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    ●   SEGUNDO CADERNO                                                                                O GLOBO                                                                     Domingo, 11 de dezembro de 2011



                                                                                                                                                                                                   Valerio Pennicino/Getty Images




UMBERTO ECO na feira do livro de Turim, em maio deste ano: escritor, que lançou recentemente o romance best-seller “Cemitério de Praga”, acredita na convivência pacífica entre publicações impressas e eletrônicas




                                     O mestre dos livros
    Às vésperas de completar 80 anos, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, dono de uma biblioteca de 30 mil volumes,
     fala de literatura e tecnologia, comenta política e globalização e conta ter se rendido aos e-books numa viagem recente

O GLOBO: O que o inspirou a es-    principal característica do ho-                                Guilherme Aquino                                Agora, paga. Tinha um progra-        ● A internet democratiza o co-
crever “Cemitério de Praga”?       mem é que ele está sempre                                                                                      ma muito avançado e não con-         nhecimento? E até que ponto
                                                                                              segundocaderno@oglobo.com.br
UMBERTO ECO: Desde o co-           pronto a acreditar em tudo.                                                                                    seguiu realizá-lo. Mas o impor-      ela é capaz de condicionar
                                   Por quê?                                                   Especial para O GLOBO • MILÃO                       tante é que ainda está lá.           eventos como a derrubada de
meço dos anos 1970, ensinan-



