1. Prática Curricular IV: Fontes
Escritas, visuais e sonoras-
construindo texto didático
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2. Prática Curricular IV
FACETE – FACULDADE DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARÁ
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA: PRÁTICA CURRICULAR IV (FONTES ESCRITAS VISUAIS E
SONORAS – CONSTRUINDO TEXTOS DIDÁTICOS)
PROFESSOR:
EMENTA
“A História do Historiador”
Introdução ( ou, sobre o que precisamos considerar ao trabalhar com História)
Passado e memória dão conteúdo, identidade e espessura a todos os humanos. Por
mais isolado que se encontre um grupo, uma comunidade ou mesmo um só indivíduo, todos
estão imbuídos de um passado, de uma memória e de uma história. A história de si mesmos é
também a história da vinculação com determinado tempo e espaço. A história pessoal de cada
um inevitavelmente terá raízes numa história externa, mais ampla, mais difusa, imbricada com
o social, o econômico, com as estruturas da cultura, nem sempre perceptível no plano da
2 consciência individual. É justamente da tradução dessas histórias através de narrativa
coerente, elaborada a partir de elementos concretos, não ficcionais, com bases num múltiplo e
complexo inter-relacionamento entre tempo, espaço e a expressão dos grupos humanos, que
se ocupará o historiador. O historiador não será o guardião da memória individual, ou
memorialista, mas aquele que ao indagar, capta o sentido da construção de uma memória
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social no tempo, criando uma imagem do passado. Neste sentido a memória é documento, não
produto final.
Assim como o conteúdo da história não é o indivíduo isolado, tampouco o
historiador expressará uma subjetividade ilimitada na sua captação do passado. Pelo simples
fato de participar de um passado realizado no presente, de pertencer ou se projetar num
determinado grupo social, seu trabalho expressará uma historicidade intrínseca na escolha de
temas, na abordagem, na leitura da documentação, no processo de reflexão convertido num
contexto. Paradoxalmente, nesta condenação do historiador ao presente situa-se a eternidade
de um passado que nunca se esgota. Caso contrário, a história da Grécia, por exemplo, teria
sido escrita por Homero e ponto final. No entanto, cada século reelaborou a história da Grécia
dentro de suas perspectivas e possibilidades. Nos limites entre a ―consciência possível‖ e a
―consciência real‖ próprias e de seu tempo, o historiador busca no passado a consciência de
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seu tempo.
O historiador, diante da necessidade de organizar seu pensamento, seu
entendimento, cria medidas e categorias de tempo, organiza esse tempo em função de fatos,
de ciclos, de épocas, de estruturas. Dessa forma, acrescenta uma noção de tempo diversa
daquela vivida pelas comunidades, ou seja,, o tempo jamais é único no estudo da história, é
desigual e particular a cada sociedade, a cada momento e a cada espaço.É físico e metafísico.
Pode até mesmo não existir.
Dependendo de suas crenças, é possível a uma sociedade conceber um mundo
sem passado, num eterno presente em que passado e futuro se fundem. No Egito, na China, há
deuses que significam o próprio tempo, um tempo contínuo, seria um não-tempo divino que
interpreta o cotidiano.
Na cultura do cristianismo, o tempo existe na esfera do humano, fora da
divindade, que é eterna...
(QUEIROZ, Tereza Aline P. e IOKOI, Zilda Márcia G. A História do Historiador.
São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. P.07 a 12, Introdução).
3. Prática Curricular IV
Um pouco sobre o ensino da História no Brasil
A partir da constituição do Estado brasileiro a História tem sido um conteúdo
constante do currículo da escola elementar. O texto do decreto revelava que a escola
elementar destinava-se a fornecer conhecimentos políticos rudimentares e uma formação
moral cristã à população. A História a ser ensinada compreendia História Civil articulada à
História Sagrada.
A constituição da História como disciplina escolar autônoma ocorreu apenas em
1837, com a criação do Colégio Pedro II, o primeiro colégio secundário do país, que apesar de
público era pago e destinado às elites e apenas a História Universal. A História do Brasil foi
introduzida no ensino secundário depois de 1855 e, logo após, foram desenvolvidos
programas para as escolas elementares.
No final da década de 1870 foram feitas novas reformulações dos currículos das
escolas primárias visando criar um programa de História Profana, mais extenso e eliminar a
História Sagrada.
Os métodos de ensino estão aplicados nas aulas de História eram baseados na
memorização e na repetição oral dos textos escritos. Os materiais didáticos eram escassos, 3
restringindo-se à fala do professor e aos poucos livros didáticos com perguntas e respostas,
facilitando as argüições. Desse modo, ensinar História era transmitir os pontos estabelecidos
nos livros, dentro do programa oficial, e considerava-se que aprender História reduzia-se a
saber repetir as lições recebidas e prontas.
Pulando o século XIX, a partir de 1930, o ensino de História era idêntico em todo
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o país, dando ênfase ao estudo de História Geral, sendo o Brasil e a América apêndices da
civilização ocidental.com o processo de industrialização e urbanização se repensou sobre a
inclusão do povo brasileiro na História.
Nos programas e livros didáticos, a História ensinada incorporou a tese da
democracia racial, da ausência de preconceitos raciais e étnicos. Nessa perspectiva, o povo
brasileiro era formado por brancos descendentes de portugueses, índios e negros, e, a partir
dessa tríade, por mestiços, compondo conjuntos harmônicos de convivência dentro de uma
sociedade multirracial e sem conflitos, cada qual colaborando com seu trabalho para a
grandeza do país.
Ao longo desse período, poucas mudanças aconteceram em nível metodológico.
Apesar das propostas escolanovistas de substituição de métodos mnemônicos pelos métodos
ativos, com aulas mais dinâmicas, centradas nas atividades do aluno, com a realização de
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trabalhos concretos como fazer maquetes, visitar museus, assistir a filmes, comparar fatos e
épocas, coordenar os conhecimentos históricos aos geográficos.
Os métodos tradicionais de ensino têm sido questionados com maior ênfase. Os
livros didáticos, difundidos amplamente e enraizados nas práticas escolares, passaram a ser
questionados em relação aos conteúdos e exercícios propostos. A simplificação dos textos, os
conteúdos carregados de ideologias, os testes ou exercícios sem exigência de nenhum
raciocínio são apontados como comprometedores de qualquer avanço que se faça no campo
curricular formal. Dessa forma, o ensino de História atualmente está em processo de
mudanças substantivas em seu conteúdo e método.
