Trecho do livro “Sinergia Fator de Sucesso nas Realizações Humanas”
Sérgio Lins editado pela Campus-Elsevier em 2005
Quando as pessoas deixam de ficar atentas ao proprietário da solução ou ao originador da idéia, encarando o trabalho em conjunto como uma chance de triunfo coletivo, diz-se que estão em busca de uma solução integradora. O foco da solução integradora está todo sobre o que se pode ganhar com as semelhanças explícitas e a diversidade complementar dos colaboradores, evitando-se referência a qualquer perda que possa advir do trabalho em conjunto.
1. Sinergia Organizacional
Perspectivas sociais e psicológicas
no processo colaborativo
Sociais
A efetividade da colaboração depende
fortemente de qualidades que fazem com que as
pessoas tenham maior penetração social e sejam
aceitas com mais facilidades nos ambientes que
freqüentam. Pode-se dizer que sem cortesia, ou
sem reconhecimento do limite das nossas forças,
ou sem a fidelidade das nossas intenções, ou sem
legitimidade de propósitos, não haverá chance de
ocorrer colaboração. Por isso é que virtudes1
como gentileza, humildade, lealdade e
integridade é que vão contribuir, em nível mais elevado, para a
existência de atitudes e comportamentos colaborativos como
desprendimento, informalidade, e senso de realização.
Desprendimento
Em princípio, a colaboração se caracteriza pelo desprendimento e
informalidade na realização das metas. O ideal do processo
colaborativo na elaboração de alguma nova idéia pode acontecer pela
demolição da mesma de modo sincero e sem hostilidade no momento
da sua apresentação. O que exige bastante tolerância por parte do
detentor da idéia que é forçado a procurar uma forma mais clara de
apresentá-la. Quanto maior for o desprendimento do autor maior será a
disposição de todos para compreender o assunto, e contribuir para o
refinamento da própria idéia. Pode-se dizer que, além disso, num
exercício de humildade, aceita-se o ofuscamento do ego individual em
prol de uma meta maior. Chega-se a um ponto em que ocorre um
verdadeiro compartilhamento de idéias, superando a atitude possessiva
de “aquela é uma idéia que eu pensei primeiro” e passando para uma
1
Ver mais sobre virtudes no capítulo “Caráter Sinergístico”.
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2. Colaboração Sinergística
atitude superior do tipo “aquela é uma idéia que eu tomei parte na
criação.”
Dentro dessa linha, conta-se que Picasso e seus associados mais
próximos pararam de assinar seus trabalhos por um curto período em
suas vidas. Estes artistas trabalharam envolvidos numa proximidade tão
grande na produção de uma nova arte que acreditavam ser um
desvirtuamento de autoria assinar qualquer de suas pinturas. Eles
acreditavam que sem pista de quem as produziu as pinturas serviriam
de forma muito mais apropriada a um objetivo maior – produzir arte em
elevado grau de excelência.[14]
Informalidade
Parece que os melhores trabalhos colaborativos ocorrem em
ambiente onde a gentileza, a alegria e a descontração contribuem para
manter a informalidade. Os rabiscos e desenhos, aparentemente sem
sentido, feitos às pressas no guardanapo de uma mesa do café, nos
lembram como manifestações de criatividade podem ocorrer em
ambientes informais. Estas manifestações motivam alguns restaurantes
a colocarem lápis de cera sobre a mesa2 para que os clientes façam seus
rabiscos sobre toalha de papel colocada especialmente para aquele
propósito. Isto é o que ocorre também nas sessões de brainstorming,
onde são produzidos notáveis resultados criativos com informalidade e
de modo aparentemente caótico. Dentro desse espírito, idéias se
desenvolvem a partir do desejo, ou da vontade, da veneta, ou até
mesmo da fantasia, até atingir sua plenitude.
Senso de realização
A colaboração é assim, um meio para atingir um fim e jamais um
fim em si mesma. Claro, que isto não afasta a necessidade de
verificação da qualidade do trabalho colaborativo, que é avaliado
sempre tendo em mente a meta a ser cumprida. Isto implica em manter
integridade relativa às ações, promessas e afirmações sobre tudo que se
propõe fazer, além de lealdade a todos os envolvidos e interessados no
trabalho colaborativo, sejam eles diretos ou indiretos. Só dessa forma
se desenvolve segurança quanto à razão da colaboração em si,
ressaltando a importância do que se está fazendo. É também assim que
2
No Rio de Janeiro, este autor freqüenta um restaurante, que além de excelente cozinha, há alguns anos
coloca o cliente à vontade para fazer seus rabiscos com lápis de cera sobre toalha de papel branco.
