SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 142
Baixar para ler offline
Mina

MINA

1
2

RENATA BOMFIM
Mina
POEMAS

RENATA BOMFIM

MINA

3
Copyright © 2010 by Renata Bomfim
Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra,
por qualquer meio, sem autorização do autor
ou da editora,
constitui violação da LDA 9610/98.
editor:
projeto gráfico, editoração eletrônica:
arte da capa:
organização:
revisão:
ilustrações:
impressão e acabamento:
catalogação:
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Bomfim, Renata, 19??Mina/Renata Bomfim – Vitória: Helvética Produçoes Gráficas e
Editora, 2010.
Dados paginação
ISBN
I. Poesia brasileira. II. Título.
CDD:
CDU:

[ 2010 ]
HELVÉTICA PRODUÇÕES GRÁFICAS E EDITORA LTDA.
Rua Antônio Aleixo, 645, Consolação
Cep: 29050-150 – Vitória – ES
Telefones: (27) 3322-4777
florecultura@gmail.com

[ Contatos com o autor: ........... ]

4

RENATA BOMFIM
Sumário
Mina: uma poética colcha de retalhos ------------------- 7
Na lavra -------------------------------------------------------- 13
Arrebentação/ Explosão ------------------------------------ 41
Deslumbramento--------------------------------------------- 69
Lapidação ------------------------------------------------------ 97

MINA

5
6

RENATA BOMFIM
Mina:
uma poética colcha de retalhos
Em Mina, primeiro livro de poemas de Renata
Bomfim, como uma transfusão de sangue de letras
garatujas, de rabiscos, é possível observar uma
poética igualmente incompleta, inacabada,
transicional, de passagem e, por isso mesmo,
emendada, retalhada, de aprendiz. Mina é uma
colcha de retalhos de poemas emendados e suas
vozes poéticas constituem-se em fluxos de
aprendizagem de poesia, com seus eus-líricos
femininamente fragmentados, esboçando, seja em
cada poema, seja no conjunto deles, um perfil
poético indefinido, demarcado por cicatrizes de
incontáveis traços femininos, no embate, na vida
e na sobrevida de, numa e contra a nossa
falocêntrica civilização.
São, assim, vozes de incontáveis ventríloquos
femininos as que se inscrevem, como mina, nos
poemas deste livro, escavando-se, escavadas e a
escavar, embora sem pretensão de encontrar veios
de ouro, de diamante, ou de qualquer metal
precioso, uma vez que, sendo poemas
assumidamente incompletos, como a vida, são,
como devem ser, colagens de mulheres imperfeitas,
irregulares, rebeldes, incompreendidas, viscerais,
solitárias, fortes, frágeis, apaixonadas; ora
MINA

7
confiantes, ora deprimidas, mas sempre marcadas
pela vontade de se expressar, de, enfim, participar
da trama tramada do mundo, como é possível
inferir tendo em vista o poema “Experimental”:
Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado.
Brocado de oníricas texturas,
Agora, embrutecido, pedra dura,
guarda tramas, fissuras de sonhos amordaçados.
Fóssil de um eu cintilante e genuíno
que celebrava o dia e bebia o vinho do porvir
ornamentado de linho fino e rendas.
Agora, sorve o amargor da lembrança
Sem saber qual direção seguir.
Haverá cura para esse mal
que embarga a voz?
Haverá saída desse escarpado íngreme?
Uma fenda, um vão?
Preces e rogos e oferendas
Para um deus pagão
Cultos para aplacar no corpo o desejo ardente,
Para cessar o brilho intermitente,
ofuscado apenas pela dúvida.
Ao fim, encenar num gesto
indecente- libertino- libertário
Voo inaugural para uma nova existência.

Diante dessa agônica pergunta, relativa __ eis
uma tentativa de Interpretação __ ao embargo que
8

RENATA BOMFIM
uma civilização como a nossa impõe sobre toda e
qualquer alteridade, a feminina se expressa como?
brocado de oníricas texturas?, através de uma
escrita afetiva, para utilizar um argumento caro
ao pensador indiano, Homi Bhabha, ao analisar a
literatura produzida nas margens estilhaçadas das
instituições verticais-falocêntricas, no contexto de
uma sociedade pós-colonial.
A escrita poética de Renata Bomfim, em Mina, é
também afetiva, seguindo a esteira de poetas como
Ana Cristina César, Elza Beatriz, Florbela Espanca,
Sylvia Plath, e uma profusão de outras, por serem
vozes poéticas que, não obstante as diferenças
expressivas entre elas, inscreveram uma
disseminação fissurada de sentidos marginais,
estilhaçados, em suas afetivas escritas poéticas,
como forma, todas elas, de enfrentamento ao duplo
mal que nos embarga a todos, e antes de tudo às
alteridades, que são esses de sermos mortais e de
estarmos construindo uma civilização baseada na
submissão, humilhação, exploração e violação a
tudo que é vital, cuja força propõe, em movimento,
outra dinâmica social, de alteridades expressivas,
com seus? indecentes ? libertino ? libertário/ voo
inaugural para uma nova existência,? Como nos
sugere o poema “Experimental”.
Assim, embora Renata Bonfim, neste seu
primeiro livro, esteja ainda em busca de sua melhor
MINA

9
expressão poética, ainda que seja pela via da
irregularidade e da precariedade, Mina nos mostra
uma poeta em formação, é verdade, mas apta, não
obstante, a nos brindar com poemas como
“Experimental”, “Pororoca”, “Personae”, “A flor”,
“Mulherárvore”, “Bluechip”, “Juramento
hipócritas”, e outros.
Seja bem-vinda, Renata, ao clube das infinitas
inclusões poéticas: água de todos e de ninguém.
Luis Eustáquio Soares

10

RENATA BOMFIM
A Lili, Elvis, Verinha,
Elvis Júnior, Dedo e
Luiz Alberto, com amor...

MINA

11
12

RENATA BOMFIM
Na lavra

MINA

13
14

RENATA BOMFIM
Corpos humanos são palavras, miríades de
palavras.
Nos melhores poemas o corpo ressurge, o da
mulher, o do homem, bem-formado, natural, feliz.
Todas as partes habilitadas, ativas, receptivas, sem
demonstrar vergonha e sem a necessidade da
vergonha. Ar, água, terra, fogo – essas são palavras.
Walt Whitman

MINA

15
16

RENATA BOMFIM
Irmandade
Há fontes que geram em nós
novas águas,
despertando olhos cristalinos e
fazendo brotar da terra ressequida
a vida e o desejo primordial,
sopro que podemos traduzir
como entendimento, sentido.
Há terras que fazem brotar em nós
outras sementes,
tornando- nos híbridos,
desfazendo a hegemonia da matriz e
pluralizando os frutos que
despertam para novos paladares.
Há forças que não podemos explicar.
Elas fazem com que nos juntemos
e queiramos estar
no desejo do outro
e desejemos ser o outro,
bebendo da fonte e brotando da terra.
Um outro tão espe(ta)cular
e próximo que bem
poderia ser nós mesmos.

MINA

17
Musiva
Eu sou pedra bruta
girando na ciranda viva
ao som do vento
e das águas.
Eu sou a pedra que se agita,
clama e grita,
chama do fogo sagrado
que o peito inflama.
Tesselas-sonhos,
desejos da mente:
o tempo não apaga,
o coração não sossega.
Ser inteira novamente:
a brisa na alma
justifica o existir
dá leveza ao presente.

18

RENATA BOMFIM
Sensorialidade
O tátil se apoderou de mim!
Já não te busco mais, atada
ao fio dos meus pensamentos.
Te experimento inteiro
com meus olhos,
teu cheiro fala à minha boca
e sussurra indecifráveis sentidos,
no silêncio dos amantes.
Meus poros estão abertos
para te captar em vibrações.
Eu te canto no presente,
batendo as palmas das mãos,
meus pés em bailados desconcertados.
Te submeto aos meus desejos
mais indecentes,
Com as gotas adocicadas
do meu suor.
É assim que eu te quero,
é assim que eu te busco,
no céu da minha boca.
Ânsia louca camuflada na calmaria aparente,
a urgência da gente
nas mãos, nos braços, nos entres:
nossa vivência metassexorial.

MINA

19
Questões poéticas
Antônio, o que faço?
Colonizaram a minha bandeira.
Agora toda empresa é responsável,
toda exploração, sustentável,
toda carne, sadia,
mesmo que o bicho nasça, viva e morra
de forma miserável.
Anto, onde me encaixo?
Neste mundo, estou tão Só!
Me espanca este plágio:
“Ó dobres dos poentes às Ave-Marias!
Ó Cabo do Mundo! Moreia da Maia!
Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!
Casas dos pobres que o luar, à noite, caia...”
E você, José, que faz versos,
que ama, protesta?
Me diz: onde está a poesia?
O verbo também
tornou-se terra pisada?
Os ritos de fecundidade,
necessários para garantir a safra
do bem-dizer, serão ainda executados?
Me diz: e agora, José?

20

RENATA BOMFIM
Canto de abertura
Brilham sóis na minha lua.
Sou toda bruma,
rio a deslizar pelos penhascos,
terra úmida
à espera da tua semente
como se fosse a última.
Não há mais solidão,
a pedra quebrou-se,
fez-se múltipla.
Brilham os sóis da minha lua
E sou toda e todos e sou nada
– o pó dessa terra,
o povir desse chão,
as mãos febris que constroem
a paz esperada.

MINA

21
Sensações
O sopro do vento na cara,
a descida do morro,
a alma ferida.
Amor protelado,
espaços cedidos,
silêncios perdidos.
Tudo isso faz de mim Ser emergente;
esse tudo me reduz, me faz gente;
esse isso, confuso, me embriaga.

22

RENATA BOMFIM
Ave paraíso
Amo a minha terra!
Canto de longe as serras plenas
os pássaros e as matas.
Meus pés se deliciam e deslizam
na poeira da estrada.
Caminho, caminho, errante,
em um nomadismo fascinante.
omo é difícil parar!
Amo cada centímetro desse chão,
cada fungo, cada inseto.
A sinfonia do tempo convida a meditar.
Esse cantão onde nasci
embriaga de cinza e verde meus olhos,
Nele estão as pedras mais valiosas,
as tábuas dos mandamentos sagrados
que ensinam a amar cada pássaro solitário
e a aprender com outros vários
como é bom estar junto.
Sou um ser aberto e dobrável,
uma fagulha angustiada
quer fazer fogo e arder
e se multiplicar em brasas,
acendendo as luzes de dentro da alma,
brilhando até implodir
de uma felicidade rara.
MINA

23
Canto solar
Meu corpo
metamorfose!
Já não sou mais
aquela dos vinte
ou dos trinta...
Bebo do vinho do tempo
com alegria
e agradeço a vida,
esse presente!
Dádiva que colho
em cada amanhecer.
Espírito renovado
corpo
desejo e fogo
Fênix!
E me percebo novinha em folha
em flor
caindo em pétalas,
reverente,
na rosa dos ventos.

24

RENATA BOMFIM
Irmãs
Há mulheres que são rios;
outras, pedras;
outras, serpentes emplumadas;
E eu amo a todas elas!
Amo aquelas que o tempo silenciou
a rebelada
a escabelada
a indecisa...
amo também as que se ofereceram
em sacrifício,
até mesmo as que preferiram
ser homens.
Nos unem os ciclos da lua,
a terra do corpo que vibra.
Sou mulher, portanto,
a minha alma cintila,
comunga e dialoga
com todas as estrelas da tua.

MINA

25
Eus
Meus duplos
querem tudo!
O doce e o azedo
o prazer e a dor.
Me querem toda
devorada
reduzida.
Eus de mim que não
se entendem e se deixam possuir.
Camadas de peles nuas
peles por sobre os pelos
suores e agonias.
Saudades da unidade perdida
Eu, ovo,
Ova
guardada no saco
do escroto,
batizada n’água da bacia,
purificada
dos pecados dos outros!

26

RENATA BOMFIM
Rastros
No meu rastro caminham
sombras, lembranças;
vagueiam sonhos precipitados
vestígios dessas andanças.
Por terras vermelhas e pisadas
sigo os sinais do destino,
ligada por um fio,
sei lá onde ou a quem,
formando uma tessitura
que desconheço.
Fio a fio sou a lã
tramada- entrelaçada,
nódoa maculando a pureza
que também me é das mais
estranhas.
Continuo andando
e deixo involuntários
novos rastros.

MINA

27
Experimental
Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado.
Brocado de oníricas texturas,
Agora, embrutecido, pedra dura,
guarda tramas, fissuras de sonhos
amordaçados.
Fóssil de um eu cintilante e genuíno
que celebrava o dia e bebia o vinho do porvir
ornamentado de linho fino e rendas.
Agora, sorve o amargor da lembrança
Sem saber qual direção seguir.
Haverá cura para esse mal
que embarga a voz?
Haverá saída desse escarpado íngreme?
Uma fenda, um vão?
Preces e rogos e oferendas
Para um deus pagão
Cultos para aplacar no corpo o desejo ardente,
Para cessar o brilho intermitente,
ofuscado apenas pela dúvida.
Ao fim, encenar num gesto
indecente- libertino- libertário
Voo inaugural para uma nova existência.

28

RENATA BOMFIM
Pororoca
Rio
infinito
volumoso
e borbulhante
Fervo em suas águas
buscando atingir
sua cabeceira
lá me esperam
o enlace
o namoro
o gozo
e a Morte

MINA

29
Moqueca Capixaba
Ela vai sendo aquecida, lenta e
delicadamente, em fogo brando.
Sobre a mesa, o namorado,
temperado com amor, espera.
Pretinha de barro, filha de índio
seu colo acolhe o fruto do mar
fervilhante, emana seu odor
Esperam-na todos, deleitantes.
Um bom vinho, à mesa,
um silêncio respeitoso,
as bocas anseiam e marejam
como velas errantes ao mar.
E o namorado vai sendo devorado,
Transubstanciação, pode-se sentir o
Espírito Santo no céu da boca.
Divina moqueca capixaba!

30

RENATA BOMFIM
Personae
Sigo, amor, numa luta ferrenha
para ser eu mesma.
Encaixando os meus fragmentos
nas partes do mundo que cabem e
calando a incerteza dos pensamentos
sob a máscara de poeta.

MINA

31
Possessão
Explosões sem fim
que reverberam.
Ecos dos meus sonhos.
Indecifráveis enigmas.
Trafego ocupado
na viela psíquica.
Labirinto por aí
com saudades do antes,
da origem,
do começo.
Reconheço o caos como sendo
a minha casa.
Nele não me perco.
Ele me pulsa e arremessa para o alto.
Ouço sinfonias dissonantes,
vozes que falam do que não sabem,
mas que, mesmo sem qualquer intenção,
me impulsionam para fora
fincando meus pés no aqui e no agora.
Posso dizer que estou
possuída por mim.

32

RENATA BOMFIM
Palavra- seta
A tua palavra
tesa
Voa da língua
É seta
Me acerta.
Íngua!
Dói
e não cessa
Abscesso inelutável.
E eu que não sou
uma pobrezinha,
insuflo em você
Ares de Vênus.
Veneno!
Para te devolver
em valores,
as tais palavras-dores
imbuídas em
fel
Solução borbulhante
na taça
onde
desvanece
a minha fantasia.

MINA

33
Caminhante
Caminho!
A vida, estendida,
oferta.
Humanamente,
ora surtada, louca,
na desmedida certa,
pego atalhos,
sigo retas,
sem discriminação.
Quando centrada,
julgo estar perto
da chegada,
mas logo me interroga
a bifurcação.
Há jornadas e jornadas,
nelas encontramos pessoas
em busca
de si
de um outro
de nada.
Eu apenas sigo,
quietinha e devagar.
34

RENATA BOMFIM
Colhendo flores,
ouvindo os pássaros,
torcendo o pé,
tropeçando,
sacudindo a poeira.
Absorta em imagens que,
coloro com as minhas saudades
e atualizo
com a fé.

MINA

35
Palavra
Eu busco na palavra abrigo e
contemplo o tempo vivo
nos sulcos da minha face,
nas minhas mãos estendidas.
Busco amores esquecidos,
rosas murchas, meu coração
está prenhe de saudade.
Sou a Lua adolescente
vista por olhos seculares,
esferas constituintes
das formas elementares,
ameba, átomo, fractal,
espetáculo de cores.
Sou um soneto
que aquela poeta cantou
fazendo vibrar a alma.
E choro baixinho
Deslumbro- emocionada
Em mim giram uni-versos,
pós de estrelas
Criando letras e
gerando galáxias-palavras.

36

RENATA BOMFIM
Vibrações
Vem buscar a palavra.
As letras estão espalhadas
pelo meu ventre.
Acentos exclamam extasiados:
__
“Verbo!”
Minha anca vibra.
Nas esquinas da minha anatomia,
as vogais reunidas
uma a uma,
celebram conso(n)antes
e fazem sentido no meu coração.

MINA

37
Verdade
O que queres
com teu sorriso dourado,
fogo-fátuo que ludibria
o outro ser e
derrete o gelo
em água que não sacia?
O que buscas
nas noites e dias
em que teu corpo, com frio, chora,
e tuas mãos encolhidas, à janela,
onde o vento corta, bordam acanhadas
formas desalinhadas?
Por que anseias, Penélope aloprada?
tens cobras nos cabelos?
queres impor medo?
Pois sabe que vais morrer
um dia!...
Então vive o hoje.
Há melodia na catástrofe inaudita
maldita ou bem-dita.
Dita as regras do teu jogo
E acredita.