Reafirmar a importância do currículo, não desprezando totalmente os livros
didáticos disponíveis já que alguns são de boa qualidade, mas atentando para a importância do
historiador produzir, a partir de um sólido referencial teórico, novos subsídios nascidos da
observação atenta e crítica dos fatos históricos, textos didáticos novos que contemplem
diversas fontes escritas visuais e sonoras são o que pretende esta disciplina.
OBJETIVO GERAL: Capacitar aos futuros historiadores construírem, a partir de
um sólido referencial teórico-histórico apreendido durante o curso e se utilizando das fontes
4. Prática Curricular IV
escritas visuais e sonoras, textos didáticos que possibilitem aos seus alunos a realização de
leituras críticas dos espaços, das culturas e das histórias do seu cotidiano.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
- Orientar aos professores a construção de um material didático que privilegie a
história crítica, pretendendo desenvolver com os alunos atitudes intelectuais de
desmistificação das ideologias, possibilitando a análise das manipulações dos meios de
comunicação de massas e da sociedade de consumo.
- Possibilitar a hetero-crítica dos livros didáticos e questioná-los e relação aos
conteúdos e exercícios propostos: a simplificação dos textos, os conteúdos sem nexo, os
exercícios sem exigência de nenhum raciocínio, imprópria iconografia e outros fatores que
denigram o ensino-aprendizagem da História.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
1- Conceitos de currículo e de referencial teórico;
2- Prática de produção de texto didático utilizando as normas da ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas) e o correto manuseio das fontes escritas visuais e sonoras;
3- Como fazer pesquisa bibliográfica relacionando com o assunto pesquisado.
4
METODOLOGIA/ATIVIDADES
A disciplina Prática Curricular IV priorizará atividades que possibilitem a
construção de textos didáticos além de atividades em grupo, pesquisas e confecção de painéis
e outros.
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O Ensino e a aprendizagem da História estão voltados, inicialmente, para
atividades em que os alunos possam compreender as semelhanças e as diferenças, as
permanências e as transformações no modo de vida social, cultural e econômico no presente e
no passado, mediante a leitura de diferentes obras humanas.
O trabalho do professor consiste em introduzir o aluno na leitura das diversas
fontes de informação: registros escritos, iconográficos e sonoros, para que adquira, pouco a
pouco, autonomia intelectual. O percurso do trabalho escolar inicia, dentro dessa perspectiva,
com a identificação das especificidades das linguagens dos documentos – textos escritos,
desenhos, filmes -, das simbologias e das formas de construções dessas mensagens.
Para tal tarefa é necessário que ao construir os textos didáticos a utilização de
vários materiais não só de origem canônica (sociais, culturais, artísticos, religiosos), mas
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também requer o estudo de novos materiais (relatos orais, imagens, objetos, danças, músicas,
narrativas) que devem se transformar em instrumentos de construção do saber histórico.
Privilegiar, portanto, na construção dos textos didáticos de modo geral o trabalho
com fontes documentais – fotografias, entrevistas, pesquisa bibliográfica, formulação de
hipóteses, comparação de informações e perspectivas diferentes sobre um mesmo
acontecimento, teatro, murais, quadros cronológicos, debates, mapas, filmes, depoimentos,
edificações, objetos de uso cotidiano – é necessário desenvolver trabalhos específicos de
levantamento e organização de informações, leitura e formas de registro.
Os documentos são fundamentais como fontes de informações a serem
interpretadas, analisadas e comparadas. São cartas, livros, relatórios, diários, pinturas,
esculturas, fotografias, filmes, músicas, lendas, falas, espaços, construções arquitetônicas ou
paisagísticas, instruções e ferramentas de trabalho, utensílios, vestimentas, restos de
alimentos, habitações, meios de locomoção. São, ainda,os sentidos culturais, os estéticos,
técnicos e históricos que os objetos expressam, organizados por meio de linguagens( escrita,
oralidade, números, gráficos, cartografia, fotografia, arte).
É importante analisar a linguagem escrita, considerada como universo simbólico
que abarca signos simbólicos, conteúdos, mensagens, sentidos, construção argumentativa,
5. Prática Curricular IV
estrutura lingüística, etc.
Finalmente, mas não menos importante é preciso que ao se produzir um texto
didático que contemple a história regional, o profissional de história deve fazer recortes e
considerar alguns aspectos relevantes, desenvolver um trabalho de integração dos conteúdos
de História com outras áreas do conhecimento.
REREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANPUH. Memória, História, Historiografia: dossiê ensino de história. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, set. 2002/ago.2003.
BITTENCOURT, C.M.F. Pátria, civilização e trabalho: ensino de História nas escolas
paulistas. São Paulo: Loyola, 1990.
BLOCH, M, Introdução à história. Lisboa: Presença, s/d.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto/ Secretaria do Ensino Fundamental e médio.
Parâmetros Curriculares Nacionais- História. Vol. 5. Brasília. 1997.
CABRINI, C. ET alii. O ensino de história: revisão urgente. São Paulo: Brasiliense, 1996.
CERTEAU, M. DE. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense. 2002. 5
COCH, Ingedore; TRAVAGLIA, Luiz C. A coerência textual. 3. Ed. São Paulo: Contexto,
2001.ão Paulo: Contexto, 2001.
DIAS, M.O.L.da S. Quotidiano e poder. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FONSECA, S. G. Caminhos da história ensinada. Campinas: Papirus, 2003.
Guia do livro Didático/ PNLD 2004. Brasília: MEC, 200º.
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HELLER, A. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro. 1992.
HOBSBAWM, E. e RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2004.
NADAI, E. A escola pública contemporânea: propostas curriculares e ensino de história.
Revista Brasileira de História, Rio de Janeiro, v. 11, 1996, p. 99-116.
SILVA, M. (ORG.). República em migalhas, História regional e local. Rio de Janeiro: Marco
Zero; MCT/CNPq, 2000.
____________. Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco Zero, 2004.
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6. Prática Curricular IV
SUMÁRIO
1- Por que há tantas desigualdades sociais no Brasil? Um panorama da riqueza e da pobreza
brasileira.
2- Fazer História: Problemas de método e problemas de sentido.
3- Estrutura da Vida Cotidiana
4- Indivíduo e Comunidade: - Uma contraposição real ou aparente?
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7. Prática Curricular IV
POR QUE HÁ TANTAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL?
