1. Anais
ANAISdaXJornadaMédico-LiteráriaPaulista-SÃOPAULO-SP-2009
APOIO INSTITUCIONAL
REALIZAÇÃO
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES
Nacional - Regional São Paulo - Regional Ceará
X Jornada Médico-Literária Paulista
V Jornada Nacional da Sobrames
VI Sobramíada - CE
17 a 19 de Setembro de 2009
Green Place Hotel
São Paulo - SP - Brasil
MUSEUPAULISTA-IPIRANGA-SP
Movimento Poético Nacional - Academia Paulista de História -
Academia Paulista de Medicina - Green Place Flat - Associação Médica Brasileira -
Rumo Editorial Produções e Edições - Academia Paulista de Letras -
Academia Ribeirãopretana de Letras
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores- SOBRAMES
Nacional - Regional São Paulo - Regional Ceará
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2. Anais
X Jornada Médico-Literária Paulista
V Jornada da Sobrames Nacional
VI Sobramíada
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
SOBRAMES
Nacional - Regional São Paulo - Regional Ceará
São Paulo - SP - Brasil
17 a 19 de setembro de 2009
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4. “O trabalho poupa-nos de três grandes males: tédio, vício e necessidade”.
François-Marie Arouet, mais conhecido por Voltaire (1694-1778).
Filósofo, escritor, poeta, dramaturgo e historiador francês.
As Jornadas Médico-Literárias Paulistas tiveram origem em setembro de 1991, quando a
entidade contava com apenas três anos de existência. Foram organizadas na segunda gestão de
Flerts Nebó (1990-1992) e objetivaram não somente divulgá-la, mas, e principalmente naquela
ocasião, adquirir experiência nesses eventos, uma vez que a Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores do Estado de São Paulo (Sobrames – SP) tinha-se comprometido na cidade de Recife
(PE), em 1992, por ocasião do XIII Congresso Nacional da Sobrames, de realizar sua edição XIV,
em São Paulo, em 1994.
Assim, desde o início, almejávamos que as Jornadas Médico-Literárias Paulistas fossem
realizadas nos anos ímpares, ou seja, alternadamente com os Congressos Nacionais da Sobrames,
uma vez que, desde suas origens, são efetuados tradicionalmente nos anos pares.
Outra curiosidade é que já se tinha em mente, em 1991, escolher uma cidade do interior e
preferencialmente que albergasse uma escola de medicina. Essas ideias não somente almejavam o
lazer, a descontração e a mudança de rotina, uma vez que as Pizzas Literárias – tertúlias mensais
da Sobrames – SP –, sempre foram e têm sido realizadas na capital, mas também, objetivavam
introduzir a entidade no interior e fazê-la conhecida entre os acadêmicos de medicina.
Assim, a Sobrames – SP já realizou as Jornadas Médico-Literárias nas seguintes cidades:
Jundiaí (1991 e 2007), Bragança Paulista (1993), Santos (1995), Campos do Jordão (1997 e 2003),
Águas de São Pedro (1999), Botucatu (2001) e Serra Negra (2005).
A ideia paulista vingou e frutificou, sendo levada em âmbito nacional. Assim, começaram a
ser organizadas em 2001, na Sobrames nacional, na gestão de Luiz Alberto Fernandes Soares
(2000-2002), jornadas nacionais com o objetivo de congregar ainda mais os sobramistas, uma vez
que a grande maioria das regionais não realizava eventos estaduais, e esperar dois anos para
participar dos congressos era, para esses membros, um tempo longo demais.
A fim de não competirem com os Congressos nacionais, as Jornadas Nacionais da Sobrames
também, a exemplo da Sobrames – SP, vieram a lume nos anos ímpares, sendo já realizadas quatro
versões: Salvador (2001), Belém (2003), Fortaleza (2005) e Curitiba (2007).
Esta é uma jornada sui generis não somente na história da Sobrames paulista, mas também
na história da Sobrames nacional e na história da Sobrames cearense, uma vez que é a primeira
vez, entre nós, que a Jornada Médico-Literária Paulista é organizada na capital. Ademais, é
igualmente a primeira vez que se reúnem num só evento a força e a tradição de três: X Jornada
Médico-Literária Paulista, V Jornada Nacional da Sobrames e VI Sobramíada.
É com grande satisfação que aqui se encontram não somente sobramistas paulistanos e
paulistas, mas também cearenses, pernambucanos, alagoanos, baianos, mineiros, fluminenses e
catarinenses, além de hermanos da Argentina e da longínqua Angola (África), o que confere aos
eventos um singular colorido cultural, além de conotação internacional.
Apresentação
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5. Estão consignados nestes Anais excelentes trabalhos em versos e em diversas modalidades
de prosa. A comissão julgadora que os analisou, recebeu-os sem os nomes dos seus respectivos
autores, avaliando-os nas modalidades de poesias, contos e prosa. Ela foi composta por membros
do Movimento Poético Nacional, a quem a Sobrames paulista muito agradece na pessoa de
seu presidente, Walter Argento. Ao seu lado compuseram a comissão julgadora os ilustres escritores:
Frances de Azevedo, advogada; Rosa Maria Custódio, jornalista; e Carlos Moreira da Silva,
advogado.
Os três primeiros colocados farão jus a um belo troféu na forma de pena de caneta tinteiro
antiga, gentilmente ofertado pela Sobrames Ceará na pessoa do confrade José Maria Chaves, seu
presidente e presidente da Sobrames nacional (2008-2010).
Por fim, faz-se mister assinalar que a Antologia Paulista, ultimamente lançada por ocasião
de nossas tradicionais Jornadas Médico-Literárias, também bienais, vem a lume nesta ocasião
histórica toda especial. A VII Antologia Paulista mostra que a entidade tem cumprido seu
papel na compilação, divulgação e custódia não somente dos trabalhos de seus associados, mas
igualmente na preservação da memória de seus diletos membros.
A estes propósitos também se prestam os Anais destes conjugados eventos. A coordenação,
diagramação e execução da VII Antologia Paulista e destes Anais se deveram ao paciencioso e
esmerado trabalho do confrade Marcos Gimenes Salun. A ele nossos mais sinceros agradecimentos.
Que a força da ideia catalisadora, ora experimentada, sirva para congregar ainda mais os
confrades da Sobrames nacional!
Helio Begliomini
Presidente da Sobrames – SP (2009-2010).
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6. 5
A Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Regional do Estado de São Paulo,
foi fundada em 16 de setembro de 1988 e congrega mais de cem membros titulares, acadêmicos,
colaboradores, eméritos, honorários e beneméritos.
Basicamente a sociedade é constituída por médicos escritores de literatura NÃO-CIENTÍFICA,
além de escritores de outras formações profissionais
(advogados, engenheiros, jornalistas, dentistas, arquitetos, etc..).
Pizzas Literárias
Em 1989 surgiu a idéia de se reunir os colegas ao redor de uma mesa de pizza, como acontecera por
ocasião da fundação da entidade. A reunião mensal tornou-se uma tradição e foi intitulada “Pizza
Literária”. Desde então é realizada em uma pizzaria de São Paulo, com uma freqüência que costuma
beirar trinta pessoas. Nesta, além de se saborear uma deliciosa pizza, tomar um chope e bater papo com
os amigos, tem-se a oportunidade de ouvir os trabalhos dos colegas e também apresentar os seus. Tem-se,
também, a possibilidade de encontrar colegas de outras especialidades e formados nas mais diversas
faculdades, além de sócios não médicos das mais variadas profissões. Todos com uma paixão em comum:
a literatura. As reuniões de 2007 têm acontecido na terceira quinta-feira de cada mês, na pizzaria
BONDE PAULISTA, na Rua Oscar Freire, 1597 – à partir de 19h30.
Jornadas e Congressos
A cada dois anos a Regional de São Paulo promove uma Jornada Médico-literária.
Estas já se realizaram em diversas cidades do interior paulista:
Jundiaí – de 27 a 29 de setembro de 1991
Bragança Paulista – de 28 a 30 de maio de 1993
Santos – de 24 a 26 de novembro de 1995
Campos do Jordão – de 28 a 30 de agosto de 1997
Águas de São Pedro – de 16 a 19 de setembro de 1999
Botucatu – de 27 a 30 de setembro de 2001
Campos do Jordão – de 25 a 28 de setembro de 2003
Serra Negra - de 22 a 25 de setembro de 2005
Jundiaí – de 27 a 30 de setembro de 2007
Nos anos pares é realizado um Congresso Nacional da SOBRAMES. Em 1994 e 1998, este ocorreu
em São Paulo, organizado por nossa regional. O XXII Congresso Brasileiro
aconteceu em junho de 2008 na cidade de Fortaleza – CE.
O próximo congresso será realizado no Estado de Minas Gerais, em 2010.
Sociedade Brasileira
de Médicos Escritores
Regional do Estado de São Paulo
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7. 6
Eventos internacionais
Além da existência de regionais da SOBRAMES na maioria dos estados brasileiros, seus membros também
participam em algumas associações em outros países, como é o caso da LISAME - Liga Sul Americana de
Médicos Escritores, com sede em Buenos Aires – Argentina; UMEM – União Mundial de Escritores Médicos,
com sede em Lisboa – Portugal, cujo congresso se realizou em Viana de Castelo - Portugal, de 27 de setembro a
3 de outubro de 2004, contando com representação da SOBRAMES paulista; UMEAL – União de Médicos
Escritores e Artistas de Língua Lusófona, com sede em Lisboa – Portugal, dentre outras.
Publicações
Jornal - Desde 1992 a SOBRAMES-SP publica o informativo mensal “O Bandeirante” que é distribuído aos
membros da regional paulista, diversos confrades de outras regionais, além de entidades culturais no Brasil e no
exterior. Por vários anos publicou o suplemento literário, as “Páginas Sobrâmicas”, trazendo textos literários dos
membros da Regional de São Paulo. À partir de 2001 a publicação ganhou o título de “Suplemento Literário”, e
continua sendo publicado mensalmente, como encarte do jornal “O Bandeirante”.
Desde janeiro de 2007 o jornal “O Bandeirante” passou a ser distribuído pela internet, para mais de 1000
destinatários no Brasil e no Exterior.
Coletâneas - A Sociedade já editou nove coletâneas com trabalhos dos membros:
“Por um Lugar ao Sol” (1990)
“A Pizza Literária” (1993)
“A Pizza Literária - segunda fornada” (1995)
“Criação” (1996)
“A Pizza Literária - quinta fornada” (1998)
“A Pizza Literária - sexta fornada” (2000)
“A Pizza Literária – sétima fornada” (2002)
“A Pizza Literária – oitava fornada” (2004)
“A Pizza Literária – nona fornada” (2006)
“A Pizza Literária - décima fornada” (2008).
Antologias - Em 1999, editou-se a “I Antologia Paulista”, contendo todos os trabalhos das “Páginas Sobrâmicas”
nos seus dois primeiros anos de publicação (abril 1997 a março de 1999). Em 2000 foi publicada a II Antologia
Paulista, desta vez com trabalhos inéditos dos sócios. A série de antologias continuou e já conta com cinco
volumes, tendo os demais sido publicados em 2001, 2003, 2005 e 2007.
Em setembro de 2009 está sendo lançada a VII Antologia Paulista.
Concursos literários
Em 1997, foi instituído o concurso para A Melhor Poesia do Ano, Prêmio “Bernardo de Oliveira Martins” e, a
partir de 1999, o concurso para A Melhor Prosa do Ano, Prêmio “Flerts Nebó”, dos quais participam todos os
membros da SOBRAMES-SP que apresentam seu textos nas Pizzas Literárias. Estes certames visam dar
estímulo à criatividade dos autores membros da SOBRAMES, tendo em vista a característica meramente
diletante de seus participantes. Trimestralmente acontece um desafio literário intitulado SUPERPIZZA, onde os
escritores são convidados a produzir um texto em prosa ou verso sobre um tema sugerido.
Em janeiro de 2007 foram introduzidos dois novos concursos que têm como objetivo incentivar os integrantes
da sociedade a participar de suas atividades. Trata-se do “Prêmio Rodolpho Civile”, de Assiduidade
e o “Prêmio Aldo Mileto” de Melhor Desempenho.
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8. 7
Diretoria
A cada dois anos a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do
Estado de São Paulo elege em assembléia uma nova diretoria.
Na atual gestão (biênio 2009/2010) a diretoria está assim composta:
Presidente: Helio Begliomini;
Vice-presidente: Josyanne Rita de Arruda Franco;
Primeiro-secretário: Lígia Terezinha Pezzuto;
Segundo-secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã;
Primeiro-tesoureiro: Marcos Gimenes Salun;
Segundo-tesoureiro: Roberto Antonio Aniche;
Conselho Fiscal Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão e
Luiz Jorge Ferreira; Conselho Fiscal Suplentes: Geováh Paulo da Cruz,
Helmut Adolf Mataré e Rodolpho Civile.
