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Título: A CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS NA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL E AS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Área Temática: História da Educação
Autor: JOÃO LUIZ GASPARIN
Instituição: Universidade Estadual de Maringá - Mestrado em Educação - Área:
Fundamentos da Educação
Introdução
Esse trabalho é uma parte da pesquisa que estamos realizando sobre os
fundamentos epistemológicos da Teoria Histórico-Cultural. A investigação, no
seu todo, tem como objetivo explicitar as bases da Pedagogia Histórico-Crítica
e do método dialético de construção do conhecimento escolar.
O texto que ora apresentamos constitui-se uma reflexão preliminar sobre
a formação dos conceitos científicos, que é uma das questões centrais de
nossa pesquisa.
Buscando uma compreensão mais adequada do tema trazemos
inicialmente algumas considerações sobre a mediação pedagógica e o
processo de internalização.
No que se refere à formação dos conceitos, partimos dos espontâneos
para chegarmos aos científicos. Assinalamos que a função da escola é
trabalhar na elaboração dos conceitos científicos, tendo como suporte uma
adequada organização do processo ensino-aprendizagem, onde o professor,
como mediador, tem um relevante e insubstituível papel de intermediar a
relação aluno-objeto do conhecimento.
Mediação pedagógica
O caminho do objeto até a criança e desta
até o objeto passa através de outra pessoa.
(Vygostsky).
Vygotsky, partindo do pressuposto materialista “de que o trabalho e sua
divisão social acabam por gerar novas formas de comportamentos, novas
necessidades, novos motivos, etc., e que esses levam o homem à busca de
meios para sua realização, introduziu na psicologia o fator histórico-cultural”,
tendo clareza de que isso acarretaria modificações crescentes nas atividades
psíquicas do indivíduo. (Moysés, 1997:23).
Outro ponto-chave de sua teoria, também de inspiração marxista, é
aquele segundo o qual o homem usando o signo – “instrumento psicológico por
excelência”- mediatizaria seu pensamento bem como o processo social,
modificando as funções psíquicas superiores, à semelhança do homem que
mediatizando sua atividade de trabalho através do instrumento, modifica a
natureza e a si mesmo.
O estudo da origem de sua teoria mostra que à noção de estímulo-
resposta introduziu um novo elemento, o instrumento psicológico, formando
uma nova relação triangular.
Esse novo elemento poderia ser uma palavra, um objeto, uma figura,
um desenho, um sinal etc., que nos lembrasse algo. Assim, por exemplo, para
facilitar o uso de cada um dos setores do Catálogo Geral de uma Biblioteca
estes podem estar sinalizados por cartazes de cores diferentes. Se os setores
forem: autores, títulos, assunto, série, sobre os armários de fichas haverá
cartazes escritos nas mesmas cores que as indicações das gavetas. Para o
autor, cartaz amarelo; para título, cartaz vermelho; para assunto, cartaz azul e
para série, cartaz alaranjado. A cor de cada cartaz faz lembrar se se trata de
autor, de título etc. À vista do cartaz, o usuário se dirigirá imediatamente ao
setor específico.
No esquema tradicional, um estímulo é associado a outro em função de
uma resposta. Após o estabelecimento da ligação entre ambos, a presença do
segundo sinal é suficiente para o aparecimento da resposta.
Vygotsky, “aproveitou essa idéia de um segundo sinal mediatizando a
ação e a articulou com a idéia de instrumento. Isto é, alargou o conceito de
instrumento”(ibidem:24).
Assim, ao invés da conexão direta entre dois estímulos A → B para obter
uma determinada ação ou resposta, a introdução do instrumento psicológico X
possibilita duas novas conexões: A → X e X → B. Este é um novo caminho,
ainda que o resultado final seja o mesmo. Esse novo elemento adquire um
significado para o indivíduo e torna-se um mediador entre o estímulo e a
resposta, possibilitando-lhe lembrar-se da resposta solicitada.
Com o passar do tempo os elementos auxiliares externos tornam-se
signos internos, que são as representações mentais que substituem os objetos
reais.
Dentre os muitos exemplos trazidos por Vygotsky em sue estudos,
destaca-se o que trata da mediação da linguagem em relação ao pensamento.
Em função disso, trata de outro assunto fundamental de sura teoria: o processo
de internalização
Processo de internalização
Nos experimentos realizados por Vygotsky sobre a gênese das funções
mentais superiores, destaca-se a idéia de que elas se desenvolvem na
interação social e através do uso de signos.
Em função disso, ele “defendia a idéia de que o verdadeiro curso do
processo de desenvolvimento do pensamento infantil assume uma direção que
vai do social para o individual”, pois o ser humano, segundo constatou por
experiências levadas a efeito, é social desde seu nascimento. (Moysés, 1997:
27). Em outras palavras, a internalização é um processo onde os fenômenos
sociais se transformam em fenômenos psicológicos, através dos signos.
Para Vygotsky, a internalização é “a reconstrução interna de uma
operação externa”, através do uso de signos, ou seja, por meio da palavra que
designa coisas do mundo real.
Segundo ele, este processo consiste em uma série de transformações:
• Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa se
reconstrói e começa a acontecer internamente.
• Um processo interpessoal fica transformado em outro intrapessoal.
• A transformação de um processo interpessoal em um processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de acontecimentos
evolutivos. (Apud, Reid e Gradolí, 1998: 116).
Em conseqüência, qualquer função ou operação no desenvolvimento da
pessoa aparece em dois níveis: primeiro na esfera social, e depois na esfera
psicológica.
Assim, a linguagem, que se expressa na fala, preexiste ao nascimento
da criança. São os outros, dentro de seu mundo histórico-cultural, que
interpretam as expressões e desejos criança e lhe atribuem um significado, que
ela ainda não possuiu.
Desta maneira, conforme Moysés (1997:27), a tentativa da criança de
apanhar qualquer coisa, que não está a seu alcance, é entendida como um
“desejo de tê-la”. A mão estendida na direção do objeto é interpretada como
um “gesto de apontar”.
Percebe-se aí, com clareza, “a passagem de uma situação inicialmente
externa, em que um movimento que a princípio fora dirigido para um objeto
transforma-se em um movimento dirigido para outro ser humano. Graças a
isso, o movimento é reduzido e abreviado, elaborando-se assim a forma do
gesto usando o indicador. A sua internalização nasceu da interação social”.
(ibidem, 1997: 28).
Esse processo expressa a “lei genética geral do desenvolvimento geral”,
assim formulada por Vygotsky:
Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança
aparece duas vezes, ou em dois planos distintos. Primeiro, aparece no plano
social, e depois, então, no plano psicológico. Em princípio, aparece entre as
pessoas e como uma categoria interpsicológica, para depois aparecer na
criança, como uma categoria intrapsicológica. Isso é válido para atenção
voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento da
vontade. (...) a internalização transforma o próprio processo e muda a sua
estrutura e função. As relações sociais ou relações entre as pessoas estão na
origem de todas as funções psíquicas superiores”. (Apud Moysés, 1997: 28).
Essa lei demonstra que toda função psicológica interna, incorporada
pelo sujeito, foi antes uma função social, nascida da interação. Em outras
palavras, conforme explicita Fontana (1996: 11), “é no curso de suas relações
sociais (atividade inter-pessoal) que os indivíduos produzem, se apropriam (de)
e transformam as diferentes atividades práticas e simbólicas em circulação nas
sociedade em que vivem e as internalizam como modo de ação/elaboração
‘próprios’ (atividade intra-pessoal) constituindo-se como sujeitos”.