38

RENATA BOMFIM
Joga o dado do teu destino.
Teu estatuto é viver!
Então vive!
O amanhã... quem sabe?
Sorrirás o dourado-ouro
tão buscado,
Ópus do teu lótus de mil pétalas,
como Santa Tereza D’Avila
canoniza-te e vai!
Sê o teu projeto!
Realiza o teu mito!
Deixa aos outros as vaias e
os aplausos,
deixa aos outros
um palco vazio.

MINA

39
Fluidez
Gestos fluem de mim
Em ações
Conflitando, afligindo,
Desbravando, colidindo
Convertendo em jardins
as terras secas.
Novos gestos confluem e
retornam para o leito.
Sofro por ser essa coisa revoltada
resistindo à coisificação.
Meus gestos deixam
gosto de letra na língua.
Na boca do mu(n)do
A linguagem assombrada, furiosa
e meio dis-sol-vida
insurrecta- ousada,
porém um pouco perdida,
Líquida-mente,
Vira poesia e
Nada.

40

RENATA BOMFIM
Arrebentação/ Explosão

MINA

41
42

RENATA BOMFIM
O homem é só,
Mas constela na essência.
Seu sangue em ouro se transmuta.
Na pedra ressuscita,
No mercúrio se eleva.
Hilda Hilst

MINA

43
44

RENATA BOMFIM
Rogo
Vem, amor,
entra aqui de mansinho e
conhece o meu mundo,
revelado só para ti.
Desliza por entre os lençóis,
senta à mesa.
São teus os meus espaços,
os meus sonhos e embaraços.
Entra, traz contigo braços fortes,
me abraça e cobre com
beijos ardentes,
traz também,
o teu sorriso de luz.
Cava o meu chão e
planta a tua semente,
rega com amor essa terra,
ressequida de solidão.
Faz cair sobre mim maná,
faz jorrar, abundantemente,
o teu leite e mel,
e me sacia com o teu pão.

MINA

45
Afins
Somos afins,
máscaras que combinam na cor e na forma.
Nos esgotamos e nos testamos até o limite.
Seguimos construindo pontes de bambu
que atravessamos sorrindo, cautelosos,
ao sabor do vento, balançados
ao sabor das incertezas do amanhã,
experimentando doces e amargos.
Somos afins, sim;
a fome na boca da noite
e no escuro;
lascivos e exaltados,
nos devoramos até não sobrar nada;
deliramos banhados em lágrimas
de dor, de amor e de frustração.
É tanta emoção sem nome,
é vontade de cuidar,
de preservar e de destruir,
com carinho e delicadeza.
Unhas na seda,
Espinho na carne macia,
Água e sangue brotando da rocha...
Prazer e puríssima perversão __
esse amor que se constrói e aniquila
nas raias da solidão.
46

RENATA BOMFIM
A flor
Sim,
seus pistilos eram doces
Perturbavam-na insetos e pássaros,
e ela, objeto, se ofertava em dores.
Cálice divino a derramar-se
em pleno Jardim das delícias.
Fruição e pavor em perfeita harmonia.
Sacrifício,
Estigma,
Sua assinatura sinistra.

MINA

47
No reino sensível das frutas
Eu quero rebentar!
No reino plantae fructíferus.
Quero voltar fruta- amaru,
ter o caroço roxo e,
por cima da casca fina,
uma penugem dourada.
Ser aquela que desejas
morder e chupar.
Aquela que, só de imaginar
o líquido carmim,
secretamente trama gracejos a salivar.
Mas na hora H, vou te ferrar!
Meu pêlo- espinho vai perfurar a palavra
camuflada/entalada na tua garganta.
E a tua inflorescência será revelada,
fantoche barato.
Vai ser engraçado!
Vai ser cômico!
Há, há, há!
Vai ser bizarro!
Ver- te como és,
Ver- te como ex,
Ver- te quebrado
in- vertebrado.
Vingança, vingança de fruta-floral...
Ninguém te avisou do perigo?
48

RENATA BOMFIM
Rosas
Quem sabe uma chuva de pétalas de rosas,
Como desejou Santa Tereza,
ao banhar nosso corpo, lhe restaure a pureza,
religandos-o ao divino?
Gotas de orvalho para potencializar o rito
de passagem para outra dimensão,
a do sagrado.
Fantasia, delírio, logo pensarão!
Mas quem já não foi picado pela serpente
do medo, do ódio e da mágoa?
Ou não teve o seu corpo contaminado
com as toxinas da indiferença e
da desilusão?
Eis que nossos poros estão obstruídos
para o outro; e, nos olhos, grossas escamas
impedem a passagem da luz.
Quem sabe as rosas possam devolver-nos
o frescor e a inocência,
Para que desça sobre nós, do céu, a pomba
da gentileza, petencostes pós-moderno
às avessas.
Assim falaremos outras línguas:
amabilidade,
cuidado, bem-dizer.
MINA

49
Babel do saber e não do poder.
Pois onde há poder não há amor,
e, onde o amor impera, o
sacrifício é sacro, é santo,
ofício de doação per se.
Que surja uma nova era,
a era das rosas, era de ouro,
era de mim e do outro, era de nós.
Assim, nosso banho de rosas
será dourado.

50

RENATA BOMFIM
Derramamento
O mel escorria
fluídico de sua boca
e já lhe alcançava os seios.
Aquelas gotas douradas
pareciam armadilhas
prontas para capturar o ávido
olhar, o viscoso.
Uma doçura,
melaço negro,
spectrum com sabor de abismo
e de morte.

MINA

51
Mulher
Mulher,
seu rosto reluz,
polido.
Seus olhos,
janelas que se abrem
para outros tempos.
Banhos de luz
resplandecentes
desenham a sua face
raios do destino.
De onde vem o seu olhar e
a sua boca encarnada,
que grita e canta e xinga,
e compulsiva quer devorar o mundo?
Tantas vezes me causa
estranhamento.
Mulher,
Eu me vejo nos seus olhos.
Quem é você?
Por que me impõe esse
olhar de executora?
Sinto os açoites,
as dores...
O que você reflete de mim?
52

RENATA BOMFIM
Transpassar suas venezianas
não é tarefa fácil
mas busco te enxergar você
Catedral envidraçada,
Templo óptico,
Onde, invertida, reflito.

MINA

53
Mulherárvore
Por mais que ela quisesse parecer humana,
sua pele, quase casca, a denunciava.
A cada manhã mais veios,
a seiva suave já a percorria, toda.
Mulherárvore.
Urgia o tempo, e ela precisava
reconhecer a sua natureza.
Há tantos anos vivendo entre os humanos,
raça inimiga da sua,
e com eles estabelecendo alianças de sombras,
Seu inferno, asfalto.
Ela era de uma espécie rara e
Híbrida; se descoberta, logo seria alvo
De algum fio afiado.
E a mulher, metamorfose,
já se sentia brotando.
Mais um pouco, e não poderia
esconder-se entre ruges e rendas.
Logo teria galhos e folhas
e o alvoroçado assédio dos pássaros,
que, brigando por um espaço para seus ninhos,
a denunciariam.
O tempo urge,
e a mulherárvore sabe ser chegada a hora
de realizar a sua natureza.

54

RENATA BOMFIM
Rumos
Nesse momento raízes brotam do meu peito e
saem pela minha boca
Ramos e ramos que se multiplicam,
E, com ímpeto, me desviam para outros rumos ,
diversos, plurais
Busco o Ser da era de ouro,
Plástico, macho e fêmea,
que abdicou das armas e dos espartilhos.
Caules longos crescem para cima e para baixo,
Já alcançam grandes proporções,
e meu corpo está todo (re)coberto.
Sou o meu avesso
te alcançando e abraçando
num enxerto.
Híbridos,
nos reproduziremos fora do padrão,
buscando o exercício harmonioso da
alegria e do contentamento.

MINA

55
Sedução
Caminho
entre a areia das certezas
e o mar agridoce que brinca
batendo potentes ondas;
repentinamente
a tua língua me traga toda,
me puxa com força.
Estou dentro.
Não luto e espoco
espuma dourada.
Sou tua amante fecunda,
tudonada,
estendo as mãos ao horizonte e,
sem limites,
crio asas e olhos de sereia.

56

RENATA BOMFIM
Lírios
Barrar os sinais
do outono que brotam
do canto dos olhos como lírios.
Suavidade de um tempo temperado
que acompanha um corpo que se permite
ser sol e tempestade de raios reluzentes.
Parar ou voltar no tempo, não!
basta à vivência uma vez.
E nesta inédita realização
que se autocopia apenas em paródia
vejo que o tempo não existe
Portanto torna-se impossível (mani) pulá-lo.

MINA

57
Mata
Respirar
ouvir
Despertar os sentidos
adormecidos
ser um deles
e não ser
esse bicho estranho
ser um com ele
um com ela
sermos Um
sonho?

58

RENATA BOMFIM
Primordial
Assim que ela surgiu das sombras
fez-se silêncio
O vento parou para escutá-la
Primordial.
Sua música fazia brotar as sementes
Incentivava os filhotes
a arriscar o primeiro voo.
Eu, ali, imóvel,
assim como o vento e tudo o mais,
paralisado pela beleza,
Desejava estar com ela.
Eu a conhecia, lá do íntimo,
Era ela quem me despertava toda manhã
E inflamava o meu desejo.
Nunca a possuí.
Ela era de todos e de ninguém,
dormia com a lua, despertava com o Sol,
copulava com as estrelas.
Todos se enamoravam dela.
Mãe e amante de tudo que vive e respira.
Mulher que verte mel e toca a musica
Que compõe a natureza.

MINA

59
Alquimia
A entrega foi
deliciosa
do leito
deleite
um cálice inverso
universo
de estrelas, gelo e martini
derramados sobre mim.
E eu que era potência e força
certeza e tirania e
te concebia como uma parte de mim
Minha toda , eu te
conduzia pelos caminhos do meu desejo.
Eu, homem aço, ouro e mercúrio
Amalgamado no espelho cruel de Narciso
Eu todo poderoso
Tudo, Todo
Eu.
Agora, ébrio, débil e
prostrado, reconheço ser Nada
Frente ao teu corpo de flor.
Talvez a nuvem que um menino viu
Mas que o vento carregou
60

RENATA BOMFIM
Pra tão longe que
agora, sem forma, derrama-se todo
e, em partes, chora .
É a história desse homem
Redução/emoção
Que trocou o poder pela
Impossibilidade
Desse pobre que na solidão
conheceu a alegria.

MINA

61
Girassol
No canteiro ela girava
e girava e girava...
Sol a pino
voluptuosa!
Seu amarelo ofuscava o ouro.
encantava os céticos,
acalmava os desventurados.
Ornamentos sagrados
seus pistilos doces.
Oferendas para os deuses da
polinização e deleite para as abelhas.
Quem me dera girar na tua ciranda e
revestir meu corpo com tuas pétalas.
Quisera poder voltar
e rever o local onde primeiro te vi.
Hoje te admiro dos meus sonhos
Terreiro onde encontro energias e
seres que não são nem de carne
nem de osso.
Lá continuas a girar sol a sol.
Da noite iluminas a minhalma
para que meus olhos brilhem
durante o dia.

62

RENATA BOMFIM
Questões poéticas II
O poeta suja as mãos de sangue?
O verbo criador
visita a puta, o insano
ou o doente?
Brota poesia da pedra ou
da pétala da flor?

MINA

63
Estranhas entranhas
Você me julga!
Durante muito tempo (a)colhi julgamentos
mas o tempo me ensinou a ensurdecer.
Das entranhas de uma mulher
só ela é quem sabe!
As más águas que por ali correram
Regando sementes que dormitavam
fingindo de mortas.
As dores que floresceram e ainda florescem
vestidas de sangue secam as sementes de solidão.
Então, não venha me dizer que
sou, do mundo, a mais feliz das fêmeas.
Das minhas (estranhas) entranhas
Eu é que sei!

64

RENATA BOMFIM
Pertencimento
Pertencimento
Palavra cara
Primorosa
Anula o esquecimento
ameniza a dor
Palavra que une
familiariza
também distingue
singulariza
Milagre
unguento para
a solidão perniciosa
e também para a ira e a fadiga
É certeza de Ser
lembrado
e ser esquecido
momentaneamente
e não se importar
pois sabe ter lugar
no coração do outro
É ter casa
pra voltar
alguém pra abraçar
um corpo dotado de alma
para amar
É estar amparado
MINA

65
neste mundo fragmentado
e ser fragmento
no mosaico cósmico
fazer parte do todo
mesmo sendo
uma poeirinha de estrela
e viajar pelo infinito.

66

RENATA BOMFIM
sogno
Quando criança eu não sonhava
não sei como nem por quê,
não imaginava que um dia cresceria,
nem as consequências desse fato.
Como somos magníficos!
aprendemos tudo nesta vida,
quando queremos,
inclusive a sonhar...
Eu, laboratório particular
de venezianas sempre abertas
a contemplar o mundo, e que mundo!
Singularidade- constructo dos meus
não-sonhos de criança,
e dos sonhos que, a duras penas,
aprendi a tecer.

MINA

67
68

RENATA BOMFIM
Deslumbramento

MINA

69
70

RENATA BOMFIM
Ela estava deitada e deixa-se amar,
Do alto do seu divã, ela sorri sem medo,
Ao meu amor profundo e doce como o mar
Que procura alcançá-la assim como um rochedo.
O olhar fixado em mim, como um tigre domado,
Com ar vago e distante ensaiava as poses,
E o seu candor unido ao ar mais debochado,
Só vai fatalizar suas metamorfoses.
As Flores do Mal / Charles Baudelaire

MINA

71
72

RENATA BOMFIM
Gato
A Lili, Verinha, Elvira, Elvis,
Elvis Júnior e Dedo

Deslizo por entre bibelôs e livros e
leio histórias de outros tempos.
Sou amante de filosofia e artes e
penetro os mistérios do invisível.
Faço do homem meu companheiro,
meu amigo, e o amo profundamente.
Se esse não me retribui,
felinamente saio,
fujo, pulo de qualquer andar.
Transponho os muros do ódio
e da crueldade que se elevam
e busco
o mato,
o rato,
afeto.
Aceito os vivos e os mortos
amigos visíveis e invisíveis,
muitos visíveis ausentes,
muitos presentes da vida na morte.
Aprendi a saltar e a escalar as árvores,
E, ao contrário do que pensam,
não sou inimigo do cachorro
nem do pássaro.
Não sou ingrato ou ladrão,
MINA

73
fui difamado,
por não me submeter à prisão,
à domesticação.
Sou primo do tigre, do leão,
sinônimo de beleza,
No antigo Egito fui adorado
Mas não sou um deus,
Sou um gato.

74

RENATA BOMFIM
Felinamente
Mulher pega no ar,
pressente.
Aproveita vezes sete
a vida que tem,
presente e dádiva.
Mulher peca nua,
santamente.
Seu gozo resgata do purgatório
sete almas,
transmuta karmas,
acalma,
acalenta,
Atalanta.
Lanha o peito do amado
até o coração que,
encarnado,
sangra,
e lá ela descansa,
felinamente.

MINA

75
Rainha de Copas
Embaralhada
na mesa
manda a Rainha.
Vulnerável?
Não!
Venerável!
Voltada para cima,
Contempla o futuro.
Sua casa,
a mobilidade.
Setenta e sete súditos
Por ela ardem de desejo.
O rei/escravo submete-se.
Os naipes se curvam humildemente.
Vitória régia é o seu jogo,
Curinga baila enquanto
a fêmea canta,
o fado da fortuna.

76

RENATA BOMFIM
Ser
Nem um corpo vazio
nem uma mente alienada.
Instâncias plurais
Em busca de definições.
A alma cantada na sua essência
clama pelo sangue e pela carne
desejosa dos fluídos divinos.
A natureza nos brinda
com seus mistérios.
Nem os ventos mais distantes
deixam de estar presentes
e de beijar as colinas próximas.
É tudo uma questão de tempo
tempo mágico, mítico.
É tudo uma questão de
Estar para além do tempo.
Nos giros da grande roda azul
os elementais do fogo trabalham
incessantemente para a purificação
da matéria organo-sutil.
E a alma,
durante a jornada,
vai sendo preenchida pelas
cinzas benditas,
por sonhos e esperanças.
MINA

77
Orquestrações
Quero falar do silêncio.
Esse ouro que pode ser traduzido
em espaços amplos e arejados.
Preciso apenas de um minuto das
dissonâncias do mundo.
Minha alma nesse instante
é penetrante apenas pela tua voz
e refletida por palavras espermáticas.
Recebo o recado íntimo,
palavras sagradas de amor,
sussuradas em promessas que
reverberam em mim escarlates,
harpas com tons de lira.
E voltam devagar as orquestras,
salão cheio novamente,
Inicia-se a festa!
Pano de fundo perfeito
para o teu solo privilegiado.

