SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 6
Downloaden Sie, um offline zu lesen
NORONHA
A outra face
do paraíso
Procurada por sua vocação de lazer, a única ilha
habitada do arquipélago também guarda lendas,
histórias de mistério e heranças de violência
texto e fotos Fred Navarro

con
ti
nen
te#44

Viagem
1

Fernando de Noronha fica a 545
km do Recife e a 360 km de Natal. As
praias que hipnotizam os turistas e os
mergulhos com visibilidade de até
40 m são suas principais atrações, mas o
arquipélago abriga histórias e mistérios
que costumam se esconder do visitante
mais apressado ou desatento. Ao longo
do tempo, isolados parcialmente
do país, mas não do mundo, seus
habitantes herdaram lendas dos muitos
navegantes que lá encontraram repouso
em meio à travessia do Atlântico.
O arquipélago foi ocupado e
conquistado entre os séculos 16 e 18 por
holandeses, franceses e portugueses,
mas nesse período foi visitado com
frequência por piratas e aventureiros
de diversas origens, e a serviço de

inúmeros reinos e bandeiras (ingleses,
alemães e espanhóis entre eles). Essa
diversidade – aliada à contribuição da
cultura continental, especialmente a
pernambucana – gerou mitos ao longo
dos séculos, e eles hoje enriquecem
a memória e a cultura locais.
Outro aspecto marcante na história
do arquipélago diz respeito ao fato
de ele ter funcionado, por mais de
300 anos, como presídio. Episódios
dolorosos, decorrentes das violências
praticadas na Fortaleza dos Remédios,
na Solitária do Sueste e em outras
dependências da ilha, são passados
adiante, de geração em geração.
Assim é que narrações do
maravilhoso, do além-mar e memórias
do cárcere formam um conjunto de

lendas, mitos e histórias de Noronha,
contados pelos ilhéus e registrados por
pesquisadores. Diante dos cenários onde
supostamente ocorreram e das marcas
que deixaram na ilha principal, somos
levados a uma percepção do fantástico,
para além do encantamento diante da
beleza natural do lugar. A principal ilha
é a única habitada das 21 que compõem
o arquipélago. Com apenas 17 km2, tem
histórias fascinantes e insuspeitas para
contar, como as que se seguem.

CACIMBA DO PADRE

Em 1888, o padre Francisco Adelino
de Brito Dantas, capelão do presídio
da Fortaleza dos Remédios, descobriu
água potável nas imediações da casa
onde morava, na praia da Quixaba, e

co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 6

Viagem_Noronha_JAN.indd 36

27/12/2012 11:43:57
lá construiu uma cacimba de 14 m de
profundidade. Sua fama espalhou-se
tanto, que o nome da praia, nas décadas
seguintes, passou a ser Cacimba do Padre.
Situada na área central do chamado
Mar de Dentro da ilha principal, a praia
tem cerca de 500 m de areia branca,
fica diante das imponentes Ilhas Dois
Irmãos (indiscutível “cartão-postal” do
arquipélago) e dá acesso, de um lado, à
Baía dos Porcos, e, do outro, às praias do
Bode, do Americano e do Boldró. Contam
os ilhéus que o padre nunca se desapegou
do lugar, que por ele seria assombrado.
Registro do mal-assombro é feito
por Campos Aragão, em Guardando céu
nos trópicos: “Nas imediações da fonte,
ruínas indicam grandes construções
do passado, possivelmente a casa

onde viveu o legendário padre. Dizem
que, à noite, o reverendo aparece
no lugar, montado numa mula
branca como a neve, chegando até
a beira da cacimba, como a vigiá-la.
E o lugar, silencioso e belo, guarda
segredos jamais desvendados”.

ALAMOA

Luís da Câmara Cascudo, em Geografia dos
mitos brasileiros, afirma: “É uma entidade
fantasmagórica que aparece na ilha de
Fernando de Noronha. É moça branca,
loura, nua, tentando os pescadores
ou caminhantes retardatários.
Transforma-se depois em um esqueleto,
endoidecendo o namorado que a seguiu.
É também vista como uma luz ofuscante,
policolor, perseguindo quem foge dela”.

Segundo a tradição, essa mulher
inefável mora no Morro do Pico. Como
lenda mais popular do arquipélago,
nomeia pousadas, lojas, restaurantes
e também uma importante estrada da
ilha principal que dá acesso às preciosas
praias do Meio e da Conceição.
O pesquisador Pereira da Costa, no
Folclore pernambucano: subsídios para a história
da poesia popular em Pernambuco, considera
a lenda da Alamoa “uma reminiscência
do tempo dos holandeses”, quando os
nativos pela primeira vez se depararam
com mulheres brancas, altas e louras
no arquipélago. Câmara Cascudo
refutou essa tese (“... pode ser uma
convergência de várias lendas de sereias
e iaras estrangeiras...”) e afirmou ser
difícil determinar com exatidão a sua

co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 7

Viagem_Noronha_JAN.indd 37

27/12/2012 11:43:59
con
ti
nen
te#44

Viagem
2

origem, por ser recorrente no imaginário
popular o tema da mulher bela e
sobrenatural que primeiro atrai e seduz
os homens, e em seguida os destrói
implacavelmente.
Em tempos mais recentes, a
Alamoa passou a ser chamada pelos
ilhéus de Mulher de Branco (ou
Dama de Branco), pois é vestida
com roupas alvas que “ela” pede
carona aos que passam pela BR363 (única estrada asfaltada da ilha
habitada do arquipélago, com apenas
7 km de extensão). Inúmeros ilhéus,
mulheres inclusive, relataram já
terem se deparado com a Alamoa,
principalmente em altas horas da noite.
Em Portugal (na região das
Beiras), é feminino de “alemão” e,

3

como gíria, equivale a mulher forte
e corpulenta. A Alamoa é citada
também na lenda da Porta do Pico.