Um panorama da riqueza e da pobreza brasileira
María Laura Silveira
INTRODUÇÃO
CADA MOMENTO DA HISTÓRIA pode ser reconhecido por uma dada feição do território
ou, em outras palavras, pela existência de um sistema de infra-estruturas e uma dada
organização da vida política, econômica e social. Produto do trabalho, essas bases materiais e 7
políticas dão lugar à consecução de um novo trabalho e à sua divisão entre as pessoas e os
lugares.1 Assim, a história de uma nação pode ser contada pela sucessão das infra-estruturas
ligadas à produção e à circulação — que podemos chamar de configurações territoriais —
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mas, ao mesmo tempo, pela sucessão de políticas industriais, financeiras, sociais etc.
Em cada pedaço do território nacional, a quantidade e qualidade das infra-estruturas e
das políticas possibilitam o exercício, mais ou menos bem-sucedido, de um tipo de trabalho
valorizado no mundo contemporâneo. É por isso que podemos dizer que as regiões dão valor
ao trabalho que nelas se desenvolve, mas, reciprocamente, a chegada de novos objetos e
normas também cria valor nas regiões; Produz-se então uma hierarquia entre as regiões do
país. Essa história paralela das coisas e das ações denota o modo como o território é usado
pela sociedade, e sua análise revelar-nos-ia as respectivas formas de inclusão das pessoas e
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das regiões. O que não é incluído nessa repartição do trabalho privilegiada pela política de um
país perde valor e, assim, se empobrece.
Como o trabalho considerado moderno muda sua natureza e sua localização, as feições
e extensões da modernidade e da pobreza variam no tempo. Incapazes de acompanhar o passo
do processo de modernização material e organizacional, certas pessoas e regiões são excluídas
das benesses da modernização, sem todavia deixarem de ser resultado dela. Assim, a cada
momento certas formas de trabalho são valorizadas e outras não, certas regiões passam a
abrigar o trabalho que se valoriza e outras o perdem. Essa perda de valor é uma das causas
centrais da pobreza e, como esta adquire conteúdos diferentes segundo os contextos regionais,
falamos, conjuntamente, de desigualdades regionais.
1
Santos, Milton. A natureza do espaço: iécnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
8. Prática Curricular IV
Apesar de ser vista, amiúde, como um resultado indesejado do processo modernizador,
a pobreza é, tantas vezes, considerada inelutável. Mas ela o é apenas quando estamos diante
de uma ação política que, explícita ou sub-repticiamente, valoriza a velocidade, a fluidez e a
competitividade do trabalho. Ao contrário, a construção de um pro-jeto coletivo de sociedade
aconselharia reconhecer a pobreza menos como um resultado indesejado e mais como uma
dívida social resultante de um processo produtor de formas de exclusão.
DOS T E M P O S VAGAROSOS DA N A T U R E Z A
AO BR A S I L AR Q U I P É L A G O
Uma das características marcantes do território brasileiro é sua grande extensão. Trata-
se de um território com uma enorme variedade de sistemas naturais sobre os quais a história
8
foi se fazendo de um modo também diferenciado. A conquista desse meio natural por formas
de trabalho modernas, frequentemente conhecida como ciclos da economia, mostra a escolha,
em cada momento, das áreas mais aptas para a implantação das novas atividades. A ocupação
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do litoral é sucedida pela dinâmica das frentes pioneiras, que vagarosamente interiorizam a
exploração européia do território.2
Durante três longos séculos o uso da técnica na ocupação foi bastante limitado e, assim,
as condições naturais eram as respostas a uma ação humana tanto local quanto forânea. No
desafio às condições naturais e no enfrentamento das distâncias, o corpo do homem era o
principal instrumento. Criavam-se, em virtude do tipo de produção, áreas de densidade ou de
rarefação. Homens, plantas e animais de três continentes, sob o império dos europeus,
encontraram-se em pontos privilegiados da terra brasileira e, no seu convívio, tornado
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obrigatório pelo trabalho, criaram uma nova geografia nesta porção dg planeta.
A ocupação primeira do território dá-se com a cultura da cana-de-açúcar, em seguida
do fumo e de produtos alimentícios e depois do algodão nos agrestes nordestinos. A cultura
da cana-de-açúcar, baseada no desmatamento da floresta, permite a criação das primeiras
plan-tations e a floração de uma série de pequenos centros no Recôncavo da Bahia e na Zona
da Mata. As localidades estavam separadas por distâncias que se cumpriam em um dia de
marcha e que presidiam o comércio e o abastecimento das áreas produtoras. Segundo suas
exigências no processo de produção, os diversos produtos conduziram a uma certa
organização do território, vinculada a uma organização do calendário agrícola, à demanda de
mão-de-obra e às necessidades de transformação. Ê o caso da cana-de-açúcar que precisava
2
Andrade, Manuel C. de. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995.
9. Prática Curricular IV
ser rapidamente levada aos engenhos, o beneficiamento do fumo se dava nas aglomerações e
assim por diante. Dessa forma, a natureza do produto conduzia a uma determinada
organização do território, sobretudo quando se tratava de um produto de exportação.3
Desde a instalação do Governo Geral em Salvador, em 1549, até a Independência, em
1822, não se criaram fluxos verdadeiramente nacionais no domínio da economia. A máquina
de Estado servia para preservar e ampliar as fronteiras, manter o regime e a ordem, assegurar
a coleta de impostos e, com a ajuda da Igreja, unificar a língua. A unidade política e
linguística era contemporânea da vinculação quase direta entre as diversas regiões e o
mercado externo. A falta de intermediários produziu uma evolução espacial e econômica
caracterizada por "ilhas" de produção. Daí a imagem de um vasto arquipélago, formado, na
verdade, por um conjunto de "penínsulas" da Europa. 9
A interiorização do povoamento foi devida à mineração e à criação de gado nas
fazendas. A pecuária era dispersa pelo território dos sertões, enquanto a exploração dos
diamantes e do ouro foi responsável pelo surgimento de inúmeros núcleos de vida urbana no
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interior dos estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. Despontavam nos albores
da interiorização os sertões do Nordeste, que abasteciam as zonas de agricultura comercial do
litoral e as zonas de mineração, e os campos do Sul, que serviam à produção de couro e
charque.4
Durante séculos, o território brasileiro, sobretudo algumas áreas do Nordeste, conheceu
uma produção fundada muito mais no trabalho direto e concreto do homem do que na
incorporação de grandes sistemas de infra-estrutura à natureza. A pobreza estava ligada
sobretudo à seleção que a natureza fazia das produções e das formas de buscar domesticá-la.