78

RENATA BOMFIM
O contador de histórias
Bem-vindo, peregrino!
Chegaste de mãos vazias
Não tens ouro nem prata
nem objetos de grande valor.
Mas trouxeste contigo as lembranças
dos caminhos percorridos.
Dias, semanas e meses vislumbrando sóis e luas
Banhando-te no orvalho.
Experiências que fizeram de ti um sábio.
Me presenteaste com histórias
do tesouro da tua alma.
Tesouro que não acumulas,
nem guardas somente para ti.
Trouxeste noticias e singularidades
de povos que eu não conhecia
e as cores dos prados, dos cerrados,
o barulho das matas e das fontes.
Com a tua chegada, a minha alma iluminou-se
foi como se dentro de mim um forte vento
abrisse antigas venezianas.
E, assim como o vento sul,
novamente partirás.
Mas sabe que tens aqui
uma irmã a te esperar.
MINA

79
Manifesto
Ela chegou nua
à porta do homem.
Despida dos costumeiros
Adornos de mulher.
Ela era toda verdade
e ofertava-se em cascata
desdobrando-se em
promessas translúcidas que,
com uma dose de fé,
trariam respostas ao coração mais aflito.
Mas o homem não entendeu.
Pensou que aquele corpo de seda
servisse simplesmente para
satisfazer seus desejos atravessados.
O tempo passou, e, nua, ela partiu
deixando para trás o vazio
que ele só perceberia
quando um dia acordasse
Do sono profundo.
Ela saiu da vida do homem para
nunca mais voltar e lançou-se ao desconhecido
em busca de outros corpos
para suas letras.
80

RENATA BOMFIM
Caminhos
Te encontrei assim,
caminhando.
Tinhas as mãos soltas,
sem pesos, nem bagagens.
Eu, toda estrada,
já vislumbrava o sem-fim,
perdida em bifurcações que
me trouxeram a este ponto,
marco precioso na topografia
do meu entendimento.
Caminhavas, e eu já te buscava,
seguia os teus passos
imaginando o teu ritmo,
o som da tua respiração.
Quem sabe, ofegantes,
pudéssemos matar a sede
na boca um do outro.
Inexplicáveis e
contraditórios sentidos,
setas e retas
atravessadas por desejos oblíquos.
Eu olho para o horizonte e
digo SIM, encantada.
MINA

81
Vejo este mundo todo estendido
se ofertando em novos caminhos,
desejantes de estradas abertas
Juntos agora, continuaremos seguindo,
nas estreitas e malsinalizadas curvas
dos nossos corpos, batizados de inéditos,
terra que ainda não foi pisada.

82

RENATA BOMFIM
Encontro
Laços e fitas e fios e linhas
Nós cegos, que importa?
Estamos unidos.
Delícias e sufocamentos,
Laços que enfeitam a vida,
olhos fitando o infinito
com seus fios cinza- dourados.
Assim a união se concretiza.
Dores e lágrimas,
medos inexplicáveis
até mesmo da plenitude e
da felicidade.
É verdade, somos humanos,
estruturados na falta,
deliciados com a ausência.
Mas o divino acontece
e nossos eus se tocam.
Eis o que acredito ser
o milagre da vida!

MINA

83
Dânae
O demônio da inquietude
gerando na alma
o contraponto,
o diverso.
Sangue e sêmem,
gestos a escorrer.
E eu me sinto tão tua!
Mulher, fêmea,
meu nome
é prazer.
Odisseia no mar da indiferença.
Mas te pressinto,
e firmo um novo rumo,
teu centro desconexo,
infinito,
pretenso absoluto.
Nele me perco
e encontro
o bruto da minha
feminilidade.

84

RENATA BOMFIM
Mentiras sinceras
Eu finjo e minto, sim!
Finjo ter o que não tenho e
ser a pessoa que não sou.
Finjo que sou a mais feliz,
e, se me convém, aquela cuja vida
é puro amargor.
Amar você finjo também,
e delicio-me com a brincadeira.
Finjo múltiplos orgasmos,
finjo sentir dor, emoção.
Finjo ser flor casta,
purinha, em pleno botão.
Aquela que precisa ser protegida.
O choro, puro fingimento.
São cenas e imagens que nascem
das camadas profundas da mente,
verbo- mentirinhas sinceras que
vão encharcando a terra da poesia,
e gerando fios e linhas
para que eu trame.
A verdade?
Essa dama obscena,
ela que se dane!
O importante é atuar com primazia.
Se todo poeta é um fingidor,
Erga-se, então, uma forca coletiva!
MINA

85
Mas na fila para o enforcamento
serei das últimas,
Talvez até se quebre a corda puída.
Enforca primeiro o Pessoa,
em seguida o Nobre, a Hilda,
os irmãos Campos na sequência,
e faz o Pignatari assistir.
Mas advirto: não adianta!
Poeta morto é o que mais canta,
Não acreditas?
Pega um livro da Espanca, lê,
engole em seco e cala-te.

86

RENATA BOMFIM
Exotérica
Somos um todo!
Foi o que disse o místico.
Vibrei e aceitei o dito
como verdade absoluta.
Tudo bem, desde que esse todo
ao qual eu pertença
seja a parte mais bonita,
gostosa e opulenta.
Quanto ao todo que
corresponde à parte,
pobre e ignorante,
que pertença a outro!
Enquanto isso vou acendendo incenso,
tomando banhos de ervas,
massagens com óleos essenciais.
Visto roupas brancas e puras
e ouço mantras transcendentais.
Se o Sol nasceu para todos,
a sombra nasceu apenas para alguns!
É a lei, a lenha, o fogo!
Sigo vencendo o medo da morte
E entoando doces melodias.
Que esse outro, sem sorte,
(des)conhecido e renegado,
se contente com a vida
que “terá” após a morte.
MINA

87
O céu, anjos, harpas, mas nada de
cervejinha, nem de mulher.
E o meu todo regozija,
ele é todo meu!
Neste caminho que é a vida,
sou levado a buscar o nirvana,
a estar com todos os chakras alinhados,
e com a aura multicolorida,
purpurinada.
A não cultivar a culpa nem o remorso.
Mas o místico só não me disse
o que há ao fim dessa jornada.

88

RENATA BOMFIM
Auras
Estou nua de mim!
A flor da minha pele desabrocha.
Perfumo o espaço que não ocupo,
reflito imagens que desconstruí.
Sinto a brisa, o vento e a chuva,
Não preciso ser ninguém,
além dessa pele fina,
que o tempo machuca.
Marcas de mim nessa nova mulher
que rebenta em auras.

MINA

89
Faces
Minha face brinca de ser Outra
e à medida que o tempo passa
ela se reveste ora de sorrisos
ora de lágrimas,
se expandindo ao infinito.
Ao sabor do vento
esse rosto que não é só meu
busca abrigo nas mãos de outra pessoa.
E a imagem que você beija
e diz conhecer bem
vai se transfigurando
e ensaia ser vale
Flor
tigre
cobra
água
madeira
fogo
voltando devagar a ser essa eu/outra
conhecida e estranha
sempre em busca de metamorfoses.

90

RENATA BOMFIM
Blue chip
Ela
(em)cena múltiplos papéis,
moeda (in)certa
no mercado da fantasia.
Blue chip!
Da mesa à cama,
veneno e
liquidez.
A desejada!
Seduz
no movimento
(des)a- fiante,
de suas ações
inesperadas.

MINA

91
Calíope
Serei a dama dos teus sonhos
e dos teus pesadelos.
A morte calada.
Luz que revela os contornos da carne.
Serei amor
Visão daquele que tem a marca e
vocifera interminávelmente.
Ascenderei aos campo divinos,
serei ás e dama,
cântico sincero e
encantamento,
ao te desamarrar do mastro
do navio
da indiferença.

92

RENATA BOMFIM
Sereia
Ela canta e encanta.
Sereia!
Monstro-peixe- mulher.
Traz numa taça,
disputada gota dourada.
néctar!
Oferenda que sela pactos.
Ela sorri!
Ele é todo seu,
Então, realizada,
Coleriza.
Canto das profundezas,
Experiência numinosa,
Arrebatamento.
Agora,
na casa do prazer e da morte,
o homem-cativo-encantado,
chora.

MINA

93
Encantamento
Para espantar as entidades da má sorte
não bastam velas ou incensos
nem mesmo flores jogadas ao mar
sal fino ou grosso, abre- caminho,
espadas de são Jorge ou patuás.
O encantamento só funciona se
praticado por alguém que ainda detém
o poder de se encantar
Somente um ser encantado
pode ser encantador.
Mas esses seres, a cada dia,
são mais raros,
falta pouco para serem
encontrados; apenas nos contos de fadas,
lá nos livros, onde moram todos os
encantamentos.
Espanto é outro determinante e
funciona para o encantador como uma chave
que abre a porta da mente e do corpo.
Espantosa é a sensação de deslumbramento
em frente ao mistério da vida,
e às idéias que, pasmos,
acreditamos serem capazes de mudar o mundo.
A surpresa da aceitação,
Outro potencial humano:
aceitamos as falácias e as alegrias que
94

RENATA BOMFIM
viajam com o vento e
desabrocham como as flores.
Embruxamento é vital
para quem quer ter poder
para espantar a má sorte.
Só se ganha quando se perde,
eis o mistério dos mistérios.
Sempre há um preço a ser pago
por cada gota de lágrima sorridente
É preciso deixar algo ir
para que se possa receber
presentes do universo.
Mistérios?
A má sorte nada mais é que uma fada triste
cuja face o tempo maltratou.
Pobre fada, seu encanto a cegou
O feitiço voltou-se contra o feiticeiro.

MINA

95
96

RENATA BOMFIM
Lapidação

MINA

97
98

RENATA BOMFIM
As omoplatas cresceram e se cobriram de
penastransparentes como os cristais,
transformando-se em asas e, quando ficaram
fortes, eu voei. Atravessei o espaço e ia colhendo as
tesselas que encontrava e as colocava presas com o
meu sangue cheio de amor pela vida que Deus me
deu. Ao avizinhar-me do seu trono Ele estendeu-me
as mãos, ergueu-me, vi e senti o Universo todo
colorido, pleno de histórias contadas pelas tesselas
que formaram o grande mosaico do firmamento.
Amei a visão musiva com toda a força do meu
coração.
Freda Cavalcante Jardim

MINA

99
100

RENATA BOMFIM
Querubim
Caiu!
Querubins caem a todo o momento,
Prenunciando o inevitável.
Que a queda é algo inerente
ao homem, mas atinge
até mesmo os querubins.
Almas encantadas
Com asas e caras de criança,
Eles nos ensinam
O sentido da palavra
C a i r.
Eu caio!
Princípio vital!
Levanto entorpecida
numa performance teatral,
sacudindo a poeira brilhante,
as plumas e pregas desalinhadas do vestido.
Não se deve cair de qualquer jeito!
Deve- se cair com graça,
com leveza,
para que os seus inimigos
sintam inveja, até mesmo,
do estatelar.
O prazer alheio
MINA

101
não está apenas na visão da queda
alheia, mas na vergonha.
Então a performance é importante,
a singularidade do tombo.
Cuidado para que não percas isso,
esse jeito especial de cair
e provocar a dor nos outros.
Nem mesmo os querubins
Têm isso!

102

RENATA BOMFIM
Tecendo a espera
Sempre ela e seus bordados,
tecendo a espera,
tecendo esperança,
tecendo sonhos,
desde criança.
Fio a fio no tempo,
negros fios vertendo em lágrimas,
fios da navalha,
delgados e
retorcidos.
Fios da fibra do girassol.
O rosto corado e a boca encarnada
da rosa que ficava no jardim
guardam a resistente corrente fina,
que enciúma a aranha.
Fio da vida que não espera,
Ela borda incansavelmente.
Surgem os nós,
sentenças de morte.
A bordadeira esperançosa
passa a desatadora
do tempo que passa,
e não perdoa.
E novos fios serão precisos.
Encarnados, azuis, amarelos e verdes
para reavivar o desejo da mulher,
MINA

103
de tecer o desejo que
o tempo afrouxou.
Representação,
traçado firme,
e o bordado
volta a brotar da agulha
em busca de novos desenhos,
de novos sonhos,
É a lei do oficio de tecer.
Filha de Pandora, a tecelã
Sua mãe lhe contou que
um dia abriu uma caixa
que não podia,
e dali saíram muitos pesadelos.
Seu castigo foi tecer até a morte
e desatar nós.
Mas ela sabia que ainda havia um sonho
preso dentro da caixa,
e pediu para a filha
libertá-lo.
Caixa de fios/ sonhos de mãe/morta.
Abre a caixa a filha,
Mudanças acontecem.

104

RENATA BOMFIM
Tocaia
De uma pequena fresta
meu olhar ensaia o mundo.
Fora desse lugar, desse dentro,
Universo-diverso,
Aquarelado- fluido,
quase evanescente,
O meu “EU” jaz em segurança.
Na tocaia, sempre paciente,
espera/ espreita e saliva
o desconhecido...
Será possível sair dessa casa/ toca/ tumba
com asas e voar para longe?
Ou devo corajosamente seguir
o destino de presa,
me deixando ser comida inteira,
e sem rancores,
apenas seguindo as leis imutáveis
da natureza?
Se assim for, que eu seja o melhor
banquete desse bicho/vida
faminto de infinito.
Que eu possa perpetuar em essência
a existência, driblando à força e,
sorrateiramente, o algoz.
Sendo parte de seu sangue e de sua carne
manobrarei seus ossos e
MINA

105
perturbarei seus sentidos.
Será o meu eu dissolvido a guiá-lo
em busca de novos eus
e infinitamente se perpetuando e
realizando, na carne/ sangue
e desejo de um terceiro.

106

RENATA BOMFIM
Tela corpórea
Parque de diversões
Parque de dinossauros
Palco de distrações
CORPO!
Dentro e fora se avizinham
Nessa tela onde
o desejo pinta a sua obra-prima.
Na gangorra as emoções
Derramam-se
Amores, dores e esperanças
Cativos dessa Pandora
Presente divino
Mulher-criança.

MINA

107
Noiva funesta
Ela estava predestinada.
Seu corpo exalava, agora,
perfume de rosa podre
aroma de adeus
Belo e triste...
A noiva fechara os olhos.
Seu amante estava lá.
Amou-a por toda a vida,
A cada lágrima derramada
a lembrança das
viagens gozosas e frustradas
Naquele corpo agora
Inerte e fúngico.
Desesperado
Lança-se sobre o corpus
Quer renovar seus votos
Obsoletos...
Do casamento implícito
Noiva de Éter
Holometabólica
Bilateral
Quem sabe o seu destino?
Seu corpo
108

RENATA BOMFIM
Doce...
Derrama-se,
Agora, cada vez mais
Manancial.
E dizem que...
E choram e HIPOCRISAM
Crisântemos na
vida ex vai-se
O desejo não morre
Viaja com suas asas ferrugíneas
Mandaçaia
Para além da nossa compreensão.

MINA

109
Cá entre nós...
Cá entre nós
Homens, mulheres, crianças,
bichos, plantas e mudas de caqui.
A vida e suas contradições
nos unindo e mantendo ligados
com a sua gosma...
A gente gozando com essa agonia...
A liberdade não nos interessa,
faz sentir claustrofobia.
Somos dois loucos
dois tresloucados
poeirinhas cósmicas
se achando gente grande
se achando grande-coisa
importantes.
não somos NADA!
Mas somos tudo um para o outro
O que fazer?
Não quero pensar no amanhã
basta viver o agora
e celebrar toda essa tirania,
com que o amor, perverso, nos açoita...
Que delícia!!!
110

RENATA BOMFIM
Contradições
Ser
contradição e karma.
Assediada e incendiada
pela inquietude.
Desejante e desejosa.
pedante, insuportável,
e Cleópatra, em sua glória,
buscando uma morte
cinematográfica.

MINA

111
Xamã
Dança
Serpente- crepitando ao redor do fogo.
Livre, corpo nu, celebra a terra
com cânticos e oferendas
Deposita sobre o altar objetos mágicos.
Energias sutís emanam dos seus pés-tambores
cadência do despertar.
Fêmea, completitude no seu nada.
Tudo no tempo e no espaço,
Da sua fenda brota o sangue sagrado,
interstício do amor sem culpa.
Braços abertos, invoca a deusa-mãe adorada
Bast e Neith.
Recadeira do tempo
fiandeira
carpideira
parca
sereia,
ela é o próprio tempo encarnado
devorando e gerando
aos outros e a si mesma.

112

RENATA BOMFIM
Amor etéreo
Sete foram os padecimentos da moça
Ousou amar um deus, amor de anjo.
Etéreo e sublime,
em sonhos, ele lhe ofertava
promessas ardentes.
Já não queria acordar
pesadelos da alma
Então chorou as lágrimas do adeus
E nunca mais dormiu.

MINA

113
Namorada
Nem esposa nem amante,
Namorada!
É o quero ser
Sonho com o estado de graça
da mulher que não tem dono,
que tem asas
que deliciosamente ameaça voar.
Mas também quer o laço
do abraço
relaxado e quente.
Mas ameaçando o nó.
Abomino a convivência amistosa,
a rotina,
a monotonia,
o lençol perfumado __
lençol de casal feliz deve ser suado
do amor que não fica sempre para amanhã.
Amanhã o lençol se molha com as lágrimas da
desesperança, vertidas na clausura da
prisão domiciliar.
Enfim, eu quero ser sua namorada,
e que linda namorada,
a mais devotada,
aquela que você deseja a todo instante
114

RENATA BOMFIM
que adora e até mesmo idolatra.
Eu só quero isso,
para poder me derramar,
chegar num ponto onde se pode tudo.
Até dizer “eu te amo” sem olhar para trás.

MINA

115
Questões eco-poÉticas
A floresta está queimando,
os mananciais se esgotam;
é a vida que pede socorro.
E eu vejo tudo aterrorizada,
e não faço nada, ou faço pouco.
A nave está desgovernada,
à deriva, a vida sob ameaça!
E eu vejo tudo aterrorizada,
e finjo, para não enlouquecer,
que não acontece nada.

116

RENATA BOMFIM
Terra
Letargia
Consumo
A terra agoniza,
o gemido é visceral.
Meu canto é lamento,
riso revestido de cinismo,
marca do desse nosso tempo.
A alma definha!
A morte se avizinha enquanto
muitos esperam o arrebatamento.
Temos escolha, mas,
a fauna e a flora não.
Se a terra está em nossas mãos?
Fantasia.
Arroubo.
Megalomania.
feneceremos primeiro!