CAJUEIRO DA CIGANA

Por volta de 1739, dois anos após a
expulsão definitiva dos franceses, os
portugueses trouxeram os primeiros
prisioneiros, inaugurando a função
do arquipélago como presídio-exílio
para aqueles considerados “vadios ou
desordeiros”, ou seja, incômodos ao
Reino por quaisquer motivos.
O grupo inicial era composto por
chefes de famílias ciganas de todo o
Brasil. Depois, chegaram os líderes
farroupilhas derrotados (1844) e os
praticantes de capoeira (em 1890,
acusados de “vagabundagem”). Desde

antes da República, e ao longo de boa
parte do século 20, Noronha foi o destino
de prisioneiros comuns e de presos
políticos de todos os matizes.
Parte da herança desses “moradores
por obrigação” pode ser encontrada na
lenda do Cajueiro da Cigana: “Era uma
linda cigana. Vivia em um casebre, em
lugar deserto, no caminho do Sueste.
Ao lado do mocambo, plantou um dia
um cajueiro, que cresceu, tornandose árvore frondosa. (...) Dizem que
ali, em noite escura, costumam se
encontrar os fantasmas materializados
de um ‘general’ montado a cavalo, de
chapéu, gibão e espada na mão; de um
‘ordenança’, de couraça e armado com
uma lança; e de um ‘padre’ com seu
solidéu. (...) Outras vezes, um vulto

c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 8

Viagem_Noronha_JAN.indd 38

27/12/2012 11:44:02
4
Página anterior
1	 mOrro do pico

	

Um dos cartõespostais da Ilha é
cenário de três
contos do fantástico

Nestas páginas
2	
alamoa
	
É a lenda mais popular

do arquipélago.
Nomeia estrada,
pousadas, lojas e
restaurantes

3-5	Cacimba
	
Conta-se que o

padre aparece, à
noite, para vigiar a
fonte de água que
deu nome à praia

4	
Pescador
	
As aparições do

Gigante da MeiaNoite ocorreriam no
Casarão do Sueste

5

moreno de rara beleza vagueia, como
estranha aparição, naquele lugar onde,
segundo contam, existe enterrado um
caixão de ferro e cobre, com rico tesouro
deixado pelos holandeses...”. Quem
registrou tais aparições foi Maria José
(Marieta) Borges Lins e Silva, em Fernando
de Noronha: lendas e fatos pitorescos.

GIGANTE DA MEIA-NOITE

A lenda diz respeito a um pescador
de estatura gigante, com um enorme
chapéu negro sobre o rosto, que surge no
pesqueiro da Sapata (extremo sudoeste
da ilha). Quando não está pescando, é
visto nas imediações da Casa-Grande
(ou Casarão) do Sueste, onde mora. Em
tempos remotos, essa casa-grande foi
residência de veraneio dos comandantes

A Alamoa também é
chamada de Mulher de
Branco pelos ilhéus.
Dizem que ela vira um
esqueleto, depois de
atrair as presas

do presídio e também hospital para
afetados pelo beribéri (inflamação ou
processo degenerativo provocado pela
carência de vitamina B-1).
A descrição de Olavo Dantas, no
citado Sob o céu dos trópicos, é digna
das narrativas de piratas, em que se
insere até o curioso personagem do
duende. “Quando o Gigante da Meia-

Noite começa a pescar, nenhum outro
pescador consegue mais apanhar coisa
alguma. Só ele é feliz na pescaria. Depois
de apanhar 10 grandes xaréus, o pescador
misterioso se retira com a gravidade e a
lentidão adequadas à dos fantasmas. (...)
O Gigante da Meia-Noite, comandando
a legião de fantasmas, dança, com seus
comparsas, no vasto pátio da CasaGrande enquanto uma orquestra de
duendes abala as colunas de basalto, com
o som rouco de seus acordes noturnos.”

QUEBRA-ROÇO

Nome de uma sala existente no antigo
presídio da Fortaleza dos Remédios, onde
eram aplicados castigos e suplícios. A
fortaleza fica 45 m acima do nível do mar,
e foi construída em 1737 sobre as ruínas

co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 9

Viagem_Noronha_JAN.indd 39

27/12/2012 11:44:05
de um forte holandês de 1629, resquício
do período em que boa parte do nordeste
brasileiro (de Pernambuco ao Maranhão)
esteve sob domínio desse povo.
Alguns de seus calabouços e
subterrâneos foram cenários de torturas
e assassinatos durante mais de três
séculos, mas há bastante tempo foram
aterrados com barro e cimento, e o
silêncio aos poucos cumpre seu papel
de encobrir muitos dos dramas que
ocorreram por lá. Mas não todos, como
nos conta Olavo Dantas.
“Uma porta pequena (mais uma
abertura do que uma porta) comunicava
a sala com o subterrâneo, que terminava
na Caverna dos Suspiros ou do Funil,
no penhasco embaixo da Fortaleza.
Quando as torturas não davam resultado,
o último argumento era precipitar a
vítima pela abertura, de onde jamais
sairia com vida. Ou então, apinhada a
sala de presos, eram eles comprimidos
uns aos outros, até que alguém caísse
pela abertura e se perdesse para sempre.
Seu nome, ‘quebra-roço’, significava
que, ali, todo orgulho, vaidade ou
coragem eram quebrados, com a força de
‘argumentos irrefutáveis’.”