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Coincidindo com as condições dos meios naturais 'ou com as sazonalidades da incipiente
produção, a pobreza não significava verdadeiramente uma exclusão social.
A MECANIZAÇÃO DA P R O D U Ç Ã O E DO T E R R I T Ó R I O
Novas geografias desenham-se sobretudo a partir da utilização de novos recursos,
prolongamentos não apenas do corpo do homem, mas do próprio território. Emerge o espaço
mecanizado. São as lógicas e os tempos humanos impondo-se à natureza com a emergência
de sucessivos meios técnicos, todos incompletamente realizados, todos incompletamente
difundidos.
A partir da segunda metade do século XIX mecaniza-se a produção mediante a
3
Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.
4
Prado Jr., Caio. História econômica do Brasil. 23a ed. São Paulo: Brasiliense, 1980 [1945].
10. Prática Curricular IV
instalação de usinas açucareiras e, mais tarde, o território com a navegação a vapor e as
estradas de ferro. Às técnicas da máquina circunscritas à produção sucedem as técnicas da
máquina incluídas no território. Criam-se interdependências entre os navios, os portos, as
ferrovias, as primeiras estradas de rodagem e as usinas de eletricidade, que permitiram a
constituição dos primeiros sistemas de infra-estruturas, verdadeiros sistemas de engenharia no
território brasileiro. Todavia, em enormes pedaços do território reinava o meio natural,
impondo, como na Amazônia, significativos estorvos à exploração e à posse dos europeus.
Baseados em grande parte no investimento público, a produção e o comércio da
borracha permitiram o crescimento de Belém e de Manaus, assim como São Paulo e Santos
devem ao café o seu desenvolvimento. Na Bahia, sob o comando do porto de Ilhéus, o cacau
ajudou a criar uma rede de cidades. Foram instaladas as primeiras indústrias brasileiras, que
10 não eram necessariamente urbanas. Algumas dependiam da proximidade das matérias-primas
— como o algodão, cultivado em áreas da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão —
ou de fontes de energia diretamente utilizáveis, que se encontravam fora das cidades.
Mas, a partir de um certo desenvolvimento técnico que permitiu o deslocamento de
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materiais e fluidos, a localização da produção industrial tornou-se menos dependente da
presença contígua de matérias-primas e de fontes de energia e mais vinculada à oferta de
mão-de-obra e de mercados. Das 636 fábricas existentes no Brasil em 1890, que empregavam
54.169 operários, as mais numerosas e importantes estavam no Rio de Janeiro.
O crescimento das cidades foi, entretanto, desigual, em virtude das oscilações das
economias regionais ou de seu papel político.' Dominando uma vasta extensão do território,
cada cidade desenhava verdadeiros circuitos interiores. O motor fundamental dessa vida de
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relações era o comércio, principalmente orientado para o estrangeiro. Mas, as regiões
organizavam-se com os meios muito limitados de que dispunham as cidades e suas relações
com o exterior eram hierárquicas. A inexistência de transportes interiores rápidos era
responsável por um isolamento, quebrado apenas pelos transportes marítimos. Mesmo na
primeira fase dos transportes mecânicos, com a criação das vias férreas, não mudou muito a
situação, pois a vinculação circunscrevia-se às zonas de produção e aos portos. Não havia
uma integração.
O aparelhamento dos portos, a construção de estradas de ferro e as novas formas de
participação do país na fase industrial do modo de produção capitalista permitiram às cidades
beneficiárias aumentar, pouco a pouco, seu comando sobre o espaço regional, enquanto a
navegação, muito mais importante para o exterior, apenas ensejava um mínimo de contatos
entre as diversas capitais regionais, mas também entre os portos de importância.
11. Prática Curricular IV
Consolidavam-se as áreas de monocultura de exportação e, paralelamente, o processo de
urbanização aumentava as demandas de eletricidade.
A introdução da estrada de ferro vai permitir um uso mais dinâmico do território.
Criam-se duas lógicas. A exceção da área hoje nucleada por Rio de Janeiro e São Paulo, a
estrada de ferro reforça os laços privilegiados entre as metrópoles regionais e suas respectivas
hinterlândias, mas sem estabelecer entre tais metrópoles relações outras que não as permitidas
pela navegação marítima. Todavia, no Sudeste criam-se, de um lado, uma rede localizada de
ferrovias e, de outro, um intercâmbio baseado nas formas modernas de dividir territorialmente
o trabalho.
A expansão do sistema de circulação e das áreas de produção agrícola para exportação
reforçou o crescimento do emprego, sobretudo nas áreas próximas ao litoral. A pobreza, cuja 11
face era sobretudo rural, vinculava-se mormente a uma estrutura de propriedade injusta. Eram
situações locais, cujas soluções também eram locais por meio da política assistencialista do
Estado ou, por vezes, pela ação social e pontual de uma empresa. Tais soluções não estavam
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ainda permeadas pela lógica do capital financeiro ou de instâncias internacionais. Era uma
"pobreza incluída".5 Embora a riqueza gerada nesse país-conti-nente não conhecesse formas
satisfatórias de distribuição, a inclusão social, a partir do crescimento do emprego, permitia
uma evolução menos brutal das desigualdades.
DA MECANIZAÇÃO DA CIRCULAÇÃO AO ALVORECER DA INDUSTR IALIZAÇÃO
Como a economia era fundada em técnicas menos intensivas, o aumento dos volumes
produzidos significava, frequentemente, a criação de empregos. Ao mesmo tempo, a
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industrialização nascente se fez numa fase em que os progressos técnicos eram menos rápidos
e as escalas de produção menos estendidas, de sorte que o tempo de vida de uma fábrica era
maior, e a cada necessidade de aumentar a produção uma outra fábrica era agregada. A massa
salarial, fabril e rural, contribuía para o nascimento de outras fábricas. Paralelamente, uma
certa ociosidade da estrutura de transporte, já que os trens vinham carregados de café para
São Paulo e o litoral e voltavam vazios, permitiu uma diversificação produtiva. Esses fatos,
somados à expansão da capacidade de consumo de uma população que se urbanizava, permi-
tiram um maior desenvolvimento industrial.
A imigração beneficiou as regiões para onde se dirigia, já que os grupos de imigrantes
eram portadores de uma tecnologia industrial e constituíam uma mão-de-obra qualificada,
5
Santos, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2000.