Podemos dizer que cada pessoa se torna indivíduo através da ação do
outro, à medida que reconstrói para si o que é comum para um grupo, ou seja,
todo o processo de cognição é de natureza mediada. As outras pessoas e os
signos constituem-se a mediação social da ação do sujeito no processo de
aprendizagem.
Essa mesma interação dá-se no plano interno do indivíduo, quando se
apropria de novas funções psíquicas.
Nesse processo de reconstrução, são fundamentais, conforme Fontana
(ibidem: 12), três dimensões:
• as ações, as estratégias e o conhecimento que o sujeito já domina,
• as ações, estratégias e conhecimentos dos outros,
• as condições sociais onde se produzem as interações.
As funções psíquicas que o indivíduo já possui interagem com as que
lhe são apresentadas produzindo novas reestruturações mentais.
Para Vygotsky, as funções psicológicas elementares transformam-se
em funções mediadas, conscientes, deliberadas: “... Todas as funções mentais
superiores são relações sociais interiorizadas” (Apud Fontana, 1996: 12).
Um aspecto que merece ser salientado no processo de internalização é
o que se refere ao componente afetivo que o permeia. Ou seja, “o
aparecimento das relações cognitivas necessárias à realização daquele
processo é forçado pelos estados emocionais e pelas necessidades afetivas do
sujeito”. (Moysés, 1997: 30).
Exemplo: Muitos dos sons que uma criança emite são interpretados
como uma “palavra” que os adultos usam. Por isso é elogiada, esperando que
volte a repeti-la. Este processo acompanhado de afagos conduz a criança a
usar a palavra no mesmo sentido que os adultos. Estes reconhecem a palavra,
atribuem-lhe um significado, evidenciando, desta maneira, sua origem sócio-
cultural, tanto no que se refere ao processo de aprendizagem, quanto para o
significado que lhe é atribuído. (ibidem:30-1).
Isso evidencia a íntima relação entre os aspectos cognitivos e afetivos
no processo de internalização, tanto na formação dos conceitos cotidianos,
quanto na formação dos científicos. Acreditamos, porém, que os conceitos
cotidianos envolvem mais afetividade, emoção, sentimentos, do que os
conceitos científicos, como pode ser observado quando os alunos manifestam
sua prática social sobre um determinado conteúdo. A sala de aula é
estruturada mais racionalmente para a aprendizagem dos conceitos científicos.
Em ambas as situações o encontro da criança com a realidade é feito
por meio de agentes culturais que intermediam esse contato.
Conforme Reig e Gradolí (1998: 117), “no caso da aula, a mediação é
um processo de ‘transvase’ de informação a partir de um sistema de
representação (o professor, com um conteúdo, uma estrutura informativa e um
código) a outro sistema de representação (o aluno, que processa ativamente tal
informação)”.
A mediação se produz de fora para dentro. Os agentes culturais
externos - os professores – possibilitam o contato do aluno com a realidade.
Esses agentes atuam como mediadores “ao resumir, valorizar e interpretar a
informação a transmitir”.
“O aluno capta e interioriza a informação relacionando-a e interpretando-
a mediante a utilização de estratégias de processamento que atuam como
mediadores internos.
Neste processo de internlização:
o aluno dá sentido, significado à informação.
O aluno extrai a regra, o princípio, a estrutura que subjaz a tal
informação.
O aluno contribui com experiências prévias, aprendizagens anteriores
que recria e que geram nova informação.(Reig e Gradolí,1998:117-8).
Há, portanto um duplo caminho na formação das funções psicológicas:
um processo de mediação externa e um outro processo de mediação interna. O
primeiro implica uma interação social, o segundo se realiza no plano mental e
se realiza pelo uso de estratégias de processamento. Esta é a ”lei da dupla
função” que sempre se efetiva dentro de um contexto sócio-cultural
determinado. A atividade cognitiva da pessoa se realiza dentro deste contexto,
que proporciona informações e ferramentas para o desenvolvimento e, ao
mesmo tempo, controla o acesso destes instrumentos cognitivos.
Neste processo de desenvolvimento da criança assume grande
importância a presença e atuação do adulto, especialmente na aquisição da
linguagem como meio de comunicação e como instrumento para construir a
estrutura cognitiva que possibilita o controle da conduta da pessoa. O adulto é
um facilitador que auxilia a criança em seus processos de decodificação e de
comunicação.
Formação de conceitos
O conceito de zona de desenvolvimento próximo é particularmente
importante para a compreensão do processo ensino-aprendizagem, na
perspectiva de Vygotsky.
É necessário, pois, que se tenha claro em que consiste esse conceito.
Vygotsky (1993) nos diz que nas investigações psicológicas que tratam
do problema da instrução, normalmente, se estabelece apenas o nível de
desenvolvimento mental da criança.
Para estabelecer esse nível recorre-se às tarefas que ela resolve por si
mesma. Essas nos indicam o que a criança sabe e do que é capaz nesse
momento. É seu nível de desenvolvimento real que, segundo Rego (1955: 72),
se refere “àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas
funções ou capacidades que ela já aprendeu ou domina, pois já consegue
utilizar sozinha, sem a assistência de alguém mais experiente da cultura (pai,
mãe, professor, criança mais velha etc.). Este nível indica, assim, os processos
mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já
se completaram”.
Neste nível as tarefas são desenvolvidas de forma independente pela
criança.
Todavia, com este método medimos apenas o que está amadurecido na
criança: constatamos o que ela já adquiriu, as funções que já se formaram, o
caminho que percorreu. Mas isso não é tudo. Conforme Vygotsky, através
desse processo, “determinamos tão só seu nível de desenvolvimento atual.
Porém, o estado de desenvolvimento não se determina nunca unicamente
através da parte madura do mesmo. (...) o psicólogo ao avaliar o estado de
desenvolvimento, deve levar obrigatoriamente em conta não só as funções
maduras, mas também as que estão em processo de desenvolvimento. Não só
o nível atual, senão também a zona de desenvolvimento próximo” (1993: 238).
(Grifos do autor).
Da mesma forma que o nível de desenvolvimento atual, a zona de
desenvolvimento próximo também se refere a ações que a criança é capaz de
realizar, mas não sozinha, e sim com a ajuda de outra pessoa.
O auxílio dessa outra pessoa (que pode ser um adulto ou uma criança
mais experiente) se traduz em perguntas sugestivas, indicações de como
iniciar a tarefa, do diálogo, de experiências vividas juntos, da colaboração.
Essa atividade orientada faz com que crianças de um mesmo nível
mental tenham desenvolvimento diferenciado, onde o resultado de umas é
mais elevado que o de outras. Isso demonstra que o desenvolvimento cognitivo
de cada uma já era diverso no momento da testagem, existindo processos em
desenvolvimento que os testes não apreenderam.
Para Vygotsky,
Essa divergência entre idade mental ou nível de desenvolvimento atual,
que se determina com a ajuda das tarefas resolvidas de forma independente, e
o nível que a criança atinge ao resolver as tarefas, não por sua conta, mas em
colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento próximo. (...).
A investigação revela que a zona de desenvolvimento próximo tem um
valor mais direto para a dinâmica da evolução intelectual e para o êxito da
instrução do que o nível atual de seu desenvolvimento. (1993:239) (grifos do
autor).
