que suas torres,
de onde se gozava uma
 panorâmica única da
 grandeza do espaço,
   não poderiam ser
     transformadas
       em cadeia.
Foi então que, em uma
 manhã de primavera,
embalado por um vento
    quente e suave,
  o castelo mudou de
   direção e separou
  corajosamente seu
  destino do destino
      de Caramelo.
Estupefato,
 Caramelo encolheu-se
  para ver seu castelo
cavalgar outras estradas,
acolher outros caramelos
 e batizar outros seres.
Contrariando as
 expectativas, o castelo
não desmoronou, mas as
   águas de seu fosso
tornaram-se estagnadas
   pois que não havia
 dentro daqueles muros
   de pedra a mesma
    alegria de antes.
Mas o castelo era uma
fortaleza e embrenhou-se
     pelo mundo afora,
 levando consigo aquelas
   lembranças remotas,
   trancafiadas em uma
       torre secreta,
     onde o acesso era
  para sempre proibido.
Anos se passaram. O ser
continuou a frequentar a
 casa, como nos velhos
 tempos, mas então ela
  tingiu sua paredes de
encarnado na esperança
de reacender Caramelo e
  não admitiu mais ser
    chamada de velha.
Renovaram juntos o
pomar, adubaram a terra
e plantaram novas ervas.
    A vida seguiu sem
        surpresas.
   O ser envelheceu e
  curvou-se novamente
    diante do destino.
Até hoje, quando sopra o
   vento que anuncia a
primavera, o ser levanta
   o semblante para o
    horizonte e olha os
     pontos cardeais,
 procurando um sinal de
      sua fortaleza.
Mas o ser nunca mais
teve notícias do castelo.
       A única coisa
      remanescente
     daquela história
é seu nome de batismo,
    jamais revogado:
        Caramelo.
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Caramelo Metafórico

  • 1.
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  • 3.
  • 4.
  • 5. To my Mom with Love
  • 6.
  • 7. Era uma vez um ser corcunda e melancólico, muitas vezes confundido com objeto e outras vezes considerado troféu, condenado a agir como máquina, por obrigação.
  • 8.
  • 9. Apesar da pose de rei, era profundamente infeliz. E, no final de carreira, cada vez mais frequentemente recorria aos confeitos azulados para manter a fama.
  • 10.
  • 11. Aquele ser frequentava, oficialmente, há muitos anos, uma casa fria, de paredes encardidas e pomar abandonado.
  • 12.
  • 13. Mas nem sempre foi assim. Quando se conheceram, aquele ser e a casa formavam um par radiante: a casa resplendia, vibrava e seduzia o ser que a visitava incansavelmente.
  • 14.
  • 15. O ser até então era um tipo vulcânico. A sintonia entre eles era tamanha que, juntos, haviam gerado belos frutos.
  • 16.
  • 17. Com o tempo, porém, a rotina venceu aquela harmonia. O ser, cansado de frequentar aquela casa monótona, tornou-se frio e distante.
  • 18.
  • 19. A casa, abandonada e ferida pelo descaso, tornou-se decadente. Ambos morreram enquanto vivos, mas continuavam unidos, pela força da inércia.
  • 20.
  • 21. Um certo dia, aquele ser obscuro deparou-se com uma nova morada e renasceu instantaneamente.
  • 22.
  • 23. A nova morada era atraente, ampla, iluminada, cheia de surpresas, ângulos, entranhas e novidades. Parecia um castelo: magnífico labirinto.
  • 24.
  • 25. Com a novidade, o ser transformou-se novamente em um elemento surpreendente, dinâmico e ativo.
  • 26.
  • 27. Deixou aquela penumbra no passado e passou a emanar luz própria como quando era jovem e robusto. Quem convivia com ele não o reconhecia mais: da corcunda nem sombra havia!
  • 28.
  • 29. Sorrateiramente, o ser mudou-se para sua nova residência. Porém continuou frequentando a velha casa, em nome da moral e dos bons costumes.
  • 30.
  • 31. Depois de tantos anos, era o automatismo que unia aquelas duas criaturas e coisas automáticas muitas vezes tornam-se eternas...
  • 32.
  • 33. Mas era em sua fortaleza particular que o ser se revelava, se expandia e explodia de vitalidade. Aquele ser, aparentemente morto, havia ressuscitado, quase por milagre.
  • 34.
  • 35. Renascido, refeito e revigorado, o ser foi finalmente batizado. E não foi difícil encontrar-lhe um nome.
  • 36.
  • 37. Seu gosto-gostoso era adocicado. Seu cheiro perfumado era hipnotizante e sua textura era tenra, de dar água na boca, meu bem!
  • 38.
  • 39. Descobriu-se rapidamente que, dentre suas inúmeras qualidades, havia uma realmente especial:
  • 40.
  • 41. Quando palmilhado e aquecido, o ser se derretia placidamente, deixando quem estivesse presente sem fôlego e sem palavras.
  • 42.
  • 43. Eis, então, o nome escolhido para aquele ser deliciosamente renovado: Caramelo!
