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REFLEXÕES ACERCA DO
CONCEITO DE SAÚDE
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
• Nas organizações, seus objetivos, valores e processo
de socialização sobrepõem-se aos indivíduos.
• Reduzindo espaço à subjetividade, visa atá-los
firmemente às malhas por elas tecidas.
• A “cultura da organização” assume cunho da dimensão
do sagrado: substitui a religião na tarefa de garantir
tanto um sistema de significações quanto à segurança
e tranquilidade, ao transformar em ponderável a
imponderabilidade do destino, ao negar a existência
do chaos.
• Isto leva o indivíduo a sacrificar-se pelas metas por
elas perseguidas, adentrando irrefletidamente, na
maioria das vezes, em um sistema totalitário.
PELO VERSO
• Neste quadro social atual de desamparo e sofrimento
humanos, com reduzido espaço para a subjetividade,
no qual uma das expressões mais marcantes ocorre no
espaço público de instituições e organizações, é
coerente que a prática psicológica intervenha em
instituições relacionadas à Segurança Pública, à Justiça,
à Educação e à Saúde, já que é em seu contexto que
esta realidade mostra sua face mais
emblematicamente perversa, ou seja, pelo verso.
• Propicia um olhar atento e cuidadoso aos modos de
subjetivação engendrados pela violência, intolerância e
desrespeito perpetrados pelas organizações sociais ao
ser humano na contemporaneidade.
ETIMOLOGIA de CONCEITO
• CONCEPTUS = pensamento, concebido pela mente
• Sec. XVII = um jogo de palavras com mesmo som mas
diferentes significados: ser ambíguo e com duplo
sentido.
• IDEIA, NOÇÃO: na filosofia como ideia geral abstrata,
noção universal, resultando de operação mental ou
imagem a partir de percepção
• Do Latim concepere = tomar em consideração
• Archaico : apreender algo pela razão ou imaginação
• Compreender, agarrar, entender
• Archaico : dar a ver, exibir, produzir, dar expressão a
• Dirigir, enquadrar, nomear
CONCEITO E PSICOLOGIA
• Como os instrumentos compreensivos da
Psicologia apreendem as novas modalidades
de inscrição das subjetividades
contemporâneas?
• Legitima-se repensar sistemas psicológicos,
por representarem subjetividade e seus
impasses na modernidade?
• Como aproximar o que há de “sofrente” nas
novas formas de subjetivação?
• Como circunscrever o campo do mal-estar
contemporâneo em que essa ação ocorre?
TÉCNICA OU TECHNÉ
• Nas atividades clínica e a pedagógica há um predomínio da técnica como
fenômeno essencial da Idade Moderna.
• Clínica, afastando-se de sua peculiaridade originária referente ao debruçar-se
sobre o leito do “doente”, passa a privilegiar procedimentos técnicos.
• Clínico é valorizado como especialista.
• O momento clínico inicial, e sua potencialidade de promover confiança terapêutica
através da atenção e acolhimento, é reduzido a uma atividade de triagem,
encaminhando pacientes aos respectivos especialistas, que cuidam pela mediação
da técnica.
• No âmbito pedagógico, currículos dos cursos de ciências humanas e biológicas
contemplam quesitos técnicos, para formar especialistas, em detrimento de uma
formação humanista, relevando a filosofia, a literatura e as artes em geral.
• Esperado que o psicólogo atue primordialmente enquanto um especialista.
• Em consultório ou em instituições, deverá manter-se neutro, afastando-se da
condição fundamental da cidadania: ouvir e ser ouvido em praça pública.
• Esse modelo técnico-científico mostra sinais de esgotamento.
• Mas no âmbito da saúde mental, psiquiatria e psicologia não têm,
institucionalmente, ainda, apesar dos esforços do movimento antimanicomial,
conseguido responder às demandas sociais e cultura.
SAÚDE: MENTAL APENAS?
• Instituições psiquiátricas manicomiais como depósitos de pessoas,
• Subtraem a própria humanidade condenando a diagnóstico
estigmatizante, gerador de exclusão social e cultural, alijando a cidadania.
• Manicômios falharam em sua tarefa de cuidar do “doente mental”,
• Não revertem nem sequer minoram sofrimento: sofrimento aumenta ao
relacionar-se ao não sentido de ser desses pacientes.
• Do mesmo modo, no âmbito da educação, procedimentos pedagógicos
alinham-se por modelos disciplinares de conduta, desconsiderando o
direito de aprender.
• Dessa forma, instituições de saúde e educação constituem-se, na maioria,
em lugares não implicados com uma atenção para resgate de sentido.
• Nelas, os sujeitos sociais são despejados, destituídos de razão e/ou bem-
estar ou de possibilidades de aprendizagem.
• Constituem-se lugares onde sagra um sofrimento confinado e
reverberado, revelando um sujeito, e as instituições que deles cuidam,
como dependentes de um tecido social e cultural, cujos sistemas de
representação e simbolização determinam modos de ser adequados e
ajustados.
• Enquadrados na des-razão e no des-conhecimento, sujeitos sociais são
condenados tanto ao exílio social (pela des-consideração institucional),
como também ao exílio de si mesmos (pelo des-alojamento existencial).
QUESTIONAMENTO
• Contexto social, político, econômico e cultural
contemporâneo clama por mudanças tanto na concepção e
implementação de saúde e educação quanto na pedagogia da
formação profissional de seus agentes.
• Propor alternativas de trabalho técnico e reflexões teóricas
para profissionais que lidam com uma população resultante
de uma nova ordem mundial, apresenta-se como uma tarefa
desafiadora para psicólogos.
• Em face desse enfoque de realidade, imposta
progressivamente com contundência e pungimento, cabe a
pergunta: seria possível abrir outras possibilidades de práticas
clínico-pedagógicas, em saúde e educação, para o mal-estar
no contexto contemporâneo?
• Talvez, um caminho possível seria buscar a etimologia dos
termos saúde, educação, sofrimento, política e ética, a fim de
articular sentido entre cada um, como um encaminhamento
para uma reflexão sobre tal questionamento da prática
psicológica em instituições.
Etimologia como criação de sentido
• Perspectiva da significação da linguagem
como criação de sentido impõe uma
retrospectiva etimológica.
• Atribuição de significado a termos recorrentes
na compreensão do sentido da condição
humana.
• No percurso histórico de uma língua, termos
passaram a aderir-se a significados precisos e
determinados, destituindo-os de seu uso
originário como utensílio para a comunicação
de sentido entre homens.
SAÚDE E EDUCAÇÃO
• Saúde, do latim salus, significa condição (orgânica ou
organizacional) benéfica, de bem-estar, de segurança.
• Refere-se à cura (healein, em inglês antigo), como promoção
de integridade e/ou cuidado.
• Talvez desse termo tenha derivado saudação, como forma de
demonstrar respeito e reconhecimento àquele do qual nos
aproximamos. Aproxima-se de clínica e de cuidado, tarefas
cotidianas e pertinentes ao universo do fazer psicológico no
âmbito da saúde.
• Educação, do latim educere, de e+ducere, ou seja, e = para
fora, e ducere=conduzir, é trazer, fazer movimento em
direção a alguém. Implica debruçar-se ou inclinar-se a uma
forma de cuidar para que o outro se conduza adiante.
• Ambos parecem articular-se à prática psicológica clínica:
Dirigir-se a alguém de modo a fazê-lo conduzir-se adiante em
sua experiência, destinando-se ao seu bem-estar.
• Saúde e educação aproximam-se tanto pelo sentido de
promoção de cuidado e integridade, quanto de manifestação
de respeito e reconhecimento, via saudação.
NA PSICOLOGIA
• Comprometida com atenção e cuidado para homens se conduzirem na
direção de seu bem-estar, ou de busca de sentido, inclina-se para acolher
o sofrimento humano como ausência de sentido.
• Etimologicamente do grego pathos, sofrer assume o significado de sentir,
experienciar, tolerar sem oferecer resistência, ser afetado, dizendo da
condição de se pôr em movimento por qualquer emoção.
• No latim, sofrer vem de subferre, referindo-se a suportar por debaixo,
com dois significados: tolerar e sustentar um peso.
• No primeiro, sofrer diz respeito a uma dor, ao passo que no segundo diz
de uma força ou de um poder ser.
• Em ambas as origens, sofrimento refere-se à situação de ser afetado pela
ambigüidade própria da condição humana: dor frente ao desamparo do
homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dos
acontecimentos para conduzir-se adiante.
• Pela etimologia de saúde e educação, legitima-se a criação de uma cultura
de participação da comunidade para promover sua própria saúde e
apropriar-se de sua educação, assim como criar uma ambiência para
especificidades e diferenças de perspectivas entre os atores sociais
AGENTES EM AÇÃO
• Dimensão éticadaexistênciahumanarefere-seao
campo derelação deum indivíduo com outros, no
contexto daantropologiafilosófica(Figueiredo,1995).
• Nessaação relacional, o queimporta“não ésó e
principalmenteasobrevivênciado agente, mastambém
suaimagem esuaestimaperanteosoutroseperantesi
mesmo. Efetivamente, hásempreumareflexividade,
umarelação deum paraconsigo mesmo, implicada
numacondutaética” (p. 28).
• Dessaforma, éticaepolíticareferem-se,
simultaneamente, aprivado epúblico, intimidadee
exposição, cuidado esegurança, identidadeecidadania,
saúdeenormas, direitosedeveres, interior eexterior.
AGENTES SEM AÇÃO
• A construção de regras e critérios confiáveis de
decisão, na escolha de modos de ser e fazer,
gerar e gerir a própria vida, passou a calcar-se em
experiências subjetivas individualizadas,
acentuando uma crescente separação entre
indivíduos e coletividades às quais pertencem.
• É exatamente a incerteza em relação à
legitimidade das “verdades” assim constituídas
que gera uma vinculação perversa em relação ao
grupo: incerto sobre a legitimidade do seu saber
e fazer, o indivíduo passa a apoiar-se cegamente
nos valores, atitudes e crenças do grupo do qual
participa.
PARA QUESTIONAR CONCEITOS
• O modo de constituição desses grupos e sua vinculação ao quadro maior da
sociedade geram um modo de ação no qual a alteridade (outros grupos, outras
ideias, outras propostas políticas, religiosas ou científicas) passa a ser considerada
uma ameaça, devendo ser eliminada: um grupo não pode suportar outra verdade
além da sua.
• Florescem as condutas totalitárias e massificadas, fruto da intolerância e do
fanatismo, revelando que a ética como ideologia é perversa já que, tomando o
presente como fatalidade, anula a marca essencial do sujeito ético e da ação ética.
• Aborta-se o sujeito social: aquele agente para a atuação de sua liberdade de
escolha como atividade reflexiva e crítica acerca de ações, possivelmente, no
passado, eleitas para o presente, sendo este uma passagem apenas transitória,
pela possibilidade do futuro como abertura do tempo humano.
• As normas societárias têm a função de ordenar o caos no qual a liberdade,
ilimitada e não estruturada, pode levar os indivíduos a uma permanente guerra de
um para com todos os outros, viabilizando o agir somente segundo interesses
privados.
• Uma tal situação gera insegurança, tensão e conflito, podendo destruir a todos.
• A violência se apresenta como modo humano no jogo ambíguo entre o público e o
privado, uma vez que, para obter proteção, a liberdade das individualidades deve
sofrer restrições.
COMPREENSÃO E POSSIBILIDADE
• Sociedade estrutura seus padrões de acordo com uma lógica de
criação de poder soberano para proteger igualmente todos os seus
membros, como garantia de melhor qualidade de vida.
• Pellegrino (1983) diz que, “na contemporaneidade, se verifica que o
pacto social instalado para a proteção social traiu seus próprios
propósitos e foi quebrado” (p. 2).
• Desviando-se completamente do compromisso de garantir a
convivência humana dentro de padrões aceitáveis de segurança, tal
pacto veio a reboque de uma economia política despótica, em que
as necessidades e interesses humanos ficam atrelados às
idiossincrasias do mercado e do capital, fetichizados como um bem
supremo a ser prioritariamente atendido.
• Esta é uma forma de compreensão da injustiça social que graça no
mundo globalizado.
• Numa visão histórica, pode-se encarar essa situação como
emergência de encontros conflitantes e tensionais entre opressores
e oprimidos, ou um modo clássico de relação que conduz à ética
categorial do bom e do mau, incluído e excluído, igual e diferente,
independente e dependente, enquadrados e marginalizados,
aqueles sem teto (morada).
CONCEITO/CONCEITUALIZ-AÇÃO
• Tal contexto conduz a repensar tanto a ação quanto a
formação de profissionais, atuantes no setor da saúde e do
desenvolvimento humano, e a problematizar a questão do
sofrimento humano em diferentes situações: em consultório
privado, em instituições de saúde, em programas
educacionais para populações marginalizadas.
• É essa dimensão da ética que demanda repensar a própria
clínica, redirecionando-lhe o sentido de modo a contemplar o
espectro da experiência do ser humano, plural e singular ao
mesmo tempo, atendendo a todas as formas de
manifestações e expressões pessoais, além da tradição
cultural.
• Diz respeito à crença no ato transformador que, para além da
culpa assistencialista, dispõe-se a cuidar de quem sofre,
aceitando o desafio de confronto com o estranhamente
diferente, esperando que o assombro com o estranho, com
acontecimentos inesperados propiciados por essa abertura
para o mundo, possibilite a criação de outras dimensões à
compreensibilidade da humanidade do homem.
CONCEITUALIZ-AÇÃO DE SAÚDE
• Como seria possível abrir possibilidades de práticas clínico-
pedagógicas em saúde e educação no contexto contemporâneo?
• Compreendida a dimensão ética para o humano, pode ser possível
discutir uma prática psicológica direcionada por essa tensão originária,
própria no sujeito.
• Possibilitaria encontrar sentido para uma prática que contemplasse
esse sujeito/agente e seu conflito diante de pressões inevitáveis e
próprias de sua humanidade.
• Busca-se reconfigurar uma prática psicológica que privilegie o
sofrimento do ser humano conflitante em suas formas de organização.
• No âmbito da atuação psicológica, o olhar voltado ao sofrimento
humano contextualizado preocupa-se em buscar abordagens que
contemplem as demandas inseridas nesta problemática.
• Imprescindível a investigação para um saber mais condizente com a
experiência do homem no mundo com outros, aproximando-se do que
seria o tácito, o cultural, o étnico e, talvez, o ético.
• Afinal o cliente é um sujeito social, histórico e cultural, é a
complexidade e a multireferência que está em jogo e que pode
oferecer uma visão de homem não mais fragmentada, mas global e
solidária.
CONCEITO E ORGANIZAÇÃO
• A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde
como: o estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não simplesmente a ausência de doença ou
enfermidade.
• * saúde não significa ausência de doença, possibilitando
mudanças conceituais;
* saúde não se limita apenas ao corpo, dizendo respeito a
mente, as emoções, as relações sociais, a coletividade;
* existe necessidade do envolvimento de outros setores
sociais e da própria economia para que as pessoas possam
de fato ter saúde;
* saúde de todos nós, além de ter um caráter individual,
também envolve ações das estruturas sociais, incluindo
necessariamente as políticas públicas;
• Então qual o questionamento em relação a esse conceito?
CONCEITO RE-VISADO
• Falar em completo bem-estar, englobando
vários fatores da vida das pessoas é muito
mais um ideal do que uma possibilidade real.
• Será que é possível um completo bem-estar
físico, mental e social?
• O que será que a palavra completo quer
dizer?
• Isto foi revisto na Conferência Internacional
sobre a Promoção da Saúde, na cidade de
Ottawa, em novembro de 1986, onde surgiu o
conceito de promoção de saúde.
SAÚDE/BEM ESTAR/PROMOÇÃO
• Muitas coisas mudam a partir desse novo conceito:
• * a saúde deixa de ser uma utopia e passa a ser uma
possibilidade;
* a saúde é um processo, isto é, não acontece de um
momento para o outro, requer tempo e o envolvimento de
várias pessoas;
* inclui uma ação nova e fundamental: o controle desse
processo passa a ser responsabilidade de todos os cidadãos.
• Ou seja, o Controle Social.
• Em 1988, a Constituição Federal do Brasil passou a definir
saúde como um direito de todos e um dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação. (Art. 196 e 198)
• Aqui, mais uma vez temos avanços, e quais seriam?
SAÚDE E POLÍTICA
• * saúde passa a ser um direito e não um favor de
algum governo.
* Estado tem o dever de garantir esse direito.
* saúde está diretamente ligada às políticas
sociais e às condições econômicas que sustentam
essa política.
* propõe-se a democratização no acesso
igualitário e universal. Isto quer dizer que todos e
todas têm o mesmo direito, independentemente
de nossas diferenças.
* trata-se de promoção da saúde, o que garante
a prevenção da mesma.
SAÚDE E CUIDADO???
• 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 elaborou uma outra
definição de saúde:
• “A saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. ”
• Ênfase nas condições sociais para uma vida digna como condição
para a saúde.
• A saúde deixa locais específicos, como os hospitais e centros de
saúde, para ir para outros lugares: nossa casa, nossa escola, o ar
que respiramos, a água que bebemos, os alimentos que ingerimos,
o salário que recebemos, o que fazemos nas horas de lazer, e na
liberdade que temos ou deixamos de ter.
• Saúde também resulta da responsabilidade que cada pessoa
precisa ter com o seu próprio bem-estar.
• Diz de auto-cuidado: saber se prevenir, evitar as situações que
colocam a saúde em risco, prestar atenção à alimentação e higiene,
pensar na vida a longo prazo (e não apenas nesse instante).
RESUMINDO
• Resumidamente, o caminho por onde passou o conceito de saúde:
• * Eliminação da doença;
* Estado de completo bem-estar físico, mental e social;
* Construção social;
* Desenvolvimento humano integral;
* Direito humano fundamental;
* Bem público como pré–requisito para o desenvolvimento socioeconômico.
• * Utopia: Em sentido amplo significa a construção de um lugar ideal, que contenha
o progresso social e uma sociedade transformada baseada no humanismo e na
justiça social.
• Art. 196 Constituição Federal:
• “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção
e recuperação.”
Art. 198
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.
195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”
Segre, M. & Ferraz, F.C. Rev. Saúde Pública,
O conceito de saúde 31 (5), 1997 539-542
• A OMS define saúde não apenas como a ausência de doença, mas como a
situação de perfeito bem-estar físico, mental e social.
• Definição avançada para a época em que foi realizada, é, no momento,
irreal, ultrapassada e unilateral.
• Artigo fundamenta objeções à definição de Saúde da OMS, por ser irreal:
aludindo ao “perfeito bem estar”, coloca uma utopia.
• O que é “perfeito bem estar?” É possível caracterizar-se a “perfeição”?