Como participar
Podem tornar-se membros da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores todos os médicos, de qualquer
especialidade, e todos os acadêmicos de medicina, em qualquer ano do curso, mediante simples solicitação de sua
inscrição, e bastando que sejam também escritores de literatura NÃO-CIENTÍFICA, em qualquer gênero literário
(romance, crônica, conto, poesia, ensaios, etc.). Também podem tornar-se membros da SOBRAMES-SP os
ESCRITORES de qualquer outra formação profissional, apresentados por outros membros da sociedade. A
solicitação será aprovada mediante análise da diretoria e existência de quorum na forma de seu estatuto. Os
membros contribuem financeiramente com uma anuidade de pequeno valor. Os custos de algumas atividades da
SOBRAMES-SP são pagos pelos participantes, como por exemplo,
despesas de hospedagem em congressos e jornadas e
despesas de consumo nas reuniões denominadas Pizzas Literárias.
Associe-se
Para obter outras informações sobre a SOBRAMES-SP ou para tornar-se membro, envie correspondência
para e-mail SOBRAMES@UOL.COM.BR.
Pelo correio você poderá obter ficha de inscrição escrevendo para:
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
Av.Prof.Sylla Mattos, 652 - apto. 12
Jardim Santa Cruz - São Paulo - SP
CEP 04182-010
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9. 8
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10. 9
X Jornada Médico-Literária Paulista
V Jornada da Sobrames Nacional
VI Sobramíada
Obras Literárias
Bem-vindos!
São Paulo abre seus braços
para acolher os ilustres autores da
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores -
SOBRAMES. A partir de agora
estas páginas perpetuam o registro
deste encontro histórico.
Que os contos, crônicas e poesias
aqui apresentados fiquem para sempre
na memória de todos aqueles
que viveram estes dias e,
gravados de forma indelével,
possam servir de recordação
e de momentos de inspiração para
todos que tiverem o privilégio de
folhearem estas páginas.
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12. 11
Índice
Alcione Alcântara Gonçalves
Carro de Boi / Inferno na Torre / Talentos
15
Alitta Guimarães Costa Reis
O Beijo / Intramuros / Reconhecimento
17
Carlos Augusto Ferreira Galvão
Síndrome de Lázaro / A Verdade Sem Dentes /
Doce Periferia Paulistana
19
Evanil Pires de Campos
Sonho infantil / Lua Enamorada / Memória Pires de Campos
22
Flerts Nebó
A Luz Elétrica em São Paulo / Medicina no Antigo Egito /
Pinheiros ou Espinheiros
24
Geovah Paulo da Cruz
A Água de Piracicaba / O Tatu e a Tanajura /
O Culto da Ancianidade
28
Helio Begliomini
Ser Candidato / Circuncisões / Eu... Militar
32
Hélio José Déstro
O Palhaço - o ABC do Palhaço /
Os Revolucinários / Meus inesquecíveis amigos
37
Ildo Simões Ramos
Meu Pé de Melão / As Marcas do Tempo /
Sob o Signo de Capricórnio
42
João de Deus Pereira da Silva
Mulher e Diva / Flor-mulher / Passa e Repassa
45
José Jucovsky
Infinitos Sonhos Homéricos / Quem sou eu? Quem somos nós?
/ Rumo ao desconhecido
47
José Maria Chaves
As Águas do Velho Chico Descem Chorando pro Mar /
Breve História de Uma Vida Dignificante / Reminiscências
50
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13. 12
Índice
José Medeiros
As Fogueiras Ainda Ardem / Histórias Natalinas /
Lembranças da Juventude
54
José Rodrigues Louzã
Cinquenta Anos de Formatura
56
José Warmuth Teixeira
O Tempo Perdido / Uma Revolta Intestina / A Criação
57
Josef Tock
Essências / Recompoesia / Alegria, Alegria
60
Josemar Octaviano Alvarenga
22 de Abril / Voo Para o Nada / Do Coronel aos Coronéis
62
Josyanne Rita de Arruda Franco
Ele e Ela / Sonharei Contigo / O Baile Perfumado
66
Ligia Terezinha Pezutto
Meu Bem-querer / Saudade /
Minha Lancheira, Saudosa Companheira
69
Luiz Jorge Ferreira
Ele / Modinha Para Ela / O Quadro
71
Manlio Mario Marco Napoli
Reminiscências da Faculdade de Medicina /
Uma angioplastia / Foi o Gato!
74
Márcia Etelli Coelho
Realizações / Inquietude / O Livro que Me Cativou 77
Marco Aurélio Baggio
Discurso Pleno / Inexorável Reconstrução do Capitalismo /
Judas, o Mensageiro de Jesus de Nazaré
80
Marcos Gimenes Salun
Carpe Diem! / Pequenos Apontamentos Sobre a Solidariedade
e a Justiça / Genético e Hereditário
84
Maria de Fátima Barros Calife Batista
Abismo dos Teus Olhos / Afetos na Folia / Medo do Escuro
87
Maria do Céu Coutinho Louzã
Devaneios em Vermelho / Fogos de Artifício
90
Mário de Mello Faro
Direitos e Deveres / O Passaporte / Cronograma de Vida
92
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14. 13
Índice
Paulo Camelo de Andrade Almeida
Ave Celeste / Há Muito Tempo / Portal da Mente
107
Nelson Jacintho
A Noite / Quase / A Estrada da Vida
103
Rodolpho Civile
Calixto, o Colchoeiro do Bexiga / Pedro e Paulo /
O Vendedor de “Machadinho” do Bexiga
111
Ronaldo Vieira de Aguiar
Devaneios / Vou Atrás / O Regresso
115
Victor Jose Fryc
La Máscara / El Caballo de Felipe III / La Violación
121
Wladimir do Carmo Porto
Promessa de Carnaval
130
Zilda Cormack
Aloendre / Arestas / O dia em que vovô me enxergou
131
Mercedes Gomes
Quando / Cantiga Para Ninar Luanda /
Um pouco de ti
95
Miguel Angel Manzi
Tango! / Portenho / El Abandono
99
Sebastião Abrão Salim
Paz / O Contador de Histórias / A Metamorfose de Kafka - Um
Ensaio Literário-Psicanalista
117
Renato Passos
O Sonho do Poeta / Distância - Paixão - Inveja / O Foguete
109
Vilma Clóris de Carvalho
Lembranças - o Funeral
125
Walter Gomes de Miranda Filho
Homem Apaixonado / Intrigas na Caserva / Interior e Capital
127
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16. 15
Alcione de Alcântara Gonçalves
Médico Psiquiatra
Tupã - SP
CARRO DE BOI
Lembro-me do carro de boi,
Que na minha infância foi,
Um veículo muito especial,
No transporte de lenha para a feira
E que para o cidadão era de importância vital.
Lenha e carro de boi
Eram, naquela época,
Elementos de valor substancial,
Para a vida de todos os cidadãos
Que deles necessitavam,
Para as transformações
Dos alimentos nutricionais,
Como também, para a iluminação
E o aquecimento do seu habitat natural.
Naquela época tudo era muito simples,
E os homens eram muito naturais!
O homem da roça, era chamado “lapiau”
Significando: simplicidade, ingenuidade e naturalidade;
Significando também, ignorância das coisas da cidade.
O carro de boi também transportava gente!
Gente que labutava na dura lida da roça
Onde plantava mudas e a semente
Para suprir sua necessidade premente
E também servir como moeda de troca.
O carro de boi também canta
O carro de boi também geme
O som que se transforma em canto ou gemido
No atrito do eixo da roda é produzido
E no ar se propaga, chegando ao nosso ouvido.
Vilas e cidades, todos os sábados
Ficavam cheias de carros de bois
Que vinham trazer os produtos
Para as feiras das cidades do interior
Onde eram vendidos ou trocados.
Nas madrugadas dos sábados
Acordávamos com aquela cantiga:
Hum!...Ham!...Hum!...Ham!...Hum!...Ham!...!
E ao longe se ouvia, a voz do caipira:
“Êêê...boi!...Vamo mimoso! Vamo itabira!”
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17. 16
INFERNO NA TORRE
Tragédia, dor e sofrimento
Nas grandes Torres, naquele momento!
Do céu desceu um instrumento,
Vindo de encontro, frontalmente;
Explodindo e queimando as sementes
Do amor dos seres sobreviventes
Afogando os anseios da vida emergente.
Soluços, gritos e choros
Corpos que saltam do alto das Torres
Novo impacto! O estrondo e o fogo!
De uma segunda Aeronave
A se chocar com a outra Torre
E o mundo assistindo atônito
O verdadeiro inferno na Torre!
Parecia um filme de ficção,
Sendo rodado na terra do Tio Sam,
Nas duas Torres do World Trade Center,
Expressivo cenário para uma grande emoção!
Mas a verdade, era o Terror em ação!
Comandado por vários terroristas
Homens frios, insensíveis e sem coração.
Milhares de vidas humanas
Ceifadas por estes tresloucados atos
Praticados por homens fanáticos,
Treinados para matar ou morrer,
Diante da ansiedade e do mêdo, gerados
Por este louco mundo globalizado,
Causa primária do ódio generalizado.
TALENTOS
A aptidão que adquires, é um Talento
E disposição natural, para realizar certas coisas.
Talento, é a exteriorização de uma inteligência extraordinária
E uma prova de grande capacidade.
Talento, é vontade de acertar o alvo,
É o exercício de sua capacidade mental,
É o remexer em todo o seu aprendizado,
Para a concretização de um ideal.
Talento, é desejo de lutar e lutar!
E não desistir, diante de nenhuma adversidade,
Vislumbrando sempre, a meta desejada,
Com a certeza de que a vitória será alcançada!
Talento, usado antigamente, como moeda e peso,
Nas transações comerciais, entre Gregos e Romanos;
Foi o pagamento feito a Judas, um dos discípulos,
Pela sua traição ao Nazareno: O Mestre Jesus!
Talento, é intuição, ministrada por Deus,
Com o propósito de nos ajudar.
É a oportunidade, é a porta que se abre
Para o “Lugar ao Sol”, onde deveremos chegar!
Talento, é saber administrar a vida com mansidão
E, com o domínio próprio dos nossos atos.
Talento, é a sabedoria que a vida nos dá,
Para seguirmos no bom caminho da evolução.
Alcione de Alcântara Gonçalves
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18. 17
Alitta Guimarães Costa Reis
Médica psiquiatra
São Lourenço - MG
O BEIJO
Formada ainda adolescente como professora no antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro, minha mãe
permaneceu, como outras mulheres da família, muitos anos no magistério, até aposentar-se. Seu diferencial foi ter
permanecidomaisdetrintaecincoanosnafunção,etambémtersidodiretoradeescolaalgumasvezes.Minhamãe
amava sua profissão. Fazia milagres; tanto que a ela eram sempre entregues as piores turmas, os alunos mais
difíceis,parafinsderecuperaçãoindividual.Minhamãe,commeiguiceepersistência,encaminhavaosmeninosna
vida. Lecionou por algum tempo perto das primeiras grandes favelas, destinando quase todo o seu salário para
aquisição de material escolar e de bananas para a merenda da meninada. Muitos iam só por causa desta merenda,
se apaixonando pela minha mãe e permanecendo na escola. Muitos deles se formaram e “deram gente” na vida.
Depoisdaaposentadoria,meuspaismudaram-separaMinasGerais,maselanuncadeixouderecebervisitas
das colegas e diretoras de escola de sua época, amigas para sempre, e uma gorda correspondência de funcionários
e ex-alunos, eternamente cativos, a quem sempre minha mãe respondia.
Um dia cheguei em casa e vi um homem grande, de cabeça branca, de joelhos em frente diante de minha
mãe.Elanoscontariadepoisqueeleeraumdosmeninosmaispobresparaquemelahavialecionado,“massempre
muito limpinho, roupas bem cerzidas” e que se tornara um dos estudantes mais aplicados. Ele viajara de muito
longe, por pura e simples gratidão. Os dois, com os olhos muito brilhantes, permaneciam em um longo silêncio,
testemunhadoporminhafamília,nagrandesalademóveisescuros.Omenino,salvopeloamordesuaprofessorinha,
agora general de divisão, depositava com reverência um beijo na mão de minha mãe.
INTRAMUROS
Sei que espera por mim. Sei da frágil esperança
que emerge dos olhos sofridos e puros,
iluminandoafacepálidaemansa.
Passo por lá, sigo em frente, com passos duros.
Não entro.Apenas rezo, choro por dentro.
Sinto abalados motivos fortes, seguros.
É tola a ilusão de que nada me alcança.
A dor me atinge, cruel, torno-me criança,
sabendo que o que me impede não são os muros.
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19. 18
Alitta Guimarães Costa Reis
RECONHECIMENTO
Primeiro, reexaminar-te.
Centímetro por centímetro.