MINA

117
Assombrações
Secaram-se as folhas das árvores e
nuvens cinzas se avizinham
trazendo consigo a chuva e o frio.
Penso em você com saudade.
Você que coloriu os meus dias,
que me inspirou um mosaico e
me deu uma flor ainda em botão.
Penso em você com amor,
do fundo de minha solidão.
Fantasmas, sombras, melodias do adeus __
É o passado que me (re)visita com lembranças,
aquecendo o coração.
Fantasmas do passado, tão presentes que,
em momentos, o hoje se torna rarefeito,
fumaça de ilusão.

118

RENATA BOMFIM
Fantasmas
Vou mandar rezar uma missa
Para que me deixes descansar
e para que também descanses.
E se em algum tempo
teus olhos me encontrem
não sejam faca na minha carne,
lancinante.
Minha fé está plantada no aqui e agora,
Vivo como posso,
danço a música infligida pelo tempo,
que joga comigo, com você e com nossos
parceiros invisíveis.
Se as rezas nos salvarão das regras?
Não sei te responder.
Sigamos em frente, meu ex-amor,
Já nos basta o viver.

MINA

119
Viagem
Imaginar o abismo dos teus olhos __
Convite obsceno,
Mergulho incomensurável.
Digo sim!
Entrega e deleite.
E de-canto poemas mortos
sob a luz da minha vergonha
do tédio e da ilusão.

120

RENATA BOMFIM
Honoré
É Honoré,
Sou uma mulher de trinta!
Veem em mim atrativos irresistíveis,
Esperam que eu satisfaça a tudo e a todos,
na comédia humana da vida.
Mas confesso que
às vezes me sinto feia,
presa a uma teia louca que
afirma que preciso de plástica,
de muito dinheiro, de posição.
É um vestibular diferente,
e me cobram: “escolha ou isso, ou aquilo”,
ser a gostosona,
ou ser a mãe; se não isso, ser
uma profissional machona.
Sabe o que quero, Nô?
Julgue se é pedir demais:
Viver em paz!
Esquecer essa coisa de idade,
de cobrança, de “se enquadre”.
Quero me libertar dos estereótipos.
Já passei pela faculdade.
Chega de ter que sempre escolher.
Quero acolher!
Então, já digo, na lata,
Que de mim não esperem nada!
MINA

121
Peço que larguem do meu pé,
Deixem que eu oferte carinho,
amizade, lealdade, e me zangue também,
se tiver vontade. Que eu
trabalhe e que tenha filhos, ou não.
Não me cobrem nada!
Me deixem ser uma mulher de trinta
assim como sou hoje,
quase ajuizada.

122

RENATA BOMFIM
Juramento de Hipócritas
Eu juro pelo meu pai,
pela minha mãe e
por todos os santos,
depois que descolar meu diploma,
abrir uma clínica na Enseada do Suá,
particular,
com vista para o mar,
para atender senhoras e senhores
da alta sociedade
com serviços de alta qualidade
quartos assinados por decoradores
cardápio de chefe, até caviar
e mais bajulações e favores...
Juro suprir (mesmo que momentaneamente)
a ânsia dessa fina clientela
que demanda, ou melhor, que clama
por beleza e juventude;
buscar contemplar suas aspirações e sonhos
com lipoaspirações e
lipoesculturas;
corrigir a flacidez de suas peles
disfarçar suas estrias e
amenizar suas rugas com
toxina butolínica,
reaplicando-a em doses cada vez maiores
caso o sulco persista.
MINA

123
Seus narizes empinados
mais empinados deixarei
com uma rinoplastia
e próteses de mama:
P M, G, GG, extras, extragrandes,
.
turbinas privilegiadas
das endinheiradas saradas
que mais clientes me trarão...
E a coisa vai esquentar
com peelings superficiais,
médios e profundos
as faces rosadas em brasa ficarão
mas sofrer faz parte do processo,
não aceitarei reclamação.
E ao fim da carreira, velhinho,
endinheirado e
todo esticado tipo tamborim
vou morar na praia
do Francês ou da Atalaia,
pois profissional de sucesso
tem que sair de Vitória,
mesmo que seja
no fim da história.

124

RENATA BOMFIM
Poeminha de gratidão
O Espírito descansa
depois de um tempo de tristeza.
Relaxa e canta,
admirando a natureza.
Sou tomada, algumas vezes,
por uma nostalgia...
lembro de dias mais felizes que esses,
mas logo afasto tais fantasias.
O presente é dádiva,
é abertura ao inesperado, é expansão,
independente de tudo, há vida!
O céu, da cor que esteja, é lindo!
e eu agradeço por tudo isso
de todo o meu coração.

MINA

125
Mote
Mote
o trote
o xote
vou seguindo
sou essa alma que grita
Inspirada!
cobra pronta a dar o bote
sou a nuvem punida pelo vento
arrastada
Banida
pro norte
pra morte
viro chuva
água bonita
vejo o arco-íris
e re-nasço
parte dessa cadeia vital
dando energia
pra roda gigante azul.
Salve a vida!

126

RENATA BOMFIM
Ser poeta
Ser poeta é cantar alto
mesmo com a voz embargada
enquanto o dia refracta toda a luz.
É esperar com as mãos estendidas
para doar a vida.
É cantar de um quarto escuro
de onde, mais claramente,
se pode sentir as cores e os cheiros.
É buscar o outro
e encontrar a si mesmo.
Passado, presente e
futuro fragmentados,
quando coisas esquecidas
afloram de repente.
Narciso sabia de tudo
e fez um mergulho preciso
nas águas turvas do rio do potencial
Estige.
Foi em busca do seu sol
e do sentido que o fará um dia
emergir deus.
A solidão é um abismo
e guarda uma paz preciosa!
Sou poeta e canto,
arrisco a vida
Se a voz, embargada, irrita.
Canto, canto e canto mais ainda
e não ligo.
MINA

127
A tristeza de Ulisses
Cais do descontentamento,
Felicidade no horizonte da utopia,
Falta de algo ou de alguém...
(coro) desconhecemos o desejo...
Porto de ilusões
subúrbio do medo
(coro) salve-nos ó Deus,
das prostitutas e dos desajustados.
Desejos errantes, embriagados
e prontos para colonizar o amor;
Velas rútilo-delirantes,
Cantos de morte e de beleza,
(coro) Não há esperança...
Sereias e Deusas,
Saudades, lágrimas e dores,
overdose de horizonte,
Um mundo todo cinza e azul.
Busco Ítaca!
Busco a minha alma
na alma daquela que tece à espera
daquela que é redenção
que é o tesão da vida no Mar
128

RENATA BOMFIM
daquela que ressignifica a errância
Mas seu encanto acena como promessa
e dos meus sonhos
apenas a tangencio...
(coro) Vai, Ulisses, cumpre o destino
que é só teu!

MINA

129
Caixa de Pandora
Ela meteu a mão na cumbuca,
estava curiosa para saber
o que guardava a tal caixinha
cheia de fogo e palavras selvagens.
Era o verbo fêmea virando carne
E que carne!
Pandora era uma puta
revestida de santidade.
Encantamento puro era o seu olhar
e a sua voz era um veludo.
Epimeteu logo dela se enamorou.
Ela chegou ao mundo trazendo consigo
segredos gramaticais
e conjugações formidáveis, como
compromisso e fidelidade.
Na caixa, pasmem, havia chocolates
bombons recheados
com morango e damasco
e licor de amarula.

130

RENATA BOMFIM
Espetáculo
Lá o duplo desfaz as tranças longas
com as mãos se desdobrando em gracejos
os pés pulsam movidos por força misteriosa
nesse lugar não lugar onde sou o oposto ao avesso
miro o horizonte de cabeça para baixo
desse palco
o corpo é flectivel ad infinitum
forma círculos
ganha aplausos
sou artista e
a cara branca de pó
mostra que o espetáculo será dantesco
mulheres e homens irão rir
quando o meu corpo voar pelos ares
preso a uma corda invisível
imagine então que este
também é aquele
desenhado em estúpidos arabescos

MINA

131
Fome
Eu preciso dessa letra e deste verbo.
Me desculpem se incomodo.
Preciso também da (re)flexão que nutre
e dos pontos e vírgulas que afogam a sede.
Sonho com o soneto elegante
e com o haicai decidido.
A carência do conto de amor e de dor
e do romance que ainda não foi escrito
me fazem ser assim,
fazem a minha alma ansear pelo mundo
e me resigna a cumprir a pena de ser poetisa,
mesmo quando a folha é pequena
e falta espaço para a expressão latente.

132

RENATA BOMFIM
Canção para Frida Kahlo
Quero abraçar teu desamparo.
Ser tua gêmea, invertida,
e Outra, ainda.
Quero te amparar toda
nos meus braços,
parte por parte
emendar
a tua perda irreparável.
Denuncias meus segredos
com tuas imagens:
dor, fel, doçura.
Arrancas de mim a máscara
sem que eu tenha medo,
revelada, posso respirar
liberdade.
Desejo tocar epifânica e santamente
o manto sagrado,
azul turquesa,
de tua paleta sem tinta.
Admirar teus artefatos
Falsificados e preciosos:
Colares, anéis e sonhos de jade,
vestidos longos e rodados,
que espalham flores de estampas
MINA

133
espetaculares.
Teu corpo frágil,é diamante,
Transmutando-se em verdes,
Ocres, preto luto e branco selvagem.
Aquarela inquietante
criando imagens da terra e do céu.
A feminilidade do teu traçado,
gera sentidos contrários.
Te mirando consigo acessar
o avesso do que escrevo.
Quero abraçar teu desamparo, sim!
Acolher a dor que mora dentro,
curar as chagas, deixar ir,
libertar os sonhos que não vivi
e ser uma com você nesse universo.

134

RENATA BOMFIM
Minha Lili
A ela e somente ela, como amor.

Lili...
Felina
Filha!
Não sei explicar seu mistério
tão pequenina misteriosa e recatada
Você é uma fonte de amor sem fim
Fonte de luz e de bem-querer
Ninguém nunca me quis assim!
Só você!
Você aceita meus erros e ignorâncias
Faz brotar da minha boca
um sorriso verdadeiro.
Desperta e arranca de minhas entranhas
o que há de melhor.
Com você eu aprendi a ser gente!
Acredito que você é um anjo
uma gatinha-querubim.
Eu a quero pra sempre perto de mim
mas, infelizmente, sempre é tanto tempo...
um tempo sobre o qual não tenho poder!
Quando você for embora, ai, eu nem sei...
vai ficar um buraco tão grande no meu peito
MINA

135
tão grande...
um poço!
Mas vou ver você em cada rosa
e no sorriso das crianças
Minha Lilizinha...
Lembro-me de você pequeninha
Você cresceu, cresceu, e agora
está velhinha...
Chamo você de meu amor, de “minha vovozinha”
Olhe, meu anjinho,
se a chamo minha
é mania de ser humano
de achar que possui tudo
as coisas, as pessoas, os bichinhos,
Não ligue...
A verdade é que sou eu
que sempre fui por inteiro sua!

136

RENATA BOMFIM
MINA

137
138

RENATA BOMFIM
Índice
Na lavra ------------------------------------------------------- 13
Irmandade ----------------------------------------------------- 17
Musiva --------------------------------------------------------- 18
Sensorialidade ------------------------------------------------ 19
Questões poéticas ------------------------------------------- 20
Canto de abertura -------------------------------------------- 21
Sensações ------------------------------------------------------ 22
Ave paraíso ---------------------------------------------------- 23
Canto solar ---------------------------------------------------- 24
Irmãs ------------------------------------------------------------ 25
Eus -------------------------------------------------------------- 26
Rastros --------------------------------------------------------- 27
Experimental ------------------------------------------------- 28
Pororoca -------------------------------------------------------- 29
Moqueca capixaba ------------------------------------------- 30
Personae ------------------------------------------------------- 31
Possessão ------------------------------------------------------ 32
Palavra-seta --------------------------------------------------- 33
Caminhante --------------------------------------------------- 34
Palavra --------------------------------------------------------- 36
Vibrações ------------------------------------------------------ 37

MINA

139
Verdade --------------------------------------------------------- 38
Fluidez ---------------------------------------------------------- 40
Arrebentação/ Explosão ----------------------------------- 41
Rogo ------------------------------------------------------------ 45
Afins ------------------------------------------------------------ 46
A flor ------------------------------------------------------------ 47
No reino sensível das frutas ------------------------------ 48
Rosas ----------------------------------------------------------- 49
Derramamento ----------------------------------------------- 51
Mulher ---------------------------------------------------------- 52
Mulherarvore ------------------------------------------------- 54
Rumos ---------------------------------------------------------- 55
Sedução -------------------------------------------------------- 56
Lírios ------------------------------------------------------------ 57
Mata ------------------------------------------------------------ 58
Primordial ----------------------------------------------------- 59
Alquimia ------------------------------------------------------- 60
Girassol -------------------------------------------------------- 62
Questões poéticas II ----------------------------------------- 63
Estranhas entranhas --------------------------------------- 64
Pertencimento ------------------------------------------------ 65
Sogno ----------------------------------------------------------- 67
Deslumbramento -------------------------------------------- 69
Gato ------------------------------------------------------------- 73

140

RENATA BOMFIM
Felinamente --------------------------------------------------- 75
Rainha de Copas --------------------------------------------- 76
Ser --------------------------------------------------------------- 77
Orquestrações ------------------------------------------------ 78
O contador de histórias ------------------------------------ 79
Manifesto: poesia -------------------------------------------- 80
Caminhos ------------------------------------------------------ 81
Encontro ------------------------------------------------------- 83
Dânae ----------------------------------------------------------- 84
Mentiras sinceras -------------------------------------------- 85
Exotérica ------------------------------------------------------- 87
Auras ----------------------------------------------------------- 89
Faces ------------------------------------------------------------ 90
Blue Chip------------------------------------------------------- 91
Calíope ---------------------------------------------------------- 92
Sereia ----------------------------------------------------------- 93
Encantamento ------------------------------------------------ 94
Lapidação ----------------------------------------------------- 97
Querubim ----------------------------------------------------- 101
Tecendo a espera -------------------------------------------- 103
Tocaia ---------------------------------------------------------- 105
Tela corpórea ------------------------------------------------- 107
Noiva funesta ------------------------------------------------ 108
Cá entre nós -------------------------------------------------- 110

MINA

141
Contradições ------------------------------------------------- 111
Xamã ---------------------------------------------------------- 112
Amor etéreo -------------------------------------------------- 113
Namorada ---------------------------------------------------- 114
Questões eco-poéticas ------------------------------------- 116
Terra ----------------------------------------------------------- 117
Assombrações ----------------------------------------------- 118
Fantasmas ---------------------------------------------------- 119
Viagem -------------------------------------------------------- 120
Honoré -------------------------------------------------------- 121
Juramento de Hipócritas ---------------------------------- 123
Poeminha de Gratidão ------------------------------------- 125
Mote ------------------------------------------------------------ 126
Ser poeta ------------------------------------------------------ 127
A tristeza de Ulisses --------------------------------------- 128
Caixa de Pandora ------------------------------------------- 130
Espetáculo ---------------------------------------------------- 131
Fome ----------------------------------------------------------- 132
Canção para Frida Kahlo --------------------------------- 133
Minha Lili ----------------------------------------------------- 135

142

RENATA BOMFIM

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Calendário Mensal: Julho 2010
Calendário Mensal: Julho 2010Calendário Mensal: Julho 2010
Calendário Mensal: Julho 2010Gisele Santos
 
Letristas em Cena 2ª Edição
Letristas em Cena 2ª EdiçãoLetristas em Cena 2ª Edição
Letristas em Cena 2ª EdiçãoProfª Pettine
 
E-book O Mosaico dos Raros
E-book O Mosaico dos Raros E-book O Mosaico dos Raros
E-book O Mosaico dos Raros Lara Utzig
 
20120803 caderno poemas ciclo 3
20120803 caderno poemas ciclo 320120803 caderno poemas ciclo 3
20120803 caderno poemas ciclo 3crepalmela
 
Cogito – antologia poética Vol II
Cogito – antologia poética Vol IICogito – antologia poética Vol II
Cogito – antologia poética Vol IIAc Libere
 
Caderno de poesia 9º ano - Metas Português
Caderno de poesia 9º ano - Metas PortuguêsCaderno de poesia 9º ano - Metas Português
Caderno de poesia 9º ano - Metas Portuguêsbibliotecacampo
 
Jose Gomes Ferreira
Jose Gomes FerreiraJose Gomes Ferreira
Jose Gomes Ferreiratimtim100
 
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)Maria Sobral Mendonça
 
Slide aniversário de recife
Slide   aniversário de recifeSlide   aniversário de recife
Slide aniversário de recifeSandra Cavalcanti
 
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019AMEOPOEMA Editora
 

Mais procurados (17)

Folhas em versos
Folhas em versosFolhas em versos
Folhas em versos
 
Contemp agosto__07
Contemp  agosto__07Contemp  agosto__07
Contemp agosto__07
 
Calendário Mensal: Julho 2010
Calendário Mensal: Julho 2010Calendário Mensal: Julho 2010
Calendário Mensal: Julho 2010
 
Letristas em Cena 2ª Edição
Letristas em Cena 2ª EdiçãoLetristas em Cena 2ª Edição
Letristas em Cena 2ª Edição
 
Rui Belo
Rui BeloRui Belo
Rui Belo
 
E-book O Mosaico dos Raros
E-book O Mosaico dos Raros E-book O Mosaico dos Raros
E-book O Mosaico dos Raros
 
20120803 caderno poemas ciclo 3
20120803 caderno poemas ciclo 320120803 caderno poemas ciclo 3
20120803 caderno poemas ciclo 3
 
Cogito – antologia poética Vol II
Cogito – antologia poética Vol IICogito – antologia poética Vol II
Cogito – antologia poética Vol II
 