• “Perfeição” como “bem-estar” trazem em seu bojo um subjetivismo.
• Mesmo recorrendo a conceitos “externos” de avaliação (como Saúde
Coletiva), a “perfeição” não é definível.
• Trabalhar com um referencial “objetivista”, isto é, com uma avaliação do
grau de perfeição, bem-estar ou felicidade de um sujeito externa a ele
próprio, automaticamente elevaos te rmos perfeição, bem-estar ou
felicidade a categorias que existem por si mesmas e não estão sujeitas a
uma descrição dentro de um contexto que lhes empreste sentido, a partir
da linguagem e da experiência íntima do sujeito.
• Só poder-se-ia, assim falar de bem-estar, felicidade ou perfeição para um
sujeito que, dentro de suas crenças e valores, legitimando-o.
SAÚDE/ANGÚSTIA
• Por outro lado, a angústia, com repercussão somática
maior ou menor (como um cólon irritativo ou uma
gastrite), configura situação habitual, inerente às
próprias condições do ser humano.
• Divergir de posturas da sociedade, e até marginalizar-
se ou de ser marginalizado frente a essa mesma
sociedade, não obstante o sofrimento que essas
situações trazem, é comum e até desejável para o
homem sintonizado com o ambiente em que vive.
• Nessas condições, não se poderá certamente falar em
“perfeito bem-estar social”.
• Para fins de estatísticas de saúde, as formas de
“avaliação externa” são necessárias.
• Não seria exeqüível “qualitativar-se” esse tipo de
mensuração.
SAÚDE ORGANIZADA
• Médicos dos EUA criaram uma entidade nosológica no C.I.D.: é a
“síndrome da felicidade”, incompatível com a situação do homem, com
suas dificuldades, dúvidas, medos e incertezas.
• Seria dessa “felicidade” que a OMS tiraria seus parâmetros para
caracterizar o “perfeito bem-estar mental”?
• A definição de saúde da OMS está ultrapassada porque ainda distingue
entre o físico, o mental e o social.
• Mesmo a expressão “medicina psicossomática” encontra-se superada:
pela vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência de uma clivagem
entre mente e soma, sendo o social também inter-agente, nem sempre
muito clarao com os dois aspectos mencionados.
• Quando se fala em “bem-estar” implicam-se todos os fatores que sobre
ele influem: está já suficientemente “sentido” pessoalmente, e descrito
em outras pessoas, que o infarto, a úlcera péptica, a colite irritativa, a
asma brônquica, e até mesmo o câncer guardam profundos vínculos com
os estados afetivos dos sujeitos?
• escolha do termo “sujeitos” e não “objetos” ou “vítimas”, dessas
situações é propositada, no sentido de introduzir a ideia de ser a “doença
somática” apenas uma “via a mais” para externar a turbulência afetiva,
tendo sido essa via inconscientemente buscada pelo sujeito, incapaz de
harmonizar os seus conflitos interiores.
SAÚDE/AFETO
• Decorra da percepção dessa “não clivagem” da pessoa a conhecida
expressão “deve se tratar o doente e não a doença”, dando
• Inobservância dessa proposta permite o sucesso de formas não
tradicionais de medicina, por visarem mais a afetividade do
“sujeito”, do que a mera expressão somática de sua turbulência
emocional.
• Percebe-se a extrema dificuldade de aceitação, por muitos
profissionais de saúde, do fato de fincar-se o êxito terapêutico no
relacionamento afetivo com o cliente (o termo paciente não foi,
propositadamente, usado para tornar mais distante a ideia de
exclusiva aceitação, paciente, submissa, com relação ao profissional
de saúde).
• O vínculo afetivo, embutido de confiança recíproca, na dupla que
empreende uma ação de saúde (profissional-cliente), a par dos
aspectos cognitivos, técnicos e científicos, é decisivo para que se
possa esperar a melhora do estado do cliente.
AFETO (IM)POSSÍVEL
• Dir-se-á que no mundo atual, com a medicina em
grande parte socializada (pré-paga), estatal ou não,
com o profissional de saúde habitualmente mal
ressarcido (não dispondo de tempo e espaço afetivo
para dedicar-se seriamente a cada um de seus
pacientes), a criação e preservação dessa ligação
afetiva entre o profissional de saúde e o cliente é tão
irreal quanto a expectativa de “perfeito” bem-estar da
OMS.
• Admite-se que seja assim, em parte, pelo profissional
de saúde, despreparado muitas vezes para o
estabelecimento daquele tipo de vínculo.
SAÚDE/QUALIDADE DE VIDA
• Finalmente, para tecer considerações sobre a mencionada
“unilateralidade” da definição da OMS, há que se discutir o
conceito de “qualidade de vida”.
• O que é “qualidade de vida”?
• Pela Bioética e conceito de autonomia, entende-se que “qualidade
de vida” seja algo intrínseco, só possível de ser avaliado pelo
próprio sujeito.
• Prioriza-se a subjetividade, uma vez que, de acordo inclusive com o
conceito de Bion, a realidade é a de cada um.
• Não há rótulos de “boa” ou “má” qualidade de vida, embora,
conforme já se disse, a saúde pública, para a elaboração de suas
políticas, necessita de “indicadores”.
• Assim, por exemplo, é óbvio que são imprescindíveis, dentro de
uma sociedade, as estatísticas de mortalidade pelas várias doenças.
• Mas, o que é doença? Não é ela, liminarmente, apenas um conceito
estatístico, considerando-se doentes (físicos, mentais ou sociais)
todos os que se situarem fora da assim chamada “normalidade”?
SAÚDE/NORMALIDADE
• Principalmente em psiquiatria (embora isso ocorra, sem
exceções, em todas as especialidades médicas), onde, na
maioria das vezes nem mesmo alterações morfológicas dão
chancela à diversidade dos indivíduos (e, ainda que
dessem, não seria, o raciocínio, o mesmo? - não valerá a
pena ser repensado o valor dessa diversidade
(individualidade), a fim de preservá-la?
• Do fato de, cientificamente, serem conhecidos muitos
“determinantes” genéticos, culturais e até físicos, químicos
e biológicos de muitas patologias, decorrerá o direito ou
não de intervir sobre essas diferenças quando o sujeito,
manifestando sua vontade, não desejar essa intervenção?
O que é o doente? Um ser humano diferente, que talvez
tenha sua vida encurtada.
SAÚDE MENTAL SEDIMENTAL?
• O que é o sofrimento? É dor, subjetiva, de qualquer
origem.
• O tratamento de uma doença, qualquer que seja, apenas
será legítimo (e, conseqüentemente, ético), se o “doente”
manifestar vontade de ser ajudado. Caso contrário, o
“tratamento” poderá tratar-se de “defesa social” (situação
freqüente, em psiquiatria) transvestida de benemerência.
• A autonomia é uma condição que não se outorga a quem
quer que seja: ou se reconhece, ou se nega. Este problema
com relação à psiquiatria já se cronificou entre nós.
• A própria noção da doença mental, como bem demonstrou
Foucalt (1972) foi constituída historicamente.
• Visão positivista – uma exigência metodológica – procura
no corpo anátomo-fisiológico do “louco” o substrato último
para explicar sua “doença”.
SAÚDE DESVIADA?
• Ocorre que, como denunciou o movimento antipsiquiátrico, a
noção de “desvio” pendia mais para um juízo de valor que servia ao
controle e à normalização sociais.
• Enfatizar qualidade de vida é priorizar subjetivismo na reflexão.
Poderá alguém afirmar que um portador de colostomia,
conseqüente a uma cirurgia de câncer intestinal, tem qualidade de
vida pior do que um seguidor obsessivo de regras religiosas,
intimidado perenemente por um Deus que lhe foi inculcado,
independentemente de sua vontade?
• Nesta óptica, vai ficando claro que “realidade” nada mais é do que
uma convergência de subjetivismos.
• Haverá outra forma de conceituar essa realidade, que só pode ser
vista e pensada por pessoas?
• Será que alguém, pelo simples fato de não ter recursos para se
alimentar de acordo com nossos padrões, poderá aprioristicamente
ser considerado com qualidade pior de vida do que uma pessoa
bem alimentada?
SAÚDE???
• Essas considerações, aparentemente radicalizantes,
visam apenas a atenuar a tendência positivista dos
conceitos de saúde que aí estão.
• O presente enfoque é importante para uma visão
ampliada de saúde pública. Necessariamente ela
observa, descreve, avalia e administra indicadores: a
política de saúde louva-se nesses elementos.
• Assim sendo a abordagem “de dentro para fora” do ser
humano, onde o que mais conta é o subjetivismo do
indivíduo, recorrendo-se inclusive à teoria e à vivência
psicanalítica para a sua fundamentação, pode parecer
despropositada e fora do contexto de saúde pública.
• Não é nisto que se pensa.
SAÚDE VISADA
• O destaque à autonomia do ser humano, em que
supostamente existe uma “vontade”, fazendo parte de
uma “psyche” (alma) que transcende ao próprio ambiente
sociocultural e mesmo à sua babagem genética, talvez
permita entender a virtual ineficácia de políticas de saúde
em determinados casos e circunstâncias.
• Esta visão anti-positivista e mais humana das atividades
dos profissionais de saúde pode contribuir para um contato
mais sintônico, mais empático e, conseqüentemente, mais
ético, entre eles e a população assistida.
• Concluindo, dentro desse enfoque, não se poderá dizer que
saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a
sua própria realidade?
R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.20, n.1, p.26-40, jan. 1999 -
PROBLEMATIZANDO CONCEITOS DE SAÚDE, A PARTIR DO
TEMA DA GOVERNABILIDADE DOS SUJEITOS Valéria Lerch Lunardi
• A saúde, o estado de saúde, ser saudável, são termos verbalizados,
freqüentemente, como metas e objetivos a serem buscados e
atingidos pelo exercício da profissão.
• Falar em governabilidade, na verdade, significa falar nos limites ou
pontos de contato entre o governo de si, entendido como exercício de
autonomia, e o governo político de outros, no sentido de
heteronomia.
• Para Caponi (1997), o caráter “mutável”, “móvel” e “subjetivo”
atribuído ao conceito de bem-estar, antes de uma crítica, reafirma o
caráter de subjetividade como um elemento inerente à oposição
saúde-enfermidade.
• Mesmo numa visão de saúde que se restrinja apenas ao âmbito do
biológico, a expressão dos sintomas pelo indivíduo, do que sente, do
que percebe como manifestação em si, estará, sempre, carregada da
sua subjetividade, da sua forma de perceber e sentir que é ou pode
ser diferente do que é sentido e percebido por outro indivíduo.
SAÚDE EM QUESTÃO
• Seu caráter utópico e de subjetividade refere-se à possibilidade desta
conceituação de saúde ser politicamente utilizada “para legitimar estratégias
de controle e de exclusão do que consideramos como indesejável e perigoso”.
• Ao afirmar-se o bem-estar como um valor desejável, seja físico, emocional ou
social, parece que tudo o que é reconhecido como positivo na sociedade, como
produtor da sensação e do sentimento de bem-estar, passa a poder fazer parte
do âmbito da saúde, como “a laboriosidade, a convivência social, a vida
familiar, o controle dos excessos”, caracterizando, ao contrário, como um
desvalor, como o seu “reverso patológico”, tudo o que se apresenta como
negativo, perigoso, indesejável, ou o que é reconhecido como maléfico.
• Por outro lado, se a subjetividade, a condição e o vivido do sujeito, sua história
e o seu modo de viver são fundamentais, será possível determinar
externamente ao sujeito, o que é ou não é o seu próprio estado de bem-estar?
• Será que o que considero e reconheço como bem-estar será o mesmo bem
estar percebido por outras pessoas que vivem em contextos, situações sociais,
extremamente diferentes das minhas?
• É possível determinar, externamente aos sujeitos, o que é o seu estado de
bem-estar?
SAÚDE x SAUDÁVEL
• 1986: condições de alimentação, moradia, educação, lazer, transporte e
emprego, e das formas de organização social de produção, constata que,
além de se dar a superação da tradição higienista e curativa pela
determinação social da doença, a saúde parece situar-se, assim, num
âmbito superestrutural, resultante de uma base sócio-econômica.
• Apesar do mérito deste conceito em articular saúde e sociedade,
concordo com Nascimento de que a saúde não pode ser entendida como
um meio e um instrumento de transformação da sociedade como um
todo, como o eixo principal e norteador das lutas de mudanças da
sociedade.
• Mesmo reconhecendo a importância da saúde, da sua promoção,
preservação e recuperação, em muitas das reivindicações que se fazem
necessárias, há que reconhecer não ser este o foco primordial ou,
necessariamente, a trajetória a ser construída, frente às exigências sociais
que se fazem prementes.
• Por outro lado, sabe-se que tais condições exigidas para alcançar-se a
saúde, na verdade, podem constituir-se apenas em uma possível facção
do problema da saúde, já que, em países desenvolvidos, tais condições
foram alcançadas e, no entanto, as pessoas continuam adoecendo por
outros problemas.
SAÚDE SOCIAL OU DOENTE?
• Além destes argumentos, outros riscos desta conceptualização são
destacados por Caponi (1997, p.7):
• * primeiro, a perda de referência a uma especificidade biológica ou
psíquica da enfermidade, excluindo da polaridade saúde-doença
qualquer afecção não resultante das condições sociais dos indivíduos,
como já abordado em relação às populações dos países mais ricos;
• * segundo problema indica a amplidão e a extensão do conceito que
permitiria a inserção de praticamente todos os âmbitos da existência
dos homens numa relação de saúde-doença, possibilitando a sua
medicalização, isto é, tornando, de uma certa forma, até “desejável” a
medicalização da existência.
• Dentre outros equívocos possíveis, decorrentes do uso de um
conceito de saúde tão abrangente, é ressaltado o perigo nas
exigências de “reivindicações e direitos que nem sempre podem ser
reduzidos à parâmetros de saúde, como é o caso, por exemplo, do
direito à autonomia, como ao legitimar uma extensão de respostas
‘terapêuticas’ para qualquer conflito social”.
SAÚDE PRÓPRIA???
• Garcia (1997, p.103-104), em pesquisa realizada em um Centro de
Saúde de Florianópolis, com o objetivo de discutir o caráter
educativo das ações em saúde, constata, por parte dos usuários, a
vinculação de saúde com um estado de bem-estar, como algo “que
sente”, de sentir-se bem, de “estar bem consigo”, de “estar feliz”,
de “estar de bem com a vida”.
• Os entrevistados não fazem qualquer referência à saúde como
decorrente de determinantes que não estejam relacionados com o
seu sentir individual e próprio.
• Parece importante destacar que tal análise não tem a intenção de
legitimar as desigualdades sociais vividas pelos homens, na
sociedade, com as quais discordo profundamente.
• Antes, objetiva reconhecer e admitir que há pessoas, por exemplo,
que não usufruem de lazer ou da liberdade, segundo minha
concepção e valores e, entretanto, podem e se reconhecem,
freqüentemente, como vivendo em estado de saúde.
SAÚDE DO HOMEM
• Por outro lado, mesmo que num sentido
abrangente, se a saúde fosse a resultante de tais
condições (transporte, emprego, entre outras)
como entender que pessoas que não desfrutam
de tais condições, aparentemente, possam
encontrar-se e reconhecer-se em estado de
saúde?
• Somente o próprio homem pode avaliar as
mudanças que sofre - pathós -, pela sua própria
experiência cotidiana.
• Gadamer: Saúde é o silêncio dos órgãos.
SAÚDE VIVIDA
• Déjours: saúde é assunto ligado a cada ser humano, um
compromisso do homem com sua realidade. O humano precisa
buscar meios para um caminho singular e original em direção ao
bem estar, com liberdade de avaliar e regular as variações
orgânicas, de administrar a própria vida e de agir por si e
coletivamente, junto aos outros, tanto no trabalho organizado
como nas relações sociais.
• Canguilhem: saúde é o que deseja a terapêutica ou aquele que a
tem ou não?. Saúde é instituir novas normas e transgredir as
habituais, dada a variação das situações. Saúde é uma margem de
tolerância às infidelidades do mundo: acontecimentos inesperados,
movimento fundamental como historicidade que o humano é.
• Direito de ser quem se é, pois o ser saudável revela a diferença
entre o conceito e a experiência vivida. Saúde é ser cada um seu
próprio agente de saúde em diálogo com quem é capaz de fazer
uma terapia (serviço) para tratamento (apalpar).
SAÚDE: ATO OU AÇÃO?
• Ao afirmar, como papel dos profissionais de saúde, o exercício da
implementação de estados de equilíbrio do ser humano pelo
atendimento das suas necessidades básicas, há o risco não só
implícito, mas bastante claro, de que em nome da saúde dos
clientes, os profissionais possam ou busquem “atuar” e interferir no
atendimento de todas as necessidades dos sujeitos, o que, na
verdade, pela sua abrangência, poderia significar a interferência na
existência do homem como um todo.
• Focalizando, de modo mais específico, o seu conceito de saúde,
questiona-se se será possível, além de ético, externamente aos
sujeitos, reconhecidos como conscientes, livres e autônomos,
determinar e identificar seus estados de equilíbrio ou
desequilíbrio?
• Constata-se, a partir das análises realizadas sobre os conceitos de
saúde da OMS, da VIII CNS e de Horta, que há três
conceptualizações.
SAÚDE CUIDADA??????????
• Tais modos parecem ter elementos comuns que poderiam ser apontados e
criticados:
• a extensão da saúde a todos os âmbitos da existência, em relação ao alcance de um
estado de bem-estar físico, social e mental; seja pelo conceito abrangente de saúde;
seja através do atendimento das necessidades psicobiológicas, psicossociais e psico-
espirituais;
• a medicalização da saúde e, consequentemente, da vida dos indivíduos, já que toda
a sua existência torna-se passível de ser focalizada, abordada e “assistida” como um
assunto de saúde, e, em especial, pelos profissionais de saúde, especialistas desta
área;
• o domínio do saber médico e, por extensão, do saber da enfermagem como
possibilidade para resolver, até, os problemas e conflitos existenciais mais internos,
o que parece mais explícito e evidente em Horta;
• a função do médico ou da enfermeira podendo assemelhar-se à função do pastor3:
no conceito de saúde da OMS, quando não apenas o bem-estar físico é reconhecido
como saúde, mas, também, o bem-estar mental e social; no conceito da VIII CNS, ao
abranger no seu conceito de saúde, não só as condições de alimentação, transporte
e moradia, mas as de liberdade, do uso do tempo livre e do lazer, por exemplo; em
Horta, ao abordar a possibilidade de atendimento, pela enfermagem, dentre outras,
de necessidades como de auto-realização, auto-imagem, amor e filosofia de vida.