Procurar marcas que o tempo deixou.
Depois, bem devagar, de olhos fechados,
respirando fundo,
recuperar imagens, sons, cheiros, sabores.
Mais tarde, sem pressa nenhuma,
entender mais de tua mente.
O que te faz mais alegre?
O que te faz gozar mais?
E então, finalmente,
olhar bem fundo em teus olhos.
Sentir o fascínio
do tempo que se desloca
lentamente.
Ver onde as feras rugem,
guardam sua toca,
olhos em brasas.
Ver onde os anjos sorriem e refulgem,
expandem suas asas.
Esse é um olhar perigoso,
que devassa.
É o melhor que se pode dar,
uma certa eternidade onde tudo passa.
É sobre o amor e o amar.
Reconhecer-te sob esse olhar
é tornar tudo novo,
mas como outrora,
assim como diferente é o sol
a cada aurora.
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20. 19
Carlos Augusto Ferreira Galvão
Médico Psiquiatra
São Paulo - SP
SÍNDROME DE LÁZARO
(Quando a medicina plagia um romance)
Em minha atuação no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, tenho observado os espetáculos
da tecnologia cardíaca moderna e também o “rastro” psiquiátrico que as acompanha. Notamos, por exemplo, as
modificações de personalidade que acomete muitos que se submetem a transplante cardíaco, a ansiedade que
acompanham os que se recuperam de paradas cardíacas, portadores de marca-passos e por aí. Uma destas
conseqüênciaspsiquiátricaschamou-meaatenção:aqueacometealgunsdosquetiveramimplantadoumdesfibrilador
portátilcardíaco.
A morte súbita de um ser humano é das mais dramáticas manifestações de afecções cardíacas, por não dar
tempo sequer do acometido “desarrumar suas gavetas”. Despede-se da vida deixando uma lacuna de desespero,
seja no âmbito familiar, seja em seus negócios. Os desfibriladores portáteis são próteses maravilhosas que,
implantadas no subcutâneo do paciente e ligadas diretamente ao coração, identificam a fibrilação ventricular e
promovemacardioversão“inloco”salvandoassimavidadoindivíduo.
A maior parte dos pacientes sofre a descarga elétrica da cardioversão quando em estado já comatoso, mas
alguns pacientes que as recebem sem estarem em estado de coma, sentem-na de forma extremamente sofrida. Dá
para imaginar o que significa um choque de 400 joules dentro de seu mediastino. Muitos descrevem-na como um
coice de mula no peito. Quase todos estes pacientes retornam ao cardiologista solicitando a retirada da prótese,
quando então são para mim encaminhados.
Estespacientesapresentam-seextremamenteansiosos,têmmedodasdescargasetransformam-seempessoas
irritadiçaseimpacientes.Muitos“sentem”asdescargasemboranãosejamregistradaspelosaparelhos,numaestranha
formadealucinaçãoquenãopodeserclassificadacomosinestesiapornãotercomoeleiçãoumórgãointernoesim
uma prótese implantada. Nos primeiros casos, sempre tinha a impressão de já ter “passado por este caminho”;
tinha sempre a sensação de “de ja vu”, o que era impossível, por se tratarem de casos absolutamente pioneiros.
MikaWaltari,meuromancistapredileto,noromancedenome“OSegredodoReino”,descreveumpersonagem
que, em busca da verdade, abandona a vida de orgias romanas e parte para Jerusalém, chegando nesta cidade
numatardeemqueseencontravamtrêscruzesnogólgotasendoqueemumaestavacrucificadoJesusCristo.Pelos
acontecimentosposteriores,entendequequemtinhasidocrucificadofoialgomaisqueumserhumanoecomeçaa
pesquisar a vida de Jesus, suas pregações e seus milagres. Em determinado momento passa a entrevistar o Lázaro
e,aocontráriodoqueesperava,defronta-secomumindivíduoamarguradoetaciturno.Aolembrarqueeledeveria
ser grato por ter tido nova oportunidade de viver, Lázaro respondeu que a humanidade, por todo o sempre, iria se
lembrar deste milagre de Cristo mas, esqueceria de refletir que ele seria a única pessoa que morreria duas vezes, já
que não tinha recebido a imortalidade.
Voltando aos meus pacientes, D.Marta (nome fictício) tentava me convencer que o melhor para ela seria a
retirada do cardioversor portátil por não suportar mais os choques - a grande maioria alucinóides - e contava-me
situações estapafúrdias como, por exemplo, sofrer uma descarga durante um casamento, quando a igreja toda se
assustou com seu grito. Lembrada que cada manifestação da prótese poderia ser uma ressurreição respondeu-me:
“Equantasvezestereiquemorrer,doutor?”.Entãomeupensamentodirigiu-seàobradograndeescritornorueguês
enãopoderiadeixardebatizarestasíndromecomo“SíndromedeLázaro”,asíndromedosquenãoqueremmorrer
maisdeumavez.
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21. 20
Carlos Augusto Ferreira Galvão
A VERDADE SEM DENTES
Semprequeseaproximaumferiado“esticado”,estabrasileiríssimainvenção,observa-senosambulatórios
psiquiátricos, de forma mais gritante, o abandono a que são submetidas as pessoas da terceira idade.
As famílias programam-se para viagens, e o parente ancião geralmente se torna um estorvo; então é muito
comum,nestasocasiões,asfamíliasprocuraremoshospitaispsiquiátricosafimdeinternaremosvelhinhos,liberando-
as assim para viajarem sossegados.
A manhã daquela sexta feira prenunciava um excelente carnaval. O calor forte acompanhava o sol que
estourava nos telhados, e a cidade já sentia o clima da festa: em cada esquina se ouvia batuques e outros sons do
folguedo. Mas o ambulatório do hospital encontrava-se cheio.
Dona Gertrudes entrou acompanhada de duas netas, pessoas na casa dos trinta anos, e acomodaram-se
perante minha mesa. Uma das netas logo iniciou um longo discurso, relatando o quanto estava mal sua avó; dizia
que era agressiva, quebrava coisas em casa, xingava os vizinhos...
Durante o relato, D. Gertrudes, as vezes, demonstrava impulso de contestar as informações, mas a outra
neta a fazia ficar quieta com olhares ameaçadores e glaciais, que não me passaram despercebidos. Então restava à
pobrevelhinhaficarquietinhaeresignadanasuacadeira.
Oqueouviaeraincompatívelcomafrágiledelicadafiguraqueestavaemminhafrente,elogopercebique
asnetas“forçavamabarra”,paraquemedecidissepelainternaçãodavelhasenhora.Entãocontinuavamaladainha
de horrores, sempre a intimidando com olhares.
Emdeterminadomomento,umadasnetasempolgando-secomaprópriaficção,disse,deformaestridente:
-”O senhor precisa ver... Ela morde as pessoas até tirar sangue”. Neste momento, vislumbrei no rosto da paciente
um irônico sorriso, então perguntei por que ela mordia as pessoas.
Denotandoestarperfeitamentesãeproduzindopensamentosdeformaadequada,donaGertrudesampliou
o sorriso irônico, apontou o indicador direito para suas gengivas e sua resposta embasou minha decisão de não
interná-la:-“Doutor,eunemtenhodentes”
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22. 21
Carlos Augusto Ferreira Galvão
DOCE PERIFERIA PAULISTANA
Uma das coisas que custei a entender em minha cidade adotiva é a discriminação que sofre a sua periferia
e a forma mais cruel é exatamente a que acontece dentro da saúde, no atendimento à população.
Écomumdizer-sequenosbairrosafastadosdeSãoPaulonãoseencontrammédicoseoutrosprofissionais
da saúde, pois estes temem os subúrbios por serem agredidos pelos moradores de lá, por serem ofendidos e não
terem condições de trabalho. Nada mais falso, excetuando as péssimas condições de trabalho que são oferecidas.
Há mais de 13 anos engajei-me num programa da prefeitura de nome “PAS” (Plano de Atendimento à
Saúde), e fui destacado para um posto de saúde num paupérrimo subúrbio paulistano. Rendia-me um bom salário
econdiçõesrazoáveis,entãodeiomelhordemimparaaquelapopulaçãoelogofuireconhecidopelacomunidade.
Não que me ache melhor médico do que quem quer que seja, mas procurei tratar aquele povo “na palma da mão”:
ouvia-oscomrespeito,procuravasempresorrirduranteosatendimentose,enfim,prescreveramedicaçãoadequada;
sabe-se que pessoas assim atendidas respondem melhor ao tratamento e era isso que acontecia.
Inicialmente,enfrenteicertadesconfiança,poissãocidadãosqueseacostumaramaidentificarosprofissionais
da saúde como pessoas estressadas e irritadiças; de fato, muitas vezes recebem estupidez, securas e nenhum
engajamento afetivo por parte destes profissionais, como se fossem os grandes culpados pelo descaso em que é
jogada a saúde pública brasileira. Normal que um indivíduo desses estranhe ao entrar no consultório e encontrar o
médicosorrindo.
Depois,comomalogrodo“PAS”,pressentiqueapopulaçãodaquelebairrogostavademim,entãoresolvi
abrir um consultório lá e conviver com eles e assim conhecê-los melhor.
Na grande maioria, são pessoas honestas e de bons sentimentos, mas de baixa educação, exatamente
como deseja o Estado brasileiro para facilitar as indecências e a incúria que lhes são características. Pessoas
sofridas, mas altivas, que respondem com grosserias e agressões sim, mas apenas de forma reativa, quando são
maltratados.
Já faz 11 anos que todas as tardes atendo neste consultório, vivo dele e nunca fui maltratado por paciente
algum,muitopelocontrário,sinto-meamadopelopovo,quesabequepodecontarcomigonosmomentosdifíceis.
E faço de tudo, desde conversar com um casal prestes a se separar até ajudar o padre do lugar em suas festas e
suasmovimentaçõessociais.Muitosdramasdaquelagenteterminamemmeuconsultório.
O povo da periferia paulistana é belo, sincero e honesto. Soa ofensiva e simplista a explicação, para a falta
de profissionais, que denigre os cidadãos suburbanos. O povo não agride, apenas se defende.
Éláminha“Pasárgada”.AcreditoqueterminareiminhavidanaVilaLiviero.
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23. 22
Evanil Pires de Campos
Médico Infectologista
Botucatu - SP
LUA ENAMORADA
Reluzente e enamorada a lua acordou
Abriu os olhos e, neles, o amor brotou.
Encantando sua leveza em meiga visão
Muito feliz fremente em linda sensação.
Versos fluíram livres no céu estrelado
Dançaram e valsaram no seio regente
Devota e a sonhada imagem celestial
Adormecida no reflexo d´ilusão silente
Dormiu e saciou no peito eterna paixão
Seduzida na afeição amorosa de cordial
Alma sublime muito terna e tão isolada,
Depositou no clarão lunar, aí emanada.
À vontade, que na ferina pena contida.
Reacendeu o ardor da vida percorrida.
SONHO INFANTIL
Ai que saudades que em mim tenho
Dos sonhos que no coração retenho
Minha alma num recanto flutuava
Sonhando ardoroso sonho infantil
O doce canto dos pássaros adorava
Que nutria alegre e a terna infância
Que deitada na mata tênue recitava
O anseio de minha alma toda pueril
Vivia pra brincar despido da malícia
Pelejava na dócil e na pulcra puerícia
A dádiva de ter e livre correr na selva
Amando a beleza do caminho na relva
Na aventura diária, mero prazer contido.
No peito o vigor desse momento vivido
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24. 23
Evanil Pires de Campos
MEMÓRIA PIRES DE CAMPOS
No final do século XVII, Pirão, o intrépido Antonio Pires de Campos foi designado,
comandante das Bandeiras graça ao seu caráter pela sua colossal estatura que irradiava cordial
expressão facial.
Desbravou e coordenou as Bandeiras que partiram do interior de São Paulo, a saber: Itu,
Porto Feliz e uma vila próxima de Sorocaba para o Mato Grosso, Goiás, Tocantins e se dirigiram
até as proximidades do Oceano Pacífico.
Suas aventuras, intrépidas tribulações: índios, pedras preciosas, ouro etc. merecem, ao lado
de fiéis companheiros, uma apropriada narrativa dos acertos, descobertas e dos erros cometidos
e assimilados.
No meado do século XVIII, os irmãos João e José Pires de Campos se dirigiram para uma
região fértil, rústica de rica flora e fauna a fim de implantar e iniciar nova vida na nascente
Laranjal Paulista.
A posteriori, em Tatuí, num núcleo desenvolvido por Bento Pires de Campos, nasceu Ovídio
Pires de Campos, Médico Professor Universitário, membro da Academia de Medicina de São
Paulo.
João, pela semelhança pondero estatural, foi cognominado “PIRÃO”, em homenagem a
seu antecedente Antonio Pires de Campos. E seu irmão, José, houve por bem, após algum tempo
mudar-se para a florescente cidade Jaú, onde constituiu um grande núcleo familiar.