                                                                           U
do semiótica, eu dizia que a       O homem tem a necessidade                           mberto Eco, cigarro toscano na mão, é quem abre a                                               ditadores?
linguagem humana era carac-        de pensar que existe um cami-                       porta de seu confortável apartamento, num prédio           ● Qual é a sua relação com a         É verdadeiro que a Primavera
terizada pela capacidade de        nho fácil para tudo, e para isso                    de época, diante das muralhas do castelo Sforzesco,        tecnologia? Acredita que o li-       Árabe foi favorecida pela rápi-
mentir. Um cachorro não men-       está disposto a acreditar em                        em Milão. Renate Ramge, alemã com quem é casado            vro em papel resistirá?              da troca de informações pela
te. Ele não late para me dizer     bruxos. É necessário ser mui-           há 49 anos, prepara um café, enquanto um dos mais impor-               O livro de papel tem ainda um        internet. Mas, para todo o resto
que tem alguém do lado de fo-      to forte para ter consciência           tantes intelectuais do mundo se senta em uma poltrona branca           destino a ser cumprido, pelo         do saber, da sabedoria, ela dá
ra quando não tem ninguém. E       de que tudo custa muito tem-            num canto do salão iluminado pela luz natural que entra pelas          menos no sentido técnico. Te-        informações demais. Por exem-
o homem pode continuar a           po e sacrifício. O ser humano           janelas. No centro da sala, obras literárias raras. Nas paredes,       mos a prova científica de que        plo, o “New York Times” de do-
mentir, sempre. Esta é uma ca-     precisa acreditar que existem           quadros de arte moderna, “todos verdadeiros, porque foram              um livro de papel dura 550 anos.     mingo: entre um suplemento e
racterística humana, e sempre      soluções mais fáceis do que a           dados pelos artistas”, como explica o filósofo, escritor e semió-      Eu tenho na minha biblioteca li-     outro, ele tem 600 páginas.
me interessei pelo mecanismo       vida propõe.                            logo italiano que completa 80 anos em janeiro.                         vros produzidos cinco séculos        Uma semana não é suficiente
da mentira. Desde muito cedo                                                  O autor de “O nome da rosa” e “O pêndulo de Foucault”               atrás. Não temos ainda a capa-       para ler tudo. Então, mais da
trato do falso, escrevi obras      ● Os bruxos de ontem são os             guarda, em casa, 30 mil livros, alguns com 500 anos. “Quase            cidade de provar que um mate-        metade da informação do
sobre o tema. Eu havia escrito     políticos de hoje? O ex-premiê          não vou a bibliotecas, tudo o que me interessa está aqui. Quan-        rial eletrônico dure mais do que     “NYT” de domingo se perde. O
sobre como o falso pode in-        italiano Silvio Berlusconi era          do penso em ir a uma livraria, também não vou, porque recebo           X anos, mas certamente não se-       excesso de informação pode
fluenciar a história, desde o      uma “solução fácil”?                    todos os livros lançados, infelizmente”, diz ele, ao longo de uma      rá de 500 anos, porque existe        ser gravíssimo. O papel da cul-
começo dos séculos. A doação       Os políticos vencem sempre              entrevista permeada por ironias. Seu livro mais recente, “Ce-          uma renovação contínua. Há           tura não é apenas de salvar a
de Constantino era um falso        quando fazem promessas fá-              mitério de Praga” (Record), sobre a história de Simone Simo-           ainda o fato de que você encon-      informação, mas de cortá-la
documento que determinou           ceis. Berlusconi venceu quando          nini, um falsário inventado pelo autor, está há seis semanas na        tra no porão de casa o livro que     também. A cultura nos diz
todo o triunfo da igreja e da      prometeu menos impostos,                lista dos mais vendidos do GLOBO. Sobre ele, Eco diz que sem-          leu quando tinha 10 anos, com        quando morreu Julio Cesar,
política medieval. Sobre o fal-    mas depois os eleitores se de-          pre se interessou pela mentira. E afirma acreditar na convivên-        os seus sinais nas margens... Se     mas não nos diz o que fez sua
so mais importante ou trágico,     ram conta de que não se podia           cia pacífica de livros em papel com e-books, comemora a que-           amanhã encontrar no porão um         mulher depois de sua morte,
os Protocolos (dos Sábios do       diminuir mais do que um tanto.          da de Silvio Berlusconi e conta que tem prazer ao maltratar            pen-drive, ele não vai lhe dizer     porque isso não deve importar
Sião, falso documento do sécu-     A parábola de Berlusconi reme-          leitores. “Escrevo para os masoquistas”, afirma, rindo, sobre o        nada. Com o livro, se estabelece     a ninguém. A pobre coitada de-
lo XIX que visava provar um        te ao começo dos anos 1990, ao          desafio intelectual que seus romances impõem ao leitor.                uma relação física, carnal, afeti-   ve ter ficado chorando, na sua
plano conspiratório para que       desmoronamento dos demo-                                                                                       va. Enfim, é muito melhor para       casa. A cultura corta, filtra. A
judeus dominassem o mundo),        cratas-cristãos, com os inquéri-                                                                               uma criança levar para a escola      internet não filtra nada, nos diz
eu também já tinha escrito al-     tos de corrupção e o fim do co-                                                                                um iPad com os dicionários do        tudo, e nesse tudo está incluí-
go em “O pêndulo de Fou-           munismo. Os Estados Unidos          resses, e tem a ideia de cobrir        ver... Há 50 anos, havia uma        que levar todos os volumes nas       do o que foi produzido por ma-
cault” (1988). A minha ideia       não precisavam mais de uma          esse buraco. E o faz sendo um          guerra na Grécia e ela não era      costas. Mas é muito difícil ler      lucos. Pode ser até falso o no-
era falar disso de forma mais      democracia cristã italiana, que     bravíssimo comunicador, crian-         importante para ninguém. Ho-        “Guerra e paz” num e-book. Com       me de quem está escrevendo.
narrativa, mais difusa. E havia    era uma barreira ao comunis-        do o seu próprio público, um           je, basta uma crise econômica       o tempo, mudei levemente de
ainda a minha paixão pelos ro-     mo. Forma-se no eleitorado ita-     slogan de combate ao comunis-          na Grécia que tudo (é afeta-        opinião. Recentemente fiz via-       ●  O senhor declarou que o
mances populares do século         liano um buraco enorme. Ber-        mo... Depois, devagar, a opinião       do)... A globalização traz consi-   gens de 20 dias e levei 20 livros    ódio é a única verdadeira
XIX, entre tantas outras coi-      lusconi precisava ir ao governo     pública percebeu que o homem           go os seus males, e é necessá-      pesados. Na segunda vez, carre-      paixão. Por quê?
sas. Coloquei tudo junto.          para defender os próprios inte-     se tornava cada vez mais ridícu-       rio aprender a defender-se.         guei 20 livros no iPad.              Depois que escrevi o romance,