12. Prática Curricular IV
desejosa de reproduzir no Brasil um modelo de consumo que haviam conhecido ou. almejado
obter nos seus países de origem. Nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná
a política oficial de imigração e colonização determinou a forma de povoamento e de
trabalho. São Paulo foi, certamente, o grande beneficiário desse movimento migratório.
A população brasileira aumentou continuamente no decorrer desses anos. A luta contra
a morte, conjuntamente com o combate menos eficaz contra o analfabetismo, resultou num
enorme aumento dos efetivos demográficos. Desde o início do século XX até a segunda
década, a população passou de 17,4 milhões para 30,6 milhões. O aumento populacional teve
como consequência não somente um aumento das densidades demográficas em cada região,
mas também a sua redistribuição. Se as populações do Nordeste, do Sudeste e do Sul
dobraram nesses vinte anos, o aumento foi ainda mais significativo na Amazônia. Essa
12 redistribuição manifestou-se por um novo equilíbrio demográfico regional e um abandono do
campo, com o aumento do número das cidades e de sua população. Em 1940, cerca de um
terço da população brasileira era urbana. Uma grande parte dos brasileiros do Norte e do
Nordeste abandonou essas regiões e dirigiu-se para as cidades do Sul. No final do século XIX
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ambas regiões representavam mais de um terço da população nacional e em 1960 cor-
respondiam a um quarto, ainda que seus índices de natalidade fossem os mais altos do país.
Um aumento de 2,2 vezes na matrícula do ensino fundamental entre 1940 e 1960
revelou-se importante mas não suficiente, ainda que se verificasse uma expansão nas
diferentes regiões do país. Embora evidenciando uma velocidade de crescimento análoga, o
ensino médio mostrava um número de alunos consideravelmente mais baixo. As instituições
de ensino superior, que eram 28 em 1908, aumentaram para cinquenta em 1912 e para 248
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em 1935. O Sudeste, o Nordeste e, mais tarde, o Sul foram as regiões que apresentaram o
maior número de instituições, tanto públicas como particulares. Paralelamente verifica-se
uma explosão no número de matrículas. O principal centro universitário nas primeiras
décadas do século era o Rio de Janeiro, que reunia cerca da metade dos alunos do país.
Alguns anos mais tarde, São Paulo despontou como um centro educacional importante,
sobretudo quando se generalizou uma demanda de cultura industrial orientada à
transformação material do território.
É o primeiro momento de um longo processo de integração nacional, que se
acompanha do início da hegemonia de São Paulo, com o crescimento industrial do país e a
formação de um esboço de mercado territorial no Centro-Sul.
13. Prática Curricular IV
A INTEGRAÇÃO DO MERCADO E DO T E R R I T Ó R I O
A Segunda Guerra Mundial havia revelado as carências do sistema de transportes e a
necessidade de um planejamento nacional que se preocupasse com os sistemas de infra-
estruturas. Um sólido processo de industrialização pôs-se em marcha, e a cidade de São Paulo
tornou-se a grande metrópole fabril. Nessa cidade estavam presentes todos os tipos de
indústrias e, convocado a acompanhar esse despertar industrial, o país inteiro conheceu uma
quantidade de solicitações e foi impregnado pela necessidade de completar a integração
nacional. Juntou-se à rede de ferrovias um sistema de estradas de rodagem que permitiu, pela
primeira vez, comunicar as diversas regiões do país entre si.
As necessidades de alimentos e matérias-primas para uma metrópole que aumentava
sua população e suas indústrias e, de certo modo, seu nível de vida demandavam novos 13
patamares de circulação. Os intercâmbios foram favorecidos pela nova base material e por
políticas específicas e, assim, o mercado se unificava ao ritmo da integração do território. O
Brasil-arquipélago cedia lugar a um território mais fluido.
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Em 1950, registravam-se mais de 70 mil estabelecimentos industriais e cerca de 1,3
milhão de pessoas ocupadas. Era uma época em que as micro e pequenas empresas
representavam 96,7% dos estabelecimentos e eram responsáveis por 42,3% dos empregos no
setor. Com 3 milhões de habitantes, São Paulo concentrava mais de um terço dos
estabelecimentos industriais e do emprego industrial do país, o que evidencia também o
crescimento da região do ABC.
É num Brasil integrado pelos transportes e comunicaçõese pelas necessidades
advindas da industrialização e da criação de um mercado interno que nascem importantes
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cidades no interior. Estas decor-rem do crescimento populacional, da elevação dos níveis de
vida, da expansão do consumo e da demanda de serviços em número e fre-qúência maiores
que anteriormente.
O transporte rodoviário de mercadorias reorganiza as relações entre os centros
regionais e a metrópole econômica do país. Sem dúvida, o traçado das estradas obedecia às
novas exigências da indústria e do comércio, que acabaram por reforçar a posição de São
Paulo como centro produtor e, ao mesmo tempo, centro de distribuição primária. A criação de
uma indústria automobilística e a construção de Brasília j também confluíram para favorecer
São Paulo e ampliar, quantitativa e qualitativamente, as diferenças regionais.6
As antigas metrópoles costeiras foram, desse modo, tornando-se relativamente menos
6
Fernandes, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 3a ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 [1974].
14. Prática Curricular IV
polarizadoras das respectivas populações regio-nais. Como mencionamos, entre outras razões,
os novos sistemas de transporte induziam os deslocamentos para São Paulo e Rio de Janeiro,
e aquelas antigas metrópoles litorâneas tornaram-se incapazes de fornecer os novos bens e
serviços às suas tradicionais áreas de ínfluência. Por essa razão, os núcleos urbanos mais
recentemente criados ou desenvolvidos ligavam-se diretamente a São Paulo, para obter as
respostas econômicas e técnicas de que necessitavam.
Pouco a pouco, Brasília vai retirando do Rio de Janeiro a centralidade do poder, isto é,
das ordens de natureza pública com as quais o território deveria ser regulado. São Paulo, por
sua vez, vai subtraindo ao Rio de Janeiro o comando da economia, atribuindo-se, por meio de
uma indústria capaz de abastecer e equipar um Brasil relativamente unificado pelos
transportes, a produção das ordens econômicas e da regulação económica do território. O
14 desequilíbrio entre a estrutura industrial do Rio e a de São Paulo consolida-se realmente
quando a indústria paulista conhece uma diversificação e a do Rio de Janeiro deixa de seguir
esse caminho. A formação de capital na região de São Paulo é um dos fatores dessa
diversificação. Brasília tende rapidamente a se instalar como metrópole política e São Paulo
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afirma-se ainda mais como metrópole econômica, enquanto ambas essas funções vão
minguando na antiga capital imperial e republicana, Rio de Janeiro.