O Pirão resolveu construir um nicho de fé católica no centro da Vila em homenagem a São
João que ainda se encontra presente no seio da Igreja homônima, Matriz da cidade.
Seu filho, também João, nos primórdios do século XIX teve vários filhos, dos quais citarei
dois: Matias e Joaquim. Este (Joaquim) se casou com uma prima de Jaú, neta de José. Antonio
Pires de Campos, seu filho, Médico, Membro da Academia Botucatuense de Letras cultuou a leitura
e presidiu, por vários anos, o Centro Cultural de Botucatu.
Matias se casou com Ana Pires de Camargo, formada na Escola Caetano de Campos, foi
responsável pela Escola Luterana do Bairro do Bicame de Laranjal Paulista. Ensinava e educava
os alunos e os filhos nessa Escola Primária. A leitura dos textos e dos Capítulos da Bíblia eram
dissecados e degustados. Os netos se dirigiam à sua casa, nas férias escolares postados à sua frente,
eram avaliados e analisados na forma e no conteúdo da leitura.
Pedro Pires de Campos, filho de Matias se educou e se formou à saia dessa mãe diferenciada
moral e intelectual. Aprimorou-se e tornou-se Farmacêutico, homem de olhar singelo, bondoso e
digno. Inteligente, o rico, nele se enobrecia, enquanto que o pobre, nele se debruçava docilmente.
Ao falecer a cidade emudeceu e a ele devotou amável oração ao conduzi-lo ao eterno repouso.
Pai afável, dádiva legada ao ser humano e à família. Nair, minha mãe, Professora, educou-
me no amor e na leitura. A Medicina depurou minha razão e o senso humano aguçado, revigorou
no seio da natureza o meu ser: Evanil Pires de Campos.
Nil, médico veterinário, muito lutou após a residência e pos graduado, mas a fortuna e a
sorte semearam sua senda: trabalhos com formandos permitiram desenvolver com a Universidade
pesquisa inédita sobre sexagem de esperma masculino ou feminino.
Pedro Pires de Campos Neto, Médico, atualmente, enobrece sua senda ancestral em honrosa
e digna ação humana, ética e profissional. Carolina, advogada e enfermeira luta valorosamente
na conquista seu justo e merecido esforço de diferenciação educacional e profissional. Sua mãe,
Claudia soube nutrir o amor fraterno.
Forjou, também, os preceitos da moral em seus três filhos.
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25. 24
Flerts Nebó
Médico Reumatologista
São Paulo - SP
A LUZ ELÉTRICA EM SÃO PAULO
Considerações Históricas
Nointeressedefixarconhecimentosdealgunsproblemasquedizemrespeitoávidacitadina,divulgamosjá,
por estas colunas o histórico da Companhia “Viação Paulistana”, que durante longos anos serviu a coletividades
paulistana. No mesmo propósito contamos como a Light and Power que se introduziu nesta capital.
Agora,paramelhorilustraçãodenossosprezadosleitores,vamosrelatarohistóricodafundaçãodaprimeira
usina elétrica, instalada num quarteirão da Vila Buarque entre as ruasAraujo, Bento Freitas e Major Sertório, no
mesmo local onde ainda hoje se encontra uma das muitas secções da Canadense.
As informações que agora fornecemos aos leitores ser-vem de introdução ao trabalho que a seguir
publicaremos sobre a história da expansão do império elétrico de Tio Sam, naAmérica Latina o qual é o ultimo e
por diversas formas o mais palpitante capitulo da conquista econômica americana. Para esse interessante estudo
desde já chamamos a atenção de nossos leitores.
Há mais de meio século
Deve-se ao saudoso jornalista português, Sr.AbílioAurélio da Silva Marques a iniciativa da instalação em
nossaterradailuminaçãoelétrica.
De fato há mais de meio século ou precisamente em 1888, esse prestante cidadão, auxiliado por diversos
capitalistas e negociantes incorporou a Companhia Paulista de Eletricidade, que tinha por fim dotar as ruas do
Triangulo, assim como a rua BoaVista e do Rosário desse útil e importante melhoramento.
Realizada a assembléia geral de constituição da Companhia e, satisfeitas as formalidades legais, deu a
Diretoria da Companhia mãos as obras e como foi efficiente que em 5 de dezembro do ano supra mencionado,
inaugurava-sealuzelétricanestacapital.
Apropósitodesseauspiciosoacontecimentoescreveuumjornaldaepocha:“ÁsruasdeSãoBento,Imperatriz
eBoaVista,affluiuumacompactamultidãodecidadãosesenhoras,attrahidosparacontemplaremodeslumbrante
effeitodailuminação.”
“Os convidados que puderam penetrar nas usinas da Companhia, tiveram o ensejo de verificar, como de
curiososagglomeradosnasvias,queestáanossaCapitaldotadadeummelhoramentoextraordinário.Aluzelétrica
é óptima, fixa e brilhantíssima e muito mais barata do que a do gaz.
“AinstalaçãodaUsinaCentralcomportatrezmotoresavaporaccionandocadaumumamachinadynamo-
eletrica e está calculada que pode fornecer cerca de quinhentas lâmpadas incandescentes.”
“As machinas elétricas e as lâmpadas de arco voltaico são fornecidos pela Casa Ganz de Budapest. e o
systema empregado é de corrente continua.
“As lâmpadas incandescentes são de Edison e é este o systema que a empreza virá explorar de preferência
nas casas particulares.
“Aslâmpadasdearcovoltaicasprópriasparaailuminaçãodegrandesespaços,dãoumaintensidadedemil
áduasmilvelas.
“As incandecentes variam conforme o tamanho de oito a trinta e duas velas (um a quatro bicos de gaz).
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26. 25
Companhia de Água e Luz de São Paulo
Em substituição da Companhia Paulista de Eletricidade, veio a Companhia de Água e Luz do Estado de
SãoPaulo,tambémsobacompetentedireçãodeAbilioMarquesequedispondodemaiorcapitaleoutrasfacilidades
financeiras poude melhor desenvolver os fins a que se destinava, que eram de prover as cidades do interior dos
melhoramentoshygienicoscomoseusexgottoeluz.
Assim logo depois de iniciadas as suas actividade nesta Capital, adquiriu nas proximidades da Praça da
Republica uma vasta quadra de terreno entre as ruas Major Setorio,Araujo,Ypiranga e Bento Freitas, e ahi sem
perda de tempo montou as novas usinas com capacidade pa-ra mais de 5.000 lâmpadas incandescentes..
Esta Companhia apesar de seu estado de prosperidade sempre crescente e demonstrado em balanços teve
uma curta duração e veio inesperadamente a ser liquidada, indo todo seu activo, constante de propriedades, usinas
e privilégios para a iluminação pública e particular do Primeiro Setor da Capital que abrangerá a zona central do
distrito da Consolação e Santa Ephigenia, vindo a cahir nas mãos da The São Paulo Tramway, Light and Power
Company Limited, como pouco antes tinha acontecido a CiaViação Paulista.
AindahojefuncionanolocalemqueaCompanhiaÁguaeLuztinhasuasusinasemaisdependênciasàRua
Major Sertório uma de suas secções mais importantes da Companhia Canadense.
NOTAS:
1. Procuramos manter a maneira de escrever tal como era usual naqueles annos.
2. Esta pesquisa foi feita por Flerts Nebó em abril de 2009, nos jornais da época. Trabalho publicado
no Diário Popular 25 de abril de 1939.
Flerts Nebó
MEDICINA NO ANTIGO EGITO
A origem da Medicina, segundo conta no Livro de Paul Hermann remonta ao período da pré-história. É
quasetãovelhaquantoaprópriahumanidade;suaevoluçãotemsido,maisoumenosparalelaàdeoutrasatividades
humanas.
Não raro, o curso da civilização tem sido profundamente modificado pela qualidade dos serviços médicos
prestadosaosenfermos.Naalvoradadahistória,amedicinaachava-seintimamenteligadacomáspráticasmágicas
e religiosas dos diversos povos empenhados na busca de conhecimentos e de um modo de vida melhor,
O Egito, no contesto aparece como uma nação organizada, isto cerca de 3.000 a.C. O interesse médico
gira em torno de um período da Terceira Dinastia – 1980-1900 – quando o país era governado por um faraó
ambicioso de nome Zoser.
Este por sua vez, tinha como principal conselheiro um nobre brilhante ministro de nome Imhotep ; o qual
consta ter construído a famosa pirâmide de degraus de Sacará, perto da cidade de Menfis. Ele representava para
o faraó o melhor médico da época tendo-lhe até sido atribuído o papel como o deus da medicina no Egito do
momento.
Existiaumaestreitaassociação,damedicinaegípcia,comareligiãoeamagia;sendoosmédicosdoantigo
Egito, provavelmente, que eram treinados nos templos, da mesma forma como o eram os sacerdotes-magos.
Entretantoelesformavamumaclasseinteiramentedistinta,organizadaemumahierarquiarígida,comoos
médicos da corte faraônica ocupando, certamente, uma posição mais elevada.
Amedicinaencontrava-sesubdivididaemmuitasespecialidades.Todavia,aespecialização,parecetersido
maisumaconseqüênciadascondiçõesprimitivasdoqueumprenúnciodaespecializaçãoemnossaépoca.Entretanto
amedicinaquesepraticavanoEgitonãoeratotalmenteprimitiva.
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27. 26
Assim como desenvolveram as políticas, a agricultura, a tecnologia e, particularmente a arquitetura, além
das artes, os egípcios também tiveram grandes progresso na medicina.
Alguns papiros médicos que são, predominantemente, de caráter religioso, há outros, entretanto, que são
de caráter empírico-racional,
O médico, normalmente vestia uma roupa branca e limpa e usava uma cabeleira, que era característica, de
suaprofissão.
O paciente, normalmente, ficava repousando em uma cadeira, construída com tijolos especiais.
Otratamentoprogrediasobadireçãosábiaecompreensivadomédico,istoconformeasindicaçõescontidas
em um rolo de papiro, que era seguro por um de seus assistentes.Ao mesmo tempo, os sacerdotes executavam
ritos mágico-religiosos, para o bem do paciente. O enfermo recebia a melhor atenção, que a ciência da época lhe
podia oferecer.
Os médicos egípcios foram altamente respeitados, por todo o mundo antigo, e isto por milhares de anos.
Homero – o poeta grego – os considerava como os melhores de sua época e eles eram convidados á
comparecerem nas cortes dos imperadores persas e de outros potentados orientais; e somente no século VI a.C.
foramsendosubstituídospelosmédicosgregos.
Além do valor psicoterápico da magia e da religião os médicos egípcios fizeram sólidos progressos nas
observações e nos tratamentos racionais das diferentes enfermidades.
Suas contribuições são dignas de permanecer em um lugar, ao lado das outras realizações dessa antiga
grandecivilização.
A posição de relevo, obtida pela medicina egípcia da época faraônica, durante 2500 anos, se justifica
plenamente,peloquefoiencontradonosantigosdocumentosquesedescobriramemdiferentessítios,noterritório
egípcio.
Hoje a medicina no Egito é equivalente a Medicina mundial, nos países desenvolvidos; contando com
hospitais modernos e bem equipados.
NOTA- Se alguém desejar ler o livro de Paul Hermann, ele foi intitulado - A CONQUISTA DO
MUNDO - é uma edição da Melhoramentos e seu código é: 0-03-062
Flerts Nebó
PINHEIROS ou “ESPINHEIROS”
A origem do nome do bairro já chegou a provocar polêmicas entre os historiadores e curiosos, sustentando
alguns que “Espinheiros” seria a denominação mais acertada, dado a grande quantidade de árvores de espinhos
aqui existentes `a época do primeiros povoadores.
Segundoelesnestaregiãonuncahouvepinheiros,pelomenosemquantidadequejustificasseadenominação.
Estudiosos atentos, porém, perceberam que as tais árvores de espinho, como eram chamadas na época,
nadamaiseramqueospinheirosnativos(araucariabrasiliensis)queocupavamgrandesextensõesnestalocalidade.
Sobre as referidas árvores, aliás, há numerosas referências em inventários e testamentos dos possuidores de
terras nesta região, datadas de séculos atrás.
Em artigo publicado já há alguns anos, o historiador pinheirense José Simão Filho, comentou a propósito:
“Pinheirosdeoutrorapossuíaabundantespinheiras,cujosexemplaresmagníficosatraiamaatençãoeaeacuriosidade
dos forasteiros.
E foi, devida à impiedosa derrubada dessas árvores, que surgiu um decreto encontrado nas atas da vereança
do ano de 1584: “...lançaram um pregão que ninguém cortasse pinheiro sem licença da Câmara com pena de
pagar quinhentos réis para o Conselho...”