SAÚDE/CUIDADO
• Foucault apresenta o poder pastoral como um tipo de poder exercido pelo pastor
não só ao rebanho como um todo, de modo totalizante, mas a cada ovelha,
individualmente, de modo abnegado, repleto de responsabilidade e bondade
compassiva, em que o pastor responsabiliza-se por suas ovelhas e pelo rebanho
como um todo requerendo saber e conhecer tudo o que se passa na intimidade da
sua alma.
• A importância e a pertinência do poder pastoral e do poder político, para o
entendimento de como as sociedades modernas organizam-se e funcionam,
encontra-se no entrecruzamento que se dá entre o poder político do Estado, como
estrutura jurídica, e o poder pastoral que tem como função prestar ajuda e
exercer o cuidado contínuo e permanente dos indivíduos e das populações.
• Analisando a política de saúde do século XVIII, Foucault verifica que a partir da
disciplinarização e da medicalização do ambiente hospitalar, o hospital converte-
se em local de produção e de transmissão de saber.
• Os indivíduos e seus corpos, assim como os corpos das populações, tornam-se
objeto de saber e de prática médicos.
• O corpo das populações torna-se a meta final do governo: Estado assume a função
de organização da sociedade como meio de bem-estar, saúde e longevidade, pela
necessidade de preservação da força de trabalho, mas mais ainda, pela
necessidade econômico-política de governo da população. (Foucault, 1990)
Sobre o conceito de saúde: desconstruindo a definição de saúde.
Luis Salvador de Miranda Sá Junior. Jornal do Conselho Federal de Medicina (CFM) jul/ago/set
de 2004, pg 15-16
• Etimologicamente, do latim sanitas, refere-se à integridade anátomo-funcional dos
organismos vivos (sanidade).
• Não se trata de conceito unívoco, pois há mais de uma significação, que podem ser
confundidas, com algumas frequentes:
• a) sanidade: ausência de enfermidade em um ser vivo (o mais antigo significado, como
em: esteve doente, recuperou a saúde);
• b) saudação amistosa (à moda dos romanos antigos);
• c) rito verbal exclamativo, quando alguém espirra;
• d) estado de capacidade, energia, disposição e vigor físico ou mental (como em não tenho
saúde para esse trabalho), sentido figurado e metafórico;
• e) sentir-se bem ou, ao menos, não se sentir mal (a saúde se manifesta no silêncio dos
órgãos, diziam os antigos);
• f) área do conhecimento e campo de estudo sobre a saúde, as ciências da saúde (enfim,
todos os estudos sanitários que se interessam pelos indivíduos e comunidades, as
ciências da saúde);
• g) de-signação sintética dos programas, estabelecimentos, agências ou organismos
sociais públicos ou privados destinados a cuidar da saúde dos indivíduos e comunidades;
• h) atividade política pública ou programa social governamental voltado para os cuidados
com a saúde individual ou coletiva e para a administração destes serviços (como em
funcionário da saúde, profissão de saúde, Ministério da Saúde e secretaria de Saúde).
SAÚDE/CUIDADO ORGANIZADOS
• Neste último sentido, saúde (melhor seria dizer ação,
estabelecimento ou sistema de cuidados com a saúde) quer dizer
atividade sanitária consubstanciada nas ações e serviços de saúde;
na atividade dos trabalhadores e dos estabelecimentos ou agências
de saúde, nos programas e planos de saúde e nas ações de saúde
públicas ou privadas.
• Quando se diz: a saúde é direito do cidadão e dever do Estado,
funcionário da saúde, profissional da saúde ou orçamento da
saúde, é com o sentido de assistência ou cuidado com a saúde que
o termo é utilizado.
• De fato, como seria possível um orçamento do bem-estar físico,
mental e social, ou ser um funcionário da ausência de doença, ou o
Estado garantir a sanidade de alguém ou de algum animal ou
vegetal?
• O que a Constituição chama de saúde?
• Exatamente o último dos sentidos apontados para o termo:
atividade política pública
SAÚDE OFICIAL
• A Constituição brasileira declara a saúde como direito social (art.
6º), direito de todo cidadão e, conseqüentemente, dever do Estado
(art. 196).
• Quem se debruçar sobre a Constituição do Brasil verificará que,
nela, saúde significa “políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação” (art. 196).
• Aqui saúde quer dizer assistência à saúde ou “atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assisten-ciais”, “com participação da comunidade” (art.
198, incisos II e III).
• Donde se depreende que a legislação brasileira chama de saúde ao
sistema social de atendimento à saúde das pessoas e das
comunidades.
• Ninguém, honestamente, tem o direito de pretender outra coisa
para este significante neste contexto particular.
O conceito de bem-estar
• O primeiro significado de bem-estar pode ser a noção subjetiva de sentir-
se bem, não ter queixas, não apresentar sofrimento somático ou psíquico,
nem ter consciência de qualquer lesão estrutural ou de prejuízo do
desempenho pessoal ou social (inclusive familiar e laboral): bem-estar
significa sentir-se bem e não apenas não se sentir mal.
• Mas bem-estar também significa condição de satisfação das necessidades
(conscientes ou inconscientes, naturais ou psicossociais).
• Nos seres humanos, implica na satisfação das necessidades biológicas, o
bem-estar físico; das necessidades psicológicas, o bem-estar mental; e das
necessidades sociais, o bem-estar social.
• Não basta estarem satisfeitas essas necessidades, mas perfeitamente (ou
completamente) atendidas, como explicita a OMS.
• A identificação da saúde com bem-estar pode ter tido a finalidade de
superar as dificuldades metafísicas da definição negativa ou o propósito
estratégico de dissociá-la dos conceitos de enfermidade e invalidez.
• Dois propósitos foram obtidos.
• Tem o mérito de incluir as condições psicossociais como de saúde, mas,
na prática, re-velou seu caráter utópico e sua inoperacionalidade.
BEM-ESTAR CONCEITUADO
• Conceito de bem-estar não tem a univocidade exigida pelo pensamento científico:
pode significar não se sentir mal, sentir-se bem ou ter satisfeitas suas necessidades.
• Por isso, o conceito de saúde da definição da OMS, mesmo que estivesse bem
construído, dependeria do significado do conceito de bem-estar, ausente dele.
• A rigor, a proposição da OMS significa que o ente nela caracterizado deve ter
perfeita ou completamente atendidas todas as suas necessidades.
• Isto é, para ser considerado saudável o ser vivo deve ter satisfeitas todas as suas
necessidades, quando os humanos criam sempre novas necessidades, configurando
o caráter utópico desta caracterização de saúde.
• Em termos de satisfação das necessidades ou com referência a sentir-se bem, para
os seres humanos, desfrutar completo bem estar é, no mínimo, algo impossível
mesmo de se cogitar como utopia distante, na qual as pessoas em geral (ou alguma
pessoa em particular) possam ter satisfeitas todas as suas necessidades individuais
e sociais, em todos os planos de sua existência (o biológico, o psicológico e o
social).
• Por esta conceituação, saúde implica em perfeito bem-estar ou completo bem-estar
(dependendo da tradução).
• Por outro lado, a insatisfação resultante de um estado de mal-estar pode ser positiva,
isto é, um fator de saúde, na medida em que pode ser condição de desenvolvimento
e aperfeiçoamento.
• Estado de insatisfação que costuma ser condicionante poderoso na conduta de
indivíduos e coletividades, podendo, mesmo, ser encarado como fator essencial da
evolução de indivíduos e da espécie.
BEM-ESTAR CONFUNDIDO
• Considerando-se a menor possibilidade, pode-se pretender
que o mal-estar constitua componente essencial da condição
humana.
• Característica dos humanos é se mostrarem insatisfeitos.
• Incapazes de completa satisfação tem sido importante
componente de sua identidade e de seus mecanismos
adaptativos.
• Sempre que o ser humano vê satisfeitas suas necessidades
num momento, no seguinte cria outras: homo insatisfactus.
• Desse modo, a “definição” de saúde adotada pela OMS não é
definição vulgar e nem definição científica, pois discorda das
exigências contemporâneas referentes à elaboração das
definições (científicas ou não);
• Tampouco é uma concepção ampla de saúde, mas apenas
uma mal elaborada concepção de saúde humana.
História do Conceito de Saúde. MOACYR SCLIAR. PHYSIS: Rev.
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):29-41, 2007, p.29-41
• A concepção mágico-religiosa partia do princípio de que a doença resulta
da ação de forças alheias ao organismo que neste se introduzem por
causa do pecado ou de maldição.
• Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação
de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo,
um sinal da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o
Grande Médico: “Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26);
“De Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9).
• A doença era sinal de desobediência ao mandamento divino,
proclamando o pecado, quase sempre em forma visível, como no caso da
lepra, doença contagiosa, sugerindo contato entre corpos humanos,
contato que pode ter evidentes conotações pecaminosas.
• Sem tratamento disponível, a lepra podia ser doença, mas era também, e
sobretudo, um pecado.
• O doente era isolado até a cura, um procedimento que o cristianismo
manterá e ampliará: o leproso era considerado morto com missa rezada
de corpo presente, após o que ele era proibido de ter contato com outras
pessoas ou enviado para um leprosário.
• Esse tipo de estabelecimento era muito comum na Idade Média, em parte
porque o rótulo de lepra era freqüente, sem dúvida abrangendo
numerosas outras doenças.
SAÚDE RELIGIOSA
• Os preceitos religiosos do judaísmo expressam-se com freqüência em leis dietéticas,
que figuram, em especial, nos cinco primeiros livros da Bíblia (Torá, ou Pentateuco).
• Sua finalidade mais evidente é a de manter a coesão grupal, acentuando as diferenças
entre hebreus e outros povos do Oriente Médio.
• Podem ter funcionado na prevenção de doenças, sobretudo de doenças transmissíveis:
um animal não poderia ser abatido por pessoa que tivesse doença de pele, pois lesões
de pele podem conter micróbios.
• Moluscos eram proibidos, e dessa forma certas doenças, como a hepatite transmitida
por ostras, podiam ser evitadas, embora não significasse que a prevenção fosse
exercida conscientemente, pois as causas das doenças infecciosas eram
desconhecidas.
• Seria muito difícil, por exemplo, associar a carne de porco à transmissão da
triquinose.
• Para isto há uma explicação ecológica: a criação de suínos, no Oriente Médio, seria um
contra-senso, por tratar-se de uma região árida, sem a água de que esses animais
necessitam como forma de manter seu equilíbrio térmico.
• Além disso, povos nômades teriam dificuldades em manter um animal que se move
pouco, como o porco.
• Finalmente, ao contrário dos bovinos, que servem como animal de tração e que
proporcionam leite, o suíno só fornece a carne - uma luxúria, portanto, uma tentação
que era evitada pelo rígido dispositivo da lei.
SAÚDE/CULTURA
• Em outras culturas era o xamã, o feiticeiro tribal, quem se encarregava de
expulsar, mediante rituais, os maus espíritos que se tinham apoderado da
pessoa, causando doença.
• O objetivo é reintegrar o doente ao universo total, do qual ele é parte.
Esse universo total não é algo inerte: ele “vive” e “fala”; é um
macrocorpo, do qual o Sol e a Lua são os olhos, os ventos, a respiração, as
pedras, os ossos (homologação antropocósmica).
• A união do microcosmo que é o corpo com o macrocosmo faz-se por meio
do ritual.
• Entre os índios Sarrumá, na região da fronteira entre Brasil e Venezuela, o
conceito de morte por causa natural ou mesmo por acidente
praticamente inexiste: sempre resulta da maldição de um inimigo ou,
então, conduta imprudente, como comer um animal tabu, e o espírito
desse animal vinga-se provocando doença e morte.
• A tarefa do xamã é convocar espíritos capazes de erradicar o mal.
• Para isso ele passa por um treinamento longo e rigoroso, com prolongada
abstinência sexual e alimentar, aprendendo as canções xamanísticas e
utilizando plantas com substâncias alucinógenas que são chamarizes para
os espíritos capazes de combater a doença.
SAÚDE/MEDICINA/ANTIGA
• A medicina grega representa uma importante inflexão na maneira de encarar a doença. Na
mitologia grega, várias divindades estavam vinculadas à saúde, cultuando além da divindade da
medicina, Asclepius, ou Aesculapius (figura histórica na Ilíada), duas outras deusas, Higieia, a
Saúde, e Panacea, a Cura. Ora,
• Higieia era uma das manifestações de Athena, a deusa da razão, e o seu culto representa uma
valorização das práticas higiênicas.
• Panacea representa a idéia de que tudo pode ser curado - uma crença basicamente mágica ou
religiosa -, devendo-se notar que a cura, para os gregos, era obtida pelo uso de plantas e de
métodos naturais, e não apenas por procedimentos ritualísticos.
• Tal visão religiosa antecipa a entrada do pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.): ou uma
figura imaginária, mas há referências à sua existência em textos de Platão, Sócrates e Aristóteles,
sendo que vários escritos que lhe são atribuídos, formando o Corpus Hipocraticus, provavelmente
trabalho de várias pessoas, por longo período de tempo.
• Tais escritos traduzem uma visão racional da medicina, diferente da concepção mágico-religiosa:
começa com a seguinte afirmação: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais
divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem
supostamente divina reflete a ignorância humana”.
• Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile
negra, fleuma e sangue, sendo a saúde baseada no equilíbrio desses elementos: homem como
unidade organizada e a doença como uma desorganização desse estado.
• Obra hipocrática valorizava a observação empírica, como o demonstram os casos clínicos nela
registrados, reveladores de uma visão epidemiológica do problema de saúde-enfermidade:
apoplexia mais comum entre as idades de 40 e 60 anos e a tísica ocorre mais freqüentemente
entre os 18 e os 35 anos.
SÁUDE/HOMEM/MUNDO
• Essas observações não se limitavam ao paciente em si, mas a seu ambiente: texto
“Ares, águas, lugares” discute os fatores ambientais ligados à doença, defendendo
um conceito ecológico de saúde-enfermidade.
• Emerge a idéia de miasma: emanações de regiões insalubres capazes de causar
doenças como a malária, muito comum no sul da Europa e uma das causas da
derrocada do Império Romano, cujo nome vem do latim “maus ares”, já que os
romanos incorporaram os princípios da medicina grega.
• Galeno (129-199) revisitou a teoria humoral e ressaltou a importância dos quatro
temperamentos no estado de saúde, vendo a causa da doença como endógena,
ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em
hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio.
• No Oriente, a concepção de saúde e de doença seguia um rumo diferente, mas de
certa forma análogo ao da concepção hipocrática: forças vitais que existem no
corpo que, quando funcionam de forma harmoniosa, há saúde, caso contrário,
sobrevem a doença.
• As medidas terapêuticas (acupuntura, ioga) têm por objetivo restaurar o normal
fluxo de energia (“chi”, na China; “prana”, na Índia) no corpo.
• Na Idade Média européia, a influência da religião cristã manteve a concepção da
doença como resultado do pecado e a cura como questão de fé.
• O cuidado de doentes estava, em boa parte, entregue a ordens religiosas, que
administravam inclusive o hospital, instituição que o cristianismo desenvolveu
muito, não como um lugar de cura, mas de abrigo e de conforto para os doentes.
SAÚDE/CORPO/MENTE
• Mas, ao mesmo tempo, as idéias hipocráticas se mantinham,
através da temperança no comer e no beber, na contenção sexual e
no controle das paixões, procurando evitar o contra naturam
vivere, viver contra a natureza.
• O advento da modernidade mudará essa concepção religiosa.
• O suíço Paracelsus (1493-1541) afirmava que as doenças eram
provocadas por agentes externos ao organismo, com a química se
desenvolvendo e influenciando a medicina no rastro da alquimia.
• Dizia Paracelso que, se os processos que ocorrem no corpo humano
são químicos, os melhores remédios para expulsar a doença seriam
também químicos, e passou então a administrar aos doentes
pequenas doses de minerais e metais, notadamente o mercúrio,
empregado no tratamento da sífilis, doença que, em função da
liberalização sexual, se tinha tornado epidêmica na Europa.
• Já o desenvolvimento da mecânica influenciou as ideias de René
Descartes, no século XVII, postulando o dualismo mente-corpo: o
corpo funcionando como uma máquina.
DOENÇA SAUDADA
• Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da anatomia, conseqüência da
modernidade, afastou a concepção humoral da doença, que passou a ser
localizada nos órgãos.
• No famoso conceito de François Xavier Bichat (1771-1802), saúde seria o “silêncio
dos órgãos”.
• Mas isto não implicou grandes progressos na luta contra as doenças, que eram
aceitas com resignação: Pascal dizia que a enfermidade é um caminho para o
entendimento do que é a vida, para a aceitação da morte, principalmente de
Deus.
• Mais tarde, os românticos não apenas aceitariam a doença, como a desejariam:
morrer cedo (de tuberculose, sobretudo) era o destino habitual de poetas e
músicos como Castro Alves e Chopin: para o romantismo alemão, a doença
refinaria a arte de viver e a arte propriamente dita.
• Saúde, nestas circunstâncias, era até dispensável.
• Mas a ciência continuava avançando e no final do século XIX registrou-se aquilo
que depois seria conhecido como a revolução pasteuriana.
• No laboratório de Louis Pasteur e em outros laboratórios, o microscópio,
descoberto no século XVII, mas até então não muito valorizado, estava revelando
a existência de microorganismos causadores de doença e possibilitando a
introdução de soros e vacinas.
• Era uma revolução porque, pela primeira vez, fatores etiológicos até então
desconhecidos estavam sendo identificados; doenças agora poderiam ser
prevenidas e curadas.
SAÚDE CONTADA
• Esses conhecimentos impulsionaram a chamada medicina tropical, já que
o trópico atraía a atenção do colonialismo, e os empreendimentos
comerciais eram ameaçados pelas doenças transmissíveis endêmicas e
epidêmicas.
• Daí a necessidade de estudá-las, preveni-las, curá-las.
• Nessa época nascia também a epidemiologia, baseada no estudo pioneiro
do cólera em Londres, feito pelo médico inglês John Snow (1813-1858), e
que se enquadrava num contexto de “contabilidade da doença”.
• Se a saúde do corpo individual podia ser expressa por números - os sinais
vitais -, o mesmo deveria acontecer com a saúde do corpo social: ela teria
seus indicadores, resultado desse olhar contábil sobre a população e
expresso em uma ciência que então começava a emergir, a estatística.
• O termo é de origem alemã, Statistik, e deriva de Staat, Estado, o que é
bastante significativo, pois o desenvolvimento da estatística coincide com
o surgimento de um Estado forte, centralizado.
• A estatística teve boa acolhida na Inglaterra, onde vigorava a ideia, mais
tarde expressa em um famoso dito de Lord Kelvin (William Thomson,
1824-1907), segundo o qual tudo que é verdadeiro pode ser expresso em
números.