Viagem

con
ti
nen
te#44

6

TESOURO DO CAPITÃO KIDD

Junto à Praia do Cachorro, no penhasco
do Morro do Forte (onde fica a Fortaleza
dos Remédios), encontra-se a Caverna
dos Suspiros ou Caverna do Funil, nomes
populares para um conjunto de fendas
que desembocam num enorme salão,
cavado pelo mar. Ao penetrá-las, com
violência, a água do mar comprime a
massa de ar no seu interior, que escapa
por diversos orifícios superiores e
produz estrondos ouvidos à distância,
semelhantes a uma avalancha contínua,
chamada também de Urro do Leão.
Para um cenário tão peculiar quanto
esse, não podia deixar de haver uma
lenda, uma narrativa digna de pirata. E
é exatamente sobre o escocês William
Kidd (1645-1701), ou o Capitão Kidd,
que essa história trata. Diz-se que foi
na Caverna dos Suspiros que o capitão
escondeu seu tesouro, uma pilhagem
de ouro e pedras preciosas... Alguma
lembrança dos filmes de aventuras?
Em Sob o céu dos trópicos, também está
registrada a lenda de Kidd, à qual se
soma outro personagem de intensa
recorrência nas narrativas europeias:
o dragão. “Diziam os presidiários que

7

c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 4 0

Viagem_Noronha_JAN.indd 40

27/12/2012 11:44:11
6-7 remédios

	A fortaleza funcionou
por mais de 300 anos
como um presídio. No
passado, um cenário
de tortura e morte

8	 Cajueiro da cigana

	 os
Entre
“degredados”
da lha estavam
ciganos. Aqui,
teriam enterrado
um caixão cheio de
tesouros deixados
pelos holandeses

8

morava ali um dragão terrível, guardador
do precioso tesouro e um dia, vendo,
próximo à entrada da caverna, a linda
filha de um prisioneiro, arrastou-a para
junto de si, mantendo-a presa em seus
domínios”, escreve Olavo Dantas.
	

IRMÃO, LUZ E PORTA DO PICO

O Morro do Pico é a máxima elevação
rochosa da maior ilha do arquipélago
e tem 321 m de altura. Em torno de
sua “face” sisuda e amedrontadora
há três contos do fantástico. Cascudo
explica que Irmão era como os
antigos condenados à prisão perpétua
referiam-se ao rochedo espontado e
alto. “Irmão do Pico era a perpetuidade
na ilha, tão inseparável dela quanto
o Pico, de quem o sentenciado se
proclamava irmão”, é o que registra
o Dicionário do folclore brasileiro.
No seu cume, há um pequeno
farol desativado pela Marinha. A
lenda da “Luz” é mencionada por
Pereira da Costa, Beatriz Imbiriba,
Campos Aragão e outros historiadores.

Uma das histórias dá
conta de que o pirata
escocês Capitão Kidd
teria escondido seu
tesouro na Caverna
dos Suspiros
“Em noite escura, uma luz brilha
e vagueia, subindo e descendo a
soturna pedra. É a Luz do Pico, que
encandeia e atrai os desavisados. (...)
Insensível, o Morro do Pico a tudo
assiste. E a misteriosa luz aparece, de
vez em quando, como um archote
que se agita ao vento, assombrando
todos”, descreve Gustavo Adolfo
Cardoso Pinto, em Risos e lágrimas.
Há desacordo entre os nativos
sobre a localização exata da Porta
do Pico, uma “entrada secreta”
supostamente acessível através da
base que circula a enorme montanha
de basalto. A maioria garante que ela

fica nas proximidades da “boca” do
semblante sisudo, vigilante e quase
onipresente em todo o arquipélago.
“Às sextas-feiras, a pedra do Pico
se fende e na chamada Porta do Pico
aparece uma luz. A Alamoa vaga pelas
redondezas. A luz atrai sempre as
mariposas e os viandantes. Quando
um desses se aproxima da Porta do
Pico, vê uma mulher loura, nua como
Eva antes do pecado. Os habitantes
de Fernando chamam-na Alamoa,
corruptela de alemã, porque para eles
mulher loura só pode ser alemã... O
enamorado viandante entra na Porta
do Pico, crente de ter entrado num
palácio de Venusberg, para fruir as
delícias daquele corpo fascinante.
Ele, entretanto, é mais infeliz que o
cavaleiro Tannhauser. A ninfa dos
montes transforma-se numa caveira
baudelairiana.” A viva descrição de
Olavo Dantas capta a imaginação do
leitor que, depois do contato com
suas lendas, jamais verá Fernando de
Noronha com a inocência de antes...

c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 4 1

Viagem_Noronha_JAN.indd 41

26/12/2012 15:04:02

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Exploração da costa africana
Exploração da costa africanaExploração da costa africana
Exploração da costa africanaMaria Gomes
 
A Expansão Portuguesa1
A Expansão Portuguesa1A Expansão Portuguesa1
A Expansão Portuguesa1guest59219f5
 
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1Maria Gomes
 
Ilhas atlânticas
Ilhas atlânticasIlhas atlânticas
Ilhas atlânticasMaria Gomes
 
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e Marrocos
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e MarrocosExpansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e Marrocos
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e MarrocosFabiana Léo
 
Descoberta da Costa Africana
Descoberta da Costa AfricanaDescoberta da Costa Africana
Descoberta da Costa AfricanaMaria Gomes
 
Dona Ines De Castro Numero 5555555555
Dona Ines De Castro Numero 5555555555Dona Ines De Castro Numero 5555555555
Dona Ines De Castro Numero 5555555555juliamelo
 