Estabelecem-se relações entre a metrópole económica e as áreas agrícolas tecnificadas
e dinâmicas bem mais significativas do que com o resto do país, constituindo uma
especificidade da nova divisão territorial do trabalho. Abandonadas por essa repartição do
trabalho, gran-des camadas da população urbana do Nordeste e do Norte conheceram, agora,
o fenômeno da pobreza.
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Essa urbanização recente foi acompanhada de um crescimento da demanda
educacional. A matrícula no ensino fundamental mais que triplicou entre 1960 e 1980 e
resulta significativa em todas as regiões. Todavia, surpreende a situação do ensino médio que,
ao longo dessas duas décadas, cresceu cerca de sete vezes, apesar de estar muito aquém de
uma universalização. Tal retrato completa-se com uma nova explosão da matrícula
universitária entre 1960 e 1970, quando aumentou em cerca de 3,6 vezes. Cursos e
instituições, sobretudo particulares, colonizam as diversas regiões do país.
Criavam-se então as condições de formação do que hoje é a região polarizada do país.
Foi um momento preliminar da integração territorial, marcado por uma integração regional do
Sudeste e do Sul. Mas, de certo modo, permaneciam muitas das velhas estruturas sociais. Em
1960, cerca de 33 mil proprietários possuíam quase a metade da superfície das propriedades
agrícolas brasileiras, enquanto 3,3 milhões dispunham apenas da outra metade. Tal estrutura
15. Prática Curricular IV
da propriedade favorecia, ao mesmo tempo, a persistência da pobreza e o abandono do
campo. Os excedentes de população, cada ano mais numerosos, encontraram um refúgio nas
cidades. Isso explica um crescimento urbano superior a 10% anuais em vários centros
regionais e de 6% nas grandes metrópoles, enquanto o número de empregados e subempre-
gados aumentava num ritmo ainda maior.
O deslocamento desses milhares de indivíduos para as cidades respondia quase sempre
a uma busca por melhores condições de vida.
Os novos meios de comunicação foram em grande parte responsáveis por essa
revolução. Intensificaram-se as migrações para o estado de São Paulo. Bahia, Minas Gerais e
Pernambuco eram os principais estados de origem dos contingentes. Esse período criou as
condições para a reativação do processo de enfraquecimento de todas as periferias, enquanto 15
o país parecia refluir para o seu centro: capitais privados, investimentos públicos, população,
crescimento e pobreza. A pobreza despontava como uma das principais causas das migrações
desses contingentes, que amiúde encontravam uma pobreza de nova qualidade nos seus
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lugares de destino.
OS P R I M Ó R D I O S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O NO B R A S I L
A revolução dos transportes ocorrida nas décadas de 1950 e 1960 segue-sé", nos anos
1970, uma revolução das telecomunicações, com as perspectivas abertas pela revolução
científico-técnica e a incorporação dos satélites brasileiros.7 A ideologia de racionalidade e
modernização a qualquer preço ultrapassa o domínio industrial, impõe-se ao setor público e
invade áreas até então não tocadas ou alcançadas só indiretamente, como, por exemplo, a
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manipulação da mídia, a organi-zacão e o conteúdo do ensino em todos os seus graus, a
profissionalização e as relações de trabalho.
As transformações das bases materiais e sociais do território brasileiro, graças aos
acréscimos de ciência e de técnica, significam, também, a exigência de novas qualificações
profissionais. O aumento de mais de 220% na matrícula universitária entre 1970 e 1980 é
talvez a melhor evidência da necessidade e do desejo de apropriar-se de uma sofisticada
cultura técnica e organizacional. Como a proporção de instituições particulares aumentou
ao longo desses anos, estaríamos autorizados a falar, ao mesmo tempo, de uma difusão geo-
oráfica do ensino superior e de uma difusão social, agora reguladas pelas leis do mercado.
Agravam-se o atraso e as disparidades sociais sobretudo a partir da imposição de um
7
Dias, Leila Christina. "Les enjeux socio-spatiaux du développement des réseaux de télécommunications au
Brésil". Document de Recherche du Credal, nº 204, 1989, pp. 28-41.
16. Prática Curricular IV
modelo de consumo norte-americano que significa, ao mesmo tempo, um modelo de
produção, tornando mais pobre a nação, pois mesmo que os valores absolutos da renda
pudessem aumentar, crescia o desamparo social produzido pelo poder público e pela
dependência tecnológica, organizacional e financeira.
Tal promessa de consumo, encarnada na publicidade e no crédito, espalha-se na
sociedade e no território, de modo que os pobres já não podiam ser definidos como os
excluídos de tal consumo, nem o fato de consumir era prova de inclusão social. Considerada o
oferta infinita de bens e serviços e a criação científica e permanente de necessidades, a
pobreza torna-se relativa e quantificável, enquanto a carência dos mais elementares bens e
serviços ganha, agora, indicadores e participa de complexas equações. Pobreza e miséria
passam a ser alvo de programas específicos ou da aplicação de ações isoladas inspiradas nos
16 países que usufruíam das condições do Estado de bem-estar ou mesmo dos países socialistas.8
De alguma forma é o momento da aplicação de políticas desenvolvimentistas, precedidas por
discursos que denunciavam uma drenagem de regiões pobres para regiões mais ricas.
Testemunha precoce desse debate político, a Superintendência de Desenvolvimento do
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Nordeste (Sudene) havia sido criada já no fim dos anos 1950.
O dinamismo econômico da área Sudeste-Sul e o esvaziamento demográfico e
económico das áreas periféricas perduraram até o final da década de 1970. A diminuição da
atividade econômica que afetava o país como um todo parecia, então, uma ameaça à
continuidade do modelo. Para mantê-lo, era indispensável retomar a atividade, ao preço de
mais investimentos públicos e mais injeção de recursos para promover a exportação, mais
proteção ao grande capital e menor retribuição ao trabalho,9 ao preço de uma política social
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ainda menos generosa e, necessariamente, de uma ordem ainda maior no campo político-
social.
A prédica do crescimento foi razão política suficiente para a realização de grandes
projetos, viabilizados por volumosos empréstimos.