Contemp julho__25
Contemp  julho__25Contemp  julho__25
Contemp julho__25
 
Contemp setembro__10
Contemp  setembro__10Contemp  setembro__10
Contemp setembro__10
 
Sessão leitura poética 2014
Sessão leitura poética 2014Sessão leitura poética 2014
Sessão leitura poética 2014
 
Caderno de poesia 9º ano - Metas Português
Caderno de poesia 9º ano - Metas PortuguêsCaderno de poesia 9º ano - Metas Português
Caderno de poesia 9º ano - Metas Português
 
Jose Gomes Ferreira
Jose Gomes FerreiraJose Gomes Ferreira
Jose Gomes Ferreira
 
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
 
Slide aniversário de recife
Slide   aniversário de recifeSlide   aniversário de recife
Slide aniversário de recife
 
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019
Suplemento Acre - 016 novembro dezembro 2019
 
EMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRASEMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRAS
 

Semelhante a Mina renata bomfim

Poemas
PoemasPoemas
Poemasxyagox
 
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo NerudaVinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo NerudaZanah
 
Martins Fontes Apresentação
Martins Fontes   ApresentaçãoMartins Fontes   Apresentação
Martins Fontes Apresentaçãomarinhofontes
 
Passageiros do Tempo
Passageiros do TempoPassageiros do Tempo
Passageiros do Tempopoetadorock
 
Poesia do século XX - 1
Poesia do século XX - 1Poesia do século XX - 1
Poesia do século XX - 1Dina Baptista
 
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemas
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemasAugusto dos anjos_eu_e_outros_poemas
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemasericasilveira
 
Ameopoema 070 Outubro de 2020
Ameopoema 070 Outubro de 2020Ameopoema 070 Outubro de 2020
Ameopoema 070 Outubro de 2020AMEOPOEMA Editora
 
Sala de leitura min poesia 2014
Sala de leitura min poesia 2014 Sala de leitura min poesia 2014
Sala de leitura min poesia 2014 helena takahashi
 
Homenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de MacedoHomenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de MacedoConfraria Paranaense
 
Análise de transpaixão, de waldo motta
Análise de transpaixão, de waldo mottaAnálise de transpaixão, de waldo motta
Análise de transpaixão, de waldo mottama.no.el.ne.ves
 
Poetas nacionalismo.pdf
Poetas nacionalismo.pdfPoetas nacionalismo.pdf
Poetas nacionalismo.pdfHomedigital3
 

Semelhante a Mina renata bomfim (20)

Poemas
PoemasPoemas
Poemas
 
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo NerudaVinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
 
Martins Fontes Apresentação
Martins Fontes   ApresentaçãoMartins Fontes   Apresentação
Martins Fontes Apresentação
 
Passageiros do Tempo
Passageiros do TempoPassageiros do Tempo
Passageiros do Tempo
 
Uma lua de urano
Uma lua de uranoUma lua de urano
Uma lua de urano
 
Biblioteca
 Biblioteca  Biblioteca
Biblioteca
 
Poesia do século XX - 1
Poesia do século XX - 1Poesia do século XX - 1
Poesia do século XX - 1
 
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemas
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemasAugusto dos anjos_eu_e_outros_poemas
Augusto dos anjos_eu_e_outros_poemas
 
Ameopoema 070 Outubro de 2020
Ameopoema 070 Outubro de 2020Ameopoema 070 Outubro de 2020
Ameopoema 070 Outubro de 2020
 
Poetas parnasianos e simbolistas
Poetas parnasianos e simbolistasPoetas parnasianos e simbolistas
Poetas parnasianos e simbolistas
 
Duetos julho 25
Duetos julho 25Duetos julho 25
Duetos julho 25
 
Amores Possíveis
Amores PossíveisAmores Possíveis
Amores Possíveis
 
Dois
DoisDois
Dois
 
Natércia Freire
Natércia FreireNatércia Freire
Natércia Freire
 
Sala de leitura min poesia 2014
Sala de leitura min poesia 2014 Sala de leitura min poesia 2014
Sala de leitura min poesia 2014
 
Homenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de MacedoHomenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de Macedo
 
Ameopoema 45
Ameopoema 45Ameopoema 45
Ameopoema 45
 
Análise de transpaixão, de waldo motta
Análise de transpaixão, de waldo mottaAnálise de transpaixão, de waldo motta
Análise de transpaixão, de waldo motta
 
Chuva de Poemas 1.pdf
Chuva de Poemas 1.pdfChuva de Poemas 1.pdf
Chuva de Poemas 1.pdf
 
Poetas nacionalismo.pdf
Poetas nacionalismo.pdfPoetas nacionalismo.pdf
Poetas nacionalismo.pdf
 

Mais de Renata Bomfim

Marly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraMarly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraRenata Bomfim
 
20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFESRenata Bomfim
 
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...Renata Bomfim
 
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Renata Bomfim
 
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Renata Bomfim
 
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Renata Bomfim
 
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de CastroEntre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de CastroRenata Bomfim
 
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Renata Bomfim
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...Renata Bomfim
 
Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Renata Bomfim
 
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spPdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spRenata Bomfim
 
Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Renata Bomfim
 
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderPoemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderRenata Bomfim
 
Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Renata Bomfim
 

Mais de Renata Bomfim (18)

Marly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave PanteraMarly de Oliveira: A Suave Pantera
Marly de Oliveira: A Suave Pantera
 
20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES20 anos do PPGL da UFES
20 anos do PPGL da UFES
 
Defesa da tese
Defesa da teseDefesa da tese
Defesa da tese
 
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
AS OFICINAS TERAPÊUTICAS COMO INSTRUMENTOS LÚDICOS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA...
 
O beijo de sangue
O beijo de sangue O beijo de sangue
O beijo de sangue
 
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
Invitación a presentación de antología de poesía nicaragüense 2014
 
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
Poemas de Renata Bomfim (Tradução: Pedro Sevylla da Juana)
 
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
Programa delx festival con las lecturas, al 2 de enero 2014
 
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de CastroEntre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
 
Convite haquira
Convite haquiraConvite haquira
Convite haquira
 
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
Revista do instituto de estudos ibéricos e iberoamericanos da universidade…
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
 
Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)Canção do mar (poemas de Madu)
Canção do mar (poemas de Madu)
 
Canção do mar
Canção do marCanção do mar
Canção do mar
 
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha spPdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
Pdf reportagem sobre florbela espanca folha sp
 
Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012Aitendo ufes brasil 2012
Aitendo ufes brasil 2012
 
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino SchneiderPoemas de Maria do Carmo Marino Schneider
Poemas de Maria do Carmo Marino Schneider
 
Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011Programa zenzinho apresentação 2011
Programa zenzinho apresentação 2011
 