Feitoriia De Arguim[1]. .
Feitoriia De Arguim[1]. .Feitoriia De Arguim[1]. .
Feitoriia De Arguim[1]. .crie_historia8
 
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história pptAna Paiva
 

Was ist angesagt? (14)

Vasco Da Gama
Vasco Da GamaVasco Da Gama
Vasco Da Gama
 
Exploração da costa africana
Exploração da costa africanaExploração da costa africana
Exploração da costa africana
 
A Expansão Portuguesa1
A Expansão Portuguesa1A Expansão Portuguesa1
A Expansão Portuguesa1
 
Vasco da Gama - Prof. Altair Aguilar
Vasco da Gama - Prof. Altair AguilarVasco da Gama - Prof. Altair Aguilar
Vasco da Gama - Prof. Altair Aguilar
 
Vasco da gama
Vasco da gamaVasco da gama
Vasco da gama
 
Vasco da gama
Vasco da gamaVasco da gama
Vasco da gama
 
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1
A política expansionista de D. João II e a rivalidade luso castelhana1
 
Ilhas atlânticas
Ilhas atlânticasIlhas atlânticas
Ilhas atlânticas
 
O príncipe e o mendigo
O príncipe e o mendigoO príncipe e o mendigo
O príncipe e o mendigo
 
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e Marrocos
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e MarrocosExpansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e Marrocos
Expansão Marítima Portuguesa: Ilhas atlânticas e Marrocos
 
Descoberta da Costa Africana
Descoberta da Costa AfricanaDescoberta da Costa Africana
Descoberta da Costa Africana
 
Dona Ines De Castro Numero 5555555555
Dona Ines De Castro Numero 5555555555Dona Ines De Castro Numero 5555555555
Dona Ines De Castro Numero 5555555555
 
Feitoriia De Arguim[1]. .
Feitoriia De Arguim[1]. .Feitoriia De Arguim[1]. .
Feitoriia De Arguim[1]. .
 
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história pptD. pedro i e d. inês de castro   trabalho de grupo de história ppt
D. pedro i e d. inês de castro trabalho de grupo de história ppt
 

Andere mochten auch

Sdp miksi vanhusten laitoshoidosta
Sdp miksi vanhusten laitoshoidostaSdp miksi vanhusten laitoshoidosta
Sdp miksi vanhusten laitoshoidostaSDP
 
Case - Laboratório Avançado ESPM Corinthians
Case - Laboratório Avançado ESPM CorinthiansCase - Laboratório Avançado ESPM Corinthians
Case - Laboratório Avançado ESPM CorinthiansESPM
 
Le climat et la météo
Le climat et la météoLe climat et la météo
Le climat et la météoESDNL
 
Lefkada, the greek islands the perfect break
Lefkada, the greek islands the perfect breakLefkada, the greek islands the perfect break
Lefkada, the greek islands the perfect breakIonian Paradise
 
เนียร์Pps
เนียร์Ppsเนียร์Pps
เนียร์Ppsdekcom dooweb
 
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...Gjorgji Grkovski
 
Świat kręci się wokół mikorkontrolerów
Świat kręci się wokół mikorkontrolerówŚwiat kręci się wokół mikorkontrolerów
Świat kręci się wokół mikorkontrolerów3camp
 
Using talent updates for success in 2014
Using talent updates for success in 2014Using talent updates for success in 2014
Using talent updates for success in 2014Wesley Hendriks
 
Brandurile si expunerea pe Facebook
Brandurile si expunerea pe FacebookBrandurile si expunerea pe Facebook
Brandurile si expunerea pe FacebookZelist Monitor
 

Andere mochten auch (14)

Sdp miksi vanhusten laitoshoidosta
Sdp miksi vanhusten laitoshoidostaSdp miksi vanhusten laitoshoidosta
Sdp miksi vanhusten laitoshoidosta
 
Case - Laboratório Avançado ESPM Corinthians
Case - Laboratório Avançado ESPM CorinthiansCase - Laboratório Avançado ESPM Corinthians
Case - Laboratório Avançado ESPM Corinthians
 
Le climat et la météo
Le climat et la météoLe climat et la météo
Le climat et la météo
 
Bellefort Estates
Bellefort EstatesBellefort Estates
Bellefort Estates
 
นุ่นPps
นุ่นPpsนุ่นPps
นุ่นPps
 
Energias Múltiplas - X Congresso Nacional da SPEM :: 7 Dezembro 2013
Energias Múltiplas - X Congresso Nacional da SPEM :: 7 Dezembro 2013Energias Múltiplas - X Congresso Nacional da SPEM :: 7 Dezembro 2013
Energias Múltiplas - X Congresso Nacional da SPEM :: 7 Dezembro 2013
 
Lefkada, the greek islands the perfect break
Lefkada, the greek islands the perfect breakLefkada, the greek islands the perfect break
Lefkada, the greek islands the perfect break
 
เนียร์Pps
เนียร์Ppsเนียร์Pps
เนียร์Pps
 
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...
Priracnik za-preobrazba-na-drustvo-so-ogranicena-odgovornost-vo-akcionersko-d...
 
Świat kręci się wokół mikorkontrolerów
Świat kręci się wokół mikorkontrolerówŚwiat kręci się wokół mikorkontrolerów
Świat kręci się wokół mikorkontrolerów
 
FONT VICENT M (2012) PTDM: Legislación aplicable. Requisitos mínimos que debe...
FONT VICENT M (2012) PTDM: Legislación aplicable. Requisitos mínimos que debe...FONT VICENT M (2012) PTDM: Legislación aplicable. Requisitos mínimos que debe...
FONT VICENT M (2012) PTDM: Legislación aplicable. Requisitos mínimos que debe...
 