José Simão Filho conservava ainda uma carta que recebera do escritor e historiador Afonso E. Taunay,
datada de 15 de abril de 1829, na qual este assim se refere sobre o nome do bairro:
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28. 27
“SeháalgumlugarnoBrasilcujonomenãopossaserpostoemduvidaéPinheiros;ameuversódetalpode
duvidarquemignoraosdocumentos,poisestebairrodeSãoPauloconservaessenomedesdeoséculoXVIeasua
designação ocorre em centenas de documentos.
Para lhe dar uma rápida confirmação do que digo a ata da Câmara de São Paulo de 7 de dezembro de 1580,
trata do conserto das pontes e caminhos.do Ipiranga, Pinheiros etc..
No dia 23 de maio de 1583 há uma referencia ao bairro de Pinheiros, onde estavam afazendadosAfonso
Sardinha,Antonio Bicudo Francisco da Gama etc, etc.
Na“informaçãodaProvínciadoBrasilparaonossoPadre”,pág.45,autoriadovenerávelJosédeAnchieta,
lê-sequeospadresdaCompanhiaadministravamaAldeiadePinheiros,aumaléguadeSãoPaulo.Enfim,seriaum
nunca acabar de referências de todas as épocas.
NOTA:
Quase toda a região do “Bairro de Pinheiros” era de propriedade do bandeirante FERNÃO DIAS que também
possuía terrenos para o lado da região leste da Capital, chamada de ITAIM BIBI, onde tinha guardas para
seus materiais usados nas “Entradas” ou “Bandeiras” da época”
60 Anos de Bonde.
Dosmeiosdetransporteutilizadospelapopulaçãopinheirense,nenhumdeixoumarcastãoindeléveiscomo
os bondes. Integrados à paisagem urbana desde o começo do século XX, esses veículos serviram a região durante
60anos,contribuindoparaoseudesenvolvimentopopulacionalefacilitandooacessodeseusmoradoresaocentro
da cidade.
Além da finalidade a que se destinavam, os bondes (e suas paradas como se dizia então) eram utilizados
como pontos de encontros e serviam como elementos de aproximação dos membros da pacata comunidade
pinheirense de outrora. Seus condutores e cobradores eram figuras populares no bairro e, nos carnavais esses
veículos viajavam abarrotados de foliões que com os pedestres trocavam jatos de lança-perfumes e arremessos de
confetes e serpentinas.
Os bondes começaram a servir aos pinheirenses em 1904, quando a Light & Power inaugurou a linhaAraçá,
que tinha seu ponto inicial no largo de São Bento e o final na Avenida Municipal ( atual avenida Dr.Arnaldo).
Serviamdemodoinsatisfatório,poisparaalcançá-lososmoradoreseramobrigadosapercorrerumagrande
distância a pé. Posteriormente o ponto final foi mudado para a Rua Capote Valente, onde então terminava a rua
Teodoro Sampaio.
Aindaassimeraenormeadistanciaapercorrereosmoradoresdobairroiniciaramummovimentopleiteando
aextensãodalinhaatéoLargodePinheiros.AreivindicaçãoteveoapoiodovereadorCelsoGarciaeobteveêxito,
apesar das dificuldades existentes. Para que os trilhos chegassem ao Largo de Pinheiros procedeu-se ao
prolongamento da Teodoro Sampaio, através de uma área quase toda de brejos, sendo necessária a execução de
três aterros, para os quais foram utilizados os próprios bondes.
Superados os obstáculos, em março de 1909 chegava o primeiro bonde ao Largo de Pinheiros, onde foi
recebido com banda de música e foguetes em meio à grande festa popular.
AovereadorCelsoGarcia,quetantolutouporessemelhoramento,foioferecidoumbanquetenaresidência
do Dr. José Guilherme Eiras, um dos lideres da comunidade na época.
O progresso acabou com os bondes. Com o advento da era dos automóveis e principalmente depois da
instalaçãodaindústriaautomobilísticanacional,aquelesveículoscomeçaramaservistoscomoobstáculosaotrânsito
cada vez mais rápido.
A imprensa e o povo a eles se referiam como “trambolhos”, “mostrengos”, “obsoletos” e outros adjetivos e
apoio dos pejorativos. Por fim, na gestão do prefeito Faria Lima, foram extintos de São Paulo.
OúltimodelesquechegouaPinheirosfoinumanoitede1969,trouxeopróprioprefeitoesuacomitiva,para
umasingelacerimôniadedespedidaqueserealizounolargodePinheiros.Findaasolenidade,melancolicamenteo
bonde subiu a Teodoro Sampaio pela ultima vez, deixando atrás de si o eco de um passado que não mais voltará.
Flerts Nebó
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29. 28
Geovah Paulo da Cruz
Médico Oftalmologista - Biólogo
São Paulo - SP
AÁGUADEPIRACICABA
Nas bandas do rio Piracicaba
Tem garapa, açúcar e pinga
Que tonteia em Jaboticabal
Escorrega em Itapetininga
Cambaleia em Palmital
Tomba em Taquaritinga
Vomita em Taquaral
Se mija em Ibitinga.
E junto com a camarilha
Caga em Brasília.
Começa por São Bernardo
Descendo o rio Pardo
Navegando os rios paulistas
Com a corja de sindicalistas.
Chegando em Bertioga
Pega uma piroga
Até a beira do Juqueri.
Cuidado com o hospício
Não faça ali comício
Senão eles te jogam
Na barra do Sapucaí.
Rema no Tamanduateí
Cai no Anhembi
No sentido de Igaratá
Até Guaratinguetá
Sobe rio arriba
Pelo Vale do Paraiba
Desce pelo Tietê
Na direção do Perequê
Na altura de Pedregulho
Vai de mergulho
Até a barra do Mogi Guaçu
Passando por Bauru
Entra à direita para Iporanga
Na entrada de Votuporanga,
E vai indo prá Boiçucanga
Sobe para Paranapiacaba
Aí ganha o rio Piracicaba
Então para de “mergulhá”
Já está em Urubupungá.
Muito compricado esse roteiro
Pr´eu e os companheiro
Eu queria apenas
Que a viage fosse menas.
Anhangüera e Itanhaem
Pindamonhangaba e Icém
Araraquara e Avanhandava
Pirassununga e Igarapava
Araçariguama e Cabreuva
Paranapanema e Boituva
Taubaté e Pariqüera-Açu
Itaquaquecetuba e Botucatu
Para com essa dureza!
Nem sei nadar em represa...
E eu tô com a língua presa,
A boca mole e cheia de baba
Com essa água de Piracicaba.
È, mas aprende que o rio Piracicaba
Não passa em Araçatuba
Não nasce em Sorocaba
Nem corre prá Indaiatuba
Não cresce em Itu
Nem lava em Jau
Não serve prá Poá
Não molha em Guará
Chega de geografia
E de tanta água fria
Prefiro uma água quente
Uma gostosa aguardente
Lá em Presidente Prudente.
Vossa Excelência toma birita
Lá em Barra Bonita
Pega uma “boa idéia”
No canal de Cananeia
Uma dose da branca
Num boteco de Franca
Manda brasa num mel
Num quiosque em São Manuel
Pensa que tá no metrô de Jabaquara
Acaba num pau de arara
Vai tomando umas e uns...
Que vassuncê vai parar em Garanhuns!
Manda aí uma água de Piracicaba...
Porra!!! Essa é da braba!!!
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Geovah Paulo da Cruz
O TATU E A TANAJURA
Hoje não existem mais generalistas, aqueles que sabem muitas coisas e suas correlações.Atualmente todos
são especialistasemalgumacoisa,eignoramoresto.Eumesmosouespecialistaemolho.Vejamsóqueseqüência
incrível de conhecimentos são necessários para este artigo.
EunasciemecrieinaroçaelogodepoistiveorestodainfâncianumvilarejodoTriânguloMineiro.Aculturado,
desde cedo aprendi que tatu se come, mas que há restrições. O mais comestível é da espécie chamada tatu
galinha,muitoapreciadopeloexcelentesabor.Entretanto,naminhacidadenãosecomiao tatupeba pelaseguinte
razão: o cemitério ficava fora da cidade, limitando-se por um muro com um pasto de cavalos. Uma pessoa era
enterrada e já no dia seguinte se encontravam pedaços de seu corpo espalhados pelo pasto, passados por túneis
debaixodomuro,trazidospelostatus.Ocampoeracoalhadodeossos.Emoutroslocaisondenãoháesteproblema,
este tatu é também apreciado, assim como o tatu bola.
Na minha região se comia muito a tanajura, também chamada de içá em outros locais. Os índios a comiam
crua,masentrenóseratostadanachapa,comosefosseumapipoca.Gostosíssima.Fazia-sefarofabemtemperadinha.
Como pescador, das que sobravam, usava-as como isca de pesca.
MaistardemegradueiemBiologiaeaprendiqueotatuapresentapoliembrionia,maisparticularmente,tetra-
embrionia,istoé,nascemquatrodecadagestação.Tambémaprendiqueatanajuraéaformigarainha,quefecundada
em pleno vôo pelo macho, pousa no chão, perde as asas, fura o solo e se aprofunda nele, formando aí um novo
formigueiro.Daípordiantesuaúnicafunçãoéporovos,dosquaisnascerãooutrasformigasestéreis,quenãofazem
sexo, nem se reproduzem, operárias, soldados, babás. Pertence à formiga saúva, aquela da cabeça de vidro, voraz
cortadeira,quedizimatudoemvoltadeseuhabitat.Antesdosmodernosvenenosformicidaseraquaseimpossível
controlá-la. Havia até um ditado que dizia: ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Esta
formiga é agricultora, planta e cultiva um fungo do qual se alimenta.As folhas cortadas não são comidas, apenas
servem de adubação, alimento para o fungo.
Depois,comoagropecuaristaaprendiquehojeseusamiscasformicidas,grãospeletizadosmuitocheirosos,
contendo casca de laranja e outros vegetais, que elas levam para o interior do formigueiro e envenenam os fungos,
quecomememorrem,principalmentearainha.
Comomédico,fizcursonoantigoServiçoNacionaldeLepra,hojechamadaeufemisticamentedehanseníase.
Como hansenista aprendi que o tatu é um hospedeiro natural do bacilo de Hansen e que não desenvolve a doença.
Por este motivo é muito usado na pesquisa sobre este mal bíblico.
Como gastrônomo, inferi que o enorme abdome da tanajura nada mais é do que um grande depósito de
ovos. Ora, ovo é comestível, não importa qual. Sempre apreciei ova de galinha, ovos em formação e em vários
estágios de desenvolvimento. Em casa, nós brigávamos por ela. Depois que vim para São Paulo, conheci o mar e
passei a apreciar frutos marinhos, conheci a ova de tainha, coisa apreciadíssima em gastronomia. Melhorando de
vida,comicaviarmuitasvezes.Caviaréconservadeovosdeesturjão,umpeixedaEuropaOriental.Nãofoidifícil
concluir que bunda de tanajura nada mais é do que caviar terrestre, e dos melhores, já que os peixes e os insetos
aindasãoanimaisinferioresemuitopróximosentresinaescalazoológica.
Entendido de embriologia, sei que o ovo, qualquer deles, é um ser em potencial, que deriva de um óvulo
fecundado. O óvulo é sempre grande porque contém um lanche, uma matula chamada vitelo, para alimentar o
embrião a ser desenvolvido. Nos peixes e insetos este bornal cheio de lipídios e albumina é muito nutritivo, o
suficiente para fornecer matéria prima para a formação do embrião, porque a incubação é externa, fora do corpo
da mãe.
Eu estava desmatando o cerrado de uma das minhas fazendas para plantar soja e os peões diariamente
matavam tatus para comer e penduravam os cascos nas árvores residuais. Elas ficavam parecendo árvore de natal.
Não gostei daquilo, mas não tinha como controlar a ação deles. Eu tinha arado e preparado um pedaço de terra de
cor clara, era noite de lua cheia e o chão ficou iluminado, atraindo por fototropismo centenas de tanajuras que lá
aterrizaram. De manhã eu passei por aquela quadra, do tamanho de uns dois campos de futebol e observei muitos
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rastos de tatu e centenas de buracos com terra removida. Eles tinham trabalhado a noite inteira a meu favor,
comendo as içás, evitando que cada uma delas criasse um novo formigueiro. Isto me poupou um enorme trabalho
de combater as formigas com um grande custo financeiro, além de envenenar também a terra e outros predadores
que as comessem envenenadas.
Souumferrenhoambientalista,defensordanatureza.Deixeidecomertatunãosóporconsciênciaecológica,
mas também por um certo nojo pelo fato de ele ser portador-reservatório do micróbio da lepra. Não coma tatu,
deixe ele trabalhar pelo equilíbrio natural. Mas pode comer tanajura, estou certo de que vai gostar.
Tenhotambémomeuladohumorista:achoaquelasdonasdecinturafinae“derrière”avantajado,apelidadas
detanajuras,tambémmuitoapetecíveis...