Em decorrência, o endividamento tornou-se — e é até hoje — uma forma onipresente
de distorção da economia e do território, pois todos os demais desejos e realidades deverão
subordinar-se à dívida, que passa a ser o eixo da vida nacional.
Uma nova divisão territorial do trabalho esboça-se no Brasil a partir da necessidade de
transformar minérios e produzir derivados do petróleo. É o momento de implantação de
8
Santos, Milton. Por uma outra globalização, op. cit.
9
Mamigonian, Armen. "Teorias sobre a industrialização". São Paulo: Laboratório de Geografia Política e
Planejamento Territorial e Ambiental, Departamento de Geografia da USP, 1992. (Seleção de Textos nº 4).
17. Prática Curricular IV
complexos e pólos indus-triais ligados à petroquímica na Bahia, à siderurgia no Maranhão, ao
minério de ferro em Carajás, aos derivados do cloro em Alagoas e à eletrometalurgia em
Tucuruí. Paralelamente, havia a necessidade de substituir o petróleo em alguns setores da
circulação. Daí a institucionalização, em 1975, do Programa Nacional do Álcool (Proálcool),
que, com o ingresso maciço da cultura de cana-de-açúcar, muda a geogra-fia do interior
paulista.
Os anos 1970 foram, assim, um marco na modernização da agri-cultura, no
desenvolvimento do capitalismo agrário, na expansão das fronteiras agrícolas e na
intensificação dos movimentos dos trabalhadores volantes — os bóias-frias. Novos conflitos
no campo não se fizeram esperar.
Estados como Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Bahia 17
apresentam altas taxas de emigração líquida entre 1950 e 1980. Áreas que haviam sido
atrativas em outros momentos transformaram-se, nos anos 1970, em expulsoras de uma
população cujo destino eram as metrópoles ou as novas frentes pioneiras, como a Amazônia.
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Uma produção industrial extrovertida, um maior endividamento, um aumento do
número e do poder das firmas estrangeiras, para as quais tudo era facilitado, uma ampliação
das facilidades de circulação dentro do país e para os canais de exportação se conjugaram
com uma tendência à concentração e à centralização da economia, assim como à concentração
geográfica e à concentração da renda.
Aumentam os intercâmbios, e em decorrência cresce e se diversifica o setor terciário
da economia, pois há maior necessidade de organização, de serviços públicos e privados, de
transportes e de bancos. Gesta-se, a um só tempo, uma grande especialização territorial, com
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a tendência à concentração da produção de bens e serviços mais sofisticados em alguns
pontos do Sudeste e do Sul: Apesar da industrialização, as características do
subdesenvolvimento permanecem e muitas vezes se agravam com o crescimento econômico.
Malgrado o aumento do Produto Nacional Bruto e mesmo dg Produto , Nacional Per Capita,
acirram-se as disparidades regionais, as desigualdades da renda e o empobrecimento daqueles
que já eram pobres.
Como a expansão da indústria dinâmica é acompanhada pela redução absoluta ou
relativa do poder aquisitivo das massas, a economia vê-se forçada a procurar mercados
externos ou a reduzir seu próprio crescimento. Os investimentos dirigem-se aos setores em
que há possibilidade de exportação, isto é, à produção de bens para os quais existem
compradores estrangeiros potenciais. Essa orientação exige uma constante modernização do
equipamento industrial para poder concorrer internacionalmente, que agrava a dependência
18. Prática Curricular IV
em relação aos centros mais avançados do sistema mundial. Por outro lado, a necessidade de
importação exige uma política de exportação agressiva.
Buscando o crescimento promove-se a produção de bens de capital, para os quais não
existe mercado interno. O Estado é então compelido a adotar uma política de grande potência,
favorecendo as maiores empresas, sem consideração pelas massas, cada vez mais
empobrecidas.
O extraordinário crescimento do capital fixo, revelado pelo aumento do tamanho das
infra-estruturas, fundamenta-se em projetos de planejamento aparentemente isolados, mas
orientados a acelerar a modernização capitalista. As formas têm um poder que convida a
ações como a modernização da agricultura e, no meio urbano, a renovação do meio
construído com o forte papel do capital especulativo. O capital comanda o território e o
18 trabalho torna-se, ainda mais, subordinado.
As modernizações mais recentes desintegram a economia e a so-ciedade porque
produzem um desequilíbrio e não criam os empregos suficientes. Como se desintegram as
estruturas no campo, não há migração escalonada na rede urbana, e por isso as grandes
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cidades con-tinuam a crescer. Todavia, é a grande cidade que, pela existência de um mercado
amplo e segmentado, abriga os pobres, nativos ou imigrantes, cujo trabalho, pouco
valorizado, lhes permite, todavia, a sobrevivência.
O PAÍS GLOBALIZADO: MODERNIZAÇÃO E
POBREZA
No período atual, os imperativos de um mercado tornado global passam I a comandar
os acréscimos de ciência e tecnologia que o território brasi- leiro já começara a incorporar
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nos anos 1970. A informação substitui a indústria como variável motora. Não se trata de
menosprezar os dinâmi- cos processos industriais, mas de apontar a relevância de um
fenômeno novo: a produção de informação. Assim, enquanto aumentam as ativi- dades de
serviços a indústria continua a crescer em várias porções do Brasil, como no estado de São
Paulo, ainda que com menor velocidade.
A implantação do sistema básico de telecomunicações permitiu não apenas a
transmissão de dados, mas também a unificação do sistema de televisão. A instalação das
redes possibilitou a difusão da informação gerais do consumo, assim como a financeirização
do território. Mais tarde, a incorporação da fibra óptica nos sistemas técnicos nacionais, a
partir dos projetos de interligação do planeta, ampliou a participação do país na globalização
das telecomunicações.
19. Prática Curricular IV
O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos, em virtude das
enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação de insumos, produtos e
dinheiro, de idéias e informações, das ordens e dos homens. E a constituição de um espaço
moderno, reticular e fluído. Essa premente necessidade de criar condições para uma maior
circulação justifica a ênfase dada na política atual à criação e ao aprimoramento de sistemas
de infra-estrutura que facilitem o movimento.
Tal unificação técnica ou material do território se perfaz com a unificação do
mercado. A força difusora do consumo que, no período atual, ganha uma velocidade antes
nunca vista, acompanha-se do comportamento territorial das grandes empresas. As firmas
mais poderosas escolhem os pontos que consideram instrumentais para sua existência
produtiva e deixam o resto do território às empresas menos poderosas. É uma modalidade de 19
exercício do seu poder.