Using talent updates for success in 2014
Using talent updates for success in 2014Using talent updates for success in 2014
Using talent updates for success in 2014
 
Ppt comp
Ppt compPpt comp
Ppt comp
 
Brandurile si expunerea pe Facebook
Brandurile si expunerea pe FacebookBrandurile si expunerea pe Facebook
Brandurile si expunerea pe Facebook
 

Ähnlich wie Lendas e histórias de mistério de Fernando de Noronha

Apresentação1 porto santo
Apresentação1  porto santoApresentação1  porto santo
Apresentação1 porto santo1324658709
 
Apresentação1 porto santo
Apresentação1  porto santoApresentação1  porto santo
Apresentação1 porto santo1324658709
 
Apostila turismohistoriadoceara
Apostila turismohistoriadocearaApostila turismohistoriadoceara
Apostila turismohistoriadocearaVeras Reis Reis
 
6ª A Costa de Caparica que desconhecia
6ª A Costa de Caparica que desconhecia6ª A Costa de Caparica que desconhecia
6ª A Costa de Caparica que desconheciaguestfab0cf
 
Sagres um lugar na história e no património universal
Sagres um lugar na história e no património universalSagres um lugar na história e no património universal
Sagres um lugar na história e no património universalJosé Mesquita
 
O homem da máscara de ferro
O homem da máscara de ferroO homem da máscara de ferro
O homem da máscara de ferroprof.aldemir2010
 
Costa de Caparica minha desconhecida
Costa de Caparica minha desconhecidaCosta de Caparica minha desconhecida
Costa de Caparica minha desconhecidaAna Oliveira
 
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASILRELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASILMarcelo Abreu Gomes
 
Ziguinchor e o seu passado
Ziguinchor e o seu passadoZiguinchor e o seu passado
Ziguinchor e o seu passadoCantacunda
 
Relendo Macahé em Tratado Descritivo do Brasil 2
Relendo Macahé em  Tratado Descritivo do Brasil 2Relendo Macahé em  Tratado Descritivo do Brasil 2
Relendo Macahé em Tratado Descritivo do Brasil 2Marcelo Abreu Gomes
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande1324658709
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande1324658709
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande1324658709
 
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos Açores
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos AçoresArtur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos Açores
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos AçoresArtur Filipe dos Santos
 

Ähnlich wie Lendas e histórias de mistério de Fernando de Noronha (20)

Apresentação1 porto santo
Apresentação1  porto santoApresentação1  porto santo
Apresentação1 porto santo
 
Apresentação1 porto santo
Apresentação1  porto santoApresentação1  porto santo
Apresentação1 porto santo
 
A_Cronica_de_Akakor.pdf
A_Cronica_de_Akakor.pdfA_Cronica_de_Akakor.pdf
A_Cronica_de_Akakor.pdf
 
Apostila turismohistoriadoceara
Apostila turismohistoriadocearaApostila turismohistoriadoceara
Apostila turismohistoriadoceara
 
6ª A Costa de Caparica que desconhecia
6ª A Costa de Caparica que desconhecia6ª A Costa de Caparica que desconhecia
6ª A Costa de Caparica que desconhecia
 
Sagres um lugar na história e no património universal
Sagres um lugar na história e no património universalSagres um lugar na história e no património universal
Sagres um lugar na história e no património universal
 
O homem da máscara de ferro
O homem da máscara de ferroO homem da máscara de ferro
O homem da máscara de ferro
 
Costa de Caparica minha desconhecida
Costa de Caparica minha desconhecidaCosta de Caparica minha desconhecida
Costa de Caparica minha desconhecida
 
Cabo Frio pontos turisticos
Cabo Frio pontos turisticosCabo Frio pontos turisticos
Cabo Frio pontos turisticos
 
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASILRELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
RELENDO MACAHÉ - TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
 
Ziguinchor e o seu passado
Ziguinchor e o seu passadoZiguinchor e o seu passado
Ziguinchor e o seu passado
 
Relendo Macahé em Tratado Descritivo do Brasil 2
Relendo Macahé em  Tratado Descritivo do Brasil 2Relendo Macahé em  Tratado Descritivo do Brasil 2
Relendo Macahé em Tratado Descritivo do Brasil 2
 
Cidade velha
Cidade velhaCidade velha
Cidade velha
 
Ae vt acores
Ae vt acoresAe vt acores
Ae vt acores
 
Ae vh acores
Ae vh acoresAe vh acores
Ae vh acores
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
 
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grandeTrabalho de area de projecto acabado com letra grande
Trabalho de area de projecto acabado com letra grande
 
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos Açores
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos AçoresArtur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos Açores
Artur Filipe dos Santos Filipe dos Santos - as Ilhas dos Açores
 
Brasil Pré-colonial_1500 1530
Brasil Pré-colonial_1500 1530Brasil Pré-colonial_1500 1530
Brasil Pré-colonial_1500 1530
 

Mehr von Sergyo Vitro

Mehr von Sergyo Vitro (20)

A tarde13 de_agosto_de_2016_a_tardepag3
A tarde13 de_agosto_de_2016_a_tardepag3A tarde13 de_agosto_de_2016_a_tardepag3
A tarde13 de_agosto_de_2016_a_tardepag3
 
A tarde28 de_junho_de_2015_muitopag12
A tarde28 de_junho_de_2015_muitopag12A tarde28 de_junho_de_2015_muitopag12
A tarde28 de_junho_de_2015_muitopag12
 