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3. Sinergia Organizacional
se consegue traduzir a visão compartilhada em objetivos específicos,
enfatizando a obtenção de resultados em função destes objetivos sem
deixar de considerar as prioridades na tomada de decisões.
Quando o nível de colaboração atinge o ápice, pode-se dizer que o
grupo de trabalho colaborativo transforma-se em uma equipe de alto
desempenho. Neste estágio, independentemente do número de
indivíduos, eles já saberão quais são os seus conhecimentos
complementares, estarão compromissados com um único propósito a
ser realizado através de uma abordagem comum. Somando a isto as
metas de performance pelas quais os membros da equipe têm que se
manter mutuamente responsáveis, a única saída é adotar o trabalho
colaborativo e seus ingredientes na sua quintessência.
Perspectiva Psicológica
No trabalho colaborativo não há como impedir que cada colaborador
tenha sua própria forma de imaginar, intuir, sentir, perceber e pensar a
respeito do processo colaborativo em si. Além disto, todos os
envolvidos vão estar refletindo sobre o propósito final, o
relacionamento interpessoal, e o próprio esforço conjunto. É usando a
percepção, intuição, sentimento e pensamento que cada colaborador vai
adquirir mais confiança, dedicar mais respeito mútuo, e desenvolver a
maturidade coerente com o que estiver sob sua responsabilidade.
Confiança
Sabe-se que os bloqueios mais fortes ao sucesso do relacionamento
interpessoal estão onde sentimos a dor mais forte, a frustração maior, as
nossas inseguranças. Possivelmente, estes bloqueios serão tão maiores
quanto maior for nossa ignorância a respeito de nossas forças e
fraquezas. Os bloqueios serão tão maiores quanto menos observarmos a
maravilhosa virtude da humildade, que nos dá a consciência do limite
das nossas forças, apontando as nossas fraquezas e nos prevenindo
contra frustrações e inseguranças. Seguindo essa linha, ainda pode-se
dizer que a confiança depende de comunicação aberta, respeito mútuo e
tolerância. Sabe-se também que confiança depende da prática da
verdade, da sinceridade e do feedback autêntico.
Um dos aspectos importantes da confiança é que ela induz a
disposição para aceitar idéias alheias, contribuindo para o sentimento
de realização e para o orgulho de fazer parte de uma equipe triunfante.
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4. Colaboração Sinergística
Isto ocorre, em parte, porque a confiança traz um pensamento livre do
receio de mensagem subjacente3 por parte dos outros e
conseqüentemente libera todos para a expressão de sentimentos
genuínos.
A confiança é um poderoso catalisador do processo colaborativo,
que atua tanto para iniciar quanto para manter a cooperação num
padrão elevado. A pessoa começa a se tornar confiável quando
demonstra franqueza ao falar sobre o próprio comportamento. Quando
não existe confiança, quando os indivíduos não conseguem depender da
palavra ou do esforço alheio, acabam fazendo todos os trabalhos
sozinhos ou, na melhor das hipóteses, controlando exageradamente
tudo que é feito. Em compensação, a confiança que se demonstra em
relação aos outros faz com eles retribuam com o mesmo sentimento.
Ou seja, quando acreditamos nas pessoas, estamos dando o primeiro
passo para que elas acreditem em nós, criando assim um sentimento
recíproco. Entretanto este sentimento não se mantém por si só. Na
manutenção desta reciprocidade devemos considerar os efeitos da
vulnerabilidade mútua, a consciência do impacto da desconfiança sobre
o trabalho colaborativo, o inventário dos principais focos de
desconfiança, a reação e a restauração.[10]
Vulnerabilidade mútua
Quando alguém confia em outra pessoa, ela se torna de certa forma
vulnerável, pois como não se podem controlar atitudes e
comportamentos alheios, fica-se sujeito às conseqüências das reações
futuras do outro. Entretanto, se ninguém assumir o risco de confiar pelo
menos um pouco, o relacionamento será atravancado pelo excesso de
prudência e suspeita. Por isto, quando se quer elevar os níveis de
desempenho através do trabalho colaborativo, há que se demonstrar
confiança, antes de se esperar que os outros demonstrem que confiam.