Como culinarista (tenho um livro para editar), aqui vai uma receita. Ponha manteiga de leite (existem
outras manteigas), azeite, temperos secos (pimenta do reino, cominho, curry), cebola ralada, ervas frescas
(salsinha, cebolinha, hortelã) alho, sal, e refogue as bundas (retire as cabeças) mexendo sempre, em fogo
brando. Quando estiverem refogadas, derrame queijo captupiry ou outro requeijão cremoso, ou creme de leite,
apenas o tempo de misturar e aquecer. Coma com arroz branco. É caviar de caipira, sô!
Não chego a ser um enólogo, mas posso recomendar um vinho branco, tipo riesling alemão, ou nacional,
mais baratinho. -Vai ser chique assim lá no Chapadão doTatu Canastra, onde a égua quebrou a perna num buraco
dele, ôh “seu” passa fome desgraçado!
E como escritor, redigi este pequeno ensaio. Como datilógrafo o digitei e como um modesto usuário de
informática,imprimi-oeocopieiemdisquete.
Geovah Paulo da Cruz
O CULTO DA ANCIANIDADE
Anaturezatemritosqueestãoligadosaumdeterminismogenéticodesenvolvidoaolongodemilhõesdeanos,
segundoaevoluçãoseletivadasespécies.Doisdestesdeterminismossãoclausulaspétreas,imutáveis:aperecibilidade
doorganismoindividualeaimortalidadedesuaprogramaçãobiológica.Osindivíduosmorrem,massuaorganização
não:elaétransmitidaintra-específicamente.Assemelha-seaocultivodofogo:umpedaçodelenhaacesotransmite
fogoaoutropedaço,maschegaummomentoemquecadatoroseextingueou seconsome,eofogoésucessivamente
ateado a novos lenhos.
Háumoutroritotambéminexoravelmenterígido:cadaindivíduoéresponsávelpelamanutençãodeseuciclo
individual de vida, respirando e se alimentando. Respirar é de graça, mas alimentar-se tem um custo. Na natureza
não há solidariedade alimentar. Com exceção da fase infantil do animal, depois de adulto é o cada um por si.
Nenhumanimalrepartecomoutrooseualimento.Elenãotemnenhumcomprometimentomoralcomaalimentação
do outro. Cada qual vive a sua vida. Nestas circunstâncias, o animal velho que perdeu sua agilidade, sua força, sua
destreza, acaba se alimentando mal, e cada vez menos.Amaioria deles morre por inanição, definhamento. Ele
começaporseautoconsumir,gastandosuasgorduras,oemagrecimento,depoisseusmúsculoseossos,aemaciação.
E morre de caquexia, caso não haja morrido por infecções e infestações. Outros organismos oportunistas se
aproveitam de sua fragilidade e o agridem e atacam, incluindo ai os predadores.Anatureza o defenestra da vida.
Prá que ocupar um lugar, se já não tem mais utilidade?Anatureza é uma entidade não-moral.
Os animais velhos em geral passam a viver solitários, são deixados para trás, não tem forças para sobreviver
àsuaprópriacustaeesforço.Osherbívorosgastamseusdentes,suasunhas,seuscascos,nãoconseguemcaminhar
e pastar. O homem, como qualquer outro animal, sempre cumpriu estes ritos de maneira natural. Nos bandos
primitivos os velhos eram escorraçados, deixados para trás na vida nômade. Mais tarde, depois que o homo
sapiens se socializou, no máximo comiam restos, sobras. Cada elemento do grupo era utilizado como forma de
economia ergonômica, fornecendo sua potência para o proveito coletivo: caça, cultivo, defesa, ataque, vigilância,
ajuda, regulação, e os velhos eram um peso morto, incômodo, fraco e frágil. Um passivo na dinâmica social. Um
deficitário, aquele que dava pouco ou nada.
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Com o estacionamento do humano em cavernas, povoações, aldeamentos, juntavam-se as mulheres e as
crianças num só local, com um baixo custo operacional. Isto começou a ocorrer depois que os bandos ficaram
sedentários. Cuidar também dos velhos agora representava apenas um pequeno adicional de ônus. E não seria
totalmentedegraça.Haviaumlucropotencialinteressante;inferiu-sequealimentandoecuidandodoseuascendente,
o descendente ganhava um crédito “moral” para quando também se tornasse velho. E assim de forma egoística,
como soe ser na natureza, quebrou-se o rito da não repartição alimentar. Comprou-se, de forma artificial, uma
quota de sobrevida.Aos poucos se descobriu que nem era tão caro assim entesourar este crédito, porque já havia
outrainstituiçãovantajosa,acooperativafamiliar.Termuitosfilhossignificavamaiorsegurança,proteção,defesa,
divisão do esforço, e também partilha do ônus de amparar os longevos.
Com a evolução da inteligência, da linguagem, das habilidades, os idosos cuidaram de se armar de um
cabedal de troca, a experiência. Se já não tinham força nem potência física, então compraram sua sobrevivência
comumanovamoedaprópria,oseupatrimôniointelectual.Durantemilhõesdeanosaculturaoralfoiaúnicaforma
intelectual de que se valia para guardar as descobertas, o aprendizado, a técnica, a ciência. E os anciões se
especializaram neste mister, deixando para os sôfregos jovens e adultos a atividade física.
Destemodo,nobalançocontábildeinteresses,osvelhospagaramsuacotaatuarialesegarantiramcomuma
fraçãoamaisdevida,asenilidade.Daíavirarcultonãofoimaisdoqueumapolitizaçãodofenômeno,osdoislados
dojogosegabandodeseusfeitos.Osmoçosapregoandosuabeneficênciaparacomosvelhos,eestessecreditando
por um capital que os jovens não tinham, o conhecimento adquirido e experimentado.
Hoje tudo mudou, e se cultua a juventude. O culto da ancianidade está em franca decadência. Os filhos são
poucos, a vida é competitiva e se os mais moços conseguirem cumprir os mandamentos da natureza, cuidar de si
mesmos e zelar pela prole, já estará bom. Com a nova dinâmica do conhecimento são poucas as chances de um
jovemchegaraserumvenerávelanciãodetentordasabedoria,oudafortuna.Omundoéaaldeiaglobalquejátem
os seus consagrados mestres em todas as áreas, laureados detentores do prêmio Nobel, acadêmicos, especialistas.
Assim, é bom pensar em economizar e amealhar para o futuro. O fator de maior sobrevida, a longevidade, está
pesando muito nos orçamentos. No Japão já se vive em média mais que 80 anos. Até mesmo os governos estão se
queixando do excesso de velhos, que já não mais contribuem monetariamente e retiram do caixa por tempo
prolongado.
O que os da nova geração devem fazer é pensar na sua previdência programada, para que quando chegarem
à velhice não se vejam como aqueles velhos da pré-história da humanidade, escorraçados para as migalhas das
sobras e restos dos institutos de aposentadoria oficiais de todos os lugares do mundo, como o nosso INSS. Ou
dependam da caridade, que não consegue assistir a todos e é humilhante para o idoso.Asilo é o terror psicológico
da senectude.Aantecâmara da morte anunciada.
No metrô uma senhora pediu que um garoto desocupasse o lugar reservado aos idosos. De má vontade, ele
resmungou: - Que velha chata.
Sem se perturbar ela retorquiu: - Se você não morrer antes, um dia ficará velho.
Geovah Paulo da Cruz
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33. 32
Helio Begliomini
Médico Urologista
São Paulo - SP
CIRCUNCISÕES
Confessoquenãogostodetratare,particularmente,operarparentes,poisaafetividadeeaproximidadeno
relacionamentopodeminterferirsentimentalmentenoraciocínioclínico,atrapalharnoordenamentodashipóteses
diagnósticas, quando não, contribuir negativamente na condução e evolução do caso.
Entretanto,emminhaatividadeprofissionalhouvepoucas,masbemespecíficasocasiõesemquefizquestão
de operar três entes mui queridos, cuja experiência inaudita pode ser classificada como trágico-cômico-filosófica.
...
Há muitos anos, quando meus dois primeiros filhos tinham por volta de sete e cinco anos, e com indicação
derealizaracircuncisão,decidiqueeumesmoosoperaria,poisalémdeserumdosmaissimplesprocedimentosem
minha especialidade, gostaria que minha arte cirúrgica os moldasse perenemente, transcendendo neles a minha
própria existência. Dessa forma, pensava que poderiam se lembrar do pai toda vez que se recordassem que tinham
sidopostectomizados.
Mas, apesar da simplicidade do ato, fui questionado pela minha esposa se eu seria o profissional ideal para
oato,vistoqueseriapossívelmeinfluenciarafetivamenteenãoalcançaroresultadoesperado.Ademais,indagou-
me se não poderia passar mal durante o procedimento, uma vez que estaria “cortando” meus próprios filhos.
Nada me demoveu de meu intento, pois estas e outras colocações já tinham sido anteriormente muito
ruminadasemminhamente.
Assim, duas cirurgias idênticas foram marcadas sequencialmente no antigo Hospital e Maternidade
Voluntários,naZonaNortedapauliceia,umdoshospitaisquerotineiramentelevavameuspacientesdoconsultório
para operar. Curiosamente, na internação, apesar da autorização do convênio e de ser conhecido da instituição,
pediram-me um cheque caução cujo valor, elevadíssimo – cerca de vinte vezes o custo dos procedimentos – não
dispunha, e que deveria trabalhar alguns meses para reunir tal soma caso necessitasse pagá-lo.
O anestesista foi o colega Lee e o cirurgião auxiliar meu velho amigo Carlos, igualmente urologista, com
quem havia feito muitas e maiores cirurgias. Estive sempre confiante, mas pensava que, na pior das hipóteses, se
ocorressealgumachaquesúbitocomigo,meusfilhosteriamalguémdeconfiançaparaconcluiroato.
O primeiro a ser operado foi meu filho Bruno, o mais novo e o mais corajoso, outrora carinhosamente
apelidado de “batatinha voadora” pelas suas peraltices, hoje, também médico. O ato transcorreu sem nenhuma
intercorrência, como outros pacientes sem parentesco que houvera operado.Atranquilidade dele deu bravura ao
meufilhomaisvelho,Enrico,outroraigualmentetraquina,hoje,administrador.Diferentementedoquehaviaimaginado,
sem maior temor, comportou-se serenamente no centro cirúrgico.
Entretanto, quando já havia sido cumprido cerca da metade do ato operatório, eis que subitamente meu
auxiliar, o Carlos, disse-me que não estava se sentindo bem. Em poucos segundos tornou-se lívido, levemente
sudorético, e ameaçando desmaiar teve que se sentar no chão do da sala, quando foi socorrido pelo anestesista e
enfermeira. E eu que houvera cogitado que poderia ter experimentado o que ele estava passando, encontrei-me
operandosozinhomeufilhoporváriosminutos.
Felizmente, o infausto acabou bem e dele sobraram boas gargalhadas.
...
Um raciocínio inverso ocorreu recentemente quando meu pai, com quadro de balanopostite crônica,
desenvolveu fimose secundária. Na ocasião ele contava com seus 81 anos; eu com 53 de idade e 29 de formado.
Tendoqueoperá-lodecidiconscienteetranquilamentefazê-locomminhasprópriasmãos,poissendopartedesua
carne, almejaria com meu gesto retribuir a quem muito devia uma singela gratidão, particularmente por ter-me
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34. 33
proporcionado,juntamentecomminhamãe,realizaromaiorsonhodeminhavida:sermédico.Assim,nadamelhor
do que transformar minha arte num gesto de agradecimento a quem com muito sacrifício a concedeu-me.
Desta vez a cirurgia foi marcada no Hospital São Camilo Santana na sequência de um procedimento
endoscópico.OanestesistaeraoRenato,velhoconhecido,comquemigualmentetenhopartilhadomuitashorasem
centros cirúrgicos. Também havia contatado um auxiliar e uma instrumentadora que me ajudariam. Infeliz e
curiosamente ambos tiveram contratempos e notificaram-me em cima da hora que não poderiam estar presentes.
Considerando serem os procedimentos de pequena monta e inadiáveis em decorrência das patologias,
afastamentodotrabalho,agendamentoprévio,jejumemuitaburocracianostrâmitesparaaobtençãodeautorização
dosconvênios...decidiencará-lossozinho.Rezei,comodepraxe,paraquetudosedesenvolvessedamelhorforma
possível,ecomféfuiavante.
Terminado a contento o primeiro procedimento, iniciei, solitário, à mercê da assistência anestésica, a
circuncisãodemeupai.Felizmente,nadadecômicooutrágicohouveraparacontar,anãoserofatoúnicoemminha
vidaprofissionaldeterquerealizarsozinho,emmeuprópriopai,umprocedimentosimples,masquesemprefizera
e que faço com a ajuda de um auxiliar.
