1) O documento discute a perda da nacionalidade brasileira por naturalização estrangeira voluntária de acordo com a Constituição Federal de 1988 e princípios de Direito Internacional.
2) A Constituição prevê a perda da nacionalidade caso o brasileiro adquira outra, salvo se for reconhecimento de origem ou imposição para permanecer no país estrangeiro.
3) Interpretando a regra à luz do Direito Internacional, a perda só ocorre com manifestação expressa de vontade, para proteger o direito fundamental à
Dez Novidades Contidas no Anteprojeto de Lei das Migrações e Promoção dos Dir...
Perda da nacionalidade brasileira por naturalização estrangeira. Necessidade de manifestação expressa e inequívoca do interessado
1. A PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA POR NATURALIZAÇÃO
VOLUNTÁRIA ESTRANGEIRA
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Introdução
A nacionalidade ou cidadania é um vínculo entre o Estado e o indivíduo, como sujeito ou
destinatário da ordem jurídica estatal. Pressupõe, portanto, “um fato social de vinculação, uma
genuína conexão de existência, interesses e sentimentos, junto com a subsistência de direitos e
deveres recíprocos” (Caso Nottebohm, 1955, Tribunal Internacional de Justiça).
O mundo contemporâneo, caracterizado por uma sempre crescente circulação de pessoas, leva,
com frequência, ao surgimento de sentimentos de identidade social, cultural e sentimental com
mais do que um Estado, podendo indubitavelmente proporcionar uma pluralidade de vínculos
de semelhante intensidade.
Sendo pacífico que o direito à nacionalidade ou cidadania se inscreve na paleta dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, tornou-se imperioso, a partir de certa altura,
densificar normativamente determinados princípios nucleares respeitantes à aquisição e perda
da nacionalidade, o que foi feito através de instrumentos legais de direito internacional, bem
como através de normas de direito estatal.
O tema deste breve estudo circunscreve-se à perda da nacionalidade brasileira por
consequência da aquisição, por naturalização, de nacionalidade estrangeira.
A perda da nacionalidade brasileira na Constituição Federal de 1988
A perda da nacionalidade brasileira encontra-se regulada no artigo 12, § 4.º, da Constituição
Federal de 1988, estabelecendo as respectivas causas, uma das quais consta do inciso II, nos
seguintes termos:
“adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei
estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao
brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para
permanência em seu território ou para o exercício dedireitos
civis.”
Tendo em conta os princípios de Direito internacional que tutelam o direito à nacionalidade,
importa entender, no contexto da citada norma constitucional, de que forma poderá um
cidadão brasileiro perder a sua nacionalidade por consequência da aquisição de nacionalidade
estrangeira.
Situações contempladas, ipsis litteris, no inciso II do § 4.º do artigo 12 da Constituição Federal
de 1988
3. A norma em apreço estabelece, simplesmente, como regra, que perde a nacionalidade brasileira
quem adquirir outra nacionalidade.
Olvidando, por ora, outras fontes de Direito, de acordo com tal regra, o cidadão brasileiro que
adquira outra nacionalidade perde a nacionalidade brasileira.
Vejamos agora as duas exceções que constam das alíneas a) e b).
A primeira consiste na aquisição de nacionalidade estrangeira de origem, abrangendo quaisquer
casos em que a um cidadão brasileiro é reconhecida determinada nacionalidade estrangeira em
virtude do nascimento, quer segundo o critério jus solis, quer segundo o critério jus sanguinis.
Por exemplo, um cidadão brasileiro filho de pai (ou mãe) português é considerado português de
origem se tiver o seu nascimento inscrito no registro civil português ou se declarar que quer ser
português (artigo 1.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Nacionalidade portuguesa, aprovado pela Lei n.º
37/81, de 3 de outubro). Neste caso, nos termos do disposto no artigo 12, § 4.º, inciso II, alínea
a), da Constituição Federal brasileira de 1988, ele pode manter a nacionalidade brasileira,
ficando na situação comummente conhecida de dupla nacionalidade ou cidadania.
A segunda exceção consiste na necessidade de naturalização estrangeira como condição para
cidadão brasileiro residente no Estado estrangeiro aí poder permanecer ou exercer direitos civis,
estando em causa, portanto, uma imposição implícita de naturalização, permitindo, nos termos
do disposto no artigo 12, § 4.º, inciso II, alínea a), da Constituição Federal brasileira de 1988, a
manutenção da nacionalidade brasileira.