Pagina 3-7
Pagina   3-7Pagina   3-7
Pagina 3-7
 
Noticias de homofobia no brasil
Noticias de homofobia no brasilNoticias de homofobia no brasil
Noticias de homofobia no brasil
 
205447
205447205447
205447
 
205489
205489205489
205489
 
205420
205420205420
205420
 
204936
204936204936
204936
 
204824
204824204824
204824
 
Pagina 2-1
Pagina   2-1Pagina   2-1
Pagina 2-1
 
Pagina 1
Pagina   1Pagina   1
Pagina 1
 
Pagina 1
Pagina   1Pagina   1
Pagina 1
 
Ao som da Clarineta - Maria Esther Maciel
Ao som da Clarineta - Maria Esther Maciel Ao som da Clarineta - Maria Esther Maciel
Ao som da Clarineta - Maria Esther Maciel
 
137 mai 12 - galinhos
137   mai 12 - galinhos137   mai 12 - galinhos
137 mai 12 - galinhos
 
36 43 dicionario ne
36 43 dicionario ne36 43 dicionario ne
36 43 dicionario ne
 
Pagina 1uzeda1
Pagina   1uzeda1Pagina   1uzeda1
Pagina 1uzeda1
 
Pagina 11
Pagina   11Pagina   11
Pagina 11
 
Pagina 9uzeda9
Pagina   9uzeda9Pagina   9uzeda9
Pagina 9uzeda9
 
Pagina 8uzeda8
Pagina   8uzeda8Pagina   8uzeda8
Pagina 8uzeda8
 
Pagina 7uzeda7
Pagina   7uzeda7Pagina   7uzeda7
Pagina 7uzeda7
 

Lendas e histórias de mistério de Fernando de Noronha

  • 1. NORONHA A outra face do paraíso Procurada por sua vocação de lazer, a única ilha habitada do arquipélago também guarda lendas, histórias de mistério e heranças de violência texto e fotos Fred Navarro con ti nen te#44 Viagem 1 Fernando de Noronha fica a 545 km do Recife e a 360 km de Natal. As praias que hipnotizam os turistas e os mergulhos com visibilidade de até 40 m são suas principais atrações, mas o arquipélago abriga histórias e mistérios que costumam se esconder do visitante mais apressado ou desatento. Ao longo do tempo, isolados parcialmente do país, mas não do mundo, seus habitantes herdaram lendas dos muitos navegantes que lá encontraram repouso em meio à travessia do Atlântico. O arquipélago foi ocupado e conquistado entre os séculos 16 e 18 por holandeses, franceses e portugueses, mas nesse período foi visitado com frequência por piratas e aventureiros de diversas origens, e a serviço de inúmeros reinos e bandeiras (ingleses, alemães e espanhóis entre eles). Essa diversidade – aliada à contribuição da cultura continental, especialmente a pernambucana – gerou mitos ao longo dos séculos, e eles hoje enriquecem a memória e a cultura locais. Outro aspecto marcante na história do arquipélago diz respeito ao fato de ele ter funcionado, por mais de 300 anos, como presídio. Episódios dolorosos, decorrentes das violências praticadas na Fortaleza dos Remédios, na Solitária do Sueste e em outras dependências da ilha, são passados adiante, de geração em geração. Assim é que narrações do maravilhoso, do além-mar e memórias do cárcere formam um conjunto de lendas, mitos e histórias de Noronha, contados pelos ilhéus e registrados por pesquisadores. Diante dos cenários onde supostamente ocorreram e das marcas que deixaram na ilha principal, somos levados a uma percepção do fantástico, para além do encantamento diante da beleza natural do lugar. A principal ilha é a única habitada das 21 que compõem o arquipélago. Com apenas 17 km2, tem histórias fascinantes e insuspeitas para contar, como as que se seguem. CACIMBA DO PADRE Em 1888, o padre Francisco Adelino de Brito Dantas, capelão do presídio da Fortaleza dos Remédios, descobriu água potável nas imediações da casa onde morava, na praia da Quixaba, e co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 6 Viagem_Noronha_JAN.indd 36 27/12/2012 11:43:57
  • 2. lá construiu uma cacimba de 14 m de profundidade. Sua fama espalhou-se tanto, que o nome da praia, nas décadas seguintes, passou a ser Cacimba do Padre. Situada na área central do chamado Mar de Dentro da ilha principal, a praia tem cerca de 500 m de areia branca, fica diante das imponentes Ilhas Dois Irmãos (indiscutível “cartão-postal” do arquipélago) e dá acesso, de um lado, à Baía dos Porcos, e, do outro, às praias do Bode, do Americano e do Boldró. Contam os ilhéus que o padre nunca se desapegou do lugar, que por ele seria assombrado. Registro do mal-assombro é feito por Campos Aragão, em Guardando céu nos trópicos: “Nas imediações da fonte, ruínas indicam grandes construções do passado, possivelmente a casa onde viveu o legendário padre. Dizem que, à noite, o reverendo aparece no lugar, montado numa mula branca como a neve, chegando até a beira da cacimba, como a vigiá-la. E o lugar, silencioso e belo, guarda segredos jamais desvendados”. ALAMOA Luís da Câmara Cascudo, em Geografia dos mitos brasileiros, afirma: “É uma entidade fantasmagórica que aparece na ilha de Fernando de Noronha. É moça branca, loura, nua, tentando os pescadores ou caminhantes retardatários. Transforma-se depois em um esqueleto, endoidecendo o namorado que a seguiu. É também vista como uma luz ofuscante, policolor, perseguindo quem foge dela”. Segundo a tradição, essa mulher inefável mora no Morro do Pico. Como lenda mais popular do arquipélago, nomeia pousadas, lojas, restaurantes e também uma importante estrada da ilha principal que dá acesso às preciosas praias do Meio e da Conceição. O pesquisador Pereira da Costa, no Folclore pernambucano: subsídios para a história da poesia popular em Pernambuco, considera a lenda da Alamoa “uma reminiscência do tempo dos holandeses”, quando os nativos pela primeira vez se depararam com mulheres brancas, altas e louras no arquipélago. Câmara Cascudo refutou essa tese (“... pode ser uma convergência de várias lendas de sereias e iaras estrangeiras...”) e afirmou ser difícil determinar com exatidão a sua co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 7 Viagem_Noronha_JAN.indd 37 27/12/2012 11:43:59