Porestarsó,demorei-mecircunstancialmentemaisdoqueousualnoatooperatório,temposuficientepara
que meu pensamento voasse celeremente às recordações dos felicíssimos momentos que tive com meus pais e
irmãosnaminhainfância...prolongadosnaadolescência...esedetivesse,particularmente,àépocademinhajuventude.
Derepente–semjamaistersequerimaginadoemminhatrajetóriapessoalouprofissionaloperarmeupai(!)
– dentre tantos flashes que a memória aprazível e graciosamente me concedia, refleti que estava inusitadamente
restaurando nele um órgão que, através de inúmeras incursões de amor, possibilitou-me ter acesso a vida.
Eessefoimaisummomentoinolvidávelemminhaexistênciaqueele–meupai–paradoxalmente,através
damedicinamehaviapossibilitado!
Helio Begliomini
EU... MILITAR
O meu relacionamento com os militares daria para fazer uma pequena novela.
Como sói acontecer com todo os varões que estão para completar 18 anos, participei do processo de
alistamento militar no quadro do Exército Brasileiro. Madrugadas na fila, gozações de soldados em exercício,
ameaças de cabos e sargentos e desdém por parte de oficiais eram rotinas esperadas nesse processo.
Felizmente,nessaocasião,fuidispensadoporexcessodecontingente.Participei,felicíssimoecomorgulho,
dacerimôniaejuramentoàBandeiraocorridanoEstádioMunicipaldoPacaembú,otradicionalPauloMachadode
Carvalho.
Entretanto, novamente cruzei com os desígnios do Exército Brasileiro por ocasião do término do curso de
medicina, em 1978, quando a minha faculdade desfortunadamente foi uma das sorteadas e seus varões, como
consequência, obrigados a servir as ForçasArmadas durante um ano.
Tínhamos que servir no Mato Grosso do Sul, pois naquela época, esse estado pertencia à mesma região
militar de São Paulo.Após treinamento em Campo Grande seríamos designados, de acordo com a classificação,
para cidades interioranas e fronteiriças, como por exemplo Porto Murtinho, cujo acesso só era possível por ar ou
rios.
Esse não era o maior problema, mais sim o fato de estar com casamento marcado há meses para o dia 24
de janeiro de 1979. Assim, a cerimônia já estava acertada com o querido padre Bruno Carra da Igreja de São
PedroApostolo,alémdocantor,instrumentistas,floriculturaeClubeMacabi,ondeseriaarecepção.Játinhamsido
entregues quase todos os convites.
Deveria me apresentar em Campo Grande três dias antes do meu casamento. O coronel responsável pelo
processo estava irredutível, não admitindo minha ausência, sob pena de ser preso.
Commuitocustoegraçasaaçãodivina,conseguicasarcomapropostadepartirnodiaseguinteparaMato
Grosso do Sul.
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35. 34
Nessa ocasião, havia conseguido entrar na Residência Médica em urologia no concorrido Hospital do
Servidor Público do Estado de São Paulo. Tive que pedir adiamento do meu programa por um ano, o que foi
concedido.
Desmontamos o apartamento já organizado e não inaugurado e, estávamos convictos de que teríamos de
trocar, às pressas, nossa lua de mel, anteriormente almejada nalguma praia do nordeste, para o desconhecido oeste
brasileiro.
Ahomiliadacerimôniareligiosaeacomemoraçãosocialforammarcanteseemocionantes,poisestávamos
de mudança para terras desconhecidas e lá permaneceríamos por pelo menos um ano.
Passamos a primeira noite no Hotel Hilton e seguimos rumo a Campo Grande com pernoite emAssis e
Presidente Epitácio. Nesta cidade dormimos, sem querer num hotel de meretrício. Foi uma experiência
inesquecivelmente repugnante no início do casamento e não combinava com nossos ideais. Para mim que tinha
moradoemrepúblicadeestudantesduranteseisanoserafacilmenteabsorvível,masnãoparaminharecém-esposa
que jamais se desgarrara de sua bela casa e unida família.
ChegamosemCampoGrandenosábadoejánosmobilizamosparaalugaralgumaquitinete,poisnãodava
para morar no hotel devido ao elevado custo.
Encontramos, no domingo, meu colega de turma, oAriovaldo, que encontrava-se aflito e desesperançado,
Estava em prantos, junto com seu pai, pois também jamais tinha morado fora de casa.Apesar de sua idade, não se
conformava com essa idéia de serviço militar no Mato Grosso do Sul.
Na segunda-feira seguinte, apresentei-me ao comandante da unidade militar e este, para minha surpresa,
disse-me que o quadro de aspirantes estava completo. Caso quisesse, poderia desistir, com a condição de servir
após o término da residência.
Essa foi outra surpresa. Naquela altura tudo já estava direcionado para morar no Mato Grosso do Sul
durante um ano: apartamento em São Paulo desmontado; prorrogação da Residência Médica; familiares e amigos
conscientes; cancelamento de plantões, adiamento da Faculdade de Engenharia daAida, minha esposa... enfim, já
tínhamosnosacostumadocomaidéiadequemorarumanoforaseriaumaexperiênciamuitoboaparaanossavida
a dois.
Entretanto,apósconfabularmos,prevaleceuàidéiadevoltar.Felizmente,portelefone,conseguiretornarao
meu lugar na Residência Médica e, partimos no dia seguinte, numa terça-feira.
Apesar das retas intermináveis da estrada, pegamos um temporal intenso e deslizamos na pista, batendo
partedocarronalateraldarodovia.Felizmenteomalnãofoipior.EraumcarroBrasília,excessivamentecarregado
pelamudança.
Paramos em Presidente Prudente para reparos.Afortunadamente tínhamos o endereço do irmão da Sra
Terezinha, vizinha amiga dos pais daAida e sem nos conhecer, ele e sua esposa foram excessivamente gentis, pois
além de nos orientar quanto a um mecânico de confiança, nos proporcionaram alimentação e pernoite. Eles foram
bons amigos que carinhosamente nos socorreram e jamais serão esquecidos.
No dia seguinte partimos para São Paulo pernoitando na cidade de Ourinhos.Tanto na ida quanto na volta
fizemosaviagemfracionada,poisalémdopercursosermuitolongo,tínhamosaintençãodeconhecerascidadese
paisagens que se iam apresentando, com belos rios e represas.
Findaaluademelqueduroucercadeoitodias,nossavidavoltouaoesperado.AAidacontinuouseucurso
deengenhariaeeuinicieiaResidênciaMédica.
* * *
Três anos após concluía minha especialização em urologia. Era fevereiro de 1982. Já tínhamos o Enrico,
nosso primeiro filho, com 1 ano e 4 meses e estávamos no início de gravidez do segundo filho, o Bruno.Ambos
nasceram no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, com imensas e gratificantes recordações para
mim.
Masaindaminhaexperiênciamilitarestariaporvir.Devidoaobomsalário,àspoucasopçõesempregatícias
e à minha pendência com as ForçasArmadas, decidi me alistar como médico no Exército.
Naquele ano, a maior parte dos convocados era composta de médicos com três ou quatro anos de
especialização e eu estava entre eles.
Helio Begliomini
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36. 35
Fizemos um treinamento militar de 45 dias no tradicional CPOR – Centro Preparatório de Oficiais de
Reserva, na rua Dr.Alfredo Pujol em Santana, onde aprendemos as normas e disciplinas militares. Lembro-me,
certa vez, que perdi o horário. Saí em disparada ao quartel. No trajeto bati o carro e nem parei para ver o que tinha
acontecido, tamanho era o medo de ser repreendido ou de ficar preso...
Aprendiamarchar,fazercontinência,conhecernomes,siglas,regraseconceitosmilitares.Asliçõesensinadas
eram permeadas pelo impecável jeito de se vestir e recheadas de rigorosa disciplina.
Uma das recordações que trago dessa época era quando, logo pela manhã, o tenente perguntava quem iria
almoçarnoquartel,poisacomidaseriafeitasobmedidaenãoseadmitiadesperdício.Quemdesseonomedeveria
comerobrigatoriamente,mesmoqueposteriormentedecidisseemcontrário.Equemnãodesseonome,nãocomeria.
Umaexperiênciainesquecívelfoiaotérminodocursoquandofizemosumacampamentomilitar,queseriaa
conclusão prática do aprendizado.
Numfinaldesemanaestivemosnumcampodetreinamentoondehaviamuitomato.Caminhamosfardados
porquilômetros;sentimosaaçãodogáslacrimogêneo;aprendemosliçõesdecamuflagem;demostiroscomfuzile
vimos o poder da explosão de granadas. Um estilhaço de uma delas que se desintegrara a dezenas de metros de
distância,atingiuacidentalmenteoolhodeumcolegadaturma,lesando-oeafastando-odefinitivamentedogrupo.
Ànoite,embaixodefortechuva,colocaram-nosnomeiodomatoetínhamosquesairguiadosapenascom
lanternas e cálculos de azimutes. Não havia banho.Afarda suja e molhada amoldava ao corpo. Lembro-me que
nem havia lugar para dormir dentro das barracas ou caçambas.Asolução que encontrei foi ficar deitado embaixo
docaminhãoemcimadagramamolhada,poisaomenosestavaumpoucomaisprotegidodachuvaquenãoparava.
Cumpri o treinamento militar e como tinha Residência Médica fui convocado para trabalhar no Hospital
Geral do Exército, localizado no bairro de Cambuci. Naquela ocasião, o hospital era ainda formado de velhos
pavilhões da época da II Grande Guerra Mundial e, só no segundo semestre daquele ano (1982) seria inaugurado
o prédio novo dos ambulatórios.
Meu turno de trabalho era das 7 às 13 hs e alguns dias das 13 às 19 hs. Almoçava no hospital e depois
trabalhava noutros lugares.Tinha plantões aos sábados e domingos à cada seis semanas aproximadamente.
Além dos militares e alguns familiares, atendíamos os ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira
(FEB). Suas indeléveis experiências e o sentimento de irmandade que nutriam entre si eram emocionantes e
inesquecíveis.
Durante esse ano pude também desenvolver muito a parte escrita da tese de mestrado que estava,
paralelamente realizando na Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A minha experiência militar proporcionou-me maior amadurecimento como cidadão e conhecimento de
realidadesinimagináveis.Elafoitãoamplaericaquedariaparaescreverumlivro!
Helio Begliomini
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SER CANDIDATO
Ser candidato é ter um sonho
é ser idealista
é acreditar no poder da transformação
nodinamismodavida
nummundomelhor.
Ser candidato é ser desprendido
despretensioso no trato
solidárionasdificuldades
afávelnorelacionamento.
É catalisar o poder a outrem
trabalhar sem medo
ser impávido no embate.
Ser candidato é almejar a vitória
poder amargurar uma derrota
é ganhar ou perder.
Ser candidato é surpreender-se com adesões
desencantar-se com deserções
é angariar apoios e traições.
Ser candidato é deixar afazeres
relegarfamiliares
abdicar de si mesmo
conviver com multidões e estar só.
Ser candidato é competir entre verdades e mentiras
consistênciaesuperficialidade
adulaçõesecalúnias
realidade e falsidade.
Ser candidato é ter nobre conteúdo
inesvaecido pela derrota
tampoucopelavitória.
Helio Begliomini
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Hélio José Déstro
Cirurgião Dentista
São Paulo - SP
O PALHAÇO
(Declaração especial de amor a um ser fenomenal)
Adorávelemaravilhosopalhaço...
Com o seu coração de ouro
a cara e o traseiro de aço.
Adorávelefenomenalpalhaço...
Comaquelaingenuidadeinfantil,
O bolso vazio em bagaço.
Adorável e inocente palhaço.
Aalegriaésuaformademensagem.
A vestimenta é toda coragem.
Adorável e querido palhaço.
Que faz vibrar as crianças
Encrostadas em todos os corpos.
Que faz vir à tona nossos sentimentos.
Apureza e a certeza...Avida é linda...
E que a inocência,
tem por base primordial a decência.
Meulindo,
fenomenal,inocenteequerido.
PALHAÇO
O ABC DO PALHAÇO
10 de dezembro – Dia Internacional do Palhaço
QUÁ... QUÁ... QUÁ
Sorrir faz bem ao fígado.
AAAAAAAAAAAA
Rir faz bem ao coração
QUÉ... QUÉ... QUÉ
Gargalharfazbemaalma.
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Hélio José Déstro
Cambalhotas... E dá-lhe cambalhotas
pra frente, para trás... Muitas cambalhotas.
Saltos... Estrelas, quedas e lorotas.
Rir... Sorrir... Gargalhar...Alegres anedotas.
Na cara levar tortas, o choro mentira é chacota.
Estampidos, o bater palmas, levarem bofetões.
Conversas sem nexo, só pra fazer confusão.
Tem cara de idiota, mas é um lindo ser.
Nos circos de lona, nas festas infantis e na TV.
A cara pintada, o nariz tão vermelho.
Vê-se no espelho e que roupas coloridas.