Mina renata bomfim

  • 4. Copyright © 2010 by Renata Bomfim Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra, por qualquer meio, sem autorização do autor ou da editora, constitui violação da LDA 9610/98. editor: projeto gráfico, editoração eletrônica: arte da capa: organização: revisão: ilustrações: impressão e acabamento: catalogação: Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Bomfim, Renata, 19??Mina/Renata Bomfim – Vitória: Helvética Produçoes Gráficas e Editora, 2010. Dados paginação ISBN I. Poesia brasileira. II. Título. CDD: CDU: [ 2010 ] HELVÉTICA PRODUÇÕES GRÁFICAS E EDITORA LTDA. Rua Antônio Aleixo, 645, Consolação Cep: 29050-150 – Vitória – ES Telefones: (27) 3322-4777 florecultura@gmail.com [ Contatos com o autor: ........... ] 4 RENATA BOMFIM
  • 5. Sumário Mina: uma poética colcha de retalhos ------------------- 7 Na lavra -------------------------------------------------------- 13 Arrebentação/ Explosão ------------------------------------ 41 Deslumbramento--------------------------------------------- 69 Lapidação ------------------------------------------------------ 97 MINA 5
  • 7. Mina: uma poética colcha de retalhos Em Mina, primeiro livro de poemas de Renata Bomfim, como uma transfusão de sangue de letras garatujas, de rabiscos, é possível observar uma poética igualmente incompleta, inacabada, transicional, de passagem e, por isso mesmo, emendada, retalhada, de aprendiz. Mina é uma colcha de retalhos de poemas emendados e suas vozes poéticas constituem-se em fluxos de aprendizagem de poesia, com seus eus-líricos femininamente fragmentados, esboçando, seja em cada poema, seja no conjunto deles, um perfil poético indefinido, demarcado por cicatrizes de incontáveis traços femininos, no embate, na vida e na sobrevida de, numa e contra a nossa falocêntrica civilização. São, assim, vozes de incontáveis ventríloquos femininos as que se inscrevem, como mina, nos poemas deste livro, escavando-se, escavadas e a escavar, embora sem pretensão de encontrar veios de ouro, de diamante, ou de qualquer metal precioso, uma vez que, sendo poemas assumidamente incompletos, como a vida, são, como devem ser, colagens de mulheres imperfeitas, irregulares, rebeldes, incompreendidas, viscerais, solitárias, fortes, frágeis, apaixonadas; ora MINA 7
  • 8. confiantes, ora deprimidas, mas sempre marcadas pela vontade de se expressar, de, enfim, participar da trama tramada do mundo, como é possível inferir tendo em vista o poema “Experimental”: Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado. Brocado de oníricas texturas, Agora, embrutecido, pedra dura, guarda tramas, fissuras de sonhos amordaçados. Fóssil de um eu cintilante e genuíno que celebrava o dia e bebia o vinho do porvir ornamentado de linho fino e rendas. Agora, sorve o amargor da lembrança Sem saber qual direção seguir. Haverá cura para esse mal que embarga a voz? Haverá saída desse escarpado íngreme? Uma fenda, um vão? Preces e rogos e oferendas Para um deus pagão Cultos para aplacar no corpo o desejo ardente, Para cessar o brilho intermitente, ofuscado apenas pela dúvida. Ao fim, encenar num gesto indecente- libertino- libertário Voo inaugural para uma nova existência. Diante dessa agônica pergunta, relativa __ eis uma tentativa de Interpretação __ ao embargo que 8 RENATA BOMFIM
  • 9. uma civilização como a nossa impõe sobre toda e qualquer alteridade, a feminina se expressa como? brocado de oníricas texturas?, através de uma escrita afetiva, para utilizar um argumento caro ao pensador indiano, Homi Bhabha, ao analisar a literatura produzida nas margens estilhaçadas das instituições verticais-falocêntricas, no contexto de uma sociedade pós-colonial. A escrita poética de Renata Bomfim, em Mina, é também afetiva, seguindo a esteira de poetas como Ana Cristina César, Elza Beatriz, Florbela Espanca, Sylvia Plath, e uma profusão de outras, por serem vozes poéticas que, não obstante as diferenças expressivas entre elas, inscreveram uma disseminação fissurada de sentidos marginais, estilhaçados, em suas afetivas escritas poéticas, como forma, todas elas, de enfrentamento ao duplo mal que nos embarga a todos, e antes de tudo às alteridades, que são esses de sermos mortais e de estarmos construindo uma civilização baseada na submissão, humilhação, exploração e violação a tudo que é vital, cuja força propõe, em movimento, outra dinâmica social, de alteridades expressivas, com seus? indecentes ? libertino ? libertário/ voo inaugural para uma nova existência,? Como nos sugere o poema “Experimental”. Assim, embora Renata Bonfim, neste seu primeiro livro, esteja ainda em busca de sua melhor MINA 9
  • 10. expressão poética, ainda que seja pela via da irregularidade e da precariedade, Mina nos mostra uma poeta em formação, é verdade, mas apta, não obstante, a nos brindar com poemas como “Experimental”, “Pororoca”, “Personae”, “A flor”, “Mulherárvore”, “Bluechip”, “Juramento hipócritas”, e outros. Seja bem-vinda, Renata, ao clube das infinitas inclusões poéticas: água de todos e de ninguém. Luis Eustáquio Soares 10 RENATA BOMFIM
  • 11. A Lili, Elvis, Verinha, Elvis Júnior, Dedo e Luiz Alberto, com amor... MINA 11
  • 15. Corpos humanos são palavras, miríades de palavras. Nos melhores poemas o corpo ressurge, o da mulher, o do homem, bem-formado, natural, feliz. Todas as partes habilitadas, ativas, receptivas, sem demonstrar vergonha e sem a necessidade da vergonha. Ar, água, terra, fogo – essas são palavras. Walt Whitman MINA 15
  • 17. Irmandade Há fontes que geram em nós novas águas, despertando olhos cristalinos e fazendo brotar da terra ressequida a vida e o desejo primordial, sopro que podemos traduzir como entendimento, sentido. Há terras que fazem brotar em nós outras sementes, tornando- nos híbridos, desfazendo a hegemonia da matriz e pluralizando os frutos que despertam para novos paladares. Há forças que não podemos explicar. Elas fazem com que nos juntemos e queiramos estar no desejo do outro e desejemos ser o outro, bebendo da fonte e brotando da terra. Um outro tão espe(ta)cular e próximo que bem poderia ser nós mesmos. MINA 17
  • 18. Musiva Eu sou pedra bruta girando na ciranda viva ao som do vento e das águas. Eu sou a pedra que se agita, clama e grita, chama do fogo sagrado que o peito inflama. Tesselas-sonhos, desejos da mente: o tempo não apaga, o coração não sossega. Ser inteira novamente: a brisa na alma justifica o existir dá leveza ao presente. 18 RENATA BOMFIM
  • 19. Sensorialidade O tátil se apoderou de mim! Já não te busco mais, atada ao fio dos meus pensamentos. Te experimento inteiro com meus olhos, teu cheiro fala à minha boca e sussurra indecifráveis sentidos, no silêncio dos amantes. Meus poros estão abertos para te captar em vibrações. Eu te canto no presente, batendo as palmas das mãos, meus pés em bailados desconcertados. Te submeto aos meus desejos mais indecentes, Com as gotas adocicadas do meu suor. É assim que eu te quero, é assim que eu te busco, no céu da minha boca. Ânsia louca camuflada na calmaria aparente, a urgência da gente nas mãos, nos braços, nos entres: nossa vivência metassexorial. MINA 19
  • 20. Questões poéticas Antônio, o que faço? Colonizaram a minha bandeira. Agora toda empresa é responsável, toda exploração, sustentável, toda carne, sadia, mesmo que o bicho nasça, viva e morra de forma miserável. Anto, onde me encaixo? Neste mundo, estou tão Só! Me espanca este plágio: “Ó dobres dos poentes às Ave-Marias! Ó Cabo do Mundo! Moreia da Maia! Estrada de Santiago! Sete-Estrelo! Casas dos pobres que o luar, à noite, caia...” E você, José, que faz versos, que ama, protesta? Me diz: onde está a poesia? O verbo também tornou-se terra pisada? Os ritos de fecundidade, necessários para garantir a safra do bem-dizer, serão ainda executados? Me diz: e agora, José? 20 RENATA BOMFIM
  • 21. Canto de abertura Brilham sóis na minha lua. Sou toda bruma, rio a deslizar pelos penhascos, terra úmida à espera da tua semente como se fosse a última. Não há mais solidão, a pedra quebrou-se, fez-se múltipla. Brilham os sóis da minha lua E sou toda e todos e sou nada – o pó dessa terra, o povir desse chão, as mãos febris que constroem a paz esperada. MINA 21
  • 22. Sensações O sopro do vento na cara, a descida do morro, a alma ferida. Amor protelado, espaços cedidos, silêncios perdidos. Tudo isso faz de mim Ser emergente; esse tudo me reduz, me faz gente; esse isso, confuso, me embriaga. 22 RENATA BOMFIM
  • 23. Ave paraíso Amo a minha terra! Canto de longe as serras plenas os pássaros e as matas. Meus pés se deliciam e deslizam na poeira da estrada. Caminho, caminho, errante, em um nomadismo fascinante. omo é difícil parar! Amo cada centímetro desse chão, cada fungo, cada inseto. A sinfonia do tempo convida a meditar. Esse cantão onde nasci embriaga de cinza e verde meus olhos, Nele estão as pedras mais valiosas, as tábuas dos mandamentos sagrados que ensinam a amar cada pássaro solitário e a aprender com outros vários como é bom estar junto. Sou um ser aberto e dobrável, uma fagulha angustiada quer fazer fogo e arder e se multiplicar em brasas, acendendo as luzes de dentro da alma, brilhando até implodir de uma felicidade rara. MINA 23
  • 24. Canto solar Meu corpo metamorfose! Já não sou mais aquela dos vinte ou dos trinta... Bebo do vinho do tempo com alegria e agradeço a vida, esse presente! Dádiva que colho em cada amanhecer. Espírito renovado corpo desejo e fogo Fênix! E me percebo novinha em folha em flor caindo em pétalas, reverente, na rosa dos ventos. 24 RENATA BOMFIM
  • 25. Irmãs Há mulheres que são rios; outras, pedras; outras, serpentes emplumadas; E eu amo a todas elas! Amo aquelas que o tempo silenciou a rebelada a escabelada a indecisa... amo também as que se ofereceram em sacrifício, até mesmo as que preferiram ser homens. Nos unem os ciclos da lua, a terra do corpo que vibra. Sou mulher, portanto, a minha alma cintila, comunga e dialoga com todas as estrelas da tua. MINA 25
  • 26. Eus Meus duplos querem tudo! O doce e o azedo o prazer e a dor. Me querem toda devorada reduzida. Eus de mim que não se entendem e se deixam possuir. Camadas de peles nuas peles por sobre os pelos suores e agonias. Saudades da unidade perdida Eu, ovo, Ova guardada no saco do escroto, batizada n’água da bacia, purificada dos pecados dos outros! 26 RENATA BOMFIM
  • 27. Rastros No meu rastro caminham sombras, lembranças; vagueiam sonhos precipitados vestígios dessas andanças. Por terras vermelhas e pisadas sigo os sinais do destino, ligada por um fio, sei lá onde ou a quem, formando uma tessitura que desconheço. Fio a fio sou a lã tramada- entrelaçada, nódoa maculando a pureza que também me é das mais estranhas. Continuo andando e deixo involuntários novos rastros. MINA 27
  • 28. Experimental Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado. Brocado de oníricas texturas, Agora, embrutecido, pedra dura, guarda tramas, fissuras de sonhos amordaçados. Fóssil de um eu cintilante e genuíno que celebrava o dia e bebia o vinho do porvir ornamentado de linho fino e rendas. Agora, sorve o amargor da lembrança Sem saber qual direção seguir. Haverá cura para esse mal que embarga a voz? Haverá saída desse escarpado íngreme? Uma fenda, um vão? Preces e rogos e oferendas Para um deus pagão Cultos para aplacar no corpo o desejo ardente, Para cessar o brilho intermitente, ofuscado apenas pela dúvida. Ao fim, encenar num gesto indecente- libertino- libertário Voo inaugural para uma nova existência. 28 RENATA BOMFIM
  • 29. Pororoca Rio infinito volumoso e borbulhante Fervo em suas águas buscando atingir sua cabeceira lá me esperam o enlace o namoro o gozo e a Morte MINA 29
  • 30. Moqueca Capixaba Ela vai sendo aquecida, lenta e delicadamente, em fogo brando. Sobre a mesa, o namorado, temperado com amor, espera. Pretinha de barro, filha de índio seu colo acolhe o fruto do mar fervilhante, emana seu odor Esperam-na todos, deleitantes. Um bom vinho, à mesa, um silêncio respeitoso, as bocas anseiam e marejam como velas errantes ao mar. E o namorado vai sendo devorado, Transubstanciação, pode-se sentir o Espírito Santo no céu da boca. Divina moqueca capixaba! 30 RENATA BOMFIM
  • 31. Personae Sigo, amor, numa luta ferrenha para ser eu mesma. Encaixando os meus fragmentos nas partes do mundo que cabem e calando a incerteza dos pensamentos sob a máscara de poeta. MINA 31
  • 32. Possessão Explosões sem fim que reverberam. Ecos dos meus sonhos. Indecifráveis enigmas. Trafego ocupado na viela psíquica. Labirinto por aí com saudades do antes, da origem, do começo. Reconheço o caos como sendo a minha casa. Nele não me perco. Ele me pulsa e arremessa para o alto. Ouço sinfonias dissonantes, vozes que falam do que não sabem, mas que, mesmo sem qualquer intenção, me impulsionam para fora fincando meus pés no aqui e no agora. Posso dizer que estou possuída por mim. 32 RENATA BOMFIM
  • 33. Palavra- seta A tua palavra tesa Voa da língua É seta Me acerta. Íngua! Dói e não cessa Abscesso inelutável. E eu que não sou uma pobrezinha, insuflo em você Ares de Vênus. Veneno! Para te devolver em valores, as tais palavras-dores imbuídas em fel Solução borbulhante na taça onde desvanece a minha fantasia. MINA 33
  • 34. Caminhante Caminho! A vida, estendida, oferta. Humanamente, ora surtada, louca, na desmedida certa, pego atalhos, sigo retas, sem discriminação. Quando centrada, julgo estar perto da chegada, mas logo me interroga a bifurcação. Há jornadas e jornadas, nelas encontramos pessoas em busca de si de um outro de nada. Eu apenas sigo, quietinha e devagar. 34 RENATA BOMFIM
  • 35. Colhendo flores, ouvindo os pássaros, torcendo o pé, tropeçando, sacudindo a poeira. Absorta em imagens que, coloro com as minhas saudades e atualizo com a fé. MINA 35
  • 36. Palavra Eu busco na palavra abrigo e contemplo o tempo vivo nos sulcos da minha face, nas minhas mãos estendidas. Busco amores esquecidos, rosas murchas, meu coração está prenhe de saudade. Sou a Lua adolescente vista por olhos seculares, esferas constituintes das formas elementares, ameba, átomo, fractal, espetáculo de cores. Sou um soneto que aquela poeta cantou fazendo vibrar a alma. E choro baixinho Deslumbro- emocionada Em mim giram uni-versos, pós de estrelas Criando letras e gerando galáxias-palavras. 36 RENATA BOMFIM
  • 37. Vibrações Vem buscar a palavra. As letras estão espalhadas pelo meu ventre. Acentos exclamam extasiados: __ “Verbo!” Minha anca vibra. Nas esquinas da minha anatomia, as vogais reunidas uma a uma, celebram conso(n)antes e fazem sentido no meu coração. MINA 37
  • 38. Verdade O que queres com teu sorriso dourado, fogo-fátuo que ludibria o outro ser e derrete o gelo em água que não sacia? O que buscas nas noites e dias em que teu corpo, com frio, chora, e tuas mãos encolhidas, à janela, onde o vento corta, bordam acanhadas formas desalinhadas? Por que anseias, Penélope aloprada? tens cobras nos cabelos? queres impor medo? Pois sabe que vais morrer um dia!... Então vive o hoje. Há melodia na catástrofe inaudita maldita ou bem-dita. Dita as regras do teu jogo E acredita. 38 RENATA BOMFIM
  • 39. Joga o dado do teu destino. Teu estatuto é viver! Então vive! O amanhã... quem sabe? Sorrirás o dourado-ouro tão buscado, Ópus do teu lótus de mil pétalas, como Santa Tereza D’Avila canoniza-te e vai! Sê o teu projeto! Realiza o teu mito! Deixa aos outros as vaias e os aplausos, deixa aos outros um palco vazio. MINA 39
  • 40. Fluidez Gestos fluem de mim Em ações Conflitando, afligindo, Desbravando, colidindo Convertendo em jardins as terras secas. Novos gestos confluem e retornam para o leito. Sofro por ser essa coisa revoltada resistindo à coisificação. Meus gestos deixam gosto de letra na língua. Na boca do mu(n)do A linguagem assombrada, furiosa e meio dis-sol-vida insurrecta- ousada, porém um pouco perdida, Líquida-mente, Vira poesia e Nada. 40 RENATA BOMFIM
  • 43. O homem é só, Mas constela na essência. Seu sangue em ouro se transmuta. Na pedra ressuscita, No mercúrio se eleva. Hilda Hilst MINA 43
  • 45. Rogo Vem, amor, entra aqui de mansinho e conhece o meu mundo, revelado só para ti. Desliza por entre os lençóis, senta à mesa. São teus os meus espaços, os meus sonhos e embaraços. Entra, traz contigo braços fortes, me abraça e cobre com beijos ardentes, traz também, o teu sorriso de luz. Cava o meu chão e planta a tua semente, rega com amor essa terra, ressequida de solidão. Faz cair sobre mim maná, faz jorrar, abundantemente, o teu leite e mel, e me sacia com o teu pão. MINA 45
  • 46. Afins Somos afins, máscaras que combinam na cor e na forma. Nos esgotamos e nos testamos até o limite. Seguimos construindo pontes de bambu que atravessamos sorrindo, cautelosos, ao sabor do vento, balançados ao sabor das incertezas do amanhã, experimentando doces e amargos. Somos afins, sim; a fome na boca da noite e no escuro; lascivos e exaltados, nos devoramos até não sobrar nada; deliramos banhados em lágrimas de dor, de amor e de frustração. É tanta emoção sem nome, é vontade de cuidar, de preservar e de destruir, com carinho e delicadeza. Unhas na seda, Espinho na carne macia, Água e sangue brotando da rocha... Prazer e puríssima perversão __ esse amor que se constrói e aniquila nas raias da solidão. 46 RENATA BOMFIM
  • 47. A flor Sim, seus pistilos eram doces Perturbavam-na insetos e pássaros, e ela, objeto, se ofertava em dores. Cálice divino a derramar-se em pleno Jardim das delícias. Fruição e pavor em perfeita harmonia. Sacrifício, Estigma, Sua assinatura sinistra. MINA 47
  • 48. No reino sensível das frutas Eu quero rebentar! No reino plantae fructíferus. Quero voltar fruta- amaru, ter o caroço roxo e, por cima da casca fina, uma penugem dourada. Ser aquela que desejas morder e chupar. Aquela que, só de imaginar o líquido carmim, secretamente trama gracejos a salivar. Mas na hora H, vou te ferrar! Meu pêlo- espinho vai perfurar a palavra camuflada/entalada na tua garganta. E a tua inflorescência será revelada, fantoche barato. Vai ser engraçado! Vai ser cômico! Há, há, há! Vai ser bizarro! Ver- te como és, Ver- te como ex, Ver- te quebrado in- vertebrado. Vingança, vingança de fruta-floral... Ninguém te avisou do perigo? 48 RENATA BOMFIM
  • 49. Rosas Quem sabe uma chuva de pétalas de rosas, Como desejou Santa Tereza, ao banhar nosso corpo, lhe restaure a pureza, religandos-o ao divino? Gotas de orvalho para potencializar o rito de passagem para outra dimensão, a do sagrado. Fantasia, delírio, logo pensarão! Mas quem já não foi picado pela serpente do medo, do ódio e da mágoa? Ou não teve o seu corpo contaminado com as toxinas da indiferença e da desilusão? Eis que nossos poros estão obstruídos para o outro; e, nos olhos, grossas escamas impedem a passagem da luz. Quem sabe as rosas possam devolver-nos o frescor e a inocência, Para que desça sobre nós, do céu, a pomba da gentileza, petencostes pós-moderno às avessas. Assim falaremos outras línguas: amabilidade, cuidado, bem-dizer. MINA 49
  • 50. Babel do saber e não do poder. Pois onde há poder não há amor, e, onde o amor impera, o sacrifício é sacro, é santo, ofício de doação per se. Que surja uma nova era, a era das rosas, era de ouro, era de mim e do outro, era de nós. Assim, nosso banho de rosas será dourado. 50 RENATA BOMFIM
  • 51. Derramamento O mel escorria fluídico de sua boca e já lhe alcançava os seios. Aquelas gotas douradas pareciam armadilhas prontas para capturar o ávido olhar, o viscoso. Uma doçura, melaço negro, spectrum com sabor de abismo e de morte. MINA 51
  • 52. Mulher Mulher, seu rosto reluz, polido. Seus olhos, janelas que se abrem para outros tempos. Banhos de luz resplandecentes desenham a sua face raios do destino. De onde vem o seu olhar e a sua boca encarnada, que grita e canta e xinga, e compulsiva quer devorar o mundo? Tantas vezes me causa estranhamento. Mulher, Eu me vejo nos seus olhos. Quem é você? Por que me impõe esse olhar de executora? Sinto os açoites, as dores... O que você reflete de mim? 52 RENATA BOMFIM
  • 53. Transpassar suas venezianas não é tarefa fácil mas busco te enxergar você Catedral envidraçada, Templo óptico, Onde, invertida, reflito. MINA 53