SÁUDE URBANIZADA
• Na verdade, métodos numéricos no estudo da sociedade, aí incluída a situação de
saúde, já haviam sido introduzidos no século XVII.
• O médico proprietário rural William Petty (1623-1687) iniciara o estudo do que
denominava de “anatomia política”, coletando dados sobre população, educação,
produção e também doenças. Esse processo ganhou impulso no século XIX.
• Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, também surgiram estudos desse tipo:
é que ali se faziam sentir com mais força os efeitos, sobre a saúde, da urbanização,
da proletarização.
• Esta a situação levou Friedrich Engels a escrever Condição da classe trabalhadora
na Inglaterra., e a partir de 1840 aparecem os Bluebooks e inquéritos estatísticos.
• Pioneiro nas estatísticas de saúde foi William Farr (1807-1883), médico e em 1839
diretor-geral do recémestabelecido General Register Office da Inglaterra.
• Seus Annual Reports, nos quais os números de mortalidade se combinavam com
vívidos relatos, chamaram a atenção para as desigualdades entre os distritos
“sadios” e os “não-sadios” do país.
• Em 1842, Edwin Chadwick (1800-1890), advogado, escreveu um relatório : As
condições sanitárias da população trabalhadora da Grã-Bretanha, impressionando
o Parlamento, que em 1848 promulgou lei (Public Health Act) criando uma
Diretoria Geral de Saúde, para propor medidas de saúde pública e de recrutar
médicos sanitaristas.
• Dessa forma teve início oficial o trabalho de saúde pública na Grã-Bretanha.
SAÚDE “CIDADÔ
• Em 1850, nos Estados Unidos, Lemuel Shattuck, livreiro, faz um relato sobre as
condições sanitárias em Massachusetts - e uma diretoria de saúde é criada nesse
Estado, reunindo médicos e leigos.
• Ao mesmo tempo, outras revoluções ocorriam, como a de 1848, como a Comuna
de Paris: Karl Marx estava diagnosticando os males do capitalismo e propondo
profundas modificações na sociedade.
• Mesmo que estas não ocorressem, modificações precisavam ser feitas.
• Os capitalistas e latifundiários precisavam, para Otto von Bismarck, o “chanceler
de ferro”, serem salvos deles próprios, de sua ganância que ameaçava sacrificar a
mão-de-obra operária.
• Bismarck criou, em 1883, um sistema de seguridade social e de saúde que, por
vários aspectos, foi pioneiro.
• Na Alemanha já tinha surgido, em 1779, a ideia da intervenção do Estado na área
de saúde pública, sendo publicado o System einer Vollständigen medicinischen
Polizei, obra pela qual Johan Peter Frank (1745-1821) lançava o conceito,
paternalista e autoritário, de polícia médica ou sanitária.
• Depois da Alemanha, o sistema foi implantado na França, que, tendo anexado a
Alsácia-Lorena após a Primeira Guerra Mundial, não quis privar a população dessa
região dos benefícios de que gozava sob o Império Alemão.
SAÚDE POLITIZADA
• Vários outros países foram copiando o sistema. Mudança substancial
ocorreria à época da Segunda Guerra, na Grã-Bretanha.
• Com o intuito de oferecer ao povo inglês uma espécie de compensação
pelas agruras sofridas com o conflito bélico, o governo de Sua Majestade
encarregou, em 1941, Sir William Beveridge de fazer um diagnóstico da
situação do seguro social, submetendo ao governo um plano, em
conseqüência do qual foi criado, como parte do Welfare System, que
prometia proteção “do berço à tumba”, o Serviço Nacional de Saúde,
destinado a fornecer atenção integral à saúde a toda a população, com
recursos dos cofres públicos.
• Mas não havia ainda um conceito universalmente aceito do que é saúde.
• Para tal seria necessário um consenso entre as nações, possível de obter
somente num organismo internacional.
• A Liga das Nações, surgida após o término da Primeira Guerra, não
conseguiu esse objetivo: foi necessário haver uma Segunda Guerra e a
criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização
Mundial da Saúde (OMS), para que isto acontecesse.
SAÚDE CONCEITUADA UNIVERSAL
• Conceito da OMS, na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (o Dia Mundial da
Saúde), reconhecendo o direito à saúde e a obrigação do Estado na promoção e
proteção da saúde: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência de enfermidade”.
• Refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o
fim do colonialismo, a ascensão do socialismo.
• Saúde deveria expressar o direito a uma vida plena, sem privações: útil para analisar
fatores que intervêm sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua
vez, intervir, é o de campo da saúde (health field), formulado em 1974 por Marc
Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá - país que aplicava o
modelo médico inglês, pelo qual o campo da saúde abrange:
• * a biologia humana: herança genética e os processos biológicos inerentes à vida,
incluindo os fatores de envelhecimento;
• * o meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho;
• * o estilo de vida, com decisões que afetam a saúde: fumar ou não, beber ou não,
praticar ou não exercícios;
• * a organização da assistência à saúde: assistência médica, os serviços ambulatoriais e
hospitalares e os medicamentos pensados quando se fala em saúde.
SAÚDE REVISADA
• São apenas componentes do campo da saúde, e não necessariamente os
mais importantes: é mais benéfico para a saúde ter água potável e
alimentos saudáveis do que dispor de medicamentos, evitar o fumo do
que submeter-se a radiografias de pulmão todos os anos.
• É claro que essas coisas não são excludentes, mas a escassez de recursos
na área da saúde obriga, muitas vezes, a selecionar prioridades.
• A amplitude do conceito da OMS (visível também no conceito canadense)
acarretou críticas, algumas de natureza técnica (a saúde seria algo ideal,
inatingível).
• Definição não pode ser usada como objetivo pelos serviços de saúde,
outras de natureza política, libertária: o conceito permitiria abusos por
parte do Estado, que interviria na vida dos cidadãos, sob o pretexto de
promover a saúde.
• Em decorrência da primeira objeção, surge o conceito de Christopher
Boorse (1977): saúde é ausência de doença.
• A classificação dos seres humanos como saudáveis ou doentes seria uma
questão objetiva, relacionada ao grau de eficiência das funções biológicas,
sem necessidade de juízos de valor.
SAÚDE PÚBLICA
• Uma resposta a isto foi dada pela declaração final da Conferência
Internacional de Assistência Primária à Saúde realizada na cidade Alma-
Ata (no atual Cazaquistão), em 1978, promovida pela OMS.
• A abrangência do tema foi até certo ponto uma surpresa: a par de suas
tarefas de caráter normativo - classificação internacional de doenças,
elaboração de regulamentos internacionais de saúde, de normas para a
qualidade da água - a OMS havia desenvolvido programas com a
cooperação de países-membros, mas esses programas tinham tido como
alvo inicial duas doenças transmissíveis de grande prevalência: malária e
varíola.
• O combate à malária baseou-se no uso de um inseticida depois
condenado, o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), tendo êxito expressivo
mas não duradouro.
• A seguir foi desencadeado, já nos anos 60, o Programa de Erradicação da
Varíola, escolhida não tanto por sua importância como causa de
morbidade e mortalidade, mas pela magnitude do problema (os casos
chegavam a milhões) e pela redutibilidade: a vacina tinha alta eficácia, e
como a doença só se transmite de pessoa a pessoa, a existência de grande
número de imunizados privaria o vírus de seu hábitat.
• Foi o que aconteceu: o último caso registrado de varíola ocorreu em 1977
e a erradicação de uma doença foi um fato inédito na história da
Humanidade.
POLÍTICA/SAÚDE
• Quando se esperava que a OMS escolhesse outra doença transmissível para alvo, a
Organização ampliou consideravelmente seus objetivos, como resultado de uma
crescente demanda por maior desenvolvimento e progresso social.
• Eram anos em que os países socialistas desempenhavam papel importante na
Organização - não por acaso, Alma-Ata ficava na ex-União Soviética.
• A Conferência enfatizou as enormes desigualdades na situação de saúde entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos; destacou a responsabilidade
governamental na provisão da saúde e a importância da participação de pessoas e
comunidades no planejamento e implementação dos cuidados à saúde.
• Trata-se de uma estratégia que se baseia nos seguintes pontos: 1) as ações de
saúde devem ser práticas, exeqüíveis e socialmente aceitáveis; 2) devem estar ao
alcance de todos, pessoas e famílias - portanto, disponíveis em locais acessíveis à
comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente na implantação e na
atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos serviços deve ser compatível com a
situação econômica da região e do país.
• Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados primários de saúde
representam a porta de entrada para o sistema de saúde, do qual são,
verdadeiramente, a base.
• O sistema nacional de saúde, por sua vez, deve estar inteiramente integrado no
processo de desenvolvimento social e econômico do país, processo este do qual
SAÚDE COM CUIDADO• Os cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas,
socioculturais e políticas de uma região deveriam incluir: educação em saúde,
nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento
familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e de outros
freqüentes agravos à saúde, provisão de medicamentos essenciais.
• Haver uma integração entre o setor de saúde e os demais, como agricultura e
indústria.
• Conceito de cuidados primários de saúde tem conotações: proposta racionalizadora,
mas também política.
• Em vez da tecnologia sofisticada oferecida por grandes corporações, propõe
tecnologia simplificada, “de fundo de quintal”: no lugar de grandes hospitais,
ambulatórios; de especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma
lista básica de medicamentos - enfim, em vez da “mística do consumo”, uma
ideologia da utilidade social, como série de juízos de valor, que os pragmáticos da
área rejeitam.
• A pergunta é: como criar uma política de saúde pública sem critérios sociais, sem
juízos de valor?
• Constituição Federal de 1988, artigo 196 evita discutir o conceito de saúde: “A saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação”.
• Princípio do SUS, colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como
cidadãos e como seres humanos.
IN-CONCLUINDO
• As mudanças sócio-culturais em curso,
requisitando alternativas para a promoção de
saúde e educação, necessitam ser
contempladas pela oferta de reflexões
teórico-práticas para a formação, de
profissionais dessas áreas, mais pertinente às
demandas de seus serviços no contexto social
contemporâneo, e não por significados
institucionalizantes atribuídos historicamente.
SAÚDE: ETIMOLOGIA
HERMENÊUTICA
• sa·lute Etimologia: inglês medieval: saluten, do Latim salutare, do Latin
salut-, salus saúde, segurança, saudação – aproxima-se a salvo
• 1 a : dirigir-se com expressões de gentil cortesia ou honra; b arcaico: to
hail with the title or epithet of; c : aparecer, ir adiante, ou abrir-se em
canção como para recepcionar; d: tornar-se aparente a: impressionar-se;
• 2 a: dar um sinal de respeito, cortesia ou boa sorte; b: cumprimentar por
ato de cerimônia convencional; c: fazer um sinal de saudação formal a um
oponente; d: honorar;
3 a: to honor (uma pessoa, nação ou evento) por cerimônia convencional;
b: mostrar respeito ou reconhecimento assumindo posição cuidada com
reverência; c: expressar alta consideração, apreciar
• Verbo intransitivo: fazer uma saudação, saudar.
SAÚDE: ETIMOLOGIA
HERMENÊUTICA
• Saúde (SUBSTANTIVO)
• Inglês medieval salut, do Latim salut-, salus = saúde,
segurança, saudação;
• 1: fala ou gesto expressando benvinda,
reconhecimento ou cortesia;
• 2: antiga moeda de ouro francesa ou gaulesa com a
figura da Virgem o anjo da Anunciação;
• 3 a: sinal ou cerimonial (como um beijo ou uma
cumbuca) expressando boa sorte, cumprimento ou
respeito; b: saudação formal de par prestes a
comprometer-se.
SAUDAÇÃO: ETIMOLOGIA
HERMENÊUTICA
• Saudação: Inglês medieval salutacioun, do
Latim salutation-, salutatio, de salutatus
(particípio passado de salutare (saudar) +
-ion-, -io -ion – como Saúde
1 a : ato ou ação de saudar (expressando boa
sorte ou cortesia); b: gesto ou cerimônia de
apreciação; c: fala de apreciação: tributo.
ORIGEM de CUIDADO
• Grego: g rys (voz); Gótico : kara (lamento), Latim: garrire (balbuciar), curare
• = ouvir o lamento como SOFRIMENTO
• Peso de preocupação incerta, apreensiva ou medo, para considerar encaminhamentos
• Atenção acompanhada por interesse e responsabilidade
• Consideração, inclinação
• Encargo, Supervisão: responsabilidade ou atenção para segurança e bem estar, como sob
o “cuidado” médico
• Custódia: encargo temporário, quando alguém é designado por outra pessoa ou agência
• Direção de atenção, ansiedade ou solicitude à pessoa ou coisa
• Solicitude: protetividade apreensiva ou reflexiva atentividade ou consideração para o bem
estar de outro
• Preocupação: interesse no bem estar ou segurança de outro, carregada de apreensão ou
dúvida de dificuldades ou falhas pela responsabilidade implicada
• Ansiedade: forte desgaste pela expectativa de mal resultado outcome
• Sinônimos para cuidadoso: meticuloso, escrupuloso, pontual, variada mistura de
atentividade e caução
PREOCUPAÇÃO: ETIMOLOGIA
HERMENÊUTICA
• Do Latim praeoccupation-, praeoccupatio = ato de
ocupar-se antes, de praeoccupatus (particípio
passado de praeoccupare), de prae- pre- (antes) +
occupare = ocupar-se)
• 1 a: ato de pre-ocupar-se ou condição de ser pre-
ocupado
• b: consideração com algo: dedicação com interesse
• c: algo que promove preocupação ou atenção
• 2 obsoleto : PROLEPSIS
ETIMOLOGIA MAIS ORIGINÁRIA
• Pro·lep·sis: do grego prol psis = antecipação, pre-concepção, de
prolambanein tomar diante de si, antecipar, de pro- 1
pro- + lambanein
(tomar)
• 1: apresentação asumpssumida de um futuro ato ou desenvolvimento
como sendo presentemente existindo ou realizado: procronismo
• 2a: figura em que um tema é encaminhado como sensação antes de ser
afirmado ou relatado em detalhe; b: figura pela qual objeções são
antecipadas para enfraquecer sua força; c: uso de um atributo denotando
condição ou desenvolvimento futuro como existindo ou ocorrendo
quando é momentaneamente consequencial: uso antecipatório de um
adjetivo
• 3a: uma concepção ou crença derivada de percepção sentida e assim
tomada como não necessariamente verdadeira; b: uma concepção
empírica geral, especialmente usada no Estoicismo e Epicurismo.
ETIMOLOGIA CUIDADA
• Inglês medieval lachen, lacchen, Inglês antigo læccan;
derivado do grego lambanein, lazesthai = tomar firmemente
• 1 a (1): segurar com mãos e braços; (2): ganhar, segurar; (3):
segurar firmemente; b: ganhar compreensão; c: associar-se
muito proximamente ou intimamente = ligar-se.
• 2 Dialeto Britânico: apanhar, receber segurando.
ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA
CUIDADOSA
• Utter do inglês medieval uttren, de utter = fora
• 2 a: enviar adiante como um som, por para for a em voz audível, expressar
com; b: dar expressão = pronunciar, dizer, falar; c: expressar
publicamente, descrever or reportar empalavras;
• 3 obsoleto: fazer saber, manifestar (algo desconhecido, secreto ou
escondido) = revelar;
4: por em circulação algo como genuíno ou legítimo;
• 5: emitir
• 6: expressar-se em palavras
• Verbo intransitivo
1: exercitar a fala: tornar-se fala
ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA: À PRO-CURA
• Pro·cura, do inglês medieval procuren = cuidar de, trazer à presença,
realizar, do latim procurare, de pro- (em direção para) + curare (cuidar)
Verbo transitivo 1 a: conseguir por cuidado e esforço; 2 a (1): causar para
acontecer; b arcaico: promover para ser tratado de um modo indicado ou
seguir algo indicado; 3 a: induzir-se em direção a algo indicado; b
obsoleto: causar-se a ir a um lugar indicado = trazer-se
ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA
CUIDADOSA
• Ge·ryg·o·ne, do grego g rygon , feminino de
g rygonos = nascido pelo som, de g rys = som,
voz + gonos = nascido, de gignesthai = nascer
• Aproxima-se de CUIDADO
Madel Therezinha Luz
Origens etimológicas de saúde
• Saúde, em português, deriva de salude, vocábulo do século
XIII (1204), em espanhol salud (século XI), em italiano salute,
e vem do latim salus (salutis), com o significado de salvação,
conservação da vida, cura, bem-estar. O étimo francês santé,
do século XI, advém de sanitas (sanitatis), designando no
latim sanus: “são, o que está com saúde, aproximando-se
mais da concepção grega de ‘higiene’, ligada deusa Hygea. Em
seu plural de origem idiomática, o termo ‘saúde’ designa,
portanto, uma afirmação positiva da vida e um modo de
existir harmônico, não incluindo em seu horizonte o universo
da doença. Pode-se dizer, deste ponto de vista, que ‘saúde’ é,
em sua origem etimológica, um ‘estado positivo do viver’,
aplicável a todos os seres vivos e com mais especificidade à
espécie humana.
SAÚDE HUMANA?
• Em relação aos humanos, o estado de ‘saúde’,
romano ou grego, implicaria um conjunto de
práticas e hábitos harmoniosos abrangendo
todas as esferas da existência: o comer, o
beber, o vestir, os hábitos sexuais e morais,
políticos e religiosos. Implicaria virtudes
específicas ligadas a todas essas esferas, e
também em vícios, que poderiam degradar o
estado de harmonia, ensejando o
adoecimento e, no limite, a morte.
SAÚDE ETIMOLOGIA DESCUIDADA
• A virtude capital ligada à ‘saúde’ seria a prudência, que não
era certamente, como na cultura contemporânea, um
vigilante cuidado ligado ao medo de adoecer, mas um agir
equilibrado, como um ‘caminho do meio’, que evitaria os
extremos, nocivos ao equilíbrio e, conseqüentemente, ao
estado de ‘saúde’ do indivíduo, dos grupos e da sociedade,
entre os quais não havia a separação característica da
sociedade moderna. Em suma, o importante a salientar aqui é
que ‘saúde’, mais que um estado ‘natural’, é uma definição
construída social e culturalmente. E nossa definição atual está
muito longe de sua origem etimológica, tendo caminhado em
sentido restritivo, senão oposto, ao longo dos últimos dois
séculos.
Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde* José Ricardo de
Carvalho Mesquita Ayres1
Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.8, n.14, p.73-92, set.2003-
fev.2004
• Assistimos em tempos recentes à emergência de uma série de novos discursos no
campo da saúde pública, mundial e nacionalmente, tais como a promoção da
saúde, vigilância da saúde, saúde da família, redução de vulnerabilidade, entre
outros. Contudo, uma efetiva consolidação dessas propostas e seu mais
conseqüente desenvolvimento parece-nos depender de transformações bastante
radicais no nosso modo de pensar e fazer saúde, especialmente em seus
pressupostos e fundamentos filosóficos. É na condição de uma desconstrução
teórica, com vistas a contribuir para a reconstrução em curso nas práticas de
saúde, que se quer trazer ao debate a presente reflexão. Nesse sentido, examina-
se o cuidado sob três perspectivas conceituais: como categoria ontológica, como
categoria genealógica e como categoria crítica. A hermenêutica realizada na
interface dessas três perspectivas permite apontar direções onde parece
produtivo um esforço de reconstrução das práticas de saúde:
• um ativo movimento de profissionais e serviços de saúde no sentido de se
voltarem ativamente à presença do outro no espaço assistencial, a otimização e
diversificação das formas e qualidade da interação eu-outro nesses espaços e o
enriquecimento dos horizontes de saberes e fazeres em saúde numa perspectiva
decididamente interdisciplinar e intersetorial.
MITO DO CUIDADO (HIGINO)
• Certa vez, atravessando um rio, Cuidado viu um pedaço de terra
argilosa: cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma.
Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter. O Cuidado pediu-
lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado.
Como Cuidado quis então dar seu nome ao que tinha dado forma,
Júpiter proibiu e exigiu que fosse dado seu nome. Enquanto Cuidado e
Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também a terra (tellus)
querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço do
seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como árbitro. Saturno
pronunciou a seguinte decisão, aparentemente equitativa: ‘Tu, Júpiter,
por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu, terra,
por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como porém foi o
Cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao Cuidado
enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa, ele deve se
chamar ‘homo’, pois foi feito de humus (terra)’. (Heidegger, 1995, p.263-
4)

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Reflexões acerca do conceito de saúde

  • 2. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS • Nas organizações, seus objetivos, valores e processo de socialização sobrepõem-se aos indivíduos. • Reduzindo espaço à subjetividade, visa atá-los firmemente às malhas por elas tecidas. • A “cultura da organização” assume cunho da dimensão do sagrado: substitui a religião na tarefa de garantir tanto um sistema de significações quanto à segurança e tranquilidade, ao transformar em ponderável a imponderabilidade do destino, ao negar a existência do chaos. • Isto leva o indivíduo a sacrificar-se pelas metas por elas perseguidas, adentrando irrefletidamente, na maioria das vezes, em um sistema totalitário.
  • 3. PELO VERSO • Neste quadro social atual de desamparo e sofrimento humanos, com reduzido espaço para a subjetividade, no qual uma das expressões mais marcantes ocorre no espaço público de instituições e organizações, é coerente que a prática psicológica intervenha em instituições relacionadas à Segurança Pública, à Justiça, à Educação e à Saúde, já que é em seu contexto que esta realidade mostra sua face mais emblematicamente perversa, ou seja, pelo verso. • Propicia um olhar atento e cuidadoso aos modos de subjetivação engendrados pela violência, intolerância e desrespeito perpetrados pelas organizações sociais ao ser humano na contemporaneidade.
  • 4. ETIMOLOGIA de CONCEITO • CONCEPTUS = pensamento, concebido pela mente • Sec. XVII = um jogo de palavras com mesmo som mas diferentes significados: ser ambíguo e com duplo sentido. • IDEIA, NOÇÃO: na filosofia como ideia geral abstrata, noção universal, resultando de operação mental ou imagem a partir de percepção • Do Latim concepere = tomar em consideração • Archaico : apreender algo pela razão ou imaginação • Compreender, agarrar, entender • Archaico : dar a ver, exibir, produzir, dar expressão a • Dirigir, enquadrar, nomear
  • 5. CONCEITO E PSICOLOGIA • Como os instrumentos compreensivos da Psicologia apreendem as novas modalidades de inscrição das subjetividades contemporâneas? • Legitima-se repensar sistemas psicológicos, por representarem subjetividade e seus impasses na modernidade? • Como aproximar o que há de “sofrente” nas novas formas de subjetivação? • Como circunscrever o campo do mal-estar contemporâneo em que essa ação ocorre?
  • 6. TÉCNICA OU TECHNÉ • Nas atividades clínica e a pedagógica há um predomínio da técnica como fenômeno essencial da Idade Moderna. • Clínica, afastando-se de sua peculiaridade originária referente ao debruçar-se sobre o leito do “doente”, passa a privilegiar procedimentos técnicos. • Clínico é valorizado como especialista. • O momento clínico inicial, e sua potencialidade de promover confiança terapêutica através da atenção e acolhimento, é reduzido a uma atividade de triagem, encaminhando pacientes aos respectivos especialistas, que cuidam pela mediação da técnica. • No âmbito pedagógico, currículos dos cursos de ciências humanas e biológicas contemplam quesitos técnicos, para formar especialistas, em detrimento de uma formação humanista, relevando a filosofia, a literatura e as artes em geral. • Esperado que o psicólogo atue primordialmente enquanto um especialista. • Em consultório ou em instituições, deverá manter-se neutro, afastando-se da condição fundamental da cidadania: ouvir e ser ouvido em praça pública. • Esse modelo técnico-científico mostra sinais de esgotamento. • Mas no âmbito da saúde mental, psiquiatria e psicologia não têm, institucionalmente, ainda, apesar dos esforços do movimento antimanicomial, conseguido responder às demandas sociais e cultura.
  • 7. SAÚDE: MENTAL APENAS? • Instituições psiquiátricas manicomiais como depósitos de pessoas, • Subtraem a própria humanidade condenando a diagnóstico estigmatizante, gerador de exclusão social e cultural, alijando a cidadania. • Manicômios falharam em sua tarefa de cuidar do “doente mental”, • Não revertem nem sequer minoram sofrimento: sofrimento aumenta ao relacionar-se ao não sentido de ser desses pacientes. • Do mesmo modo, no âmbito da educação, procedimentos pedagógicos alinham-se por modelos disciplinares de conduta, desconsiderando o direito de aprender. • Dessa forma, instituições de saúde e educação constituem-se, na maioria, em lugares não implicados com uma atenção para resgate de sentido. • Nelas, os sujeitos sociais são despejados, destituídos de razão e/ou bem- estar ou de possibilidades de aprendizagem. • Constituem-se lugares onde sagra um sofrimento confinado e reverberado, revelando um sujeito, e as instituições que deles cuidam, como dependentes de um tecido social e cultural, cujos sistemas de representação e simbolização determinam modos de ser adequados e ajustados. • Enquadrados na des-razão e no des-conhecimento, sujeitos sociais são condenados tanto ao exílio social (pela des-consideração institucional), como também ao exílio de si mesmos (pelo des-alojamento existencial).
  • 8. QUESTIONAMENTO • Contexto social, político, econômico e cultural contemporâneo clama por mudanças tanto na concepção e implementação de saúde e educação quanto na pedagogia da formação profissional de seus agentes. • Propor alternativas de trabalho técnico e reflexões teóricas para profissionais que lidam com uma população resultante de uma nova ordem mundial, apresenta-se como uma tarefa desafiadora para psicólogos. • Em face desse enfoque de realidade, imposta progressivamente com contundência e pungimento, cabe a pergunta: seria possível abrir outras possibilidades de práticas clínico-pedagógicas, em saúde e educação, para o mal-estar no contexto contemporâneo? • Talvez, um caminho possível seria buscar a etimologia dos termos saúde, educação, sofrimento, política e ética, a fim de articular sentido entre cada um, como um encaminhamento para uma reflexão sobre tal questionamento da prática psicológica em instituições.
  • 9. Etimologia como criação de sentido • Perspectiva da significação da linguagem como criação de sentido impõe uma retrospectiva etimológica. • Atribuição de significado a termos recorrentes na compreensão do sentido da condição humana. • No percurso histórico de uma língua, termos passaram a aderir-se a significados precisos e determinados, destituindo-os de seu uso originário como utensílio para a comunicação de sentido entre homens.
  • 10. SAÚDE E EDUCAÇÃO • Saúde, do latim salus, significa condição (orgânica ou organizacional) benéfica, de bem-estar, de segurança. • Refere-se à cura (healein, em inglês antigo), como promoção de integridade e/ou cuidado. • Talvez desse termo tenha derivado saudação, como forma de demonstrar respeito e reconhecimento àquele do qual nos aproximamos. Aproxima-se de clínica e de cuidado, tarefas cotidianas e pertinentes ao universo do fazer psicológico no âmbito da saúde. • Educação, do latim educere, de e+ducere, ou seja, e = para fora, e ducere=conduzir, é trazer, fazer movimento em direção a alguém. Implica debruçar-se ou inclinar-se a uma forma de cuidar para que o outro se conduza adiante. • Ambos parecem articular-se à prática psicológica clínica: Dirigir-se a alguém de modo a fazê-lo conduzir-se adiante em sua experiência, destinando-se ao seu bem-estar. • Saúde e educação aproximam-se tanto pelo sentido de promoção de cuidado e integridade, quanto de manifestação de respeito e reconhecimento, via saudação.
  • 11. NA PSICOLOGIA • Comprometida com atenção e cuidado para homens se conduzirem na direção de seu bem-estar, ou de busca de sentido, inclina-se para acolher o sofrimento humano como ausência de sentido. • Etimologicamente do grego pathos, sofrer assume o significado de sentir, experienciar, tolerar sem oferecer resistência, ser afetado, dizendo da condição de se pôr em movimento por qualquer emoção. • No latim, sofrer vem de subferre, referindo-se a suportar por debaixo, com dois significados: tolerar e sustentar um peso. • No primeiro, sofrer diz respeito a uma dor, ao passo que no segundo diz de uma força ou de um poder ser. • Em ambas as origens, sofrimento refere-se à situação de ser afetado pela ambigüidade própria da condição humana: dor frente ao desamparo do homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dos acontecimentos para conduzir-se adiante. • Pela etimologia de saúde e educação, legitima-se a criação de uma cultura de participação da comunidade para promover sua própria saúde e apropriar-se de sua educação, assim como criar uma ambiência para especificidades e diferenças de perspectivas entre os atores sociais
  • 12. AGENTES EM AÇÃO • Dimensão éticadaexistênciahumanarefere-seao campo derelação deum indivíduo com outros, no contexto daantropologiafilosófica(Figueiredo,1995). • Nessaação relacional, o queimporta“não ésó e principalmenteasobrevivênciado agente, mastambém suaimagem esuaestimaperanteosoutroseperantesi mesmo. Efetivamente, hásempreumareflexividade, umarelação deum paraconsigo mesmo, implicada numacondutaética” (p. 28). • Dessaforma, éticaepolíticareferem-se, simultaneamente, aprivado epúblico, intimidadee exposição, cuidado esegurança, identidadeecidadania, saúdeenormas, direitosedeveres, interior eexterior.
  • 13. AGENTES SEM AÇÃO • A construção de regras e critérios confiáveis de decisão, na escolha de modos de ser e fazer, gerar e gerir a própria vida, passou a calcar-se em experiências subjetivas individualizadas, acentuando uma crescente separação entre indivíduos e coletividades às quais pertencem. • É exatamente a incerteza em relação à legitimidade das “verdades” assim constituídas que gera uma vinculação perversa em relação ao grupo: incerto sobre a legitimidade do seu saber e fazer, o indivíduo passa a apoiar-se cegamente nos valores, atitudes e crenças do grupo do qual participa.
  • 14. PARA QUESTIONAR CONCEITOS • O modo de constituição desses grupos e sua vinculação ao quadro maior da sociedade geram um modo de ação no qual a alteridade (outros grupos, outras ideias, outras propostas políticas, religiosas ou científicas) passa a ser considerada uma ameaça, devendo ser eliminada: um grupo não pode suportar outra verdade além da sua. • Florescem as condutas totalitárias e massificadas, fruto da intolerância e do fanatismo, revelando que a ética como ideologia é perversa já que, tomando o presente como fatalidade, anula a marca essencial do sujeito ético e da ação ética. • Aborta-se o sujeito social: aquele agente para a atuação de sua liberdade de escolha como atividade reflexiva e crítica acerca de ações, possivelmente, no passado, eleitas para o presente, sendo este uma passagem apenas transitória, pela possibilidade do futuro como abertura do tempo humano. • As normas societárias têm a função de ordenar o caos no qual a liberdade, ilimitada e não estruturada, pode levar os indivíduos a uma permanente guerra de um para com todos os outros, viabilizando o agir somente segundo interesses privados. • Uma tal situação gera insegurança, tensão e conflito, podendo destruir a todos. • A violência se apresenta como modo humano no jogo ambíguo entre o público e o privado, uma vez que, para obter proteção, a liberdade das individualidades deve sofrer restrições.
  • 15. COMPREENSÃO E POSSIBILIDADE • Sociedade estrutura seus padrões de acordo com uma lógica de criação de poder soberano para proteger igualmente todos os seus membros, como garantia de melhor qualidade de vida. • Pellegrino (1983) diz que, “na contemporaneidade, se verifica que o pacto social instalado para a proteção social traiu seus próprios propósitos e foi quebrado” (p. 2). • Desviando-se completamente do compromisso de garantir a convivência humana dentro de padrões aceitáveis de segurança, tal pacto veio a reboque de uma economia política despótica, em que as necessidades e interesses humanos ficam atrelados às idiossincrasias do mercado e do capital, fetichizados como um bem supremo a ser prioritariamente atendido. • Esta é uma forma de compreensão da injustiça social que graça no mundo globalizado. • Numa visão histórica, pode-se encarar essa situação como emergência de encontros conflitantes e tensionais entre opressores e oprimidos, ou um modo clássico de relação que conduz à ética categorial do bom e do mau, incluído e excluído, igual e diferente, independente e dependente, enquadrados e marginalizados, aqueles sem teto (morada).
  • 16. CONCEITO/CONCEITUALIZ-AÇÃO • Tal contexto conduz a repensar tanto a ação quanto a formação de profissionais, atuantes no setor da saúde e do desenvolvimento humano, e a problematizar a questão do sofrimento humano em diferentes situações: em consultório privado, em instituições de saúde, em programas educacionais para populações marginalizadas. • É essa dimensão da ética que demanda repensar a própria clínica, redirecionando-lhe o sentido de modo a contemplar o espectro da experiência do ser humano, plural e singular ao mesmo tempo, atendendo a todas as formas de manifestações e expressões pessoais, além da tradição cultural. • Diz respeito à crença no ato transformador que, para além da culpa assistencialista, dispõe-se a cuidar de quem sofre, aceitando o desafio de confronto com o estranhamente diferente, esperando que o assombro com o estranho, com acontecimentos inesperados propiciados por essa abertura para o mundo, possibilite a criação de outras dimensões à compreensibilidade da humanidade do homem.
  • 17. CONCEITUALIZ-AÇÃO DE SAÚDE • Como seria possível abrir possibilidades de práticas clínico- pedagógicas em saúde e educação no contexto contemporâneo? • Compreendida a dimensão ética para o humano, pode ser possível discutir uma prática psicológica direcionada por essa tensão originária, própria no sujeito. • Possibilitaria encontrar sentido para uma prática que contemplasse esse sujeito/agente e seu conflito diante de pressões inevitáveis e próprias de sua humanidade. • Busca-se reconfigurar uma prática psicológica que privilegie o sofrimento do ser humano conflitante em suas formas de organização. • No âmbito da atuação psicológica, o olhar voltado ao sofrimento humano contextualizado preocupa-se em buscar abordagens que contemplem as demandas inseridas nesta problemática. • Imprescindível a investigação para um saber mais condizente com a experiência do homem no mundo com outros, aproximando-se do que seria o tácito, o cultural, o étnico e, talvez, o ético. • Afinal o cliente é um sujeito social, histórico e cultural, é a complexidade e a multireferência que está em jogo e que pode oferecer uma visão de homem não mais fragmentada, mas global e solidária.
  • 18. CONCEITO E ORGANIZAÇÃO • A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como: o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade. • * saúde não significa ausência de doença, possibilitando mudanças conceituais; * saúde não se limita apenas ao corpo, dizendo respeito a mente, as emoções, as relações sociais, a coletividade; * existe necessidade do envolvimento de outros setores sociais e da própria economia para que as pessoas possam de fato ter saúde; * saúde de todos nós, além de ter um caráter individual, também envolve ações das estruturas sociais, incluindo necessariamente as políticas públicas; • Então qual o questionamento em relação a esse conceito?
  • 19. CONCEITO RE-VISADO • Falar em completo bem-estar, englobando vários fatores da vida das pessoas é muito mais um ideal do que uma possibilidade real. • Será que é possível um completo bem-estar físico, mental e social? • O que será que a palavra completo quer dizer? • Isto foi revisto na Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, na cidade de Ottawa, em novembro de 1986, onde surgiu o conceito de promoção de saúde.
  • 20. SAÚDE/BEM ESTAR/PROMOÇÃO • Muitas coisas mudam a partir desse novo conceito: • * a saúde deixa de ser uma utopia e passa a ser uma possibilidade; * a saúde é um processo, isto é, não acontece de um momento para o outro, requer tempo e o envolvimento de várias pessoas; * inclui uma ação nova e fundamental: o controle desse processo passa a ser responsabilidade de todos os cidadãos. • Ou seja, o Controle Social. • Em 1988, a Constituição Federal do Brasil passou a definir saúde como um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (Art. 196 e 198) • Aqui, mais uma vez temos avanços, e quais seriam?
  • 21. SAÚDE E POLÍTICA • * saúde passa a ser um direito e não um favor de algum governo. * Estado tem o dever de garantir esse direito. * saúde está diretamente ligada às políticas sociais e às condições econômicas que sustentam essa política. * propõe-se a democratização no acesso igualitário e universal. Isto quer dizer que todos e todas têm o mesmo direito, independentemente de nossas diferenças. * trata-se de promoção da saúde, o que garante a prevenção da mesma.
  • 22. SAÚDE E CUIDADO??? • 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 elaborou uma outra definição de saúde: • “A saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. ” • Ênfase nas condições sociais para uma vida digna como condição para a saúde. • A saúde deixa locais específicos, como os hospitais e centros de saúde, para ir para outros lugares: nossa casa, nossa escola, o ar que respiramos, a água que bebemos, os alimentos que ingerimos, o salário que recebemos, o que fazemos nas horas de lazer, e na liberdade que temos ou deixamos de ter. • Saúde também resulta da responsabilidade que cada pessoa precisa ter com o seu próprio bem-estar. • Diz de auto-cuidado: saber se prevenir, evitar as situações que colocam a saúde em risco, prestar atenção à alimentação e higiene, pensar na vida a longo prazo (e não apenas nesse instante).