Desta maneira, o nível de desenvolvimento de uma criança resulta
daquilo que ela consegue realizar sozinha e daquilo que ela desempenha com
a ajuda dos outros, sendo que o segundo processo é mais significativo que o
primeiro, pois a criança resolve tarefas mais difíceis em colaboração do que
atuando por si mesma.
Os estudos de Vygotsky sobre a zona de desenvolvimento próximo,
onde são enfatizados os processos em desenvolvimento, permitiram-lhe
afirmar que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao
desenvolvimento” (Vygotsky, 1984: 101) (Grifo do autor).
Agindo sobre a zona de desenvolvimento próximo, o professor força o
surgimento de funções ainda não totalmente desenvolvidas.
Assim,
(...) a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma
correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento
mental, ativa todo um processo de desenvolvimento, e esta ativação não
poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso a aprendizagem é um
momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas
historicamente . (Vygotsky et al., apud Moysés, 1997:34).
A formação dos conceitos é um dos campos de aplicação do conceito do
zona de desenvolvimento próximo. É uma extensão das pesquisas sobre o
processo de internalização.
Para promovermos o desenvolvimento que se concretiza na formação de
conceitos, precisamos de um meio que guie nosso pensamento: um signo, a
palavra. Na origem de um conceito encontra-se, portanto, a palavra. À medida
que ela se internaliza, transforma-se em mediador – como signo - do processo.
Nas palavras de Vygotsky: “Todas as funções psíquicas superiores são
processos meditatizados por signos... Na formação de conceitos, tal signo é a
palavra...”. (Vygotsky, apud Reig e Gradolí, 1998: 120). Ela é o meio de
generalização que o homem criou no processo histórico-social
A elaboração conceitual é uma das principais formas de ação consciente
do sujeito. “Tal elaboração resulta de um processo de análise (abstração) e de
síntese (generalização) dos dados sensoriais que é mediado pela palavra e
nela materializado. (...) Todavia, “os conceitos não são analisados como
categorias intrínsecas da mente, nem como reflexo da experiência individual,
mas sim como produtos históricos e significantes da atividade mental
mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e da resolucão de
problemas. E, como tal, os conceitos têm história”.(Fontana, 1996: 12-3).
A interação verbal com os adultos, através da mediação do mesmo
sistema lingüístico, possibilita o desenvolvimento das diferentes estruturas de
generalização da criança. Em suas relações, adultos e crianças usam palavras
que significam para ambos a mesma coisa, permitindo a comunicação entre
eles. Todavia, a significação idêntica é apenas aparente, pois, “nessa mesma
relação, a função desempenhada pela palavra na atividade mental da criança e
do adulto não coincidem. Crianças e adultos utilizam as palavras com graus de
generalidade distintos”. (Fontana, 1996: 19).
Assim, por exemplo, após uma explicação sobre o que era substantivo,
em sala de aula, e de exercícios feitos para identificar essa categoria
gramatical, copiando do livro os substantivos que fossem encontrados em uma
determinada lição, a professora solicitou aos alunos que, como tarefa de casa,
retirassem de uma outra lição do livro todos os substantivos que encontrassem.
Esse trabalho seria uma demonstração de que eles de fato teriam
compreendido a identificar os substantivos, distinguindo-os de outras
categorias gramaticais já estudadas, como os adjetivos, advérbios, verbos etc.
No dia seguinte, todos trouxeram sua tarefa. Cada um mostrou à
professora, no caderno, as palavras que haviam copiado do livro e que,
segundo eles, seriam substantivos.
Ao observar o caderno de Joãozinho, a professora teve um grande
susto. Lá estavam, sim, todos os substantivos, mas efetivamente “retirados”
com gilete do livro-texto e colados no caderno.
A palavra retirar usada pela professora, ainda que permitisse a
comunicação, não possuía o mesmo nível de generalidade da criança. Não
significava a mesma coisa para ambas.
Existem aqui dois aspectos a considerar. Conforme Fontana, (ibiem:19),
“se por um lado, a coincidência de conteúdo possibilita a comunicação
adulto/criança, por outro, é a diferença de elaboração mental entre ambos que
possibilita o desenvolvimento dos conceitos na criança” (grifos nossos).
As palavras utilizadas pelos adultos, em suas interações com a criança,
possuem graus de generalidade e operações mentais que são novos para ela.
Isso interfere na atividade mental da criança, despertando nela “um sistema de
processos complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às
experiências e habilidades que ela já domina” (ibidem:19). Ainda que ela não
compreenda toda a significação atribuída à palavra pelo adulto, é no
seguimento dessas palavras que passa a organizar seu processo de
elaboração mental.
A aquisição de conceitos é um processo único, mas distinguem-se dois
sistemas de aprendizagem dos mesmos: formação de conceitos cotidianos e
formação de conceitos científicos.
Formação de conceitos espontâneos
“Os conceitos espontâneos formam-se no contexto da interação social, e
neles a atividade consciente do sujeito se orienta aos objetos, quer dizer, o
sujeito não é consciente de seus próprios conceitos...” (Reig e Gradolí, 1998:
120). Estes formam-se no dia-a-dia. A mediação do adulto, nesse contexto é
espontânea, ligada às situações imediatas. Suas palavras se referem a
elementos que se encontram nas situações concretas das pessoas. “A atenção
de ambos, adulto e criança, está centrada na própria situação e nos seus
elementos e não no ato intelectual envolvido”. (Fontana, 1996: 2).
No processo de formação de conceitos espontâneos , Vygotsky identifica
três etapas:
Cúmulos organizados. Caracteriza-se pelo agrupamento de objetos, sem
fundamento, aos quais se atribui um nome. Coincide com a etapa de
pensamento sincrético.
Pensamentos em complexos. Supõe a união de objetos de acordo com
vínculos que realmente existem, ou agrupamento de objetos baseados em
seus aspectos preceptivos comuns. Trata-se de vínculos pouco estáveis.
Coincide com o pensamento conreto.
Conceitos potenciais. Supõe um passo além da unificação, união de
objetos mediante um critério abstrato (separação de objetos da experiência
concreta). (Vygotsky, apud Reig e Gradolí, 1998: 121-2).
A formação desses conceitos está ligada diretamente à observação, à
manipulação e às vivências da criança em seu meio.
Formação de conceitos científicos
As condições de aquisição de conhecimentos sistematizados,
científicos pela criança são muito diversas daquelas em que se originam os
conceitos espontâneos. O novo contexto das interações escolares têm uma
orientação deliberada e explícita. Tudo é previamente organizado. “Nesse
contexto, a criança é colocada diante da tarefa particular de ‘entender’ as
bases dos sistemas de concepções científicas, que se diferenciam das
elaborações conceituais espontâneas”. (Fontana, 1996: 21).
Para Vygotsky, esses são os verdadeiros conceitos, que se adquirem no
âmbito da instrução. São sistematizados e transmitidos intencionalmente
através de metodologias específicas, na situação escolar.
Segundo Reig e Gradolí (1998: 122) “a diferença fundamental entre a
formação de um tipo de conceito e de outro reside em que na formação dos
conceitos espontâneos a consciência se orienta aos objetos, enquanto que na
formação dos conceitos científicos, a consciência se dirige aos próprios
conceitos, ao ato do pensamento; quer dizer, os conceitos evoluem graças à
atividade mental consciente da pessoa”.