  • 3. con ti nen te#44 Viagem 2 origem, por ser recorrente no imaginário popular o tema da mulher bela e sobrenatural que primeiro atrai e seduz os homens, e em seguida os destrói implacavelmente. Em tempos mais recentes, a Alamoa passou a ser chamada pelos ilhéus de Mulher de Branco (ou Dama de Branco), pois é vestida com roupas alvas que “ela” pede carona aos que passam pela BR363 (única estrada asfaltada da ilha habitada do arquipélago, com apenas 7 km de extensão). Inúmeros ilhéus, mulheres inclusive, relataram já terem se deparado com a Alamoa, principalmente em altas horas da noite. Em Portugal (na região das Beiras), é feminino de “alemão” e, 3 como gíria, equivale a mulher forte e corpulenta. A Alamoa é citada também na lenda da Porta do Pico. CAJUEIRO DA CIGANA Por volta de 1739, dois anos após a expulsão definitiva dos franceses, os portugueses trouxeram os primeiros prisioneiros, inaugurando a função do arquipélago como presídio-exílio para aqueles considerados “vadios ou desordeiros”, ou seja, incômodos ao Reino por quaisquer motivos. O grupo inicial era composto por chefes de famílias ciganas de todo o Brasil. Depois, chegaram os líderes farroupilhas derrotados (1844) e os praticantes de capoeira (em 1890, acusados de “vagabundagem”). Desde antes da República, e ao longo de boa parte do século 20, Noronha foi o destino de prisioneiros comuns e de presos políticos de todos os matizes. Parte da herança desses “moradores por obrigação” pode ser encontrada na lenda do Cajueiro da Cigana: “Era uma linda cigana. Vivia em um casebre, em lugar deserto, no caminho do Sueste. Ao lado do mocambo, plantou um dia um cajueiro, que cresceu, tornandose árvore frondosa. (...) Dizem que ali, em noite escura, costumam se encontrar os fantasmas materializados de um ‘general’ montado a cavalo, de chapéu, gibão e espada na mão; de um ‘ordenança’, de couraça e armado com uma lança; e de um ‘padre’ com seu solidéu. (...) Outras vezes, um vulto c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 8 Viagem_Noronha_JAN.indd 38 27/12/2012 11:44:02
  • 4. 4 Página anterior 1 mOrro do pico Um dos cartõespostais da Ilha é cenário de três contos do fantástico Nestas páginas 2 alamoa É a lenda mais popular do arquipélago. Nomeia estrada, pousadas, lojas e restaurantes 3-5 Cacimba Conta-se que o padre aparece, à noite, para vigiar a fonte de água que deu nome à praia 4 Pescador As aparições do Gigante da MeiaNoite ocorreriam no Casarão do Sueste 5 moreno de rara beleza vagueia, como estranha aparição, naquele lugar onde, segundo contam, existe enterrado um caixão de ferro e cobre, com rico tesouro deixado pelos holandeses...”. Quem registrou tais aparições foi Maria José (Marieta) Borges Lins e Silva, em Fernando de Noronha: lendas e fatos pitorescos. GIGANTE DA MEIA-NOITE A lenda diz respeito a um pescador de estatura gigante, com um enorme chapéu negro sobre o rosto, que surge no pesqueiro da Sapata (extremo sudoeste da ilha). Quando não está pescando, é visto nas imediações da Casa-Grande (ou Casarão) do Sueste, onde mora. Em tempos remotos, essa casa-grande foi residência de veraneio dos comandantes A Alamoa também é chamada de Mulher de Branco pelos ilhéus. Dizem que ela vira um esqueleto, depois de atrair as presas do presídio e também hospital para afetados pelo beribéri (inflamação ou processo degenerativo provocado pela carência de vitamina B-1). A descrição de Olavo Dantas, no citado Sob o céu dos trópicos, é digna das narrativas de piratas, em que se insere até o curioso personagem do duende. “Quando o Gigante da Meia- Noite começa a pescar, nenhum outro pescador consegue mais apanhar coisa alguma. Só ele é feliz na pescaria. Depois de apanhar 10 grandes xaréus, o pescador misterioso se retira com a gravidade e a lentidão adequadas à dos fantasmas. (...) O Gigante da Meia-Noite, comandando a legião de fantasmas, dança, com seus comparsas, no vasto pátio da CasaGrande enquanto uma orquestra de duendes abala as colunas de basalto, com o som rouco de seus acordes noturnos.” QUEBRA-ROÇO Nome de uma sala existente no antigo presídio da Fortaleza dos Remédios, onde eram aplicados castigos e suplícios. A fortaleza fica 45 m acima do nível do mar, e foi construída em 1737 sobre as ruínas co n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 3 9 Viagem_Noronha_JAN.indd 39 27/12/2012 11:44:05