  • 23. RESUMINDO • Resumidamente, o caminho por onde passou o conceito de saúde: • * Eliminação da doença; * Estado de completo bem-estar físico, mental e social; * Construção social; * Desenvolvimento humano integral; * Direito humano fundamental; * Bem público como pré–requisito para o desenvolvimento socioeconômico. • * Utopia: Em sentido amplo significa a construção de um lugar ideal, que contenha o progresso social e uma sociedade transformada baseada no humanismo e na justiça social. • Art. 196 Constituição Federal: • “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Art. 198 “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Parágrafo único - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”
  • 24. Segre, M. & Ferraz, F.C. Rev. Saúde Pública, O conceito de saúde 31 (5), 1997 539-542 • A OMS define saúde não apenas como a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. • Definição avançada para a época em que foi realizada, é, no momento, irreal, ultrapassada e unilateral. • Artigo fundamenta objeções à definição de Saúde da OMS, por ser irreal: aludindo ao “perfeito bem estar”, coloca uma utopia. • O que é “perfeito bem estar?” É possível caracterizar-se a “perfeição”? • “Perfeição” como “bem-estar” trazem em seu bojo um subjetivismo. • Mesmo recorrendo a conceitos “externos” de avaliação (como Saúde Coletiva), a “perfeição” não é definível. • Trabalhar com um referencial “objetivista”, isto é, com uma avaliação do grau de perfeição, bem-estar ou felicidade de um sujeito externa a ele próprio, automaticamente elevaos te rmos perfeição, bem-estar ou felicidade a categorias que existem por si mesmas e não estão sujeitas a uma descrição dentro de um contexto que lhes empreste sentido, a partir da linguagem e da experiência íntima do sujeito. • Só poder-se-ia, assim falar de bem-estar, felicidade ou perfeição para um sujeito que, dentro de suas crenças e valores, legitimando-o.
  • 25. SAÚDE/ANGÚSTIA • Por outro lado, a angústia, com repercussão somática maior ou menor (como um cólon irritativo ou uma gastrite), configura situação habitual, inerente às próprias condições do ser humano. • Divergir de posturas da sociedade, e até marginalizar- se ou de ser marginalizado frente a essa mesma sociedade, não obstante o sofrimento que essas situações trazem, é comum e até desejável para o homem sintonizado com o ambiente em que vive. • Nessas condições, não se poderá certamente falar em “perfeito bem-estar social”. • Para fins de estatísticas de saúde, as formas de “avaliação externa” são necessárias. • Não seria exeqüível “qualitativar-se” esse tipo de mensuração.
  • 26. SAÚDE ORGANIZADA • Médicos dos EUA criaram uma entidade nosológica no C.I.D.: é a “síndrome da felicidade”, incompatível com a situação do homem, com suas dificuldades, dúvidas, medos e incertezas. • Seria dessa “felicidade” que a OMS tiraria seus parâmetros para caracterizar o “perfeito bem-estar mental”? • A definição de saúde da OMS está ultrapassada porque ainda distingue entre o físico, o mental e o social. • Mesmo a expressão “medicina psicossomática” encontra-se superada: pela vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência de uma clivagem entre mente e soma, sendo o social também inter-agente, nem sempre muito clarao com os dois aspectos mencionados. • Quando se fala em “bem-estar” implicam-se todos os fatores que sobre ele influem: está já suficientemente “sentido” pessoalmente, e descrito em outras pessoas, que o infarto, a úlcera péptica, a colite irritativa, a asma brônquica, e até mesmo o câncer guardam profundos vínculos com os estados afetivos dos sujeitos? • escolha do termo “sujeitos” e não “objetos” ou “vítimas”, dessas situações é propositada, no sentido de introduzir a ideia de ser a “doença somática” apenas uma “via a mais” para externar a turbulência afetiva, tendo sido essa via inconscientemente buscada pelo sujeito, incapaz de harmonizar os seus conflitos interiores.
  • 27. SAÚDE/AFETO • Decorra da percepção dessa “não clivagem” da pessoa a conhecida expressão “deve se tratar o doente e não a doença”, dando • Inobservância dessa proposta permite o sucesso de formas não tradicionais de medicina, por visarem mais a afetividade do “sujeito”, do que a mera expressão somática de sua turbulência emocional. • Percebe-se a extrema dificuldade de aceitação, por muitos profissionais de saúde, do fato de fincar-se o êxito terapêutico no relacionamento afetivo com o cliente (o termo paciente não foi, propositadamente, usado para tornar mais distante a ideia de exclusiva aceitação, paciente, submissa, com relação ao profissional de saúde). • O vínculo afetivo, embutido de confiança recíproca, na dupla que empreende uma ação de saúde (profissional-cliente), a par dos aspectos cognitivos, técnicos e científicos, é decisivo para que se possa esperar a melhora do estado do cliente.
  • 28. AFETO (IM)POSSÍVEL • Dir-se-á que no mundo atual, com a medicina em grande parte socializada (pré-paga), estatal ou não, com o profissional de saúde habitualmente mal ressarcido (não dispondo de tempo e espaço afetivo para dedicar-se seriamente a cada um de seus pacientes), a criação e preservação dessa ligação afetiva entre o profissional de saúde e o cliente é tão irreal quanto a expectativa de “perfeito” bem-estar da OMS. • Admite-se que seja assim, em parte, pelo profissional de saúde, despreparado muitas vezes para o estabelecimento daquele tipo de vínculo.
  • 29. SAÚDE/QUALIDADE DE VIDA • Finalmente, para tecer considerações sobre a mencionada “unilateralidade” da definição da OMS, há que se discutir o conceito de “qualidade de vida”. • O que é “qualidade de vida”? • Pela Bioética e conceito de autonomia, entende-se que “qualidade de vida” seja algo intrínseco, só possível de ser avaliado pelo próprio sujeito. • Prioriza-se a subjetividade, uma vez que, de acordo inclusive com o conceito de Bion, a realidade é a de cada um. • Não há rótulos de “boa” ou “má” qualidade de vida, embora, conforme já se disse, a saúde pública, para a elaboração de suas políticas, necessita de “indicadores”. • Assim, por exemplo, é óbvio que são imprescindíveis, dentro de uma sociedade, as estatísticas de mortalidade pelas várias doenças. • Mas, o que é doença? Não é ela, liminarmente, apenas um conceito estatístico, considerando-se doentes (físicos, mentais ou sociais) todos os que se situarem fora da assim chamada “normalidade”?
  • 30. SAÚDE/NORMALIDADE • Principalmente em psiquiatria (embora isso ocorra, sem exceções, em todas as especialidades médicas), onde, na maioria das vezes nem mesmo alterações morfológicas dão chancela à diversidade dos indivíduos (e, ainda que dessem, não seria, o raciocínio, o mesmo? - não valerá a pena ser repensado o valor dessa diversidade (individualidade), a fim de preservá-la? • Do fato de, cientificamente, serem conhecidos muitos “determinantes” genéticos, culturais e até físicos, químicos e biológicos de muitas patologias, decorrerá o direito ou não de intervir sobre essas diferenças quando o sujeito, manifestando sua vontade, não desejar essa intervenção? O que é o doente? Um ser humano diferente, que talvez tenha sua vida encurtada.
  • 31. SAÚDE MENTAL SEDIMENTAL? • O que é o sofrimento? É dor, subjetiva, de qualquer origem. • O tratamento de uma doença, qualquer que seja, apenas será legítimo (e, conseqüentemente, ético), se o “doente” manifestar vontade de ser ajudado. Caso contrário, o “tratamento” poderá tratar-se de “defesa social” (situação freqüente, em psiquiatria) transvestida de benemerência. • A autonomia é uma condição que não se outorga a quem quer que seja: ou se reconhece, ou se nega. Este problema com relação à psiquiatria já se cronificou entre nós. • A própria noção da doença mental, como bem demonstrou Foucalt (1972) foi constituída historicamente. • Visão positivista – uma exigência metodológica – procura no corpo anátomo-fisiológico do “louco” o substrato último para explicar sua “doença”.
  • 32. SAÚDE DESVIADA? • Ocorre que, como denunciou o movimento antipsiquiátrico, a noção de “desvio” pendia mais para um juízo de valor que servia ao controle e à normalização sociais. • Enfatizar qualidade de vida é priorizar subjetivismo na reflexão. Poderá alguém afirmar que um portador de colostomia, conseqüente a uma cirurgia de câncer intestinal, tem qualidade de vida pior do que um seguidor obsessivo de regras religiosas, intimidado perenemente por um Deus que lhe foi inculcado, independentemente de sua vontade? • Nesta óptica, vai ficando claro que “realidade” nada mais é do que uma convergência de subjetivismos. • Haverá outra forma de conceituar essa realidade, que só pode ser vista e pensada por pessoas? • Será que alguém, pelo simples fato de não ter recursos para se alimentar de acordo com nossos padrões, poderá aprioristicamente ser considerado com qualidade pior de vida do que uma pessoa bem alimentada?
  • 33. SAÚDE??? • Essas considerações, aparentemente radicalizantes, visam apenas a atenuar a tendência positivista dos conceitos de saúde que aí estão. • O presente enfoque é importante para uma visão ampliada de saúde pública. Necessariamente ela observa, descreve, avalia e administra indicadores: a política de saúde louva-se nesses elementos. • Assim sendo a abordagem “de dentro para fora” do ser humano, onde o que mais conta é o subjetivismo do indivíduo, recorrendo-se inclusive à teoria e à vivência psicanalítica para a sua fundamentação, pode parecer despropositada e fora do contexto de saúde pública. • Não é nisto que se pensa.
  • 34. SAÚDE VISADA • O destaque à autonomia do ser humano, em que supostamente existe uma “vontade”, fazendo parte de uma “psyche” (alma) que transcende ao próprio ambiente sociocultural e mesmo à sua babagem genética, talvez permita entender a virtual ineficácia de políticas de saúde em determinados casos e circunstâncias. • Esta visão anti-positivista e mais humana das atividades dos profissionais de saúde pode contribuir para um contato mais sintônico, mais empático e, conseqüentemente, mais ético, entre eles e a população assistida. • Concluindo, dentro desse enfoque, não se poderá dizer que saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade?
  • 35. R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.20, n.1, p.26-40, jan. 1999 - PROBLEMATIZANDO CONCEITOS DE SAÚDE, A PARTIR DO TEMA DA GOVERNABILIDADE DOS SUJEITOS Valéria Lerch Lunardi • A saúde, o estado de saúde, ser saudável, são termos verbalizados, freqüentemente, como metas e objetivos a serem buscados e atingidos pelo exercício da profissão. • Falar em governabilidade, na verdade, significa falar nos limites ou pontos de contato entre o governo de si, entendido como exercício de autonomia, e o governo político de outros, no sentido de heteronomia. • Para Caponi (1997), o caráter “mutável”, “móvel” e “subjetivo” atribuído ao conceito de bem-estar, antes de uma crítica, reafirma o caráter de subjetividade como um elemento inerente à oposição saúde-enfermidade. • Mesmo numa visão de saúde que se restrinja apenas ao âmbito do biológico, a expressão dos sintomas pelo indivíduo, do que sente, do que percebe como manifestação em si, estará, sempre, carregada da sua subjetividade, da sua forma de perceber e sentir que é ou pode ser diferente do que é sentido e percebido por outro indivíduo.
  • 36. SAÚDE EM QUESTÃO • Seu caráter utópico e de subjetividade refere-se à possibilidade desta conceituação de saúde ser politicamente utilizada “para legitimar estratégias de controle e de exclusão do que consideramos como indesejável e perigoso”. • Ao afirmar-se o bem-estar como um valor desejável, seja físico, emocional ou social, parece que tudo o que é reconhecido como positivo na sociedade, como produtor da sensação e do sentimento de bem-estar, passa a poder fazer parte do âmbito da saúde, como “a laboriosidade, a convivência social, a vida familiar, o controle dos excessos”, caracterizando, ao contrário, como um desvalor, como o seu “reverso patológico”, tudo o que se apresenta como negativo, perigoso, indesejável, ou o que é reconhecido como maléfico. • Por outro lado, se a subjetividade, a condição e o vivido do sujeito, sua história e o seu modo de viver são fundamentais, será possível determinar externamente ao sujeito, o que é ou não é o seu próprio estado de bem-estar? • Será que o que considero e reconheço como bem-estar será o mesmo bem estar percebido por outras pessoas que vivem em contextos, situações sociais, extremamente diferentes das minhas? • É possível determinar, externamente aos sujeitos, o que é o seu estado de bem-estar?
  • 37. SAÚDE x SAUDÁVEL • 1986: condições de alimentação, moradia, educação, lazer, transporte e emprego, e das formas de organização social de produção, constata que, além de se dar a superação da tradição higienista e curativa pela determinação social da doença, a saúde parece situar-se, assim, num âmbito superestrutural, resultante de uma base sócio-econômica. • Apesar do mérito deste conceito em articular saúde e sociedade, concordo com Nascimento de que a saúde não pode ser entendida como um meio e um instrumento de transformação da sociedade como um todo, como o eixo principal e norteador das lutas de mudanças da sociedade. • Mesmo reconhecendo a importância da saúde, da sua promoção, preservação e recuperação, em muitas das reivindicações que se fazem necessárias, há que reconhecer não ser este o foco primordial ou, necessariamente, a trajetória a ser construída, frente às exigências sociais que se fazem prementes. • Por outro lado, sabe-se que tais condições exigidas para alcançar-se a saúde, na verdade, podem constituir-se apenas em uma possível facção do problema da saúde, já que, em países desenvolvidos, tais condições foram alcançadas e, no entanto, as pessoas continuam adoecendo por outros problemas.
  • 38. SAÚDE SOCIAL OU DOENTE? • Além destes argumentos, outros riscos desta conceptualização são destacados por Caponi (1997, p.7): • * primeiro, a perda de referência a uma especificidade biológica ou psíquica da enfermidade, excluindo da polaridade saúde-doença qualquer afecção não resultante das condições sociais dos indivíduos, como já abordado em relação às populações dos países mais ricos; • * segundo problema indica a amplidão e a extensão do conceito que permitiria a inserção de praticamente todos os âmbitos da existência dos homens numa relação de saúde-doença, possibilitando a sua medicalização, isto é, tornando, de uma certa forma, até “desejável” a medicalização da existência. • Dentre outros equívocos possíveis, decorrentes do uso de um conceito de saúde tão abrangente, é ressaltado o perigo nas exigências de “reivindicações e direitos que nem sempre podem ser reduzidos à parâmetros de saúde, como é o caso, por exemplo, do direito à autonomia, como ao legitimar uma extensão de respostas ‘terapêuticas’ para qualquer conflito social”.
  • 39. SAÚDE PRÓPRIA??? • Garcia (1997, p.103-104), em pesquisa realizada em um Centro de Saúde de Florianópolis, com o objetivo de discutir o caráter educativo das ações em saúde, constata, por parte dos usuários, a vinculação de saúde com um estado de bem-estar, como algo “que sente”, de sentir-se bem, de “estar bem consigo”, de “estar feliz”, de “estar de bem com a vida”. • Os entrevistados não fazem qualquer referência à saúde como decorrente de determinantes que não estejam relacionados com o seu sentir individual e próprio. • Parece importante destacar que tal análise não tem a intenção de legitimar as desigualdades sociais vividas pelos homens, na sociedade, com as quais discordo profundamente. • Antes, objetiva reconhecer e admitir que há pessoas, por exemplo, que não usufruem de lazer ou da liberdade, segundo minha concepção e valores e, entretanto, podem e se reconhecem, freqüentemente, como vivendo em estado de saúde.
  • 40. SAÚDE DO HOMEM • Por outro lado, mesmo que num sentido abrangente, se a saúde fosse a resultante de tais condições (transporte, emprego, entre outras) como entender que pessoas que não desfrutam de tais condições, aparentemente, possam encontrar-se e reconhecer-se em estado de saúde? • Somente o próprio homem pode avaliar as mudanças que sofre - pathós -, pela sua própria experiência cotidiana. • Gadamer: Saúde é o silêncio dos órgãos.
  • 41. SAÚDE VIVIDA • Déjours: saúde é assunto ligado a cada ser humano, um compromisso do homem com sua realidade. O humano precisa buscar meios para um caminho singular e original em direção ao bem estar, com liberdade de avaliar e regular as variações orgânicas, de administrar a própria vida e de agir por si e coletivamente, junto aos outros, tanto no trabalho organizado como nas relações sociais. • Canguilhem: saúde é o que deseja a terapêutica ou aquele que a tem ou não?. Saúde é instituir novas normas e transgredir as habituais, dada a variação das situações. Saúde é uma margem de tolerância às infidelidades do mundo: acontecimentos inesperados, movimento fundamental como historicidade que o humano é. • Direito de ser quem se é, pois o ser saudável revela a diferença entre o conceito e a experiência vivida. Saúde é ser cada um seu próprio agente de saúde em diálogo com quem é capaz de fazer uma terapia (serviço) para tratamento (apalpar).
  • 42. SAÚDE: ATO OU AÇÃO? • Ao afirmar, como papel dos profissionais de saúde, o exercício da implementação de estados de equilíbrio do ser humano pelo atendimento das suas necessidades básicas, há o risco não só implícito, mas bastante claro, de que em nome da saúde dos clientes, os profissionais possam ou busquem “atuar” e interferir no atendimento de todas as necessidades dos sujeitos, o que, na verdade, pela sua abrangência, poderia significar a interferência na existência do homem como um todo. • Focalizando, de modo mais específico, o seu conceito de saúde, questiona-se se será possível, além de ético, externamente aos sujeitos, reconhecidos como conscientes, livres e autônomos, determinar e identificar seus estados de equilíbrio ou desequilíbrio? • Constata-se, a partir das análises realizadas sobre os conceitos de saúde da OMS, da VIII CNS e de Horta, que há três conceptualizações.
  • 43. SAÚDE CUIDADA?????????? • Tais modos parecem ter elementos comuns que poderiam ser apontados e criticados: • a extensão da saúde a todos os âmbitos da existência, em relação ao alcance de um estado de bem-estar físico, social e mental; seja pelo conceito abrangente de saúde; seja através do atendimento das necessidades psicobiológicas, psicossociais e psico- espirituais; • a medicalização da saúde e, consequentemente, da vida dos indivíduos, já que toda a sua existência torna-se passível de ser focalizada, abordada e “assistida” como um assunto de saúde, e, em especial, pelos profissionais de saúde, especialistas desta área; • o domínio do saber médico e, por extensão, do saber da enfermagem como possibilidade para resolver, até, os problemas e conflitos existenciais mais internos, o que parece mais explícito e evidente em Horta; • a função do médico ou da enfermeira podendo assemelhar-se à função do pastor3: no conceito de saúde da OMS, quando não apenas o bem-estar físico é reconhecido como saúde, mas, também, o bem-estar mental e social; no conceito da VIII CNS, ao abranger no seu conceito de saúde, não só as condições de alimentação, transporte e moradia, mas as de liberdade, do uso do tempo livre e do lazer, por exemplo; em Horta, ao abordar a possibilidade de atendimento, pela enfermagem, dentre outras, de necessidades como de auto-realização, auto-imagem, amor e filosofia de vida.