Segundo Pozo (apud Reid e Gradolí, 1998: 123), os conceitos científicos
se distinguem dos espontâneos pela seguintes características:
• os conceitos científicos fazem parte de um sistema;
• são adquiridos através de uma tomada de consciência da própria
atividade mental;
• implicam uma relação com o objeto baseada na internalização da
essência do conceito.
Os conceitos científicos implicam sempre um sistema hierarquizado do
qual fazem parte:
A principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o aluno a construir
esse tipo de conceito é a de levá-lo a estabelecer um enlace indireto com o
objeto por meio das abstrações em torno de suas propriedades e da
compreensão das relações que ele mantém com um conhecimento mais
amplo. Ao contrário do espontâneo, o conceito científico só se elabora
intencionalmente, isto é, pressupõe uma relação consciente e consentida entre
o sujeito e o objeto do conhecimento. (Moysés, 1997: 35-6).
Os conceitos científicos pertencem a sistemas explicativos globais,
organizados logicamente pela sociedade. A elaboração de conceitos científicos
exige operações lógicas complexas, como classificação, dedução,
comparação, passagem de uma generalização a outra.
Além disso, na escola, a construção dos conceitos passa sempre pela
mediação de outros conceitos. Nesse processo professor e alunos ocupam
lugares socialmente diferenciados e hierarquicamente estruturados, produzindo
um tipo específico de interação, cuja finalidade explícita é ensinar e aprender.
“Nessas condições, a mediação do adulto é deliberada. Ele compartilha
com a criança sistemas conceituais instituídos, procurando induzi-la a utilizar-
se das operações intelectuais, das possibilidades sígnicas e dos modos de
dizer neles implicados”. (Fontana, 1996: 21).
A criança, por sua parte, possui também uma imagem de qual o papel
dela bem como o do professor. Portanto, também para ela e relação de
mediação é explícita.
Partindo de seus conceitos espontâneos, ou mesmo de conceitos
científicos já adquiridos, o aluno busca raciocinar com o professor, tentando
reproduzir as operações lógicas que ele utiliza: “Frente a um conceito
sistematizado desconhecido, a criança busca significá-lo através de sua
aproximação com outros signos já conhecidos, já elaborados e internalizados.
Ela busca enraizá-lo nas suas experiências consolidadas”. (ibidem: 22).
A elaboração inter-pessoal, que é realizada nesse processo, possibilita,
inicialmente, ao educando imitar a análise intelectual que o professor vai
desenvolvendo, passando gradativamente à sua própria elaboração,
desenvolvendo sua atividade cognitiva.
A operação mental de formação de um conceito científico é dirigida pela
palavra.
Esse processo exige atenção ativa sobre o tema, apreendendo os
aspectos essenciais, a fim de chegar a generalizações mediante a síntese.
A escola é o local adequado para a aquisição desse tipo de conceitos. A
ação do professor é de fundamental importância para a construção do
conhecimento sistematizado, pois este requer um trabalho intencional num
processo de interação professor/aluno. Isto significa reconstruir o saber através
de procedimentos adequados, onde o professor atue como mediador entre o
aluno e o objeto de conhecimento. Nas palavras de Vygotsky: “(...) o professor,
trabalhando com o aluno, explicou, deu informações, questionou e corrigiu o
aluno e o fez explicar”.
Moysés faz a seguinte interpretação das palavras de Vygotsky:
trabalhando com o aluno. Professor e alunos trabalham juntos, em
interação.
Explicou e deu informações. Explicar não é apenas expor, mas “buscar
na estrutura cognitiva dos alunos as idéias relevantes que servirão como ponto
de partida para o que se quer ensinar”, ampliando os esquemas mentais que
os alunos trazem. São fundamentais nessa tarefa as exemplificações e as
informações necessárias.
Questionou e corrigiu o aluno. Procurou saber se o que fora dito havia
sido compreendido e, em caso negativo, proceder à correção. As questões
provocam desequilíbrio na estrutura cognitiva, fazendo-a avançar para um
patamar mais elevado de reestruturação.
e o fez explicar. A explicação dada pelo aluno é o processo de
internalização se manifestando e se fazendo presente. Nesse momento o
professor pode observar se houve uma reestruturação no plano intrapsicológico
das relações que ocorreram no plano interpsicológico. Para isso, o aluno
deverá usar as próprias palavras para expor o assunto; fazer relações com
outros temas; exemplificar com dados do cotidiano; fazer generalizações. É o
processo de avaliação contínua. (1997:37-38).
Os conceitos científicos e espontâneos seguem caminhos diversos em
sua formação, ainda que, segundo Vygotsky, o processo seja único, havendo
uma conexão entre ambos os sistemas.
Segundo Reig e Gradolí (1998: 123), “da mesma forma que a
aprendizagem organizada se transforma em desenvolvimento mental e este
possibilita processos mentais que favorecem a aprendizagem, os conceitos
científicos ‘introduzem na mente a consciência reflexiva, que será transferida
aos conceitos espontâneos’ (Pozo, 1989,p.204); porém, será necessário o
desenvolvimento destes para ter onde apoiar o desenvolvimento daqueles.
Palavras de Pozo: ‘o significado dos conceitos científicos não pode construir-se
sem o referente dos conceitos cotidianos’”.
Segundo Vygotsky, o domínio dos conceitos científicos eleva o nível dos
conceitos espontâneos.
Os conceitos científicos descem à realidade empírica, enquanto os
espontâneos ascendem buscando sistematização, abstração, generalização.
A obtenção dos conceitos científicos implica a reconstrução dos
conceitos espontâneos numa articulação transformação recíproca.
A construção dos conceitos científicos na escola, por meio de uma ação
metódica e intencional, possibilita ao aluno rever e compreender os conceitos
espontâneos que traz dentro de si.
O aluno leva para a escola sua vivência de classe social, seus valores,
seus conhecimentos, sob a forma de conceitos espontâneos, dos quais vai
adquirindo consciência sempre mais clara.
Para Moysés (1997: 38), “esse processo de relacionar o conceito
espontâneo que o aluno traz com o conceito científico que se quer que ele
aprenda exige de quem ensina uma compreensão dos diferentes significados
que os conceitos – tanto os espontâneos quanto os científicos – têm para o
aluno. Exige, também, que o docente perceba quais são os seus contextos,
quais são os sentidos nos quais eles estão sendo empregados”.
Conclusão
A mediação pedagógica e o processo de internalização são requisitos
fundamentais na construção dos conceitos científicos na escola. Isso porque o
professor é o mediador entre o aluno e o conceito ou conhecimento a ser
internalizado.
Sendo a aprendizagem concebida como o “motor do desenvolvimento”,
os processos educativos e o trabalho do professor adquirem especial
importância, uma vez que se constituem as “ferramentas” que permitem ao
educando sua autoconstrução.
Vygotsky aponta as atividades que uma criança realiza com ajuda, como
mais indicativas de seu estado evolutivo, do que aquelas que realiza de forma
independente.
Nesse sentido afirmam Reig e Gradolí: “Se a aprendizagem é concebida
como o motor do desenvolvimento e deve centrar-se nas funções que estão
amadurecendo, teremos que afirmar a ineficácia das atividades de
aprendizagem que estejam dirigidas a níveis educativos já alcançados, já que
se deve tentar alcançar aquilo que ainda não se tem, porque ‘o que já se sabe
não se pode aprender’”.(1998:125).