Regime legal internacional de proteção do direito à nacionalidade
O artigo 12, § 4.º, inciso II, da Constituição Federal, não pode deixar de ser interpretado de
acordo com os princípios de Direito internacional que regem sobre a proteção da nacionalidade
a que o Brasil se tenha vinculado.
Impõe-se, desde logo, fazer referência à Convenção de Haia de 1930, promulgada pelo Decreto
n.º 21.798, de 06/09/1932, com reservas no tocante aos artigos 5, 6, 7, 16 e 17.
Embora as diretrizes da Convenção de Haia de 1930 tenham sido, por um lado, a supressão da
apatridia, e, por outro, a excecionalidade da situação de dupla nacionalidade, não deixa de
constituir um marco importante na defesa do direito à nacionalidade e no enquadramento deste
como direito fundamental inerente à pessoa humana, não deixando, doutro passo, de admitir a
existência de situações em que o mesmo indivíduo possua mais do que uma nacionalidade.
Com efeito, no Capítulo I da Convenção de Haia de 1930, estabelecem-se os princípios gerais
relativos aos conflitos de leis sobre nacionalidade, visando, sobretudo, a proteção da
nacionalidade, destacando-se o constante do artigo 1.º, que dispõe da seguinte forma:
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4. “Cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os
seus nacionais. Essa legislação será aceite por todos os outros
Estados desde que esteja de acordo com as convenções
internacionais, o costume internacional e os princípios de direito
geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade.”
O artigo 3.º consagra também a possibilidade da mesma pessoa ter várias nacionalidades,
estabelecendo que “um indivíduo que tenha duas ou mais nacionalidades poderá ser
considerado, por cada um dos Estados cuja nacionalidade possua, como seu nacional” .
Avançando na perspectiva do reconhecimento do direito à nacionalidade como um direito
fundamental inerente à pessoa humana e à sua proteção jurídica, veio a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada pela Resolução n.º 217-A da Assembleia Geral das Nações
Unidas, organização de que o Brasil faz parte, estabelecer no seu artigo 15 que:
“Todo o homem tem direito a uma nacionalidade” (n.º 1);
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E que:
“Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade,
nem do direito de mudar de nacionalidade” (n.º 2).
Assim, podem identificar-se os seguintes vetores de Direito internacional no que respeita à
cidadania:
- Cabe a cada Estado determinar quem são os seus nacionais, dentro dos limites fixados pelo
Direito internacional;
- O direito à nacionalidade ou cidadania tem natureza de direito fundamental inerente à pessoa
humana;
- A vontade dos indivíduos deve ser respeitada no que tange à aquisição e perda da cidadania;
- São proibidas todas as formas de privação arbitrária da cidadania.
Incursão histórica no regime legal brasileiro relativo à perda da nacionalidade por
naturalização estrangeira
Na Constituição Federal de 1946, a perda da nacionalidade encontrava-se prevista no artigo 130,
nos seguintes termos:
“Perde a nacionalidade o brasileiro:
I – que, por naturalização voluntária, adquirir outra
nacionalidade;
5. II – que, sem licença do Presidente da República, aceitar de
governo estrangeiro comissão, emprego ou pensão;
III – que, por sentença judiciária, em processo que a lei
estabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, por exercer
atividade nociva ao interesse nacional.”
Tal disposição legal foi reproduzida no artigo 22, inciso I, da Lei n.º 818, de 18/09/1949, a qual,
aliás, nunca foi objeto de revogação expressa, ainda atualmente regendo o procedimento
administrativo respeitante à perda da nacionalidade.
Portanto, para o que aqui releva, no contexto da Constituição Federal de 1946, a naturalização
voluntária estrangeira determinava a perda da nacionalidade brasileira, o que não se afasta
significativamente do que atualmente dispõe a Constituição Federal de 1988, ressalvando esta,
como já vimos, a imposição, ainda que implícita, da naturalização, como condição de
permanência no território do Estado estrangeiro ou para o exercício de direitos civis.