                                    “                                                                                                             “
                                                                       lo. Acabou uma era.                                                                                             fiz um artigo para a revista “Es-
● O senhor gosta de desafiar o                                                                                ● E como fazer isso?                                                     presso” refletindo sobre esse te-
leitor. Com fatos e palavras...                                        ● Seu novo livro, embora am-           Se eu soubesse, seria presi-                                             ma. O amor isola. Eu a amo, que-
Somos 7 bilhões no mundo,                                              bientado no passado, fala so-          dente dos Estados Unidos.                                                ro que ela me ame, e não quero
então o número dos meus lei-                                           bre o presente. Um dos perso-                                                                                   que ela ame outro. A paixão é
tores é mínimo, mas alguns                                             nagens alerta que o capitalis-         ● Neste momento de crise,                                                egoísta e limitada. O ódio é ge-
querem um desafio, querem                                              mo envenena a sociedade                nem o presidente dos EUA pa-                                             neroso, é social, um povo inteiro
que um livro seja uma provo-                                           moderna. Esse é um dos efei-           rece ter a solução.                                                      pode odiar outro, e todos se
cação para a inteligência, um                                          tos da globalização?                   (O problema) Não é tanto Oba-                                            sentem unidos por um senti-
esforço. Os editores acham            Alguns (leitores)                Escrevendo o romance eu sa-            ma, mas o antiobamismo que,             A internet não                   mento comum. Lembro que
que o leitor quer coisas fáceis.                                       bia que estava falando de coi-         nos EUA, tornou-se a extrema-                                            aqui na Itália não temos inimi-
Mas, para isso, ele já tem a te-      querem um desafio,               sas atuais. Hoje, temos o capi-        direita, representada por pes-          filtra nada, nos diz             gos fora das fronteiras, mas aqui
levisão. Ninguém consegue ex-         querem que um                    talismo selvagem. A crise na           soas... Vimos recentemente três         tudo, e nesse tudo               dentro... Durante dois mil anos,
plicar por que o único livro fá-                                       qual estamos vivendo foi pro-          possíveis candidatos (republi-                                           as cidades italianas combate-
cil que escrevi, “A misteriosa        livro seja uma                   vocada pelos banqueiros, ma-           canos) que caíram, um depois            está incluído o que              ram umas às outras. E isso ex-
chama da Rainha Loana”
(2004), não interessou a nin-
                                      provocação para a                landros que aplicaram golpes.
                                                                       E, no mundo globalizado, tem
                                                                                                              do outro, porque na televisão
                                                                                                              demostraram ser três perfeitos
                                                                                                                                                      foi produzido por                plica por que nos esfolamos so-
                                                                                                                                                                                       zinhos. É algo típico da Itália. ■
guém. Tudo chega mastigado.           inteligência, um                 menos importância a democra-           idiotas. Um partido que não             malucos. Pode ser
Escrevo para os masoquistas
que querem ser maltratados.
                                      esforço. Os editores             cia representativa do que os
                                                                       tecnocratas. Então talvez este-
                                                                                                              consegue apresentar um candi-
                                                                                                              dato que valha um tostão é um
                                                                                                                                                      até falso o nome                       O GLOBO NA INTERNET

 Em “Cemitério...”, um dos
                                      acham que o leitor               jamos caminhando rumo a um
                                                                       governo de oligarquia, e não
                                                                                                              pouco grave. Obama paga o
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personagens afirma que a              quer coisas fáceis               mais a uma democracia, vamos           difícil chegar à Casa Branca.           escrevendo                            oglobo.com.br/blogs/prosa

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O mestre dos livros fala sobre literatura, tecnologia e política