  • 54. Mulherárvore Por mais que ela quisesse parecer humana, sua pele, quase casca, a denunciava. A cada manhã mais veios, a seiva suave já a percorria, toda. Mulherárvore. Urgia o tempo, e ela precisava reconhecer a sua natureza. Há tantos anos vivendo entre os humanos, raça inimiga da sua, e com eles estabelecendo alianças de sombras, Seu inferno, asfalto. Ela era de uma espécie rara e Híbrida; se descoberta, logo seria alvo De algum fio afiado. E a mulher, metamorfose, já se sentia brotando. Mais um pouco, e não poderia esconder-se entre ruges e rendas. Logo teria galhos e folhas e o alvoroçado assédio dos pássaros, que, brigando por um espaço para seus ninhos, a denunciariam. O tempo urge, e a mulherárvore sabe ser chegada a hora de realizar a sua natureza. 54 RENATA BOMFIM
  • 55. Rumos Nesse momento raízes brotam do meu peito e saem pela minha boca Ramos e ramos que se multiplicam, E, com ímpeto, me desviam para outros rumos , diversos, plurais Busco o Ser da era de ouro, Plástico, macho e fêmea, que abdicou das armas e dos espartilhos. Caules longos crescem para cima e para baixo, Já alcançam grandes proporções, e meu corpo está todo (re)coberto. Sou o meu avesso te alcançando e abraçando num enxerto. Híbridos, nos reproduziremos fora do padrão, buscando o exercício harmonioso da alegria e do contentamento. MINA 55
  • 56. Sedução Caminho entre a areia das certezas e o mar agridoce que brinca batendo potentes ondas; repentinamente a tua língua me traga toda, me puxa com força. Estou dentro. Não luto e espoco espuma dourada. Sou tua amante fecunda, tudonada, estendo as mãos ao horizonte e, sem limites, crio asas e olhos de sereia. 56 RENATA BOMFIM
  • 57. Lírios Barrar os sinais do outono que brotam do canto dos olhos como lírios. Suavidade de um tempo temperado que acompanha um corpo que se permite ser sol e tempestade de raios reluzentes. Parar ou voltar no tempo, não! basta à vivência uma vez. E nesta inédita realização que se autocopia apenas em paródia vejo que o tempo não existe Portanto torna-se impossível (mani) pulá-lo. MINA 57
  • 58. Mata Respirar ouvir Despertar os sentidos adormecidos ser um deles e não ser esse bicho estranho ser um com ele um com ela sermos Um sonho? 58 RENATA BOMFIM
  • 59. Primordial Assim que ela surgiu das sombras fez-se silêncio O vento parou para escutá-la Primordial. Sua música fazia brotar as sementes Incentivava os filhotes a arriscar o primeiro voo. Eu, ali, imóvel, assim como o vento e tudo o mais, paralisado pela beleza, Desejava estar com ela. Eu a conhecia, lá do íntimo, Era ela quem me despertava toda manhã E inflamava o meu desejo. Nunca a possuí. Ela era de todos e de ninguém, dormia com a lua, despertava com o Sol, copulava com as estrelas. Todos se enamoravam dela. Mãe e amante de tudo que vive e respira. Mulher que verte mel e toca a musica Que compõe a natureza. MINA 59
  • 60. Alquimia A entrega foi deliciosa do leito deleite um cálice inverso universo de estrelas, gelo e martini derramados sobre mim. E eu que era potência e força certeza e tirania e te concebia como uma parte de mim Minha toda , eu te conduzia pelos caminhos do meu desejo. Eu, homem aço, ouro e mercúrio Amalgamado no espelho cruel de Narciso Eu todo poderoso Tudo, Todo Eu. Agora, ébrio, débil e prostrado, reconheço ser Nada Frente ao teu corpo de flor. Talvez a nuvem que um menino viu Mas que o vento carregou 60 RENATA BOMFIM
  • 61. Pra tão longe que agora, sem forma, derrama-se todo e, em partes, chora . É a história desse homem Redução/emoção Que trocou o poder pela Impossibilidade Desse pobre que na solidão conheceu a alegria. MINA 61
  • 62. Girassol No canteiro ela girava e girava e girava... Sol a pino voluptuosa! Seu amarelo ofuscava o ouro. encantava os céticos, acalmava os desventurados. Ornamentos sagrados seus pistilos doces. Oferendas para os deuses da polinização e deleite para as abelhas. Quem me dera girar na tua ciranda e revestir meu corpo com tuas pétalas. Quisera poder voltar e rever o local onde primeiro te vi. Hoje te admiro dos meus sonhos Terreiro onde encontro energias e seres que não são nem de carne nem de osso. Lá continuas a girar sol a sol. Da noite iluminas a minhalma para que meus olhos brilhem durante o dia. 62 RENATA BOMFIM
  • 63. Questões poéticas II O poeta suja as mãos de sangue? O verbo criador visita a puta, o insano ou o doente? Brota poesia da pedra ou da pétala da flor? MINA 63
  • 64. Estranhas entranhas Você me julga! Durante muito tempo (a)colhi julgamentos mas o tempo me ensinou a ensurdecer. Das entranhas de uma mulher só ela é quem sabe! As más águas que por ali correram Regando sementes que dormitavam fingindo de mortas. As dores que floresceram e ainda florescem vestidas de sangue secam as sementes de solidão. Então, não venha me dizer que sou, do mundo, a mais feliz das fêmeas. Das minhas (estranhas) entranhas Eu é que sei! 64 RENATA BOMFIM
  • 65. Pertencimento Pertencimento Palavra cara Primorosa Anula o esquecimento ameniza a dor Palavra que une familiariza também distingue singulariza Milagre unguento para a solidão perniciosa e também para a ira e a fadiga É certeza de Ser lembrado e ser esquecido momentaneamente e não se importar pois sabe ter lugar no coração do outro É ter casa pra voltar alguém pra abraçar um corpo dotado de alma para amar É estar amparado MINA 65
  • 66. neste mundo fragmentado e ser fragmento no mosaico cósmico fazer parte do todo mesmo sendo uma poeirinha de estrela e viajar pelo infinito. 66 RENATA BOMFIM
  • 67. sogno Quando criança eu não sonhava não sei como nem por quê, não imaginava que um dia cresceria, nem as consequências desse fato. Como somos magníficos! aprendemos tudo nesta vida, quando queremos, inclusive a sonhar... Eu, laboratório particular de venezianas sempre abertas a contemplar o mundo, e que mundo! Singularidade- constructo dos meus não-sonhos de criança, e dos sonhos que, a duras penas, aprendi a tecer. MINA 67
  • 71. Ela estava deitada e deixa-se amar, Do alto do seu divã, ela sorri sem medo, Ao meu amor profundo e doce como o mar Que procura alcançá-la assim como um rochedo. O olhar fixado em mim, como um tigre domado, Com ar vago e distante ensaiava as poses, E o seu candor unido ao ar mais debochado, Só vai fatalizar suas metamorfoses. As Flores do Mal / Charles Baudelaire MINA 71
  • 73. Gato A Lili, Verinha, Elvira, Elvis, Elvis Júnior e Dedo Deslizo por entre bibelôs e livros e leio histórias de outros tempos. Sou amante de filosofia e artes e penetro os mistérios do invisível. Faço do homem meu companheiro, meu amigo, e o amo profundamente. Se esse não me retribui, felinamente saio, fujo, pulo de qualquer andar. Transponho os muros do ódio e da crueldade que se elevam e busco o mato, o rato, afeto. Aceito os vivos e os mortos amigos visíveis e invisíveis, muitos visíveis ausentes, muitos presentes da vida na morte. Aprendi a saltar e a escalar as árvores, E, ao contrário do que pensam, não sou inimigo do cachorro nem do pássaro. Não sou ingrato ou ladrão, MINA 73
  • 74. fui difamado, por não me submeter à prisão, à domesticação. Sou primo do tigre, do leão, sinônimo de beleza, No antigo Egito fui adorado Mas não sou um deus, Sou um gato. 74 RENATA BOMFIM
  • 75. Felinamente Mulher pega no ar, pressente. Aproveita vezes sete a vida que tem, presente e dádiva. Mulher peca nua, santamente. Seu gozo resgata do purgatório sete almas, transmuta karmas, acalma, acalenta, Atalanta. Lanha o peito do amado até o coração que, encarnado, sangra, e lá ela descansa, felinamente. MINA 75
  • 76. Rainha de Copas Embaralhada na mesa manda a Rainha. Vulnerável? Não! Venerável! Voltada para cima, Contempla o futuro. Sua casa, a mobilidade. Setenta e sete súditos Por ela ardem de desejo. O rei/escravo submete-se. Os naipes se curvam humildemente. Vitória régia é o seu jogo, Curinga baila enquanto a fêmea canta, o fado da fortuna. 76 RENATA BOMFIM
  • 77. Ser Nem um corpo vazio nem uma mente alienada. Instâncias plurais Em busca de definições. A alma cantada na sua essência clama pelo sangue e pela carne desejosa dos fluídos divinos. A natureza nos brinda com seus mistérios. Nem os ventos mais distantes deixam de estar presentes e de beijar as colinas próximas. É tudo uma questão de tempo tempo mágico, mítico. É tudo uma questão de Estar para além do tempo. Nos giros da grande roda azul os elementais do fogo trabalham incessantemente para a purificação da matéria organo-sutil. E a alma, durante a jornada, vai sendo preenchida pelas cinzas benditas, por sonhos e esperanças. MINA 77
  • 78. Orquestrações Quero falar do silêncio. Esse ouro que pode ser traduzido em espaços amplos e arejados. Preciso apenas de um minuto das dissonâncias do mundo. Minha alma nesse instante é penetrante apenas pela tua voz e refletida por palavras espermáticas. Recebo o recado íntimo, palavras sagradas de amor, sussuradas em promessas que reverberam em mim escarlates, harpas com tons de lira. E voltam devagar as orquestras, salão cheio novamente, Inicia-se a festa! Pano de fundo perfeito para o teu solo privilegiado. 78 RENATA BOMFIM
  • 79. O contador de histórias Bem-vindo, peregrino! Chegaste de mãos vazias Não tens ouro nem prata nem objetos de grande valor. Mas trouxeste contigo as lembranças dos caminhos percorridos. Dias, semanas e meses vislumbrando sóis e luas Banhando-te no orvalho. Experiências que fizeram de ti um sábio. Me presenteaste com histórias do tesouro da tua alma. Tesouro que não acumulas, nem guardas somente para ti. Trouxeste noticias e singularidades de povos que eu não conhecia e as cores dos prados, dos cerrados, o barulho das matas e das fontes. Com a tua chegada, a minha alma iluminou-se foi como se dentro de mim um forte vento abrisse antigas venezianas. E, assim como o vento sul, novamente partirás. Mas sabe que tens aqui uma irmã a te esperar. MINA 79
  • 80. Manifesto Ela chegou nua à porta do homem. Despida dos costumeiros Adornos de mulher. Ela era toda verdade e ofertava-se em cascata desdobrando-se em promessas translúcidas que, com uma dose de fé, trariam respostas ao coração mais aflito. Mas o homem não entendeu. Pensou que aquele corpo de seda servisse simplesmente para satisfazer seus desejos atravessados. O tempo passou, e, nua, ela partiu deixando para trás o vazio que ele só perceberia quando um dia acordasse Do sono profundo. Ela saiu da vida do homem para nunca mais voltar e lançou-se ao desconhecido em busca de outros corpos para suas letras. 80 RENATA BOMFIM
  • 81. Caminhos Te encontrei assim, caminhando. Tinhas as mãos soltas, sem pesos, nem bagagens. Eu, toda estrada, já vislumbrava o sem-fim, perdida em bifurcações que me trouxeram a este ponto, marco precioso na topografia do meu entendimento. Caminhavas, e eu já te buscava, seguia os teus passos imaginando o teu ritmo, o som da tua respiração. Quem sabe, ofegantes, pudéssemos matar a sede na boca um do outro. Inexplicáveis e contraditórios sentidos, setas e retas atravessadas por desejos oblíquos. Eu olho para o horizonte e digo SIM, encantada. MINA 81
  • 82. Vejo este mundo todo estendido se ofertando em novos caminhos, desejantes de estradas abertas Juntos agora, continuaremos seguindo, nas estreitas e malsinalizadas curvas dos nossos corpos, batizados de inéditos, terra que ainda não foi pisada. 82 RENATA BOMFIM
  • 83. Encontro Laços e fitas e fios e linhas Nós cegos, que importa? Estamos unidos. Delícias e sufocamentos, Laços que enfeitam a vida, olhos fitando o infinito com seus fios cinza- dourados. Assim a união se concretiza. Dores e lágrimas, medos inexplicáveis até mesmo da plenitude e da felicidade. É verdade, somos humanos, estruturados na falta, deliciados com a ausência. Mas o divino acontece e nossos eus se tocam. Eis o que acredito ser o milagre da vida! MINA 83
  • 84. Dânae O demônio da inquietude gerando na alma o contraponto, o diverso. Sangue e sêmem, gestos a escorrer. E eu me sinto tão tua! Mulher, fêmea, meu nome é prazer. Odisseia no mar da indiferença. Mas te pressinto, e firmo um novo rumo, teu centro desconexo, infinito, pretenso absoluto. Nele me perco e encontro o bruto da minha feminilidade. 84 RENATA BOMFIM
  • 85. Mentiras sinceras Eu finjo e minto, sim! Finjo ter o que não tenho e ser a pessoa que não sou. Finjo que sou a mais feliz, e, se me convém, aquela cuja vida é puro amargor. Amar você finjo também, e delicio-me com a brincadeira. Finjo múltiplos orgasmos, finjo sentir dor, emoção. Finjo ser flor casta, purinha, em pleno botão. Aquela que precisa ser protegida. O choro, puro fingimento. São cenas e imagens que nascem das camadas profundas da mente, verbo- mentirinhas sinceras que vão encharcando a terra da poesia, e gerando fios e linhas para que eu trame. A verdade? Essa dama obscena, ela que se dane! O importante é atuar com primazia. Se todo poeta é um fingidor, Erga-se, então, uma forca coletiva! MINA 85
  • 86. Mas na fila para o enforcamento serei das últimas, Talvez até se quebre a corda puída. Enforca primeiro o Pessoa, em seguida o Nobre, a Hilda, os irmãos Campos na sequência, e faz o Pignatari assistir. Mas advirto: não adianta! Poeta morto é o que mais canta, Não acreditas? Pega um livro da Espanca, lê, engole em seco e cala-te. 86 RENATA BOMFIM
  • 87. Exotérica Somos um todo! Foi o que disse o místico. Vibrei e aceitei o dito como verdade absoluta. Tudo bem, desde que esse todo ao qual eu pertença seja a parte mais bonita, gostosa e opulenta. Quanto ao todo que corresponde à parte, pobre e ignorante, que pertença a outro! Enquanto isso vou acendendo incenso, tomando banhos de ervas, massagens com óleos essenciais. Visto roupas brancas e puras e ouço mantras transcendentais. Se o Sol nasceu para todos, a sombra nasceu apenas para alguns! É a lei, a lenha, o fogo! Sigo vencendo o medo da morte E entoando doces melodias. Que esse outro, sem sorte, (des)conhecido e renegado, se contente com a vida que “terá” após a morte. MINA 87
  • 88. O céu, anjos, harpas, mas nada de cervejinha, nem de mulher. E o meu todo regozija, ele é todo meu! Neste caminho que é a vida, sou levado a buscar o nirvana, a estar com todos os chakras alinhados, e com a aura multicolorida, purpurinada. A não cultivar a culpa nem o remorso. Mas o místico só não me disse o que há ao fim dessa jornada. 88 RENATA BOMFIM
  • 89. Auras Estou nua de mim! A flor da minha pele desabrocha. Perfumo o espaço que não ocupo, reflito imagens que desconstruí. Sinto a brisa, o vento e a chuva, Não preciso ser ninguém, além dessa pele fina, que o tempo machuca. Marcas de mim nessa nova mulher que rebenta em auras. MINA 89
  • 90. Faces Minha face brinca de ser Outra e à medida que o tempo passa ela se reveste ora de sorrisos ora de lágrimas, se expandindo ao infinito. Ao sabor do vento esse rosto que não é só meu busca abrigo nas mãos de outra pessoa. E a imagem que você beija e diz conhecer bem vai se transfigurando e ensaia ser vale Flor tigre cobra água madeira fogo voltando devagar a ser essa eu/outra conhecida e estranha sempre em busca de metamorfoses. 90 RENATA BOMFIM
  • 91. Blue chip Ela (em)cena múltiplos papéis, moeda (in)certa no mercado da fantasia. Blue chip! Da mesa à cama, veneno e liquidez. A desejada! Seduz no movimento (des)a- fiante, de suas ações inesperadas. MINA 91
  • 92. Calíope Serei a dama dos teus sonhos e dos teus pesadelos. A morte calada. Luz que revela os contornos da carne. Serei amor Visão daquele que tem a marca e vocifera interminávelmente. Ascenderei aos campo divinos, serei ás e dama, cântico sincero e encantamento, ao te desamarrar do mastro do navio da indiferença. 92 RENATA BOMFIM
  • 93. Sereia Ela canta e encanta. Sereia! Monstro-peixe- mulher. Traz numa taça, disputada gota dourada. néctar! Oferenda que sela pactos. Ela sorri! Ele é todo seu, Então, realizada, Coleriza. Canto das profundezas, Experiência numinosa, Arrebatamento. Agora, na casa do prazer e da morte, o homem-cativo-encantado, chora. MINA 93
  • 94. Encantamento Para espantar as entidades da má sorte não bastam velas ou incensos nem mesmo flores jogadas ao mar sal fino ou grosso, abre- caminho, espadas de são Jorge ou patuás. O encantamento só funciona se praticado por alguém que ainda detém o poder de se encantar Somente um ser encantado pode ser encantador. Mas esses seres, a cada dia, são mais raros, falta pouco para serem encontrados; apenas nos contos de fadas, lá nos livros, onde moram todos os encantamentos. Espanto é outro determinante e funciona para o encantador como uma chave que abre a porta da mente e do corpo. Espantosa é a sensação de deslumbramento em frente ao mistério da vida, e às idéias que, pasmos, acreditamos serem capazes de mudar o mundo. A surpresa da aceitação, Outro potencial humano: aceitamos as falácias e as alegrias que 94 RENATA BOMFIM
  • 95. viajam com o vento e desabrocham como as flores. Embruxamento é vital para quem quer ter poder para espantar a má sorte. Só se ganha quando se perde, eis o mistério dos mistérios. Sempre há um preço a ser pago por cada gota de lágrima sorridente É preciso deixar algo ir para que se possa receber presentes do universo. Mistérios? A má sorte nada mais é que uma fada triste cuja face o tempo maltratou. Pobre fada, seu encanto a cegou O feitiço voltou-se contra o feiticeiro. MINA 95
  • 99. As omoplatas cresceram e se cobriram de penastransparentes como os cristais, transformando-se em asas e, quando ficaram fortes, eu voei. Atravessei o espaço e ia colhendo as tesselas que encontrava e as colocava presas com o meu sangue cheio de amor pela vida que Deus me deu. Ao avizinhar-me do seu trono Ele estendeu-me as mãos, ergueu-me, vi e senti o Universo todo colorido, pleno de histórias contadas pelas tesselas que formaram o grande mosaico do firmamento. Amei a visão musiva com toda a força do meu coração. Freda Cavalcante Jardim MINA 99
  • 101. Querubim Caiu! Querubins caem a todo o momento, Prenunciando o inevitável. Que a queda é algo inerente ao homem, mas atinge até mesmo os querubins. Almas encantadas Com asas e caras de criança, Eles nos ensinam O sentido da palavra C a i r. Eu caio! Princípio vital! Levanto entorpecida numa performance teatral, sacudindo a poeira brilhante, as plumas e pregas desalinhadas do vestido. Não se deve cair de qualquer jeito! Deve- se cair com graça, com leveza, para que os seus inimigos sintam inveja, até mesmo, do estatelar. O prazer alheio MINA 101
  • 102. não está apenas na visão da queda alheia, mas na vergonha. Então a performance é importante, a singularidade do tombo. Cuidado para que não percas isso, esse jeito especial de cair e provocar a dor nos outros. Nem mesmo os querubins Têm isso! 102 RENATA BOMFIM
  • 103. Tecendo a espera Sempre ela e seus bordados, tecendo a espera, tecendo esperança, tecendo sonhos, desde criança. Fio a fio no tempo, negros fios vertendo em lágrimas, fios da navalha, delgados e retorcidos. Fios da fibra do girassol. O rosto corado e a boca encarnada da rosa que ficava no jardim guardam a resistente corrente fina, que enciúma a aranha. Fio da vida que não espera, Ela borda incansavelmente. Surgem os nós, sentenças de morte. A bordadeira esperançosa passa a desatadora do tempo que passa, e não perdoa. E novos fios serão precisos. Encarnados, azuis, amarelos e verdes para reavivar o desejo da mulher, MINA 103
  • 104. de tecer o desejo que o tempo afrouxou. Representação, traçado firme, e o bordado volta a brotar da agulha em busca de novos desenhos, de novos sonhos, É a lei do oficio de tecer. Filha de Pandora, a tecelã Sua mãe lhe contou que um dia abriu uma caixa que não podia, e dali saíram muitos pesadelos. Seu castigo foi tecer até a morte e desatar nós. Mas ela sabia que ainda havia um sonho preso dentro da caixa, e pediu para a filha libertá-lo. Caixa de fios/ sonhos de mãe/morta. Abre a caixa a filha, Mudanças acontecem. 104 RENATA BOMFIM
  • 105. Tocaia De uma pequena fresta meu olhar ensaia o mundo. Fora desse lugar, desse dentro, Universo-diverso, Aquarelado- fluido, quase evanescente, O meu “EU” jaz em segurança. Na tocaia, sempre paciente, espera/ espreita e saliva o desconhecido... Será possível sair dessa casa/ toca/ tumba com asas e voar para longe? Ou devo corajosamente seguir o destino de presa, me deixando ser comida inteira, e sem rancores, apenas seguindo as leis imutáveis da natureza? Se assim for, que eu seja o melhor banquete desse bicho/vida faminto de infinito. Que eu possa perpetuar em essência a existência, driblando à força e, sorrateiramente, o algoz. Sendo parte de seu sangue e de sua carne manobrarei seus ossos e MINA 105