No âmbito da Constituição Federal de 1946, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a
pronunciar-se, em sede de mandado de segurança, sobre um caso de perda da nacionalidade
brasileira por consequência de naturalização voluntária estrangeira. Trata-se do Mandado de
Segurança n.º 4.442/SP, de 1957, o qual foi concedido, formulando-se a seguinte ementa:
“Perda de nacionalidade, por naturalização voluntária. A
declaração de vontade em direito público, tendo em conta a
nacionalidade nata e adquirida. A declaração deve ser em
termos inequívocos.”
Na esteira dos princípios de Direito internacional no que respeita à nacionalidade, e inserindo-se
num cenário jurídico brasileiro, substantiva e adjetivamente, muito próximo do atual, o
referido aresto é ilustrativo da forma como deve ser interpretado o artigo 12, § 4.º, inciso II, da
Constituição Federal de 1988, sendo de destacar os seguintes segmentos:
“Hoje em dia, é preciso considerar que o problema da
nacionalidade, mais do que nunca, está no campo da própria
liberdade individual. Assim, o art. 15 da Declaração Universal
dos Direitos do Homem diz: “Todas as pessoas têm direito a uma
nacionalidade”. Trata-se pois de um direito e de um direito
fundamental. E daí a lição do constitucionalista argentino Jean
Casiello (Derecho Constitucional Argentino) afirmando que não
se priva arbitrariamente um indivíduo da nacionalidade, nem o
direito de mudá-la.
Predominante o princípio da conservação da nacionalidade, esta
só se perde em condições especificadas e por declaração de
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6. vontade (Orestes Ranelletti, Istituzioni di Diritto Publico, <…>).
A Constituição Suíça, por exemplo, fala em renúncia expressa. E
o seu ilustre comentador G. Sauser Hall diz “Il faut toujours une
renonciation expresse de l`interesse.” (Guide politique suisse, pg.
99).
A declaração de vontade é assim assegurada por um princípio
fundamental que está, em muitos países, como o nosso na
Constituição e em outros, como na Bélgica, nas leis civis. <…>
O princípio da declaração da vontade tinha realmente que se
impor, principalmente quando se tratasse de perda da
nacionalidade. <…>
Daí a distinção entre nacionalidade nata e a adquirida. E
preservar a nacionalidade originária, natural, é uma tradição de
direito brasileira.
É essa a tradição que foi recolhida também pelo art. 130 da
Constituição de 1946. Como diz Pontes de Miranda, o que se
naturaliza extrangeiro perde a sua nacionalidade, desde que o
queira.” E acrescenta: - “… o Brasil não deve inquirir da figura
jurídica que o Estado estrangeiro deu à atribuição de
nacionalidade (por eleição simples ou originária, submetida a
opção ou reclamação da nacionalidade com efeitos ex nunc). O
que lhe importa é saber que o seu nacional prefere outra
nacionalidade”.
Para que se realize portanto uma vontade como essa, - tão grave
e tão séria, é preciso que se manifeste em termos inequívocos e
indiscutíveis. Ao contrário, seria desconhecer-se a vontade como
decisão, vontade que ficaria desamparada pela soberania <…>
do país de origem.”
Interpretação do artigo 12, § 4.º, inciso II, da Constituição Federal, de acordo com os princípios
de Direito internacional que regem a nacionalidade
Perante os princípios de Direito internacional a que o Brasil se encontra vinculado e tendo em
conta a orientação doutrinária e jurisprudencial supra citada, com aqueles consonante, mostra-se
evidente que a perda da nacionalidade brasileira em consequência de naturalização
estrangeira voluntária não pode prescindir de uma manifestação de vontade expressa por parte
do interessado. Ou seja, o cidadão brasileiro que adquirir alguma nacionalidade estrangeira
derivada não incorre automaticamente na perda da nacionalidade brasileira, tendo outrossim
que manifestar, expressa e inequivocamente, que não tem interesse em mantê -la.
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7. Assim sendo, o artigo 12, § 4.º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, deve ser interpretado
extensivamente, nos seguintes termos:
Será declarada a perda da nacionalidade brasileira a quem adquirir outra nacionalidade, salvo
nos casos:
- de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
- de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado
estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos
civis, sempre que a naturalização envolver a renúncia expressa à nacionalidade de origem;
- de naturalização, sempre que não haja renúncia expressa à nacionalidade de origem.
Acresce que a renúncia à nacionalidade brasileira deverá, em qualquer caso, ser confirmada no
âmbito do procedimento adequado, atualmente regulado pela Lei n.º 818, de 18/09/49.
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