Em geral, espera-se que o líder tenha a coragem para confiar em
primeiro lugar, isto significa estar disposto a assumir o risco de confiar
nos outros. Afinal de contas liderança tem forte conotação com estar na
primeira posição e conduzir.[19] Esta condução implica em deixar os
outros saberem em que se acredita, o que se valoriza, o que se quer, o
3
Mensagem subjacente no sentido daquela opinião oculta que se manifesta através da comunicação não
verbal, ou depois que o interlocutor expõe suas fraquezas, criando, em geral, um clima de insegurança e
desmotivação. É como se fosse “a carta embaixo da manga” no processo de comunicação.
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5. Sinergia Organizacional
que se espera, o que se deseja fazer, precisando às vezes expor até
informações pessoais. É de se supor que isto envolva algum risco, pois
não se pode ter certeza se os outros irão aceitar os mesmos valores,
apreciar a sinceridade, concordar com as aspirações, ou interpretar as
palavras e atitudes da forma que se espera. Entretanto esta atitude traz o
risco de encorajar outros a agirem do mesmo modo, criando assim uma
vulnerabilidade mútua.
Impacto da desconfiança
Estudos demonstraram o impacto da confiança interpessoal sobre a
eficácia do trabalho colaborativo.[10] Num destes estudos, foram
distribuídas informações idênticas relativas a um difícil problema de
decisão operacional, e depois se formaram grupos para os quais
solicitou-se a solução. Para metade dos grupos estimulou-se um
comportamento de confiança e para a outra metade induziu-se um
comportamento de desconfiança. A análise de respostas a questionários
aplicados demonstrou que os membros dos grupos estimulados a
confiar mostraram mais abertura na comunicação, perceberam mais
claramente as metas, manifestaram mais confiança mútua e procuraram
mais alternativas de ação. Além disto a confiança estimulada despertou
satisfação, motivação para implementar decisões e coesão com a equipe
gerencial. Por outro lado nos grupos induzidos a não confiar, a
desconfiança dos integrantes do grupo era tão grande que a sinceridade
gerencial foi interpretada como tentativa de engrupi-los e por isto
reagiram para sabotar os esforços gerenciais. Por sua vez, os gerentes,
que agiram com sinceridade e se sentiram vítimas da sabotagem,
responderam na mesma moeda.
Estes comportamentos foram constatados numa simulação em que
participavam executivos de diversas organizações que se comportaram
conforme as instruções de confiar ou não confiar em quem estava no
papel de gerente. Depois da simulação, quando questionados sobre os
fatores responsáveis pelas diferenças nos resultados dos grupos,
ninguém percebeu que a confiança foi a variável primordial. Houve
quem afirmasse que antes do exercício nunca havia percebido ser a
falta de confiança o grande gerador de conflitos no seu ambiente de
trabalho.
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6. Colaboração Sinergística
Focos de desconfiança
Na vida organizacional, se a falta de confiança fosse inventariada,
teríamos que levar em consideração não apenas custos mais elevados,
como também a perda de clientes pela menor atenção, o desperdício de
oportunidades pelo estrangulamento da inovação, e os desgastes
decorrentes da menor vitalidade empresarial. Ao analisar as principais
causas da desconfiança profunda reinante, acabaríamos percebendo que
a origem de tudo pode estar na incompetência ou sua presunção,
avaliação e recompensas desalinhadas, distorções sistêmicas,
informações não confiáveis e falta de integridade.[18] Em resumo, parece
haver comprovação de que num ambiente sem confiança, a
vulnerabilidade é maior porque se assume uma postura de
autoproteção, passa-se adiante a desconfiança, retém-se ou distorcem-
se informações, e encara-se como tapeação qualquer manifestação de
sinceridade.
Por outro lado, a consciência de que a confiança é um fator-chave,
leva a uma valorização da diversidade de pontos de vista, habilidades e
competências dos membros da equipe. Além disto, permite-se que
qualquer um possa exercer influência genuína sobre as decisões. Em
outras palavras, a confiança tem um efeito recursivo sobre si mesma,
pois contribui para o desenvolvimento de competências, criação de
recompensas, pensamento sistêmico equilibrado e busca por
informações confiáveis para dar suporte à integridade organizacional.