  • 1. 4 . ● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Domingo, 11 de dezembro de 2011 Valerio Pennicino/Getty Images UMBERTO ECO na feira do livro de Turim, em maio deste ano: escritor, que lançou recentemente o romance best-seller “Cemitério de Praga”, acredita na convivência pacífica entre publicações impressas e eletrônicas O mestre dos livros Às vésperas de completar 80 anos, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, dono de uma biblioteca de 30 mil volumes, fala de literatura e tecnologia, comenta política e globalização e conta ter se rendido aos e-books numa viagem recente O GLOBO: O que o inspirou a es- principal característica do ho- Guilherme Aquino Agora, paga. Tinha um progra- ● A internet democratiza o co- crever “Cemitério de Praga”? mem é que ele está sempre ma muito avançado e não con- nhecimento? E até que ponto segundocaderno@oglobo.com.br UMBERTO ECO: Desde o co- pronto a acreditar em tudo. seguiu realizá-lo. Mas o impor- ela é capaz de condicionar Por quê? Especial para O GLOBO • MILÃO tante é que ainda está lá. eventos como a derrubada de meço dos anos 1970, ensinan- U do semiótica, eu dizia que a O homem tem a necessidade mberto Eco, cigarro toscano na mão, é quem abre a ditadores? linguagem humana era carac- de pensar que existe um cami- porta de seu confortável apartamento, num prédio ● Qual é a sua relação com a É verdadeiro que a Primavera terizada pela capacidade de nho fácil para tudo, e para isso de época, diante das muralhas do castelo Sforzesco, tecnologia? Acredita que o li- Árabe foi favorecida pela rápi- mentir. Um cachorro não men- está disposto a acreditar em em Milão. Renate Ramge, alemã com quem é casado vro em papel resistirá? da troca de informações pela te. Ele não late para me dizer bruxos. É necessário ser mui- há 49 anos, prepara um café, enquanto um dos mais impor- O livro de papel tem ainda um internet. Mas, para todo o resto que tem alguém do lado de fo- to forte para ter consciência tantes intelectuais do mundo se senta em uma poltrona branca destino a ser cumprido, pelo do saber, da sabedoria, ela dá ra quando não tem ninguém. E de que tudo custa muito tem- num canto do salão iluminado pela luz natural que entra pelas menos no sentido técnico. Te- informações demais. Por exem- o homem pode continuar a po e sacrifício. O ser humano janelas. No centro da sala, obras literárias raras. Nas paredes, mos a prova científica de que plo, o “New York Times” de do- mentir, sempre. Esta é uma ca- precisa acreditar que existem quadros de arte moderna, “todos verdadeiros, porque foram um livro de papel dura 550 anos. mingo: entre um suplemento e racterística humana, e sempre soluções mais fáceis do que a dados pelos artistas”, como explica o filósofo, escritor e semió- Eu tenho na minha biblioteca li- outro, ele tem 600 páginas. me interessei pelo mecanismo vida propõe. logo italiano que completa 80 anos em janeiro. vros produzidos cinco séculos Uma semana não é suficiente da mentira. Desde muito cedo O autor de “O nome da rosa” e “O pêndulo de Foucault” atrás. Não temos ainda a capa- para ler tudo. Então, mais da trato do falso, escrevi obras ● Os bruxos de ontem são os guarda, em casa, 30 mil livros, alguns com 500 anos. “Quase cidade de provar que um mate- metade da informação do sobre o tema. Eu havia escrito políticos de hoje? O ex-premiê não vou a bibliotecas, tudo o que me interessa está aqui. Quan- rial eletrônico dure mais do que “NYT” de domingo se perde. O sobre como o falso pode in- italiano Silvio Berlusconi era do penso em ir a uma livraria, também não vou, porque recebo X anos, mas certamente não se- excesso de informação pode fluenciar a história, desde o uma “solução fácil”? todos os livros lançados, infelizmente”, diz ele, ao longo de uma rá de 500 anos, porque existe ser gravíssimo. O papel da cul- começo dos séculos. A doação Os políticos vencem sempre entrevista permeada por ironias. Seu livro mais recente, “Ce- uma renovação contínua. Há tura não é apenas de salvar a de Constantino era um falso quando fazem promessas fá- mitério de Praga” (Record), sobre a história de Simone Simo- ainda o fato de que você encon- informação, mas de cortá-la documento que determinou ceis. Berlusconi venceu quando nini, um falsário inventado pelo autor, está há seis semanas na tra no porão de casa o livro que também. A cultura nos diz todo o triunfo da igreja e da prometeu menos impostos, lista dos mais vendidos do GLOBO. Sobre ele, Eco diz que sem- leu quando tinha 10 anos, com quando morreu Julio Cesar, política medieval. Sobre o fal- mas depois os eleitores se de- pre se interessou pela mentira. E afirma acreditar na convivên- os seus sinais nas margens... Se mas não nos diz o que fez sua so mais importante ou trágico, ram conta de que não se podia cia pacífica de livros em papel com e-books, comemora a que- amanhã encontrar no porão um mulher depois de sua morte, os Protocolos (dos Sábios do diminuir mais do que um tanto. da de Silvio Berlusconi