  • 5. de um forte holandês de 1629, resquício do período em que boa parte do nordeste brasileiro (de Pernambuco ao Maranhão) esteve sob domínio desse povo. Alguns de seus calabouços e subterrâneos foram cenários de torturas e assassinatos durante mais de três séculos, mas há bastante tempo foram aterrados com barro e cimento, e o silêncio aos poucos cumpre seu papel de encobrir muitos dos dramas que ocorreram por lá. Mas não todos, como nos conta Olavo Dantas. “Uma porta pequena (mais uma abertura do que uma porta) comunicava a sala com o subterrâneo, que terminava na Caverna dos Suspiros ou do Funil, no penhasco embaixo da Fortaleza. Quando as torturas não davam resultado, o último argumento era precipitar a vítima pela abertura, de onde jamais sairia com vida. Ou então, apinhada a sala de presos, eram eles comprimidos uns aos outros, até que alguém caísse pela abertura e se perdesse para sempre. Seu nome, ‘quebra-roço’, significava que, ali, todo orgulho, vaidade ou coragem eram quebrados, com a força de ‘argumentos irrefutáveis’.” Viagem con ti nen te#44 6 TESOURO DO CAPITÃO KIDD Junto à Praia do Cachorro, no penhasco do Morro do Forte (onde fica a Fortaleza dos Remédios), encontra-se a Caverna dos Suspiros ou Caverna do Funil, nomes populares para um conjunto de fendas que desembocam num enorme salão, cavado pelo mar. Ao penetrá-las, com violência, a água do mar comprime a massa de ar no seu interior, que escapa por diversos orifícios superiores e produz estrondos ouvidos à distância, semelhantes a uma avalancha contínua, chamada também de Urro do Leão. Para um cenário tão peculiar quanto esse, não podia deixar de haver uma lenda, uma narrativa digna de pirata. E é exatamente sobre o escocês William Kidd (1645-1701), ou o Capitão Kidd, que essa história trata. Diz-se que foi na Caverna dos Suspiros que o capitão escondeu seu tesouro, uma pilhagem de ouro e pedras preciosas... Alguma lembrança dos filmes de aventuras? Em Sob o céu dos trópicos, também está registrada a lenda de Kidd, à qual se soma outro personagem de intensa recorrência nas narrativas europeias: o dragão. “Diziam os presidiários que 7 c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 4 0 Viagem_Noronha_JAN.indd 40 27/12/2012 11:44:11
  • 6. 6-7 remédios A fortaleza funcionou por mais de 300 anos como um presídio. No passado, um cenário de tortura e morte 8 Cajueiro da cigana os Entre “degredados” da lha estavam ciganos. Aqui, teriam enterrado um caixão cheio de tesouros deixados pelos holandeses 8 morava ali um dragão terrível, guardador do precioso tesouro e um dia, vendo, próximo à entrada da caverna, a linda filha de um prisioneiro, arrastou-a para junto de si, mantendo-a presa em seus domínios”, escreve Olavo Dantas. IRMÃO, LUZ E PORTA DO PICO O Morro do Pico é a máxima elevação rochosa da maior ilha do arquipélago e tem 321 m de altura. Em torno de sua “face” sisuda e amedrontadora há três contos do fantástico. Cascudo explica que Irmão era como os antigos condenados à prisão perpétua referiam-se ao rochedo espontado e alto. “Irmão do Pico era a perpetuidade na ilha, tão inseparável dela quanto o Pico, de quem o sentenciado se proclamava irmão”, é o que registra o Dicionário do folclore brasileiro. No seu cume, há um pequeno farol desativado pela Marinha. A lenda da “Luz” é mencionada por Pereira da Costa, Beatriz Imbiriba, Campos Aragão e outros historiadores. Uma das histórias dá conta de que o pirata escocês Capitão Kidd teria escondido seu tesouro na Caverna dos Suspiros “Em noite escura, uma luz brilha e vagueia, subindo e descendo a soturna pedra. É a Luz do Pico, que encandeia e atrai os desavisados. (...) Insensível, o Morro do Pico a tudo assiste. E a misteriosa luz aparece, de vez em quando, como um archote que se agita ao vento, assombrando todos”, descreve Gustavo Adolfo Cardoso Pinto, em Risos e lágrimas. Há desacordo entre os nativos sobre a localização exata da Porta do Pico, uma “entrada secreta” supostamente acessível através da base que circula a enorme montanha de basalto. A maioria garante que ela fica nas proximidades da “boca” do semblante sisudo, vigilante e quase onipresente em todo o arquipélago. “Às sextas-feiras, a pedra do Pico se fende e na chamada Porta do Pico aparece uma luz. A Alamoa vaga pelas redondezas. A luz atrai sempre as mariposas e os viandantes. Quando um desses se aproxima da Porta do Pico, vê uma mulher loura, nua como Eva antes do pecado. Os habitantes de Fernando chamam-na Alamoa, corruptela de alemã, porque para eles mulher loura só pode ser alemã... O enamorado viandante entra na Porta do Pico, crente de ter entrado num palácio de Venusberg, para fruir as delícias daquele corpo fascinante. Ele, entretanto, é mais infeliz que o cavaleiro Tannhauser. A ninfa dos montes transforma-se numa caveira baudelairiana.” A viva descrição de Olavo Dantas capta a imaginação do leitor que, depois do contato com suas lendas, jamais verá Fernando de Noronha com a inocência de antes... c o n t i n e n t e ja n e i r o 2 0 1 3 | 4 1 Viagem_Noronha_JAN.indd 41 26/12/2012 15:04:02