Reação e restauração
As pessoas mais confiantes parecem ser mais felizes e ajustadas do
que as que têm dificuldade de confiar nos outros. Talvez porque a
reação mais natural seja gostar das pessoas que facilmente confiam nos
outros, fazendo estas pessoas se sentirem queridas, felizes e ajustadas.
Quando existe confiança mútua, valorizam-se opiniões e aceitam-se
influências. Pode-se dizer então que uma das grandes vantagens de
confiar no outro está na reação do outro com relação a quem confia
nele. O gerente que demonstra comportamento muito controlador,
transmite uma falta de confiança e tende a ser visto como menos digno
de confiança. O gerente confiante que dá liberdade e deixa seus
colaboradores tomarem iniciativas tende a ser considerado merecedor
de confiança.
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7. Sinergia Organizacional
O que importa nisto tudo é que o relacionamento é afetado pela
percepção da confiabilidade que, se for baixa, pode inibir o desejo de
ser sincero com essa pessoa. Lamentavelmente, na prática, alguns
justificam suas mentiras e comportamentos pouco éticos como meio de
se proteger dos pouco confiáveis, ou para se prevenir contra aqueles
que lançam mão de represálias desmedidas quando ouvem a verdade.
Percebe-se então a importância do comportamento do líder, pois é a
partir de seu exemplo que se desenvolve um padrão de confiança para
todo o grupo.[10] Cabe ao líder estimular um clima de confiança, dando o
exemplo pela comunicação aberta, pelo respeito aos colaboradores e
pela tolerância acompanhada da prática da verdade e da sinceridade.
Respeito mútuo
Respeito é um sentimento de aceitação e aprovação das atitudes,
opiniões e desejos do outro, mantendo elevado nível de estima e
apreço.[20] Entretanto este sentimento não pode ser incondicional, pois é
provável que haja um limite mínimo de respeito mútuo, função da
tolerância de cada um, influenciando a confiança de ambas as partes.
Respeitado este limite, tudo indica que numa colaboração bem sucedida
as pessoas tendem a relevar irritantes peculiaridades e idiossincrasias
de seus colegas por mais tempo do que nos relacionamentos não
colaborativos. O respeito, e a tolerância contribuem para a conquista de
confiança mútua e faz todos reconhecerem o valor da responsabilidade
compartilhada. Assim, se um colaborador está prestes a quebrar um
compromisso ou trair a confiança na realização de algo, ele lembra que
a colaboração existe precisamente porque todos acreditam que há uma
necessidade mútua para a realização do trabalho.
Tolerância
A tolerância implica em menor oposição a credos ou práticas
diferentes das nossas, suportando pacientemente alguma atitude ou
comportamento desagradável que nos incomoda diretamente, ou
incomoda a quem temos apreço. Quando esses incômodos variam de
uma tagarelice excessiva a um mau humor abrupto, os colaboradores
bem sucedidos tendem a refletir sobre as potencialidades e não as
fraquezas do outro. E a todo instante eles se voltam para os seus
diálogos interiores, em busca de reforço da mensagem “a meta está
muito acima de desentendimentos e contrariedades pessoais”. Com este
reforço consegue-se manter um nível de tolerância alto, admitindo
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8. Colaboração Sinergística
modos de agir ou pensar mesmo que estes tenham grande interferência
nos pensamentos, atitudes e ações dos envolvidos com a tarefa que está
sendo realizada.
Trecho do livro “Sinergia Fator de Sucesso nas Realizações Humanas”
Sérgio Lins editado pela Campus-Elsevier em 2005
Referências
Livros
[10] KOUZES, James M. & POSNER, Barry Z. O Desafio da Liderança. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1995.
[14] SCHRAGE, Michael. Shared Minds: The New Technologies of Collaboration. New York:
Random House, 1990.
[18] WHITNEY, John O. Além da Reengenharia: o fator confiança. Handout do seminário
‘Transformando Organizações – Fórum Executivo’. Rio de Janeiro: IBM, Agosto de
1994”.
[19] BARROSO, Ellery Girão. Dicionário Aurélio Eletrônico. Rio de Janeiro: Lacerda &
Geiger, 1996.
[20] Language Master LM 2200. The Proximity Merriam-Webster Concise Electronic
Dictionary. New Jersey: Franklin Electronic Publishers, 1990.
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