e conta que tem prazer ao maltratar pen-drive, ele não vai lhe dizer porque isso não deve importar Sião, falso documento do sécu- A parábola de Berlusconi reme- leitores. “Escrevo para os masoquistas”, afirma, rindo, sobre o nada. Com o livro, se estabelece a ninguém. A pobre coitada de- lo XIX que visava provar um te ao começo dos anos 1990, ao desafio intelectual que seus romances impõem ao leitor. uma relação física, carnal, afeti- ve ter ficado chorando, na sua plano conspiratório para que desmoronamento dos demo- va. Enfim, é muito melhor para casa. A cultura corta, filtra. A judeus dominassem o mundo), cratas-cristãos, com os inquéri- uma criança levar para a escola internet não filtra nada, nos diz eu também já tinha escrito al- tos de corrupção e o fim do co- um iPad com os dicionários do tudo, e nesse tudo está incluí- go em “O pêndulo de Fou- munismo. Os Estados Unidos resses, e tem a ideia de cobrir ver... Há 50 anos, havia uma que levar todos os volumes nas do o que foi produzido por ma- cault” (1988). A minha ideia não precisavam mais de uma esse buraco. E o faz sendo um guerra na Grécia e ela não era costas. Mas é muito difícil ler lucos. Pode ser até falso o no- era falar disso de forma mais democracia cristã italiana, que bravíssimo comunicador, crian- importante para ninguém. Ho- “Guerra e paz” num e-book. Com me de quem está escrevendo. narrativa, mais difusa. E havia era uma barreira ao comunis- do o seu próprio público, um je, basta uma crise econômica o tempo, mudei levemente de ainda a minha paixão pelos ro- mo. Forma-se no eleitorado ita- slogan de combate ao comunis- na Grécia que tudo (é afeta- opinião. Recentemente fiz via- ● O senhor declarou que o mances populares do século liano um buraco enorme. Ber- mo... Depois, devagar, a opinião do)... A globalização traz consi- gens de 20 dias e levei 20 livros ódio é a única verdadeira XIX, entre tantas outras coi- lusconi precisava ir ao governo pública percebeu que o homem go os seus males, e é necessá- pesados. Na segunda vez, carre- paixão. Por quê? sas. Coloquei tudo junto. para defender os próprios inte- se tornava cada vez mais ridícu- rio aprender a defender-se. guei 20 livros no iPad. Depois que escrevi o romance, “ “ lo. Acabou uma era. fiz um artigo para a revista “Es- ● O senhor gosta de desafiar o ● E como fazer isso? presso” refletindo sobre esse te- leitor. Com fatos e palavras... ● Seu novo livro, embora am- Se eu soubesse, seria presi- ma. O amor isola. Eu a amo, que- Somos 7 bilhões no mundo, bientado no passado, fala so- dente dos Estados Unidos. ro que ela me ame, e não quero então o número dos meus lei- bre o presente. Um dos perso- que ela ame outro. A paixão é tores é mínimo, mas alguns nagens alerta que o capitalis- ● Neste momento de crise, egoísta e limitada. O ódio é ge- querem um desafio, querem mo envenena a sociedade nem o presidente dos EUA pa- neroso, é social, um povo inteiro que um livro seja uma provo- moderna. Esse é um dos efei- rece ter a solução. pode odiar outro, e todos se cação para a inteligência, um tos da globalização? (O problema) Não é tanto Oba- sentem unidos por um senti- esforço. Os editores acham Alguns (leitores) Escrevendo o romance eu sa- ma, mas o antiobamismo que, A internet não mento comum. Lembro que que o leitor quer coisas fáceis. bia que estava falando de coi- nos EUA, tornou-se a extrema- aqui na Itália não temos inimi- Mas, para isso, ele já tem a te- querem um desafio, sas atuais. Hoje, temos o capi- direita, representada por pes- filtra nada, nos diz gos fora das fronteiras, mas aqui levisão. Ninguém consegue ex- querem que um talismo selvagem. A crise na soas... Vimos recentemente três tudo, e nesse tudo dentro... Durante dois mil anos, plicar por que o único livro fá- qual estamos vivendo foi pro- possíveis candidatos (republi- as cidades italianas combate- cil que escrevi, “A misteriosa livro seja uma vocada pelos banqueiros, ma- canos) que caíram, um depois está incluído o que ram umas às outras. E isso ex- chama da Rainha Loana” (2004), não interessou a nin- provocação para a landros que aplicaram golpes. E, no mundo globalizado, tem do outro, porque na televisão demostraram ser três perfeitos foi produzido por plica por que nos esfolamos so- zinhos. É algo típico da Itália. ■ guém. Tudo chega mastigado. inteligência, um menos importância a democra- idiotas. Um partido que não malucos. Pode ser Escrevo para os masoquistas que querem ser maltratados. esforço. Os editores cia representativa do que os tecnocratas. Então talvez este- consegue apresentar um candi- dato que valha um tostão é um até falso o nome O GLOBO NA INTERNET Em “Cemitério...”, um dos acham que o leitor jamos caminhando rumo a um governo de oligarquia, e não pouco grave. Obama paga o preço de ser negro. Era muito de quem está a Praga” resenha de “O cemitério de Leia a ● personagens afirma que a quer coisas fáceis mais a uma democracia, vamos difícil chegar à Casa Branca. escrevendo oglobo.com.br/blogs/prosa