Toda a ação do professor deve, pois, centrar-se na organização do
conteúdo e dos processos pedagógicos para que o aluno, trabalhando, atue
sobre os seus processos mentais em desenvolvimento e concretize sua
aprendizagem.
O trabalho do professor junto com o do aluno, ao expressar a relação
entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento, constitui-se um
princípio teórico que guia nossa prática educativa.
Referências bibliográficas
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Vigotski. Campinas: Autores Associados, 1996.
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VYGOTSKY, L.S. Formação social da mente – O desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
_____. Obras escogidas II. Madrid: Centro de Publicaciones del MEC y Visor
Distribuciones, 1993.

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  • 1. Título: A CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS NA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E AS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS Área Temática: História da Educação Autor: JOÃO LUIZ GASPARIN Instituição: Universidade Estadual de Maringá - Mestrado em Educação - Área: Fundamentos da Educação Introdução Esse trabalho é uma parte da pesquisa que estamos realizando sobre os fundamentos epistemológicos da Teoria Histórico-Cultural. A investigação, no seu todo, tem como objetivo explicitar as bases da Pedagogia Histórico-Crítica e do método dialético de construção do conhecimento escolar. O texto que ora apresentamos constitui-se uma reflexão preliminar sobre a formação dos conceitos científicos, que é uma das questões centrais de nossa pesquisa. Buscando uma compreensão mais adequada do tema trazemos inicialmente algumas considerações sobre a mediação pedagógica e o processo de internalização. No que se refere à formação dos conceitos, partimos dos espontâneos para chegarmos aos científicos. Assinalamos que a função da escola é trabalhar na elaboração dos conceitos científicos, tendo como suporte uma adequada organização do processo ensino-aprendizagem, onde o professor, como mediador, tem um relevante e insubstituível papel de intermediar a relação aluno-objeto do conhecimento. Mediação pedagógica O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. (Vygostsky). Vygotsky, partindo do pressuposto materialista “de que o trabalho e sua divisão social acabam por gerar novas formas de comportamentos, novas
  • 2. necessidades, novos motivos, etc., e que esses levam o homem à busca de meios para sua realização, introduziu na psicologia o fator histórico-cultural”, tendo clareza de que isso acarretaria modificações crescentes nas atividades psíquicas do indivíduo. (Moysés, 1997:23). Outro ponto-chave de sua teoria, também de inspiração marxista, é aquele segundo o qual o homem usando o signo – “instrumento psicológico por excelência”- mediatizaria seu pensamento bem como o processo social, modificando as funções psíquicas superiores, à semelhança do homem que mediatizando sua atividade de trabalho através do instrumento, modifica a natureza e a si mesmo. O estudo da origem de sua teoria mostra que à noção de estímulo- resposta introduziu um novo elemento, o instrumento psicológico, formando uma nova relação triangular. Esse novo elemento poderia ser uma palavra, um objeto, uma figura, um desenho, um sinal etc., que nos lembrasse algo. Assim, por exemplo, para facilitar o uso de cada um dos setores do Catálogo Geral de uma Biblioteca estes podem estar sinalizados por cartazes de cores diferentes. Se os setores forem: autores, títulos, assunto, série, sobre os armários de fichas haverá cartazes escritos nas mesmas cores que as indicações das gavetas. Para o autor, cartaz amarelo; para título, cartaz vermelho; para assunto, cartaz azul e para série, cartaz alaranjado. A cor de cada cartaz faz lembrar se se trata de autor, de título etc. À vista do cartaz, o usuário se dirigirá imediatamente ao setor específico. No esquema tradicional, um estímulo é associado a outro em função de uma resposta. Após o estabelecimento da ligação entre ambos, a presença do segundo sinal é suficiente para o aparecimento da resposta. Vygotsky, “aproveitou essa idéia de um segundo sinal mediatizando a ação e a articulou com a idéia de instrumento. Isto é, alargou o conceito de instrumento”(ibidem:24). Assim, ao invés da conexão direta entre dois estímulos A → B para obter uma determinada ação ou resposta, a introdução do instrumento psicológico X possibilita duas novas conexões: A → X e X → B. Este é um novo caminho, ainda que o resultado final seja o mesmo. Esse novo elemento adquire um
  • 3. significado para o indivíduo e torna-se um mediador entre o estímulo e a resposta, possibilitando-lhe lembrar-se da resposta solicitada. Com o passar do tempo os elementos auxiliares externos tornam-se signos internos, que são as representações mentais que substituem os objetos reais. Dentre os muitos exemplos trazidos por Vygotsky em sue estudos, destaca-se o que trata da mediação da linguagem em relação ao pensamento. Em função disso, trata de outro assunto fundamental de sura teoria: o processo de internalização Processo de internalização Nos experimentos realizados por Vygotsky sobre a gênese das funções mentais superiores, destaca-se a idéia de que elas se desenvolvem na interação social e através do uso de signos. Em função disso, ele “defendia a idéia de que o verdadeiro curso do processo de desenvolvimento do pensamento infantil assume uma direção que vai do social para o individual”, pois o ser humano, segundo constatou por experiências levadas a efeito, é social desde seu nascimento. (Moysés, 1997: 27). Em outras palavras, a internalização é um processo onde os fenômenos sociais se transformam em fenômenos psicológicos, através dos signos. Para Vygotsky, a internalização é “a reconstrução interna de uma operação externa”, através do uso de signos, ou seja, por meio da palavra que designa coisas do mundo real. Segundo ele, este processo consiste em uma série de transformações: • Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa se reconstrói e começa a acontecer internamente. • Um processo interpessoal fica transformado em outro intrapessoal. • A transformação de um processo interpessoal em um processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de acontecimentos evolutivos. (Apud, Reid e Gradolí, 1998: 116).