Flores e os jatos d’água quanta palhaçada.
CAREQUINHA–Aiaiai... Carrapato não tem pai.
PIOLIM – fenomenal fez rir a tantas gerações.
ARRELIA – Como vai... Como vai... Como vai?
- Eu vou bem, muito bem, bem bem.
A meninada – Muito bem... Muito bem, bem bem.
ARRELIAEPIMENTINHA
- O bom menino não faz pipi na cama.
- O bom menino não faz malcriação.
O maravilhoso mundo do circo onde o palhaço é rei.
Na maior pureza e encantamento.
Em tempo de infância de nada fazer.
Palhaço – quando rir, sorrir e gargalhar.
Até não agüentar e sempre se lembrar.
Hélio José Déstro – palhaço da vida
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OS REVOLUCIONÁRIOS
No quartel a ordem do Comandante para toda a Corporação.
- É pra matar, todos os revolucionários escondidos na favela.
- Pra matar, isto foi dito a todo o Batalhão que iria fazer parte desta manobra.
- É pra matar, penetrava pelos ouvidos e infiltrava nas cabeças dos soldados.
- É pra matar. É pra matar. Maaaaataaaaar.
Em caminhões chegamos ao pé da favela, do Batalhão éramos famosos conhecidos como o “Pelotão de
Fuzilamento”. O pelotão com cerca de duzentos homens em posição, caminhávamos lado a lado dois, três ou
quatro cada qual com um campo de visão, passo a passo subíamos fazendo a varredura do local metro a metro.
Crianças se escondiam, mulheres gritavam para as crianças, um escarcéu.
Eu com meu fuzilAK-47 arma poderosa e munição de centenas de balas. Casas vasculhadas ficavam para
trás, onde mulheres choravam.Aminha esquerda um pipocar de metralhadora, alguém tinha sido encontrado. Um
revolucionárioamenos.Euemaistrêssoldadospassoapassosubíamosafavela.Umseafastoupeloladoesquerdo
e penetrou em uma casa. Só se ouviam o barulho de nossas botas. O Pelotão da Morte nesta época de Revolução
impunha respeito. Onde passava levava pelo caminho a morte, coletes a prova de balas e pra dar respeito às armas
potentes:fuzis,metralhadoraserevolveres.
Eutinhasidorequisitadoparaomesmoporqueondefaziaplantãoprendiváriosbandidosqueassaltavama
região. Eu e todos os outros caminhávamos para matar... Matar. Desta favela por falta de opção sai para ser
soldado. Hoje com meus 25 anos sou parte do famoso Batalhão. Nestes tempos de revolução lutávamos com
aqueles que são a favor e eram os que queriam a democracia.Afinal nem sei o que é Democracia, mas no quartel
aquilo era um mal pro nosso País. E tinham que ser calados. Muitos eram até eram comunistas e comiam crianças.
Comunistascomiam,crianças.Ossoldadosnestestemposdifíceissãovalorizadosporqueimpunhamaordem.Eo
principaltinhaarmamentospesados,equemtemarmassãoobedecidosoucalados.Pradizerminhaverdadeeufui
convocado para fazer parte do pelotão. Nunca fui de matar, mas hoje eu estou com o diabo no corpo, nesta missão
sabíamos o que fazer. Matar... Matar. Matar revolucionários.
Deixei o pensamento de lado o pensar que naquela favela eu fui criado, mas matar a todos que foram
exibidos nos slides no quartel nas projeções e nas fotos espalhadas. Ordem do Comandante é pra ser cumprida
pelos oficiais subalternos. Sargento cumpre porque é sargento. Soldado é soldado, sargento é sargento, oficial é
oficial. Obedecer. Obedecer. Estávamos em quatro, um logo se afastou e num beco ouvimos o pipocar da
metralhadora. O companheiro ao lado penetrou em uma casa juntamente com o quarto homem ouvi um pipocar
forte de metralhadora e gemidos. Estava só e a frente a casa mal construída, mal acabada. O ódio e o terror. O
coraçãopulavaemeurostoesquentouafaceeosolhosqueseinjetaramdevermelho,namenteoódio.Avarredura
caminhavalevandonospeitosumlimparolocal.Foiquandofiqueifrenteafrenteeueaporta. Metiasoladabota,
ela escancarou. Sabia por informação que poderia matar, ou poderia morrer. A casa meia água, casa igual a
centenas, a casa mal acabada feita aos poucos e com valores suados. Eu só comigo mesmo.Asala vazia, ao lado
acozinha...Vazia.
Outra porta a do quarto. O silêncio era de morte. Neste momento o ódio tomava conta de mim. Se atrás
desta porta houvesse alguém eu acabaria com ele.Asola bateu violentamente na porta que rangeu e cedeu. Frente
a frente eu, ele barbudo, um dos que estavam entre os projetados na tela. Havia também crianças. Ele e as crianças
a comerem pipocas.
Amarelo era a cor de seu rosto a comer pipocas brancas.As crianças tremiam. O dedo no gatilho do fuzilAK
47. E as pipocas.Amão cheia de pipocas é estendida.Aí caiu a ficha. Ele, o Zé filho da Maria pipoqueira. Ali
naquela favela quantas vezes com fome comiamos as sobras de pipocas murchas que sobravam no carrinho. Os
caruás eram colocados outra vez na panela com óleo usado e nada de estourarem. Em tempos passados de
Hélio José Déstro
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meninice sentados eu e ele, lado a lado, a comer com “fome de três dias” pipocas e éramos felizes. Eu e o Zé filho
da Maria pipoqueira. Eu, ele a mão estendida com as pipocas. O fuzil, o dedo no gatilho. Ele, o revolucionário?A
mãoestendidaseoferecendo,anossaamizade,osnossosmomentosemsaciarafome. Meumundovoltou,euque
estava a fim de matar, que estava frente a frente com o revolucionário. Eu e o menino amigo de tantas peraltices,
alegrias e sonhos. O dedo no gatilho e a ordem matar... Matar.
Sentei-meaoseuladoecomeçamosacomerpipocasnosilêncioqueerademorte.Amortequeseestendia
e corria nas casas pela favela.Alembrar nossos sonhos de sermos jogadores de futebol. Ele cantor tinha uma bela
voz, bom pra cantar samba e pagode. Hoje na vida um revolucionário e a ordem matar. Matar.
Levantei-me o dedo no gatilho e o ódio no coração. “O sargento que vá pra puta que pariu.”
A amizade de meu amigo Zé das pipocas vale mais do que matar pra acabar com a revolução e sonhos
acalentados.
Hélio José Déstro - 7 deAbril de 2009
Amizade é flor que nasce no coração.
MEUS INESQUECÍVEIS AMIGOS
Estudante que fui, tive muitos amigos e quero biografá-los:
O PINTO - Um rapaz bonitão, vermelho e forte, também tinha seus dias de tristeza, ficava mole... Mole,
encolhido em seu canto.Adorava mulher, o que se podia chamar de tarado; não podia ver um rabo de saia e seus
apetrechos,queoPintoficavaamil.TinhaumgrandedefeitoentreamigosnãogostavadeserchamadoPinto,mas
a turma quando o Pinto estava onde havia muita gente, e distante gritavam aos berros: - Pinto, ô Pinto, aqui Pinto.
VemcáPinto.OpalavreadocausavaummalestarnoPintoenaspessoas,masestudanteéumaclassedegozadores
e adora uma farra. Nesta hora o Pinto não sabia onde enfiar a cabeça ficava louco não havia quem o segurasse.
Conheci-odestepequenonaqueletempochamavam-nopelodiminutivoPintinho:eraPintinhopracá,Pintinhopra
lá. O Pinto era de família pobre, porém ótimo estudante. Contou-me que uma vez ele e o pai comeram uma
perereca rachada ao meio. Naquele tempo perereca era parente de sapo, hoje é rã. Sendo pobre estava sempre
duro...Duríssimo,quandojovem,masostemposmudaramformou-sedoutor,oPintonasuaprofissãoeraprocurado.
O Pinto teve sua fase áurea foi até cogitado pra Prefeito, porém o Pinto queria levar sua vida escondido e não
gostava de aparecer. Mas, quando procurado nunca falhava, isto é quando jovem, soube que falhou, na terceira ou
nasegunda.FicoucomplexadoenocorrerdacarruagemoPintoengordou,foiamolecendo,seufísicoqueerabelo
transformou-se e vocês sabem que Pinto mole não tem serventia. Ouvi dizer que o famoso Pinto de juventude se
perdeu. Ficava a beber em local mal falado. Ser mau elemento era tomar umas e outras, até cheirava mal. Foi visto
e estava deitado encolhido perto de um saco com dois ovos podres, ali num lugar da Região da Barra Funda.
FREDERICO - Era o dodói da mamãe, filho único, filho de doutor e pianista, sua mãe uma mulher fenomenal,
carinhosamente o chamava de ICO era: - ICO meu amor, ICO querido, ICO vem cá, ICO vá estudar. Escolhia
seus amigos a dedo. Eu, além de colega de ginásio era de futebol. Numa quinta feira tempo nublado eu passei na
casa do ICO para treinarmos, porque no domingo tínhamos um grande jogo.Amãe não queria deixá-lo ir, porém,
com o pedido de ICO concordou e lá fomos nós.Aconteceu que uma chuvinha fina nos deixou molhados e treinar
Hélio José Déstro
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com chuva ficamos imundos. Na hora do banho não havia água. Morávamos distante cerca de 15 quarteirões do
campo e naquele tempo íamos a pé e voltamos do mesmo jeito. Um grande goleiro, eu jogava de zagueiro, suas
ponteseramfamosasefazíamospartedomesmoclubeondefomoscampeões;infantisejuvenis.OICOnacidade,
entre os goleiros o que mais pênalti pegava e dava cada vôo. Então no retorno as nossas casas, o ICO tocou a
campainha. Ao abrir a porta sua mãe ao ver ICO naquele estado deplorável, todo sujo, com o espanto na face,
olhos arregalados, gritou: - ICO sujo. (Eu fui pra minha casa rindo as escâncaras de ter ouvido tal cacófato).
O PORTUGUÊS - filho do padeiro, conhecido na cidade pelas guloseimas que produzia. Chamavam seu pai
de português, a mãe de portuguesa e sua irmã de portuguesinha. Porém o segredo contou-me que seu nome era
Manuel Bosta. Saibam, nunca dizia seu nome completo, tinha complexo e para as professoras era só chamado
de Manuel. Eu, muito discreto, jamais falei aos colegas sobre o verdadeiro nome porque iriam rir e não queria que
isto acontecesse, pois era um ótimo amigo.Antes dos dezoito, antes de fazer o tiro de guerra e juntamente com sua
advogada de causa civil...
Dra. Mérida da Costa que preparou a documentação apresentaram-se frente ao juiz com testemunhas para
que fosse mudado seu nome. O juiz togado, na sua pose parecendo o dono do mundo, depois de verificar e
comprovando estar toda selada (naquele tempo tudo levava selos). Deu vários carimbos e passou a secretaria para
que preparasse o documento para ser assinado com a mudança de nome. Perguntou a advogada qual o nome que
seu cliente queria usar daquela data para frente.Aadvogada Mérida da Costa passou a palavra a Manuel Bosta.
O juiz então fez a ele a pergunta:
- Senhor Manuel Bosta, qual o nome que quer usar daqui para frente?
- Meritíssimo desejo ser chamado de: Joaquim Bosta.
FOHDDA - era descendente de poloneses. Seu pai um grande mecânico. Seu nome se escrevia com as letras
F o h d d a, porém pronunciado em português era Foda mesmo. Escrita diferente, pronúncia igual. Lá na Polônia
erarespeitado,tinhaparentesnogoverno.ImigrouparaBrasilporserdeoutropartido.AquinoBrasilosobrenome
causava um risinho amarelo, ou de várias cores, porque aqui o buraco é mais embaixo. No ginásio, na hora da
chamada ou quando arguido sobre a matéria e não sabia, era motivo de risos. Os professores tentavam disfarçar,
porémo Fohdda era Foda e estamos conversados. Estudioso e tímido. Fizemos todo o curso inclusive o superior.
Formados viemos para São Paulo e instalamos consultórios no bairro do Brás. Naquele tempo no Brás
freqüentávamos o Clube, e a gozação era terrível. Sempre defendi o Fohdda e até o chamava carinhosamente de
Fo. Sua clientela adorava o Fohdda e passou a ser respeitado se alguém ria de seu nome era longe porque perto do
Fohdda,ninguémria.Fuiseupadrinhodecasamento.Mudoudebairro,sumiu.Outrodialendoaspáginasamarelas
vi em negrito seu nome. Senti saudades de tão boa amizade.
Hélio José Déstro - Aventuras de estudante 16-2-2004
Verdades verdadeiras, inverdades com fundo de verdade
e o inventado que sonha em ser verdade ( é Lenda)
Hélio José Déstro
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