  • 106. perturbarei seus sentidos. Será o meu eu dissolvido a guiá-lo em busca de novos eus e infinitamente se perpetuando e realizando, na carne/ sangue e desejo de um terceiro. 106 RENATA BOMFIM
  • 107. Tela corpórea Parque de diversões Parque de dinossauros Palco de distrações CORPO! Dentro e fora se avizinham Nessa tela onde o desejo pinta a sua obra-prima. Na gangorra as emoções Derramam-se Amores, dores e esperanças Cativos dessa Pandora Presente divino Mulher-criança. MINA 107
  • 108. Noiva funesta Ela estava predestinada. Seu corpo exalava, agora, perfume de rosa podre aroma de adeus Belo e triste... A noiva fechara os olhos. Seu amante estava lá. Amou-a por toda a vida, A cada lágrima derramada a lembrança das viagens gozosas e frustradas Naquele corpo agora Inerte e fúngico. Desesperado Lança-se sobre o corpus Quer renovar seus votos Obsoletos... Do casamento implícito Noiva de Éter Holometabólica Bilateral Quem sabe o seu destino? Seu corpo 108 RENATA BOMFIM
  • 109. Doce... Derrama-se, Agora, cada vez mais Manancial. E dizem que... E choram e HIPOCRISAM Crisântemos na vida ex vai-se O desejo não morre Viaja com suas asas ferrugíneas Mandaçaia Para além da nossa compreensão. MINA 109
  • 110. Cá entre nós... Cá entre nós Homens, mulheres, crianças, bichos, plantas e mudas de caqui. A vida e suas contradições nos unindo e mantendo ligados com a sua gosma... A gente gozando com essa agonia... A liberdade não nos interessa, faz sentir claustrofobia. Somos dois loucos dois tresloucados poeirinhas cósmicas se achando gente grande se achando grande-coisa importantes. não somos NADA! Mas somos tudo um para o outro O que fazer? Não quero pensar no amanhã basta viver o agora e celebrar toda essa tirania, com que o amor, perverso, nos açoita... Que delícia!!! 110 RENATA BOMFIM
  • 111. Contradições Ser contradição e karma. Assediada e incendiada pela inquietude. Desejante e desejosa. pedante, insuportável, e Cleópatra, em sua glória, buscando uma morte cinematográfica. MINA 111
  • 112. Xamã Dança Serpente- crepitando ao redor do fogo. Livre, corpo nu, celebra a terra com cânticos e oferendas Deposita sobre o altar objetos mágicos. Energias sutís emanam dos seus pés-tambores cadência do despertar. Fêmea, completitude no seu nada. Tudo no tempo e no espaço, Da sua fenda brota o sangue sagrado, interstício do amor sem culpa. Braços abertos, invoca a deusa-mãe adorada Bast e Neith. Recadeira do tempo fiandeira carpideira parca sereia, ela é o próprio tempo encarnado devorando e gerando aos outros e a si mesma. 112 RENATA BOMFIM
  • 113. Amor etéreo Sete foram os padecimentos da moça Ousou amar um deus, amor de anjo. Etéreo e sublime, em sonhos, ele lhe ofertava promessas ardentes. Já não queria acordar pesadelos da alma Então chorou as lágrimas do adeus E nunca mais dormiu. MINA 113
  • 114. Namorada Nem esposa nem amante, Namorada! É o quero ser Sonho com o estado de graça da mulher que não tem dono, que tem asas que deliciosamente ameaça voar. Mas também quer o laço do abraço relaxado e quente. Mas ameaçando o nó. Abomino a convivência amistosa, a rotina, a monotonia, o lençol perfumado __ lençol de casal feliz deve ser suado do amor que não fica sempre para amanhã. Amanhã o lençol se molha com as lágrimas da desesperança, vertidas na clausura da prisão domiciliar. Enfim, eu quero ser sua namorada, e que linda namorada, a mais devotada, aquela que você deseja a todo instante 114 RENATA BOMFIM
  • 115. que adora e até mesmo idolatra. Eu só quero isso, para poder me derramar, chegar num ponto onde se pode tudo. Até dizer “eu te amo” sem olhar para trás. MINA 115
  • 116. Questões eco-poÉticas A floresta está queimando, os mananciais se esgotam; é a vida que pede socorro. E eu vejo tudo aterrorizada, e não faço nada, ou faço pouco. A nave está desgovernada, à deriva, a vida sob ameaça! E eu vejo tudo aterrorizada, e finjo, para não enlouquecer, que não acontece nada. 116 RENATA BOMFIM
  • 117. Terra Letargia Consumo A terra agoniza, o gemido é visceral. Meu canto é lamento, riso revestido de cinismo, marca do desse nosso tempo. A alma definha! A morte se avizinha enquanto muitos esperam o arrebatamento. Temos escolha, mas, a fauna e a flora não. Se a terra está em nossas mãos? Fantasia. Arroubo. Megalomania. feneceremos primeiro! MINA 117
  • 118. Assombrações Secaram-se as folhas das árvores e nuvens cinzas se avizinham trazendo consigo a chuva e o frio. Penso em você com saudade. Você que coloriu os meus dias, que me inspirou um mosaico e me deu uma flor ainda em botão. Penso em você com amor, do fundo de minha solidão. Fantasmas, sombras, melodias do adeus __ É o passado que me (re)visita com lembranças, aquecendo o coração. Fantasmas do passado, tão presentes que, em momentos, o hoje se torna rarefeito, fumaça de ilusão. 118 RENATA BOMFIM
  • 119. Fantasmas Vou mandar rezar uma missa Para que me deixes descansar e para que também descanses. E se em algum tempo teus olhos me encontrem não sejam faca na minha carne, lancinante. Minha fé está plantada no aqui e agora, Vivo como posso, danço a música infligida pelo tempo, que joga comigo, com você e com nossos parceiros invisíveis. Se as rezas nos salvarão das regras? Não sei te responder. Sigamos em frente, meu ex-amor, Já nos basta o viver. MINA 119
  • 120. Viagem Imaginar o abismo dos teus olhos __ Convite obsceno, Mergulho incomensurável. Digo sim! Entrega e deleite. E de-canto poemas mortos sob a luz da minha vergonha do tédio e da ilusão. 120 RENATA BOMFIM
  • 121. Honoré É Honoré, Sou uma mulher de trinta! Veem em mim atrativos irresistíveis, Esperam que eu satisfaça a tudo e a todos, na comédia humana da vida. Mas confesso que às vezes me sinto feia, presa a uma teia louca que afirma que preciso de plástica, de muito dinheiro, de posição. É um vestibular diferente, e me cobram: “escolha ou isso, ou aquilo”, ser a gostosona, ou ser a mãe; se não isso, ser uma profissional machona. Sabe o que quero, Nô? Julgue se é pedir demais: Viver em paz! Esquecer essa coisa de idade, de cobrança, de “se enquadre”. Quero me libertar dos estereótipos. Já passei pela faculdade. Chega de ter que sempre escolher. Quero acolher! Então, já digo, na lata, Que de mim não esperem nada! MINA 121
  • 122. Peço que larguem do meu pé, Deixem que eu oferte carinho, amizade, lealdade, e me zangue também, se tiver vontade. Que eu trabalhe e que tenha filhos, ou não. Não me cobrem nada! Me deixem ser uma mulher de trinta assim como sou hoje, quase ajuizada. 122 RENATA BOMFIM
  • 123. Juramento de Hipócritas Eu juro pelo meu pai, pela minha mãe e por todos os santos, depois que descolar meu diploma, abrir uma clínica na Enseada do Suá, particular, com vista para o mar, para atender senhoras e senhores da alta sociedade com serviços de alta qualidade quartos assinados por decoradores cardápio de chefe, até caviar e mais bajulações e favores... Juro suprir (mesmo que momentaneamente) a ânsia dessa fina clientela que demanda, ou melhor, que clama por beleza e juventude; buscar contemplar suas aspirações e sonhos com lipoaspirações e lipoesculturas; corrigir a flacidez de suas peles disfarçar suas estrias e amenizar suas rugas com toxina butolínica, reaplicando-a em doses cada vez maiores caso o sulco persista. MINA 123
  • 124. Seus narizes empinados mais empinados deixarei com uma rinoplastia e próteses de mama: P M, G, GG, extras, extragrandes, . turbinas privilegiadas das endinheiradas saradas que mais clientes me trarão... E a coisa vai esquentar com peelings superficiais, médios e profundos as faces rosadas em brasa ficarão mas sofrer faz parte do processo, não aceitarei reclamação. E ao fim da carreira, velhinho, endinheirado e todo esticado tipo tamborim vou morar na praia do Francês ou da Atalaia, pois profissional de sucesso tem que sair de Vitória, mesmo que seja no fim da história. 124 RENATA BOMFIM
  • 125. Poeminha de gratidão O Espírito descansa depois de um tempo de tristeza. Relaxa e canta, admirando a natureza. Sou tomada, algumas vezes, por uma nostalgia... lembro de dias mais felizes que esses, mas logo afasto tais fantasias. O presente é dádiva, é abertura ao inesperado, é expansão, independente de tudo, há vida! O céu, da cor que esteja, é lindo! e eu agradeço por tudo isso de todo o meu coração. MINA 125
  • 126. Mote Mote o trote o xote vou seguindo sou essa alma que grita Inspirada! cobra pronta a dar o bote sou a nuvem punida pelo vento arrastada Banida pro norte pra morte viro chuva água bonita vejo o arco-íris e re-nasço parte dessa cadeia vital dando energia pra roda gigante azul. Salve a vida! 126 RENATA BOMFIM
  • 127. Ser poeta Ser poeta é cantar alto mesmo com a voz embargada enquanto o dia refracta toda a luz. É esperar com as mãos estendidas para doar a vida. É cantar de um quarto escuro de onde, mais claramente, se pode sentir as cores e os cheiros. É buscar o outro e encontrar a si mesmo. Passado, presente e futuro fragmentados, quando coisas esquecidas afloram de repente. Narciso sabia de tudo e fez um mergulho preciso nas águas turvas do rio do potencial Estige. Foi em busca do seu sol e do sentido que o fará um dia emergir deus. A solidão é um abismo e guarda uma paz preciosa! Sou poeta e canto, arrisco a vida Se a voz, embargada, irrita. Canto, canto e canto mais ainda e não ligo. MINA 127
  • 128. A tristeza de Ulisses Cais do descontentamento, Felicidade no horizonte da utopia, Falta de algo ou de alguém... (coro) desconhecemos o desejo... Porto de ilusões subúrbio do medo (coro) salve-nos ó Deus, das prostitutas e dos desajustados. Desejos errantes, embriagados e prontos para colonizar o amor; Velas rútilo-delirantes, Cantos de morte e de beleza, (coro) Não há esperança... Sereias e Deusas, Saudades, lágrimas e dores, overdose de horizonte, Um mundo todo cinza e azul. Busco Ítaca! Busco a minha alma na alma daquela que tece à espera daquela que é redenção que é o tesão da vida no Mar 128 RENATA BOMFIM
  • 129. daquela que ressignifica a errância Mas seu encanto acena como promessa e dos meus sonhos apenas a tangencio... (coro) Vai, Ulisses, cumpre o destino que é só teu! MINA 129
  • 130. Caixa de Pandora Ela meteu a mão na cumbuca, estava curiosa para saber o que guardava a tal caixinha cheia de fogo e palavras selvagens. Era o verbo fêmea virando carne E que carne! Pandora era uma puta revestida de santidade. Encantamento puro era o seu olhar e a sua voz era um veludo. Epimeteu logo dela se enamorou. Ela chegou ao mundo trazendo consigo segredos gramaticais e conjugações formidáveis, como compromisso e fidelidade. Na caixa, pasmem, havia chocolates bombons recheados com morango e damasco e licor de amarula. 130 RENATA BOMFIM
  • 131. Espetáculo Lá o duplo desfaz as tranças longas com as mãos se desdobrando em gracejos os pés pulsam movidos por força misteriosa nesse lugar não lugar onde sou o oposto ao avesso miro o horizonte de cabeça para baixo desse palco o corpo é flectivel ad infinitum forma círculos ganha aplausos sou artista e a cara branca de pó mostra que o espetáculo será dantesco mulheres e homens irão rir quando o meu corpo voar pelos ares preso a uma corda invisível imagine então que este também é aquele desenhado em estúpidos arabescos MINA 131
  • 132. Fome Eu preciso dessa letra e deste verbo. Me desculpem se incomodo. Preciso também da (re)flexão que nutre e dos pontos e vírgulas que afogam a sede. Sonho com o soneto elegante e com o haicai decidido. A carência do conto de amor e de dor e do romance que ainda não foi escrito me fazem ser assim, fazem a minha alma ansear pelo mundo e me resigna a cumprir a pena de ser poetisa, mesmo quando a folha é pequena e falta espaço para a expressão latente. 132 RENATA BOMFIM
  • 133. Canção para Frida Kahlo Quero abraçar teu desamparo. Ser tua gêmea, invertida, e Outra, ainda. Quero te amparar toda nos meus braços, parte por parte emendar a tua perda irreparável. Denuncias meus segredos com tuas imagens: dor, fel, doçura. Arrancas de mim a máscara sem que eu tenha medo, revelada, posso respirar liberdade. Desejo tocar epifânica e santamente o manto sagrado, azul turquesa, de tua paleta sem tinta. Admirar teus artefatos Falsificados e preciosos: Colares, anéis e sonhos de jade, vestidos longos e rodados, que espalham flores de estampas MINA 133
  • 134. espetaculares. Teu corpo frágil,é diamante, Transmutando-se em verdes, Ocres, preto luto e branco selvagem. Aquarela inquietante criando imagens da terra e do céu. A feminilidade do teu traçado, gera sentidos contrários. Te mirando consigo acessar o avesso do que escrevo. Quero abraçar teu desamparo, sim! Acolher a dor que mora dentro, curar as chagas, deixar ir, libertar os sonhos que não vivi e ser uma com você nesse universo. 134 RENATA BOMFIM
  • 135. Minha Lili A ela e somente ela, como amor. Lili... Felina Filha! Não sei explicar seu mistério tão pequenina misteriosa e recatada Você é uma fonte de amor sem fim Fonte de luz e de bem-querer Ninguém nunca me quis assim! Só você! Você aceita meus erros e ignorâncias Faz brotar da minha boca um sorriso verdadeiro. Desperta e arranca de minhas entranhas o que há de melhor. Com você eu aprendi a ser gente! Acredito que você é um anjo uma gatinha-querubim. Eu a quero pra sempre perto de mim mas, infelizmente, sempre é tanto tempo... um tempo sobre o qual não tenho poder! Quando você for embora, ai, eu nem sei... vai ficar um buraco tão grande no meu peito MINA 135
  • 136. tão grande... um poço! Mas vou ver você em cada rosa e no sorriso das crianças Minha Lilizinha... Lembro-me de você pequeninha Você cresceu, cresceu, e agora está velhinha... Chamo você de meu amor, de “minha vovozinha” Olhe, meu anjinho, se a chamo minha é mania de ser humano de achar que possui tudo as coisas, as pessoas, os bichinhos, Não ligue... A verdade é que sou eu que sempre fui por inteiro sua! 136 RENATA BOMFIM
  • 139. Índice Na lavra ------------------------------------------------------- 13 Irmandade ----------------------------------------------------- 17 Musiva --------------------------------------------------------- 18 Sensorialidade ------------------------------------------------ 19 Questões poéticas ------------------------------------------- 20 Canto de abertura -------------------------------------------- 21 Sensações ------------------------------------------------------ 22 Ave paraíso ---------------------------------------------------- 23 Canto solar ---------------------------------------------------- 24 Irmãs ------------------------------------------------------------ 25 Eus -------------------------------------------------------------- 26 Rastros --------------------------------------------------------- 27 Experimental ------------------------------------------------- 28 Pororoca -------------------------------------------------------- 29 Moqueca capixaba ------------------------------------------- 30 Personae ------------------------------------------------------- 31 Possessão ------------------------------------------------------ 32 Palavra-seta --------------------------------------------------- 33 Caminhante --------------------------------------------------- 34 Palavra --------------------------------------------------------- 36 Vibrações ------------------------------------------------------ 37 MINA 139
  • 140. Verdade --------------------------------------------------------- 38 Fluidez ---------------------------------------------------------- 40 Arrebentação/ Explosão ----------------------------------- 41 Rogo ------------------------------------------------------------ 45 Afins ------------------------------------------------------------ 46 A flor ------------------------------------------------------------ 47 No reino sensível das frutas ------------------------------ 48 Rosas ----------------------------------------------------------- 49 Derramamento ----------------------------------------------- 51 Mulher ---------------------------------------------------------- 52 Mulherarvore ------------------------------------------------- 54 Rumos ---------------------------------------------------------- 55 Sedução -------------------------------------------------------- 56 Lírios ------------------------------------------------------------ 57 Mata ------------------------------------------------------------ 58 Primordial ----------------------------------------------------- 59 Alquimia ------------------------------------------------------- 60 Girassol -------------------------------------------------------- 62 Questões poéticas II ----------------------------------------- 63 Estranhas entranhas --------------------------------------- 64 Pertencimento ------------------------------------------------ 65 Sogno ----------------------------------------------------------- 67 Deslumbramento -------------------------------------------- 69 Gato ------------------------------------------------------------- 73 140 RENATA BOMFIM
  • 141. Felinamente --------------------------------------------------- 75 Rainha de Copas --------------------------------------------- 76 Ser --------------------------------------------------------------- 77 Orquestrações ------------------------------------------------ 78 O contador de histórias ------------------------------------ 79 Manifesto: poesia -------------------------------------------- 80 Caminhos ------------------------------------------------------ 81 Encontro ------------------------------------------------------- 83 Dânae ----------------------------------------------------------- 84 Mentiras sinceras -------------------------------------------- 85 Exotérica ------------------------------------------------------- 87 Auras ----------------------------------------------------------- 89 Faces ------------------------------------------------------------ 90 Blue Chip------------------------------------------------------- 91 Calíope ---------------------------------------------------------- 92 Sereia ----------------------------------------------------------- 93 Encantamento ------------------------------------------------ 94 Lapidação ----------------------------------------------------- 97 Querubim ----------------------------------------------------- 101 Tecendo a espera -------------------------------------------- 103 Tocaia ---------------------------------------------------------- 105 Tela corpórea ------------------------------------------------- 107 Noiva funesta ------------------------------------------------ 108 Cá entre nós -------------------------------------------------- 110 MINA 141
  • 142. Contradições ------------------------------------------------- 111 Xamã ---------------------------------------------------------- 112 Amor etéreo -------------------------------------------------- 113 Namorada ---------------------------------------------------- 114 Questões eco-poéticas ------------------------------------- 116 Terra ----------------------------------------------------------- 117 Assombrações ----------------------------------------------- 118 Fantasmas ---------------------------------------------------- 119 Viagem -------------------------------------------------------- 120 Honoré -------------------------------------------------------- 121 Juramento de Hipócritas ---------------------------------- 123 Poeminha de Gratidão ------------------------------------- 125 Mote ------------------------------------------------------------ 126 Ser poeta ------------------------------------------------------ 127 A tristeza de Ulisses --------------------------------------- 128 Caixa de Pandora ------------------------------------------- 130 Espetáculo ---------------------------------------------------- 131 Fome ----------------------------------------------------------- 132 Canção para Frida Kahlo --------------------------------- 133 Minha Lili ----------------------------------------------------- 135 142 RENATA BOMFIM