  • 4. Em conseqüência, qualquer função ou operação no desenvolvimento da pessoa aparece em dois níveis: primeiro na esfera social, e depois na esfera psicológica. Assim, a linguagem, que se expressa na fala, preexiste ao nascimento da criança. São os outros, dentro de seu mundo histórico-cultural, que interpretam as expressões e desejos criança e lhe atribuem um significado, que ela ainda não possuiu. Desta maneira, conforme Moysés (1997:27), a tentativa da criança de apanhar qualquer coisa, que não está a seu alcance, é entendida como um “desejo de tê-la”. A mão estendida na direção do objeto é interpretada como um “gesto de apontar”. Percebe-se aí, com clareza, “a passagem de uma situação inicialmente externa, em que um movimento que a princípio fora dirigido para um objeto transforma-se em um movimento dirigido para outro ser humano. Graças a isso, o movimento é reduzido e abreviado, elaborando-se assim a forma do gesto usando o indicador. A sua internalização nasceu da interação social”. (ibidem, 1997: 28). Esse processo expressa a “lei genética geral do desenvolvimento geral”, assim formulada por Vygotsky: Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, ou em dois planos distintos. Primeiro, aparece no plano social, e depois, então, no plano psicológico. Em princípio, aparece entre as pessoas e como uma categoria interpsicológica, para depois aparecer na criança, como uma categoria intrapsicológica. Isso é válido para atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento da vontade. (...) a internalização transforma o próprio processo e muda a sua estrutura e função. As relações sociais ou relações entre as pessoas estão na origem de todas as funções psíquicas superiores”. (Apud Moysés, 1997: 28). Essa lei demonstra que toda função psicológica interna, incorporada pelo sujeito, foi antes uma função social, nascida da interação. Em outras palavras, conforme explicita Fontana (1996: 11), “é no curso de suas relações sociais (atividade inter-pessoal) que os indivíduos produzem, se apropriam (de)
  • 5. e transformam as diferentes atividades práticas e simbólicas em circulação nas sociedade em que vivem e as internalizam como modo de ação/elaboração ‘próprios’ (atividade intra-pessoal) constituindo-se como sujeitos”. Podemos dizer que cada pessoa se torna indivíduo através da ação do outro, à medida que reconstrói para si o que é comum para um grupo, ou seja, todo o processo de cognição é de natureza mediada. As outras pessoas e os signos constituem-se a mediação social da ação do sujeito no processo de aprendizagem. Essa mesma interação dá-se no plano interno do indivíduo, quando se apropria de novas funções psíquicas. Nesse processo de reconstrução, são fundamentais, conforme Fontana (ibidem: 12), três dimensões: • as ações, as estratégias e o conhecimento que o sujeito já domina, • as ações, estratégias e conhecimentos dos outros, • as condições sociais onde se produzem as interações. As funções psíquicas que o indivíduo já possui interagem com as que lhe são apresentadas produzindo novas reestruturações mentais. Para Vygotsky, as funções psicológicas elementares transformam-se em funções mediadas, conscientes, deliberadas: “... Todas as funções mentais superiores são relações sociais interiorizadas” (Apud Fontana, 1996: 12). Um aspecto que merece ser salientado no processo de internalização é o que se refere ao componente afetivo que o permeia. Ou seja, “o aparecimento das relações cognitivas necessárias à realização daquele processo é forçado pelos estados emocionais e pelas necessidades afetivas do sujeito”. (Moysés, 1997: 30). Exemplo: Muitos dos sons que uma criança emite são interpretados como uma “palavra” que os adultos usam. Por isso é elogiada, esperando que volte a repeti-la. Este processo acompanhado de afagos conduz a criança a usar a palavra no mesmo sentido que os adultos. Estes reconhecem a palavra, atribuem-lhe um significado, evidenciando, desta maneira, sua origem sócio- cultural, tanto no que se refere ao processo de aprendizagem, quanto para o significado que lhe é atribuído. (ibidem:30-1).
  • 6. Isso evidencia a íntima relação entre os aspectos cognitivos e afetivos no processo de internalização, tanto na formação dos conceitos cotidianos, quanto na formação dos científicos. Acreditamos, porém, que os conceitos cotidianos envolvem mais afetividade, emoção, sentimentos, do que os conceitos científicos, como pode ser observado quando os alunos manifestam sua prática social sobre um determinado conteúdo. A sala de aula é estruturada mais racionalmente para a aprendizagem dos conceitos científicos. Em ambas as situações o encontro da criança com a realidade é feito por meio de agentes culturais que intermediam esse contato. Conforme Reig e Gradolí (1998: 117), “no caso da aula, a mediação é um processo de ‘transvase’ de informação a partir de um sistema de representação (o professor, com um conteúdo, uma estrutura informativa e um código) a outro sistema de representação (o aluno, que processa ativamente tal informação)”. A mediação se produz de fora para dentro. Os agentes culturais externos - os professores – possibilitam o contato do aluno com a realidade. Esses agentes atuam como mediadores “ao resumir, valorizar e interpretar a informação a transmitir”. “O aluno capta e interioriza a informação relacionando-a e interpretando- a mediante a utilização de estratégias de processamento que atuam como mediadores internos. Neste processo de internlização: o aluno dá sentido, significado à informação. O aluno extrai a regra, o princípio, a estrutura que subjaz a tal informação. O aluno contribui com experiências prévias, aprendizagens anteriores que recria e que geram nova informação.(Reig e Gradolí,1998:117-8). Há, portanto um duplo caminho na formação das funções psicológicas: um processo de mediação externa e um outro processo de mediação interna. O primeiro implica uma interação social, o segundo se realiza no plano mental e se realiza pelo uso de estratégias de processamento. Esta é a ”lei da dupla função” que sempre se efetiva dentro de um contexto sócio-cultural determinado. A atividade cognitiva da pessoa se realiza dentro deste contexto,
  • 7. que proporciona informações e ferramentas para o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, controla o acesso destes instrumentos cognitivos. Neste processo de desenvolvimento da criança assume grande importância a presença e atuação do adulto, especialmente na aquisição da linguagem como meio de comunicação e como instrumento para construir a estrutura cognitiva que possibilita o controle da conduta da pessoa. O adulto é um facilitador que auxilia a criança em seus processos de decodificação e de comunicação. Formação de conceitos O conceito de zona de desenvolvimento próximo é particularmente importante para a compreensão do processo ensino-aprendizagem, na perspectiva de Vygotsky. É necessário, pois, que se tenha claro em que consiste esse conceito. Vygotsky (1993) nos diz que nas investigações psicológicas que tratam do problema da instrução, normalmente, se estabelece apenas o nível de desenvolvimento mental da criança. Para estabelecer esse nível recorre-se às tarefas que ela resolve por si mesma. Essas nos indicam o que a criança sabe e do que é capaz nesse momento. É seu nível de desenvolvimento real que, segundo Rego (1955: 72), se refere “àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu ou domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem a assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha etc.). Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram”. Neste nível as tarefas são desenvolvidas de forma independente pela criança. Todavia, com este método medimos apenas o que está amadurecido na criança: constatamos o que ela já adquiriu, as funções que já se formaram, o caminho que percorreu. Mas isso não é tudo. Conforme Vygotsky, através desse processo, “determinamos tão só seu nível de desenvolvimento atual. Porém, o estado de desenvolvimento não se determina nunca unicamente
  • 8. através da parte madura do mesmo. (...) o psicólogo ao avaliar o estado de desenvolvimento, deve levar obrigatoriamente em conta não só as funções maduras, mas também as que estão em processo de desenvolvimento. Não só o nível atual, senão também a zona de desenvolvimento próximo” (1993: 238). (Grifos do autor). Da mesma forma que o nível de desenvolvimento atual, a zona de desenvolvimento próximo também se refere a ações que a criança é capaz de realizar, mas não sozinha, e sim com a ajuda de outra pessoa. O auxílio dessa outra pessoa (que pode ser um adulto ou uma criança mais experiente) se traduz em perguntas sugestivas, indicações de como iniciar a tarefa, do diálogo, de experiências vividas juntos, da colaboração. Essa atividade orientada faz com que crianças de um mesmo nível mental tenham desenvolvimento diferenciado, onde o resultado de umas é mais elevado que o de outras. Isso demonstra que o desenvolvimento cognitivo de cada uma já era diverso no momento da testagem, existindo processos em desenvolvimento que os testes não apreenderam. Para Vygotsky, Essa divergência entre idade mental ou nível de desenvolvimento atual, que se determina com a ajuda das tarefas resolvidas de forma independente, e o nível que a criança atinge ao resolver as tarefas, não por sua conta, mas em colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento próximo. (...). A investigação revela que a zona de desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da evolução intelectual e para o êxito da instrução do que o nível atual de seu desenvolvimento. (1993:239) (grifos do autor). Desta maneira, o nível de desenvolvimento de uma criança resulta daquilo que ela consegue realizar sozinha e daquilo que ela desempenha com a ajuda dos outros, sendo que o segundo processo é mais significativo que o primeiro, pois a criança resolve tarefas mais difíceis em colaboração do que atuando por si mesma. Os estudos de Vygotsky sobre a zona de desenvolvimento próximo, onde são enfatizados os processos em desenvolvimento, permitiram-lhe
  • 9. afirmar que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (Vygotsky, 1984: 101) (Grifo do autor). Agindo sobre a zona de desenvolvimento próximo, o professor força o surgimento de funções ainda não totalmente desenvolvidas. Assim, (...) a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um processo de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não-naturais, mas formadas historicamente . (Vygotsky et al., apud Moysés, 1997:34). A formação dos conceitos é um dos campos de aplicação do conceito do zona de desenvolvimento próximo. É uma extensão das pesquisas sobre o processo de internalização. Para promovermos o desenvolvimento que se concretiza na formação de conceitos, precisamos de um meio que guie nosso pensamento: um signo, a palavra. Na origem de um conceito encontra-se, portanto, a palavra. À medida que ela se internaliza, transforma-se em mediador – como signo - do processo. Nas palavras de Vygotsky: “Todas as funções psíquicas superiores são processos meditatizados por signos... Na formação de conceitos, tal signo é a palavra...”. (Vygotsky, apud Reig e Gradolí, 1998: 120). Ela é o meio de generalização que o homem criou no processo histórico-social A elaboração conceitual é uma das principais formas de ação consciente do sujeito. “Tal elaboração resulta de um processo de análise (abstração) e de síntese (generalização) dos dados sensoriais que é mediado pela palavra e nela materializado. (...) Todavia, “os conceitos não são analisados como categorias intrínsecas da mente, nem como reflexo da experiência individual, mas sim como produtos históricos e significantes da atividade mental mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e da resolucão de problemas. E, como tal, os conceitos têm história”.(Fontana, 1996: 12-3).