  • 44.
  • 45. Dia após dia, Caramelo repetia seu enredo: visitava a casa velha, mas voltava sempre para refugiar-se em seu castelo.
  • 46.
  • 47. Sorridente, Caramelo penetrava o jardim, escalava as torres e brincava no pátio do castelo. Exausto, se deixava repousar feliz no aconchego de seus aposentos.
  • 48.
  • 49. Caramelo sentia-se protegido e vivo dentro daquelas paredes. O castelo não exigia exclusividade e dividia resignidamente seu Caramelo com a velha casa.
  • 50.
  • 51. A velha casa, do alto de sua experiência, aparentemente aceitava compartilhar seu ser com o castelo, embora oficialmente nada soubesse.
  • 52.
  • 53. Entre a velha casa, Caramelo e o castelo, a vida seguiu assim, vez após vez, mês após mês, até que um dia, Caramelo perdeu o viço e viu declinar a paixão ardente pelo seu castelo.
  • 54.
  • 55. A velha casa e o castelo agora gozavam da mesma situação. Caramelo retomou sua tristeza e sua postura curvada, mas continuava cumprindo suas obrigações.
  • 56.
  • 57. Agora Caramelo vivia dividido entre as paredes encardidas da casa e os muros intransponíveis do castelo. Um ser que não tinha mais vida, era acusado de levar vida dupla.
  • 58.
  • 59. Pobre Caramelo! Um ser que mal sabia subtrair, passou a somar e a multiplicar e, em meio à aritmética da vida, quase se perdeu na divisão de seus gametas.
  • 60.
  • 61. Um dia, cansada daquele jogo, a casa velha deu um xeque-mate no ser: exigiu excluvidade. Usando de suas prerrogativas legais, baniu o castelo do horizonte.
  • 62.
  • 63. Caramelo era fraco e contra os argumentos da velha casa nada podia fazer. Antes um ser morto, depois ressuscitado, agora Caramelo parecia encuralado...
  • 64.
  • 65. O castelo compreendeu a situação mesmo não tendo ouvido de Caramelo uma única palavra.
  • 66.
  • 67. Inicialmente, pensou em fechar sua ponte móvel, única entrada para seu jardim dos prazeres, com Caramelo dentro, para tomar posse definitivamente do ser amado, adorado e batizado.
  • 68.
  • 69. Mas logo entendeu que sua essência de castelo não poderia nunca ser confundida com prisão, que suas paredes protetoras não poderiam ser vistas como jaulas,
  • 70.
  • 71. que seus aposentos, outrora verdadeiros ninhos de amor, não poderiam ser chamados de cela,
  • 72.
  • 73. e que suas torres, de onde se gozava uma panorâmica única da grandeza do espaço, não poderiam ser transformadas em cadeia.
  • 74.
  • 75. Foi então que, em uma manhã de primavera, embalado por um vento quente e suave, o castelo mudou de direção e separou corajosamente seu destino do destino de Caramelo.
  • 76.
  • 77. Estupefato, Caramelo encolheu-se para ver seu castelo cavalgar outras estradas, acolher outros caramelos e batizar outros seres.
  • 78.
  • 79. Contrariando as expectativas, o castelo não desmoronou, mas as águas de seu fosso tornaram-se estagnadas pois que não havia dentro daqueles muros de pedra a mesma alegria de antes.
  • 80.
  • 81. Mas o castelo era uma fortaleza e embrenhou-se pelo mundo afora, levando consigo aquelas lembranças remotas, trancafiadas em uma torre secreta, onde o acesso era para sempre proibido.
  • 82.
  • 83. Anos se passaram. O ser continuou a frequentar a casa, como nos velhos tempos, mas então ela tingiu sua paredes de encarnado na esperança de reacender Caramelo e não admitiu mais ser chamada de velha.
  • 84.
  • 85. Renovaram juntos o pomar, adubaram a terra e plantaram novas ervas. A vida seguiu sem surpresas. O ser envelheceu e curvou-se novamente diante do destino.
  • 86.
  • 87. Até hoje, quando sopra o vento que anuncia a primavera, o ser levanta o semblante para o horizonte e olha os pontos cardeais, procurando um sinal de sua fortaleza.
  • 88.
  • 89. Mas o ser nunca mais teve notícias do castelo. A única coisa remanescente daquela história é seu nome de batismo, jamais revogado: Caramelo.
  • 90.
  • 91.
  • 92. Free Your Ideas www.freeyourideas.net Created and Produced by Bia Simonassi Original Text by Valeria Nobrega Images by Titiavanbeugen at Deviantart.com Promoted by FreeYourIdeas.net Find more at TreeBookGallery.blogspot.com This eBook is part of the TREeBOOK Gallery Collection. It was created in 2009 to honnor the writer Valeria Nobrega. All rights reserved by the artists. Feel free to share this eBook. To contact TREeBOOK Gallery please write to bia@freeyourideas.net TREeBOOK Gallery is supported by Free Your Ideas. www.freeyourideas.net.
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