  • 44. SAÚDE/CUIDADO • Foucault apresenta o poder pastoral como um tipo de poder exercido pelo pastor não só ao rebanho como um todo, de modo totalizante, mas a cada ovelha, individualmente, de modo abnegado, repleto de responsabilidade e bondade compassiva, em que o pastor responsabiliza-se por suas ovelhas e pelo rebanho como um todo requerendo saber e conhecer tudo o que se passa na intimidade da sua alma. • A importância e a pertinência do poder pastoral e do poder político, para o entendimento de como as sociedades modernas organizam-se e funcionam, encontra-se no entrecruzamento que se dá entre o poder político do Estado, como estrutura jurídica, e o poder pastoral que tem como função prestar ajuda e exercer o cuidado contínuo e permanente dos indivíduos e das populações. • Analisando a política de saúde do século XVIII, Foucault verifica que a partir da disciplinarização e da medicalização do ambiente hospitalar, o hospital converte- se em local de produção e de transmissão de saber. • Os indivíduos e seus corpos, assim como os corpos das populações, tornam-se objeto de saber e de prática médicos. • O corpo das populações torna-se a meta final do governo: Estado assume a função de organização da sociedade como meio de bem-estar, saúde e longevidade, pela necessidade de preservação da força de trabalho, mas mais ainda, pela necessidade econômico-política de governo da população. (Foucault, 1990)
  • 45. Sobre o conceito de saúde: desconstruindo a definição de saúde. Luis Salvador de Miranda Sá Junior. Jornal do Conselho Federal de Medicina (CFM) jul/ago/set de 2004, pg 15-16 • Etimologicamente, do latim sanitas, refere-se à integridade anátomo-funcional dos organismos vivos (sanidade). • Não se trata de conceito unívoco, pois há mais de uma significação, que podem ser confundidas, com algumas frequentes: • a) sanidade: ausência de enfermidade em um ser vivo (o mais antigo significado, como em: esteve doente, recuperou a saúde); • b) saudação amistosa (à moda dos romanos antigos); • c) rito verbal exclamativo, quando alguém espirra; • d) estado de capacidade, energia, disposição e vigor físico ou mental (como em não tenho saúde para esse trabalho), sentido figurado e metafórico; • e) sentir-se bem ou, ao menos, não se sentir mal (a saúde se manifesta no silêncio dos órgãos, diziam os antigos); • f) área do conhecimento e campo de estudo sobre a saúde, as ciências da saúde (enfim, todos os estudos sanitários que se interessam pelos indivíduos e comunidades, as ciências da saúde); • g) de-signação sintética dos programas, estabelecimentos, agências ou organismos sociais públicos ou privados destinados a cuidar da saúde dos indivíduos e comunidades; • h) atividade política pública ou programa social governamental voltado para os cuidados com a saúde individual ou coletiva e para a administração destes serviços (como em funcionário da saúde, profissão de saúde, Ministério da Saúde e secretaria de Saúde).
  • 46. SAÚDE/CUIDADO ORGANIZADOS • Neste último sentido, saúde (melhor seria dizer ação, estabelecimento ou sistema de cuidados com a saúde) quer dizer atividade sanitária consubstanciada nas ações e serviços de saúde; na atividade dos trabalhadores e dos estabelecimentos ou agências de saúde, nos programas e planos de saúde e nas ações de saúde públicas ou privadas. • Quando se diz: a saúde é direito do cidadão e dever do Estado, funcionário da saúde, profissional da saúde ou orçamento da saúde, é com o sentido de assistência ou cuidado com a saúde que o termo é utilizado. • De fato, como seria possível um orçamento do bem-estar físico, mental e social, ou ser um funcionário da ausência de doença, ou o Estado garantir a sanidade de alguém ou de algum animal ou vegetal? • O que a Constituição chama de saúde? • Exatamente o último dos sentidos apontados para o termo: atividade política pública
  • 47. SAÚDE OFICIAL • A Constituição brasileira declara a saúde como direito social (art. 6º), direito de todo cidadão e, conseqüentemente, dever do Estado (art. 196). • Quem se debruçar sobre a Constituição do Brasil verificará que, nela, saúde significa “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196). • Aqui saúde quer dizer assistência à saúde ou “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assisten-ciais”, “com participação da comunidade” (art. 198, incisos II e III). • Donde se depreende que a legislação brasileira chama de saúde ao sistema social de atendimento à saúde das pessoas e das comunidades. • Ninguém, honestamente, tem o direito de pretender outra coisa para este significante neste contexto particular.
  • 48. O conceito de bem-estar • O primeiro significado de bem-estar pode ser a noção subjetiva de sentir- se bem, não ter queixas, não apresentar sofrimento somático ou psíquico, nem ter consciência de qualquer lesão estrutural ou de prejuízo do desempenho pessoal ou social (inclusive familiar e laboral): bem-estar significa sentir-se bem e não apenas não se sentir mal. • Mas bem-estar também significa condição de satisfação das necessidades (conscientes ou inconscientes, naturais ou psicossociais). • Nos seres humanos, implica na satisfação das necessidades biológicas, o bem-estar físico; das necessidades psicológicas, o bem-estar mental; e das necessidades sociais, o bem-estar social. • Não basta estarem satisfeitas essas necessidades, mas perfeitamente (ou completamente) atendidas, como explicita a OMS. • A identificação da saúde com bem-estar pode ter tido a finalidade de superar as dificuldades metafísicas da definição negativa ou o propósito estratégico de dissociá-la dos conceitos de enfermidade e invalidez. • Dois propósitos foram obtidos. • Tem o mérito de incluir as condições psicossociais como de saúde, mas, na prática, re-velou seu caráter utópico e sua inoperacionalidade.
  • 49. BEM-ESTAR CONCEITUADO • Conceito de bem-estar não tem a univocidade exigida pelo pensamento científico: pode significar não se sentir mal, sentir-se bem ou ter satisfeitas suas necessidades. • Por isso, o conceito de saúde da definição da OMS, mesmo que estivesse bem construído, dependeria do significado do conceito de bem-estar, ausente dele. • A rigor, a proposição da OMS significa que o ente nela caracterizado deve ter perfeita ou completamente atendidas todas as suas necessidades. • Isto é, para ser considerado saudável o ser vivo deve ter satisfeitas todas as suas necessidades, quando os humanos criam sempre novas necessidades, configurando o caráter utópico desta caracterização de saúde. • Em termos de satisfação das necessidades ou com referência a sentir-se bem, para os seres humanos, desfrutar completo bem estar é, no mínimo, algo impossível mesmo de se cogitar como utopia distante, na qual as pessoas em geral (ou alguma pessoa em particular) possam ter satisfeitas todas as suas necessidades individuais e sociais, em todos os planos de sua existência (o biológico, o psicológico e o social). • Por esta conceituação, saúde implica em perfeito bem-estar ou completo bem-estar (dependendo da tradução). • Por outro lado, a insatisfação resultante de um estado de mal-estar pode ser positiva, isto é, um fator de saúde, na medida em que pode ser condição de desenvolvimento e aperfeiçoamento. • Estado de insatisfação que costuma ser condicionante poderoso na conduta de indivíduos e coletividades, podendo, mesmo, ser encarado como fator essencial da evolução de indivíduos e da espécie.
  • 50. BEM-ESTAR CONFUNDIDO • Considerando-se a menor possibilidade, pode-se pretender que o mal-estar constitua componente essencial da condição humana. • Característica dos humanos é se mostrarem insatisfeitos. • Incapazes de completa satisfação tem sido importante componente de sua identidade e de seus mecanismos adaptativos. • Sempre que o ser humano vê satisfeitas suas necessidades num momento, no seguinte cria outras: homo insatisfactus. • Desse modo, a “definição” de saúde adotada pela OMS não é definição vulgar e nem definição científica, pois discorda das exigências contemporâneas referentes à elaboração das definições (científicas ou não); • Tampouco é uma concepção ampla de saúde, mas apenas uma mal elaborada concepção de saúde humana.
  • 51. História do Conceito de Saúde. MOACYR SCLIAR. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):29-41, 2007, p.29-41 • A concepção mágico-religiosa partia do princípio de que a doença resulta da ação de forças alheias ao organismo que neste se introduzem por causa do pecado ou de maldição. • Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo, um sinal da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o Grande Médico: “Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26); “De Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9). • A doença era sinal de desobediência ao mandamento divino, proclamando o pecado, quase sempre em forma visível, como no caso da lepra, doença contagiosa, sugerindo contato entre corpos humanos, contato que pode ter evidentes conotações pecaminosas. • Sem tratamento disponível, a lepra podia ser doença, mas era também, e sobretudo, um pecado. • O doente era isolado até a cura, um procedimento que o cristianismo manterá e ampliará: o leproso era considerado morto com missa rezada de corpo presente, após o que ele era proibido de ter contato com outras pessoas ou enviado para um leprosário. • Esse tipo de estabelecimento era muito comum na Idade Média, em parte porque o rótulo de lepra era freqüente, sem dúvida abrangendo numerosas outras doenças.
  • 52. SAÚDE RELIGIOSA • Os preceitos religiosos do judaísmo expressam-se com freqüência em leis dietéticas, que figuram, em especial, nos cinco primeiros livros da Bíblia (Torá, ou Pentateuco). • Sua finalidade mais evidente é a de manter a coesão grupal, acentuando as diferenças entre hebreus e outros povos do Oriente Médio. • Podem ter funcionado na prevenção de doenças, sobretudo de doenças transmissíveis: um animal não poderia ser abatido por pessoa que tivesse doença de pele, pois lesões de pele podem conter micróbios. • Moluscos eram proibidos, e dessa forma certas doenças, como a hepatite transmitida por ostras, podiam ser evitadas, embora não significasse que a prevenção fosse exercida conscientemente, pois as causas das doenças infecciosas eram desconhecidas. • Seria muito difícil, por exemplo, associar a carne de porco à transmissão da triquinose. • Para isto há uma explicação ecológica: a criação de suínos, no Oriente Médio, seria um contra-senso, por tratar-se de uma região árida, sem a água de que esses animais necessitam como forma de manter seu equilíbrio térmico. • Além disso, povos nômades teriam dificuldades em manter um animal que se move pouco, como o porco. • Finalmente, ao contrário dos bovinos, que servem como animal de tração e que proporcionam leite, o suíno só fornece a carne - uma luxúria, portanto, uma tentação que era evitada pelo rígido dispositivo da lei.
  • 53. SAÚDE/CULTURA • Em outras culturas era o xamã, o feiticeiro tribal, quem se encarregava de expulsar, mediante rituais, os maus espíritos que se tinham apoderado da pessoa, causando doença. • O objetivo é reintegrar o doente ao universo total, do qual ele é parte. Esse universo total não é algo inerte: ele “vive” e “fala”; é um macrocorpo, do qual o Sol e a Lua são os olhos, os ventos, a respiração, as pedras, os ossos (homologação antropocósmica). • A união do microcosmo que é o corpo com o macrocosmo faz-se por meio do ritual. • Entre os índios Sarrumá, na região da fronteira entre Brasil e Venezuela, o conceito de morte por causa natural ou mesmo por acidente praticamente inexiste: sempre resulta da maldição de um inimigo ou, então, conduta imprudente, como comer um animal tabu, e o espírito desse animal vinga-se provocando doença e morte. • A tarefa do xamã é convocar espíritos capazes de erradicar o mal. • Para isso ele passa por um treinamento longo e rigoroso, com prolongada abstinência sexual e alimentar, aprendendo as canções xamanísticas e utilizando plantas com substâncias alucinógenas que são chamarizes para os espíritos capazes de combater a doença.
  • 54. SAÚDE/MEDICINA/ANTIGA • A medicina grega representa uma importante inflexão na maneira de encarar a doença. Na mitologia grega, várias divindades estavam vinculadas à saúde, cultuando além da divindade da medicina, Asclepius, ou Aesculapius (figura histórica na Ilíada), duas outras deusas, Higieia, a Saúde, e Panacea, a Cura. Ora, • Higieia era uma das manifestações de Athena, a deusa da razão, e o seu culto representa uma valorização das práticas higiênicas. • Panacea representa a idéia de que tudo pode ser curado - uma crença basicamente mágica ou religiosa -, devendo-se notar que a cura, para os gregos, era obtida pelo uso de plantas e de métodos naturais, e não apenas por procedimentos ritualísticos. • Tal visão religiosa antecipa a entrada do pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.): ou uma figura imaginária, mas há referências à sua existência em textos de Platão, Sócrates e Aristóteles, sendo que vários escritos que lhe são atribuídos, formando o Corpus Hipocraticus, provavelmente trabalho de várias pessoas, por longo período de tempo. • Tais escritos traduzem uma visão racional da medicina, diferente da concepção mágico-religiosa: começa com a seguinte afirmação: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete a ignorância humana”. • Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue, sendo a saúde baseada no equilíbrio desses elementos: homem como unidade organizada e a doença como uma desorganização desse estado. • Obra hipocrática valorizava a observação empírica, como o demonstram os casos clínicos nela registrados, reveladores de uma visão epidemiológica do problema de saúde-enfermidade: apoplexia mais comum entre as idades de 40 e 60 anos e a tísica ocorre mais freqüentemente entre os 18 e os 35 anos.
  • 55. SÁUDE/HOMEM/MUNDO • Essas observações não se limitavam ao paciente em si, mas a seu ambiente: texto “Ares, águas, lugares” discute os fatores ambientais ligados à doença, defendendo um conceito ecológico de saúde-enfermidade. • Emerge a idéia de miasma: emanações de regiões insalubres capazes de causar doenças como a malária, muito comum no sul da Europa e uma das causas da derrocada do Império Romano, cujo nome vem do latim “maus ares”, já que os romanos incorporaram os princípios da medicina grega. • Galeno (129-199) revisitou a teoria humoral e ressaltou a importância dos quatro temperamentos no estado de saúde, vendo a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. • No Oriente, a concepção de saúde e de doença seguia um rumo diferente, mas de certa forma análogo ao da concepção hipocrática: forças vitais que existem no corpo que, quando funcionam de forma harmoniosa, há saúde, caso contrário, sobrevem a doença. • As medidas terapêuticas (acupuntura, ioga) têm por objetivo restaurar o normal fluxo de energia (“chi”, na China; “prana”, na Índia) no corpo. • Na Idade Média européia, a influência da religião cristã manteve a concepção da doença como resultado do pecado e a cura como questão de fé. • O cuidado de doentes estava, em boa parte, entregue a ordens religiosas, que administravam inclusive o hospital, instituição que o cristianismo desenvolveu muito, não como um lugar de cura, mas de abrigo e de conforto para os doentes.
  • 56. SAÚDE/CORPO/MENTE • Mas, ao mesmo tempo, as idéias hipocráticas se mantinham, através da temperança no comer e no beber, na contenção sexual e no controle das paixões, procurando evitar o contra naturam vivere, viver contra a natureza. • O advento da modernidade mudará essa concepção religiosa. • O suíço Paracelsus (1493-1541) afirmava que as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo, com a química se desenvolvendo e influenciando a medicina no rastro da alquimia. • Dizia Paracelso que, se os processos que ocorrem no corpo humano são químicos, os melhores remédios para expulsar a doença seriam também químicos, e passou então a administrar aos doentes pequenas doses de minerais e metais, notadamente o mercúrio, empregado no tratamento da sífilis, doença que, em função da liberalização sexual, se tinha tornado epidêmica na Europa. • Já o desenvolvimento da mecânica influenciou as ideias de René Descartes, no século XVII, postulando o dualismo mente-corpo: o corpo funcionando como uma máquina.
  • 57. DOENÇA SAUDADA • Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da anatomia, conseqüência da modernidade, afastou a concepção humoral da doença, que passou a ser localizada nos órgãos. • No famoso conceito de François Xavier Bichat (1771-1802), saúde seria o “silêncio dos órgãos”. • Mas isto não implicou grandes progressos na luta contra as doenças, que eram aceitas com resignação: Pascal dizia que a enfermidade é um caminho para o entendimento do que é a vida, para a aceitação da morte, principalmente de Deus. • Mais tarde, os românticos não apenas aceitariam a doença, como a desejariam: morrer cedo (de tuberculose, sobretudo) era o destino habitual de poetas e músicos como Castro Alves e Chopin: para o romantismo alemão, a doença refinaria a arte de viver e a arte propriamente dita. • Saúde, nestas circunstâncias, era até dispensável. • Mas a ciência continuava avançando e no final do século XIX registrou-se aquilo que depois seria conhecido como a revolução pasteuriana. • No laboratório de Louis Pasteur e em outros laboratórios, o microscópio, descoberto no século XVII, mas até então não muito valorizado, estava revelando a existência de microorganismos causadores de doença e possibilitando a introdução de soros e vacinas. • Era uma revolução porque, pela primeira vez, fatores etiológicos até então desconhecidos estavam sendo identificados; doenças agora poderiam ser prevenidas e curadas.
  • 58. SAÚDE CONTADA • Esses conhecimentos impulsionaram a chamada medicina tropical, já que o trópico atraía a atenção do colonialismo, e os empreendimentos comerciais eram ameaçados pelas doenças transmissíveis endêmicas e epidêmicas. • Daí a necessidade de estudá-las, preveni-las, curá-las. • Nessa época nascia também a epidemiologia, baseada no estudo pioneiro do cólera em Londres, feito pelo médico inglês John Snow (1813-1858), e que se enquadrava num contexto de “contabilidade da doença”. • Se a saúde do corpo individual podia ser expressa por números - os sinais vitais -, o mesmo deveria acontecer com a saúde do corpo social: ela teria seus indicadores, resultado desse olhar contábil sobre a população e expresso em uma ciência que então começava a emergir, a estatística. • O termo é de origem alemã, Statistik, e deriva de Staat, Estado, o que é bastante significativo, pois o desenvolvimento da estatística coincide com o surgimento de um Estado forte, centralizado. • A estatística teve boa acolhida na Inglaterra, onde vigorava a ideia, mais tarde expressa em um famoso dito de Lord Kelvin (William Thomson, 1824-1907), segundo o qual tudo que é verdadeiro pode ser expresso em números.