  • 10. A interação verbal com os adultos, através da mediação do mesmo sistema lingüístico, possibilita o desenvolvimento das diferentes estruturas de generalização da criança. Em suas relações, adultos e crianças usam palavras que significam para ambos a mesma coisa, permitindo a comunicação entre eles. Todavia, a significação idêntica é apenas aparente, pois, “nessa mesma relação, a função desempenhada pela palavra na atividade mental da criança e do adulto não coincidem. Crianças e adultos utilizam as palavras com graus de generalidade distintos”. (Fontana, 1996: 19). Assim, por exemplo, após uma explicação sobre o que era substantivo, em sala de aula, e de exercícios feitos para identificar essa categoria gramatical, copiando do livro os substantivos que fossem encontrados em uma determinada lição, a professora solicitou aos alunos que, como tarefa de casa, retirassem de uma outra lição do livro todos os substantivos que encontrassem. Esse trabalho seria uma demonstração de que eles de fato teriam compreendido a identificar os substantivos, distinguindo-os de outras categorias gramaticais já estudadas, como os adjetivos, advérbios, verbos etc. No dia seguinte, todos trouxeram sua tarefa. Cada um mostrou à professora, no caderno, as palavras que haviam copiado do livro e que, segundo eles, seriam substantivos. Ao observar o caderno de Joãozinho, a professora teve um grande susto. Lá estavam, sim, todos os substantivos, mas efetivamente “retirados” com gilete do livro-texto e colados no caderno. A palavra retirar usada pela professora, ainda que permitisse a comunicação, não possuía o mesmo nível de generalidade da criança. Não significava a mesma coisa para ambas. Existem aqui dois aspectos a considerar. Conforme Fontana, (ibiem:19), “se por um lado, a coincidência de conteúdo possibilita a comunicação adulto/criança, por outro, é a diferença de elaboração mental entre ambos que possibilita o desenvolvimento dos conceitos na criança” (grifos nossos). As palavras utilizadas pelos adultos, em suas interações com a criança, possuem graus de generalidade e operações mentais que são novos para ela. Isso interfere na atividade mental da criança, despertando nela “um sistema de processos complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às experiências e habilidades que ela já domina” (ibidem:19). Ainda que ela não
  • 11. compreenda toda a significação atribuída à palavra pelo adulto, é no seguimento dessas palavras que passa a organizar seu processo de elaboração mental. A aquisição de conceitos é um processo único, mas distinguem-se dois sistemas de aprendizagem dos mesmos: formação de conceitos cotidianos e formação de conceitos científicos. Formação de conceitos espontâneos “Os conceitos espontâneos formam-se no contexto da interação social, e neles a atividade consciente do sujeito se orienta aos objetos, quer dizer, o sujeito não é consciente de seus próprios conceitos...” (Reig e Gradolí, 1998: 120). Estes formam-se no dia-a-dia. A mediação do adulto, nesse contexto é espontânea, ligada às situações imediatas. Suas palavras se referem a elementos que se encontram nas situações concretas das pessoas. “A atenção de ambos, adulto e criança, está centrada na própria situação e nos seus elementos e não no ato intelectual envolvido”. (Fontana, 1996: 2). No processo de formação de conceitos espontâneos , Vygotsky identifica três etapas: Cúmulos organizados. Caracteriza-se pelo agrupamento de objetos, sem fundamento, aos quais se atribui um nome. Coincide com a etapa de pensamento sincrético. Pensamentos em complexos. Supõe a união de objetos de acordo com vínculos que realmente existem, ou agrupamento de objetos baseados em seus aspectos preceptivos comuns. Trata-se de vínculos pouco estáveis. Coincide com o pensamento conreto. Conceitos potenciais. Supõe um passo além da unificação, união de objetos mediante um critério abstrato (separação de objetos da experiência concreta). (Vygotsky, apud Reig e Gradolí, 1998: 121-2). A formação desses conceitos está ligada diretamente à observação, à manipulação e às vivências da criança em seu meio.
