O autor descreve sua longa experiência assistindo aos desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro, desde a velha arquibancada de madeira até a atual Passarela do Samba. Ele também comenta sobre as transformações ocorridas ao longo dos anos, como a remoção do bloco de camarotes, e expressa esperança de que os desfiles ganhem em qualidade com as mudanças. Por fim, lamenta a perda recente de um amigo querido que compartilhava sua paixão pelo carnaval.
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22• REVISTA O GLOBO• 19 DE FEVEREIRO DE 2012
convidado
Colunista
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Gustavo Gasparini*
Divulgação
O samba é meu dom
O desfile das escolas de samba está com- o jovem aspirante a ator o tempo também
pletando 80 anos, dos quais fui testemunha passou... Sem me dar conta, de público virei
ocular de 30. Comecei na velha arquibancada de artista, desfilando por mais de 20 anos como
Comecei na velha madeira, que balançava conforme a batida do passista na verde-e-rosa. Sem planejar, misturei a
surdo. Ela era desconfortável, porém mais pró- estética carnavalesca com minha recente vida de
arquibancada de xima da pista e nos dava uma sensação de dramaturgo para musicais. E inspirado no genial
intimidade, como se fôssemos um integrante a carnavalesco Fernando Pinto, com sua tropicália
madeira, que mais da escola. Desde os primórdios as nossas
agremiações passearam pela cidade atrás do
maravilha, vou dando asas à imaginação.
Em 2012, haverá uma nova transformação na
balançava local ideal para se apresentarem. Começaram na
mítica Praça Onze, depois foram para a Avenida
pista de desfile. O bloco de camarotes que ficava
no lado par foi ao chão. Graças a Deus! Sempre
Presidente Vargas — do Mangue à Candelária —, detestei aquilo. Era feio e quebrava a interação
conforme a passaram pela Rio Branco, até se instalarem na que existia no passado entre os dois lados das
Marquês de Sapucaí. E é justamente no final arquibancadas. Minha expectativa é a melhor
batida do desse período pré-Sambódromo que minha vida possível. Acho que o espetáculo ganhará em
se cruza com essa história de Momo. comunicação com o público e, quem sabe, o som
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surdo. Ela era
desconfortável,
porém mais
próxima da pista
e nos dava uma
sensação de
intimidade
Em 1984, ano de inauguração da Passarela do
Samba, eu estava no esplendor dos meus 16 anos
e fui com amigas assistir a este marco do nosso
carnaval. Por sorte, ainda vi a minha Mangueira
ser consagrada Supercampeã com o inesque-
cível desfile em homenagem ao compositor
Braguinha. Não imaginava, porém, que também
nesse ano se iniciava uma relação familiar/fra-
ternal pródiga em alegrias e cumplicidades, que
chamamos carinhosamente de Master — uma
turma de loucos apaixonados por carnaval que
se encontra semanalmente, há aproximadamen-
te 30 anos, para trocar ideias e se divertir.
Da nova pista do desfile estranhamos o som,
amplificado demais, a iluminação e a distância
das arquibancadas, que pareciam esfriar o es-
possa ganhar uma melhor equalização. Para
atingirmos o nirvana de Momo, peço ingressos
mais acessíveis. Pois o povão faz falta na festa.
Como homem de teatro, sei muito bem que um
espetáculo se faz da troca de energia entre
plateia e artistas. Portanto, não adianta acusar as
escolas de serem frias. A plateia é, na maioria,
estrangeira ao mundo do samba. E isso é fatal!
Há alguns dias, o tempo trouxe mais uma
inesperada transformação. Meu querido ami-
go e parceiro de samba João Luiz Bernardo,
com quem realizei tantas festas do prêmio
Estandarte de Ouro, partiu... Foi fazer festa no
céu, ao lado de Lamartine, Cartola, Noel e
tantos outros. A ele desejo toda a paz do
mundo, e a vocês, mais um inesquecível
petáculo. O tempo passou, as escolas se adap- carnaval. Pois, o samba e a vida estão em
taram às adversidades e, se perderam um pouco permanente transformação.
do calor, ganharam em plástica e inovações. Não Como disse certa vez uma velha baiana do
há dúvida: é o maior espetáculo da Terra. E para Jacarezinho: “Eu quero é festa, meu filho!”
*GustavoGaspariniéator,autorediretoreestáemcartazcomoespetáculo“AsmimosasdaPraçaTiradentes”