  • 59. SÁUDE URBANIZADA • Na verdade, métodos numéricos no estudo da sociedade, aí incluída a situação de saúde, já haviam sido introduzidos no século XVII. • O médico proprietário rural William Petty (1623-1687) iniciara o estudo do que denominava de “anatomia política”, coletando dados sobre população, educação, produção e também doenças. Esse processo ganhou impulso no século XIX. • Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, também surgiram estudos desse tipo: é que ali se faziam sentir com mais força os efeitos, sobre a saúde, da urbanização, da proletarização. • Esta a situação levou Friedrich Engels a escrever Condição da classe trabalhadora na Inglaterra., e a partir de 1840 aparecem os Bluebooks e inquéritos estatísticos. • Pioneiro nas estatísticas de saúde foi William Farr (1807-1883), médico e em 1839 diretor-geral do recémestabelecido General Register Office da Inglaterra. • Seus Annual Reports, nos quais os números de mortalidade se combinavam com vívidos relatos, chamaram a atenção para as desigualdades entre os distritos “sadios” e os “não-sadios” do país. • Em 1842, Edwin Chadwick (1800-1890), advogado, escreveu um relatório : As condições sanitárias da população trabalhadora da Grã-Bretanha, impressionando o Parlamento, que em 1848 promulgou lei (Public Health Act) criando uma Diretoria Geral de Saúde, para propor medidas de saúde pública e de recrutar médicos sanitaristas. • Dessa forma teve início oficial o trabalho de saúde pública na Grã-Bretanha.
  • 60. SAÚDE “CIDADÔ • Em 1850, nos Estados Unidos, Lemuel Shattuck, livreiro, faz um relato sobre as condições sanitárias em Massachusetts - e uma diretoria de saúde é criada nesse Estado, reunindo médicos e leigos. • Ao mesmo tempo, outras revoluções ocorriam, como a de 1848, como a Comuna de Paris: Karl Marx estava diagnosticando os males do capitalismo e propondo profundas modificações na sociedade. • Mesmo que estas não ocorressem, modificações precisavam ser feitas. • Os capitalistas e latifundiários precisavam, para Otto von Bismarck, o “chanceler de ferro”, serem salvos deles próprios, de sua ganância que ameaçava sacrificar a mão-de-obra operária. • Bismarck criou, em 1883, um sistema de seguridade social e de saúde que, por vários aspectos, foi pioneiro. • Na Alemanha já tinha surgido, em 1779, a ideia da intervenção do Estado na área de saúde pública, sendo publicado o System einer Vollständigen medicinischen Polizei, obra pela qual Johan Peter Frank (1745-1821) lançava o conceito, paternalista e autoritário, de polícia médica ou sanitária. • Depois da Alemanha, o sistema foi implantado na França, que, tendo anexado a Alsácia-Lorena após a Primeira Guerra Mundial, não quis privar a população dessa região dos benefícios de que gozava sob o Império Alemão.
  • 61. SAÚDE POLITIZADA • Vários outros países foram copiando o sistema. Mudança substancial ocorreria à época da Segunda Guerra, na Grã-Bretanha. • Com o intuito de oferecer ao povo inglês uma espécie de compensação pelas agruras sofridas com o conflito bélico, o governo de Sua Majestade encarregou, em 1941, Sir William Beveridge de fazer um diagnóstico da situação do seguro social, submetendo ao governo um plano, em conseqüência do qual foi criado, como parte do Welfare System, que prometia proteção “do berço à tumba”, o Serviço Nacional de Saúde, destinado a fornecer atenção integral à saúde a toda a população, com recursos dos cofres públicos. • Mas não havia ainda um conceito universalmente aceito do que é saúde. • Para tal seria necessário um consenso entre as nações, possível de obter somente num organismo internacional. • A Liga das Nações, surgida após o término da Primeira Guerra, não conseguiu esse objetivo: foi necessário haver uma Segunda Guerra e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que isto acontecesse.
  • 62. SAÚDE CONCEITUADA UNIVERSAL • Conceito da OMS, na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (o Dia Mundial da Saúde), reconhecendo o direito à saúde e a obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. • Refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo. • Saúde deveria expressar o direito a uma vida plena, sem privações: útil para analisar fatores que intervêm sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir, é o de campo da saúde (health field), formulado em 1974 por Marc Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá - país que aplicava o modelo médico inglês, pelo qual o campo da saúde abrange: • * a biologia humana: herança genética e os processos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento; • * o meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho; • * o estilo de vida, com decisões que afetam a saúde: fumar ou não, beber ou não, praticar ou não exercícios; • * a organização da assistência à saúde: assistência médica, os serviços ambulatoriais e hospitalares e os medicamentos pensados quando se fala em saúde.
  • 63. SAÚDE REVISADA • São apenas componentes do campo da saúde, e não necessariamente os mais importantes: é mais benéfico para a saúde ter água potável e alimentos saudáveis do que dispor de medicamentos, evitar o fumo do que submeter-se a radiografias de pulmão todos os anos. • É claro que essas coisas não são excludentes, mas a escassez de recursos na área da saúde obriga, muitas vezes, a selecionar prioridades. • A amplitude do conceito da OMS (visível também no conceito canadense) acarretou críticas, algumas de natureza técnica (a saúde seria algo ideal, inatingível). • Definição não pode ser usada como objetivo pelos serviços de saúde, outras de natureza política, libertária: o conceito permitiria abusos por parte do Estado, que interviria na vida dos cidadãos, sob o pretexto de promover a saúde. • Em decorrência da primeira objeção, surge o conceito de Christopher Boorse (1977): saúde é ausência de doença. • A classificação dos seres humanos como saudáveis ou doentes seria uma questão objetiva, relacionada ao grau de eficiência das funções biológicas, sem necessidade de juízos de valor.
  • 64. SAÚDE PÚBLICA • Uma resposta a isto foi dada pela declaração final da Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde realizada na cidade Alma- Ata (no atual Cazaquistão), em 1978, promovida pela OMS. • A abrangência do tema foi até certo ponto uma surpresa: a par de suas tarefas de caráter normativo - classificação internacional de doenças, elaboração de regulamentos internacionais de saúde, de normas para a qualidade da água - a OMS havia desenvolvido programas com a cooperação de países-membros, mas esses programas tinham tido como alvo inicial duas doenças transmissíveis de grande prevalência: malária e varíola. • O combate à malária baseou-se no uso de um inseticida depois condenado, o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), tendo êxito expressivo mas não duradouro. • A seguir foi desencadeado, já nos anos 60, o Programa de Erradicação da Varíola, escolhida não tanto por sua importância como causa de morbidade e mortalidade, mas pela magnitude do problema (os casos chegavam a milhões) e pela redutibilidade: a vacina tinha alta eficácia, e como a doença só se transmite de pessoa a pessoa, a existência de grande número de imunizados privaria o vírus de seu hábitat. • Foi o que aconteceu: o último caso registrado de varíola ocorreu em 1977 e a erradicação de uma doença foi um fato inédito na história da Humanidade.
  • 65. POLÍTICA/SAÚDE • Quando se esperava que a OMS escolhesse outra doença transmissível para alvo, a Organização ampliou consideravelmente seus objetivos, como resultado de uma crescente demanda por maior desenvolvimento e progresso social. • Eram anos em que os países socialistas desempenhavam papel importante na Organização - não por acaso, Alma-Ata ficava na ex-União Soviética. • A Conferência enfatizou as enormes desigualdades na situação de saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; destacou a responsabilidade governamental na provisão da saúde e a importância da participação de pessoas e comunidades no planejamento e implementação dos cuidados à saúde. • Trata-se de uma estratégia que se baseia nos seguintes pontos: 1) as ações de saúde devem ser práticas, exeqüíveis e socialmente aceitáveis; 2) devem estar ao alcance de todos, pessoas e famílias - portanto, disponíveis em locais acessíveis à comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do país. • Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados primários de saúde representam a porta de entrada para o sistema de saúde, do qual são, verdadeiramente, a base. • O sistema nacional de saúde, por sua vez, deve estar inteiramente integrado no processo de desenvolvimento social e econômico do país, processo este do qual
  • 66. SAÚDE COM CUIDADO• Os cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas, socioculturais e políticas de uma região deveriam incluir: educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e de outros freqüentes agravos à saúde, provisão de medicamentos essenciais. • Haver uma integração entre o setor de saúde e os demais, como agricultura e indústria. • Conceito de cuidados primários de saúde tem conotações: proposta racionalizadora, mas também política. • Em vez da tecnologia sofisticada oferecida por grandes corporações, propõe tecnologia simplificada, “de fundo de quintal”: no lugar de grandes hospitais, ambulatórios; de especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma lista básica de medicamentos - enfim, em vez da “mística do consumo”, uma ideologia da utilidade social, como série de juízos de valor, que os pragmáticos da área rejeitam. • A pergunta é: como criar uma política de saúde pública sem critérios sociais, sem juízos de valor? • Constituição Federal de 1988, artigo 196 evita discutir o conceito de saúde: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. • Princípio do SUS, colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos.
  • 67. IN-CONCLUINDO • As mudanças sócio-culturais em curso, requisitando alternativas para a promoção de saúde e educação, necessitam ser contempladas pela oferta de reflexões teórico-práticas para a formação, de profissionais dessas áreas, mais pertinente às demandas de seus serviços no contexto social contemporâneo, e não por significados institucionalizantes atribuídos historicamente.
  • 68. SAÚDE: ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA • sa·lute Etimologia: inglês medieval: saluten, do Latim salutare, do Latin salut-, salus saúde, segurança, saudação – aproxima-se a salvo • 1 a : dirigir-se com expressões de gentil cortesia ou honra; b arcaico: to hail with the title or epithet of; c : aparecer, ir adiante, ou abrir-se em canção como para recepcionar; d: tornar-se aparente a: impressionar-se; • 2 a: dar um sinal de respeito, cortesia ou boa sorte; b: cumprimentar por ato de cerimônia convencional; c: fazer um sinal de saudação formal a um oponente; d: honorar; 3 a: to honor (uma pessoa, nação ou evento) por cerimônia convencional; b: mostrar respeito ou reconhecimento assumindo posição cuidada com reverência; c: expressar alta consideração, apreciar • Verbo intransitivo: fazer uma saudação, saudar.
  • 69. SAÚDE: ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA • Saúde (SUBSTANTIVO) • Inglês medieval salut, do Latim salut-, salus = saúde, segurança, saudação; • 1: fala ou gesto expressando benvinda, reconhecimento ou cortesia; • 2: antiga moeda de ouro francesa ou gaulesa com a figura da Virgem o anjo da Anunciação; • 3 a: sinal ou cerimonial (como um beijo ou uma cumbuca) expressando boa sorte, cumprimento ou respeito; b: saudação formal de par prestes a comprometer-se.
  • 70. SAUDAÇÃO: ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA • Saudação: Inglês medieval salutacioun, do Latim salutation-, salutatio, de salutatus (particípio passado de salutare (saudar) + -ion-, -io -ion – como Saúde 1 a : ato ou ação de saudar (expressando boa sorte ou cortesia); b: gesto ou cerimônia de apreciação; c: fala de apreciação: tributo.
  • 71. ORIGEM de CUIDADO • Grego: g rys (voz); Gótico : kara (lamento), Latim: garrire (balbuciar), curare • = ouvir o lamento como SOFRIMENTO • Peso de preocupação incerta, apreensiva ou medo, para considerar encaminhamentos • Atenção acompanhada por interesse e responsabilidade • Consideração, inclinação • Encargo, Supervisão: responsabilidade ou atenção para segurança e bem estar, como sob o “cuidado” médico • Custódia: encargo temporário, quando alguém é designado por outra pessoa ou agência • Direção de atenção, ansiedade ou solicitude à pessoa ou coisa • Solicitude: protetividade apreensiva ou reflexiva atentividade ou consideração para o bem estar de outro • Preocupação: interesse no bem estar ou segurança de outro, carregada de apreensão ou dúvida de dificuldades ou falhas pela responsabilidade implicada • Ansiedade: forte desgaste pela expectativa de mal resultado outcome • Sinônimos para cuidadoso: meticuloso, escrupuloso, pontual, variada mistura de atentividade e caução
  • 72. PREOCUPAÇÃO: ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA • Do Latim praeoccupation-, praeoccupatio = ato de ocupar-se antes, de praeoccupatus (particípio passado de praeoccupare), de prae- pre- (antes) + occupare = ocupar-se) • 1 a: ato de pre-ocupar-se ou condição de ser pre- ocupado • b: consideração com algo: dedicação com interesse • c: algo que promove preocupação ou atenção • 2 obsoleto : PROLEPSIS
  • 73. ETIMOLOGIA MAIS ORIGINÁRIA • Pro·lep·sis: do grego prol psis = antecipação, pre-concepção, de prolambanein tomar diante de si, antecipar, de pro- 1 pro- + lambanein (tomar) • 1: apresentação asumpssumida de um futuro ato ou desenvolvimento como sendo presentemente existindo ou realizado: procronismo • 2a: figura em que um tema é encaminhado como sensação antes de ser afirmado ou relatado em detalhe; b: figura pela qual objeções são antecipadas para enfraquecer sua força; c: uso de um atributo denotando condição ou desenvolvimento futuro como existindo ou ocorrendo quando é momentaneamente consequencial: uso antecipatório de um adjetivo • 3a: uma concepção ou crença derivada de percepção sentida e assim tomada como não necessariamente verdadeira; b: uma concepção empírica geral, especialmente usada no Estoicismo e Epicurismo.
  • 74. ETIMOLOGIA CUIDADA • Inglês medieval lachen, lacchen, Inglês antigo læccan; derivado do grego lambanein, lazesthai = tomar firmemente • 1 a (1): segurar com mãos e braços; (2): ganhar, segurar; (3): segurar firmemente; b: ganhar compreensão; c: associar-se muito proximamente ou intimamente = ligar-se. • 2 Dialeto Britânico: apanhar, receber segurando.
  • 75. ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA CUIDADOSA • Utter do inglês medieval uttren, de utter = fora • 2 a: enviar adiante como um som, por para for a em voz audível, expressar com; b: dar expressão = pronunciar, dizer, falar; c: expressar publicamente, descrever or reportar empalavras; • 3 obsoleto: fazer saber, manifestar (algo desconhecido, secreto ou escondido) = revelar; 4: por em circulação algo como genuíno ou legítimo; • 5: emitir • 6: expressar-se em palavras • Verbo intransitivo 1: exercitar a fala: tornar-se fala
  • 76. ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA: À PRO-CURA • Pro·cura, do inglês medieval procuren = cuidar de, trazer à presença, realizar, do latim procurare, de pro- (em direção para) + curare (cuidar) Verbo transitivo 1 a: conseguir por cuidado e esforço; 2 a (1): causar para acontecer; b arcaico: promover para ser tratado de um modo indicado ou seguir algo indicado; 3 a: induzir-se em direção a algo indicado; b obsoleto: causar-se a ir a um lugar indicado = trazer-se
  • 77. ETIMOLOGIA HERMENÊUTICA CUIDADOSA • Ge·ryg·o·ne, do grego g rygon , feminino de g rygonos = nascido pelo som, de g rys = som, voz + gonos = nascido, de gignesthai = nascer • Aproxima-se de CUIDADO
  • 78. Madel Therezinha Luz Origens etimológicas de saúde • Saúde, em português, deriva de salude, vocábulo do século XIII (1204), em espanhol salud (século XI), em italiano salute, e vem do latim salus (salutis), com o significado de salvação, conservação da vida, cura, bem-estar. O étimo francês santé, do século XI, advém de sanitas (sanitatis), designando no latim sanus: “são, o que está com saúde, aproximando-se mais da concepção grega de ‘higiene’, ligada deusa Hygea. Em seu plural de origem idiomática, o termo ‘saúde’ designa, portanto, uma afirmação positiva da vida e um modo de existir harmônico, não incluindo em seu horizonte o universo da doença. Pode-se dizer, deste ponto de vista, que ‘saúde’ é, em sua origem etimológica, um ‘estado positivo do viver’, aplicável a todos os seres vivos e com mais especificidade à espécie humana.
  • 79. SAÚDE HUMANA? • Em relação aos humanos, o estado de ‘saúde’, romano ou grego, implicaria um conjunto de práticas e hábitos harmoniosos abrangendo todas as esferas da existência: o comer, o beber, o vestir, os hábitos sexuais e morais, políticos e religiosos. Implicaria virtudes específicas ligadas a todas essas esferas, e também em vícios, que poderiam degradar o estado de harmonia, ensejando o adoecimento e, no limite, a morte.
  • 80. SAÚDE ETIMOLOGIA DESCUIDADA • A virtude capital ligada à ‘saúde’ seria a prudência, que não era certamente, como na cultura contemporânea, um vigilante cuidado ligado ao medo de adoecer, mas um agir equilibrado, como um ‘caminho do meio’, que evitaria os extremos, nocivos ao equilíbrio e, conseqüentemente, ao estado de ‘saúde’ do indivíduo, dos grupos e da sociedade, entre os quais não havia a separação característica da sociedade moderna. Em suma, o importante a salientar aqui é que ‘saúde’, mais que um estado ‘natural’, é uma definição construída social e culturalmente. E nossa definição atual está muito longe de sua origem etimológica, tendo caminhado em sentido restritivo, senão oposto, ao longo dos últimos dois séculos.
  • 81. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde* José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres1 Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.8, n.14, p.73-92, set.2003- fev.2004 • Assistimos em tempos recentes à emergência de uma série de novos discursos no campo da saúde pública, mundial e nacionalmente, tais como a promoção da saúde, vigilância da saúde, saúde da família, redução de vulnerabilidade, entre outros. Contudo, uma efetiva consolidação dessas propostas e seu mais conseqüente desenvolvimento parece-nos depender de transformações bastante radicais no nosso modo de pensar e fazer saúde, especialmente em seus pressupostos e fundamentos filosóficos. É na condição de uma desconstrução teórica, com vistas a contribuir para a reconstrução em curso nas práticas de saúde, que se quer trazer ao debate a presente reflexão. Nesse sentido, examina- se o cuidado sob três perspectivas conceituais: como categoria ontológica, como categoria genealógica e como categoria crítica. A hermenêutica realizada na interface dessas três perspectivas permite apontar direções onde parece produtivo um esforço de reconstrução das práticas de saúde: • um ativo movimento de profissionais e serviços de saúde no sentido de se voltarem ativamente à presença do outro no espaço assistencial, a otimização e diversificação das formas e qualidade da interação eu-outro nesses espaços e o enriquecimento dos horizontes de saberes e fazeres em saúde numa perspectiva decididamente interdisciplinar e intersetorial.
  • 82. MITO DO CUIDADO (HIGINO) • Certa vez, atravessando um rio, Cuidado viu um pedaço de terra argilosa: cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter. O Cuidado pediu- lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cuidado quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter proibiu e exigiu que fosse dado seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço do seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como árbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente equitativa: ‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu, terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como porém foi o Cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao Cuidado enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa, ele deve se chamar ‘homo’, pois foi feito de humus (terra)’. (Heidegger, 1995, p.263- 4)