  • 12. Formação de conceitos científicos As condições de aquisição de conhecimentos sistematizados, científicos pela criança são muito diversas daquelas em que se originam os conceitos espontâneos. O novo contexto das interações escolares têm uma orientação deliberada e explícita. Tudo é previamente organizado. “Nesse contexto, a criança é colocada diante da tarefa particular de ‘entender’ as bases dos sistemas de concepções científicas, que se diferenciam das elaborações conceituais espontâneas”. (Fontana, 1996: 21). Para Vygotsky, esses são os verdadeiros conceitos, que se adquirem no âmbito da instrução. São sistematizados e transmitidos intencionalmente através de metodologias específicas, na situação escolar. Segundo Reig e Gradolí (1998: 122) “a diferença fundamental entre a formação de um tipo de conceito e de outro reside em que na formação dos conceitos espontâneos a consciência se orienta aos objetos, enquanto que na formação dos conceitos científicos, a consciência se dirige aos próprios conceitos, ao ato do pensamento; quer dizer, os conceitos evoluem graças à atividade mental consciente da pessoa”. Segundo Pozo (apud Reid e Gradolí, 1998: 123), os conceitos científicos se distinguem dos espontâneos pela seguintes características: • os conceitos científicos fazem parte de um sistema; • são adquiridos através de uma tomada de consciência da própria atividade mental; • implicam uma relação com o objeto baseada na internalização da essência do conceito. Os conceitos científicos implicam sempre um sistema hierarquizado do qual fazem parte: A principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o aluno a construir esse tipo de conceito é a de levá-lo a estabelecer um enlace indireto com o objeto por meio das abstrações em torno de suas propriedades e da compreensão das relações que ele mantém com um conhecimento mais
  • 13. amplo. Ao contrário do espontâneo, o conceito científico só se elabora intencionalmente, isto é, pressupõe uma relação consciente e consentida entre o sujeito e o objeto do conhecimento. (Moysés, 1997: 35-6). Os conceitos científicos pertencem a sistemas explicativos globais, organizados logicamente pela sociedade. A elaboração de conceitos científicos exige operações lógicas complexas, como classificação, dedução, comparação, passagem de uma generalização a outra. Além disso, na escola, a construção dos conceitos passa sempre pela mediação de outros conceitos. Nesse processo professor e alunos ocupam lugares socialmente diferenciados e hierarquicamente estruturados, produzindo um tipo específico de interação, cuja finalidade explícita é ensinar e aprender. “Nessas condições, a mediação do adulto é deliberada. Ele compartilha com a criança sistemas conceituais instituídos, procurando induzi-la a utilizar- se das operações intelectuais, das possibilidades sígnicas e dos modos de dizer neles implicados”. (Fontana, 1996: 21). A criança, por sua parte, possui também uma imagem de qual o papel dela bem como o do professor. Portanto, também para ela e relação de mediação é explícita. Partindo de seus conceitos espontâneos, ou mesmo de conceitos científicos já adquiridos, o aluno busca raciocinar com o professor, tentando reproduzir as operações lógicas que ele utiliza: “Frente a um conceito sistematizado desconhecido, a criança busca significá-lo através de sua aproximação com outros signos já conhecidos, já elaborados e internalizados. Ela busca enraizá-lo nas suas experiências consolidadas”. (ibidem: 22). A elaboração inter-pessoal, que é realizada nesse processo, possibilita, inicialmente, ao educando imitar a análise intelectual que o professor vai desenvolvendo, passando gradativamente à sua própria elaboração, desenvolvendo sua atividade cognitiva. A operação mental de formação de um conceito científico é dirigida pela palavra. Esse processo exige atenção ativa sobre o tema, apreendendo os aspectos essenciais, a fim de chegar a generalizações mediante a síntese.
  • 14. A escola é o local adequado para a aquisição desse tipo de conceitos. A ação do professor é de fundamental importância para a construção do conhecimento sistematizado, pois este requer um trabalho intencional num processo de interação professor/aluno. Isto significa reconstruir o saber através de procedimentos adequados, onde o professor atue como mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento. Nas palavras de Vygotsky: “(...) o professor, trabalhando com o aluno, explicou, deu informações, questionou e corrigiu o aluno e o fez explicar”. Moysés faz a seguinte interpretação das palavras de Vygotsky: trabalhando com o aluno. Professor e alunos trabalham juntos, em interação. Explicou e deu informações. Explicar não é apenas expor, mas “buscar na estrutura cognitiva dos alunos as idéias relevantes que servirão como ponto de partida para o que se quer ensinar”, ampliando os esquemas mentais que os alunos trazem. São fundamentais nessa tarefa as exemplificações e as informações necessárias. Questionou e corrigiu o aluno. Procurou saber se o que fora dito havia sido compreendido e, em caso negativo, proceder à correção. As questões provocam desequilíbrio na estrutura cognitiva, fazendo-a avançar para um patamar mais elevado de reestruturação. e o fez explicar. A explicação dada pelo aluno é o processo de internalização se manifestando e se fazendo presente. Nesse momento o professor pode observar se houve uma reestruturação no plano intrapsicológico das relações que ocorreram no plano interpsicológico. Para isso, o aluno deverá usar as próprias palavras para expor o assunto; fazer relações com outros temas; exemplificar com dados do cotidiano; fazer generalizações. É o processo de avaliação contínua. (1997:37-38). Os conceitos científicos e espontâneos seguem caminhos diversos em sua formação, ainda que, segundo Vygotsky, o processo seja único, havendo uma conexão entre ambos os sistemas. Segundo Reig e Gradolí (1998: 123), “da mesma forma que a aprendizagem organizada se transforma em desenvolvimento mental e este
  • 15. possibilita processos mentais que favorecem a aprendizagem, os conceitos científicos ‘introduzem na mente a consciência reflexiva, que será transferida aos conceitos espontâneos’ (Pozo, 1989,p.204); porém, será necessário o desenvolvimento destes para ter onde apoiar o desenvolvimento daqueles. Palavras de Pozo: ‘o significado dos conceitos científicos não pode construir-se sem o referente dos conceitos cotidianos’”. Segundo Vygotsky, o domínio dos conceitos científicos eleva o nível dos conceitos espontâneos. Os conceitos científicos descem à realidade empírica, enquanto os espontâneos ascendem buscando sistematização, abstração, generalização. A obtenção dos conceitos científicos implica a reconstrução dos conceitos espontâneos numa articulação transformação recíproca. A construção dos conceitos científicos na escola, por meio de uma ação metódica e intencional, possibilita ao aluno rever e compreender os conceitos espontâneos que traz dentro de si. O aluno leva para a escola sua vivência de classe social, seus valores, seus conhecimentos, sob a forma de conceitos espontâneos, dos quais vai adquirindo consciência sempre mais clara. Para Moysés (1997: 38), “esse processo de relacionar o conceito espontâneo que o aluno traz com o conceito científico que se quer que ele aprenda exige de quem ensina uma compreensão dos diferentes significados que os conceitos – tanto os espontâneos quanto os científicos – têm para o aluno. Exige, também, que o docente perceba quais são os seus contextos, quais são os sentidos nos quais eles estão sendo empregados”. Conclusão A mediação pedagógica e o processo de internalização são requisitos fundamentais na construção dos conceitos científicos na escola. Isso porque o professor é o mediador entre o aluno e o conceito ou conhecimento a ser internalizado. Sendo a aprendizagem concebida como o “motor do desenvolvimento”, os processos educativos e o trabalho do professor adquirem especial
  • 16. importância, uma vez que se constituem as “ferramentas” que permitem ao educando sua autoconstrução. Vygotsky aponta as atividades que uma criança realiza com ajuda, como mais indicativas de seu estado evolutivo, do que aquelas que realiza de forma independente. Nesse sentido afirmam Reig e Gradolí: “Se a aprendizagem é concebida como o motor do desenvolvimento e deve centrar-se nas funções que estão amadurecendo, teremos que afirmar a ineficácia das atividades de aprendizagem que estejam dirigidas a níveis educativos já alcançados, já que se deve tentar alcançar aquilo que ainda não se tem, porque ‘o que já se sabe não se pode aprender’”.(1998:125). Toda a ação do professor deve, pois, centrar-se na organização do conteúdo e dos processos pedagógicos para que o aluno, trabalhando, atue sobre os seus processos mentais em desenvolvimento e concretize sua aprendizagem. O trabalho do professor junto com o do aluno, ao expressar a relação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento, constitui-se um princípio teórico que guia nossa prática educativa. Referências bibliográficas DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados, 1996. FONTANA, Roseli Aparecida Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. Campinas: Autores Associados, 1996. MOYSÉS, Lúcia. Aplicações de Vygotsky à educação matemática. Campinas: Papirus, 1997. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky – uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995. REIG, David e GRADOLÍ, Laura. A construção humana através da zona de desenvolvimento potencial: L.S. Vygotsky. In: MINGUET, Pilar Aznar (Org.). A construção do conhecimento na educação. Porto alegre: ArtMed, 1998.
  • 17. VYGOTSKY, L.S. Formação social da mente – O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. _____. Obras escogidas II. Madrid: Centro de Publicaciones del MEC y Visor Distribuciones, 1993.