Os dados próprios do período tanto alcançam áreas agrícolas como industriais e de
serviços, que se caracterizam pela sua inserção numa cadeia produtiva global, pelo
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predomínio de relações distantes e, frequentemente estrangeiras, e pela sua lógica
extrovertida. O país é cortado por estradas de rodagem que servem mais aos interesses
nacionais e internacionais do que aos regionais e locais. A pavimentação dos principais eixos
rodoviários e a construção de rodovias para os países vizinhos orientam-se a desenvolver
uma maior integração comercial.
Ainda que o peso dos empréstimos e créditos de organismos financeiros
internacionais nessa modernização do país seja marcante, não podemos deixar de assinalar
que o próprio Estado brasileiro investe pesadamente para dotar certas regiões das condições
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de circulação indispensáveis ao comércio externo. Aquelas regiões orientadas a produzir para
a exportação e para um comércio distante têm prioridade nesse equipamento, de modo que se
criam no território áreas com maior densidade viária e infoviária a serviço de um dos
aspectos da economia nacional. Essas densidades não têm, pois, relação direta com o
tamanho e a densidade da população, nem com a antiguidade do povoamento, nem com as
urgências das sociedades locais, mas com certos nexos econômicos, sobretudo os da
economia internacional. Há, todavia, uma permanente insatisfação com o equipamento e com
os custos do seu uso, agravada por frequentes comparações com outros países, que alimenta a
produção de um discurso sobre a necessidade de modernizar o território nacional.
É uma divisão territorial nova e ampliada no Brasil, que permite, por um lado, ocupar
20. Prática Curricular IV
áreas até então periféricas e, por outro, remodelar as áreas ocupadas.10 O consumo e o crédito
encontram as bases materiais para sua instalação em quase todo o território. Tornam-se, prati-
camente, ubíquos. Há uma unificação do território pelo mercado, pelos transportes e pela
informação. Num país de grandes disparidades regionais e de renda, o processo de criação de
fluidez é seletivo e não igualitário. A produção de fluidez se realiza não apenas com a
construção de equipamentos, mas também pela alocação de certas profissões e pela oferta de
certos empregos ligados à economia moderna, levando desse modo à desvalorização do resto
das formas de trabalho.
Superpõe-se ao velho tecido um novo tecido de urbanização. O nu-mero de grandes
cidades aumenta consideravelmente: as aglomerações com mais de 500 mil habitantes, que
eram quinze em 1980, passaram a 28 em 1996 e a 31 em 2000. Quanto às cidades com mais
20 de um mi- lhão de habitantes, que somavam dez em 1980, passaram a quinze em 2000.
Crescem as metrópoles e, ainda mais, as grandes cidades médias.
Nessas condições, novas fontes de riqueza e novas razões de pobreza se estabelecem
nas grandes cidades. Ao mesmo tempo que os salários dos trabalhadores industriais tendem a
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baixar, verifica-se, ainda que com menor ímpeto, uma imigração de gente pobre proveniente
de áreas rurais modernas e tradicionais e de outras áreas urbanas.
Os processos de valorização da terra por consolidação de frentes pioneiras certamente
tiveram um papel detonador em vários movimentos migratórios do país, como é o caso do
Norte do Paraná ou, mesmo, do Mato Grosso. Por outra parte, o fenômeno de migração
circular já se havia esboçado alguns anos antes. Lembremos que, em 1980, 11,5 milhões de
famílias não dispunham de terra ou já não sobreviviam em pequenas propriedades. Isso
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significa que um terço da população, cerca de 40 milhões de pessoas, estava em permanente
migração, tentando fixar-se no campo mas frequentemente não o conseguindo. E um novo
patamar do êxodo rural, devido à combinação explosiva de uma estrutura fundiária arcaica
em zonas agrícolas tradicionais e da modernização capitalista do campo em zonas dinâmicas
e em áreas de colonização agrícola e de ocupação recente.
Não podemos esquecer que na segunda metade da década de 1990 havia mais de 16
milhões de hectares produtivos não utilizados no Brasil — o equivalente ao total de terras de
Tocantins. Havia no país cerca de 332 milhões de hectares distribuídos em 3,6 milhões de
estabelecimentos, ao passo que cerca de 220 milhões de hectares estavam repartidos entre 1,3
milhão de estabelecimentos trabalhados por arrendatários, parceiros e ocupantes, o que
10
Santos, Milton e Silveira, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
21. Prática Curricular IV
configurava uma estrutura fundiária apta a expulsar a população rural. Expulsos das áreas
rurais modernas e tradicionais ou de outras cidades, os pobres encontram nas metrópoles
algum tipo de ocupação, mesmo que não constitua propriamente emprego. A variedade de
capitais existente na grande cidade assegura a possibilidade de uma extrema variedade do
trabalho. Entretanto, nas metrópoles ou em outras cidades a presença de pobres e a
correspondente depressão dó mercado de trabalho e dos salários projetam-se no
empobrecimento das respectivas municipalidades. Esse problema, aliás, é agravado com o
crescente desmantelamento do Estado de bem-estar, o que contribui para um empo-
brecimento ainda maior da população. Paralelamente, a implantação da modernidade na
metrópole representa um peso sobre os outros aspectos da vida local, mediante custos
públicos e privados, custos federais, estaduais e municipais. Tais adaptações ao moderno 21
representam lógicas distantes, que incidem sobre subáreas privilegiadas do organismo
urbano, mas cujo custo é verdadeiramente social. Toda a cidade sofre os resultados desse
processo aumentando os graus de pobreza.
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Representando cerca da metade da população desse Brasil de contrastes, a população
economicamente ativa tem aumentado nos setores secundário e terciário. Verifica-se nas
últimas décadas uma verdadeira explosão do setor terciário, sobretudo na região Sudeste e no
estado de São Paulo. Nas regiões metropolitanas, boa parte da população está ocupada em
atividades de serviços, mas o comércio, que não pára de crescer, é também um importante
contratador de mão-de-obra. Observado com mais cuidado, esse fenômeno revela uma
economia pontual de comércios e serviços modernos coexistindo com uma enorme economia
pobre orientada ao comércio e aos serviços mais banais nessas grandes cidades.
A OPÇÃO POR MULTIPLICAR A POBREZA Faculdade de Educação Teológica -
Quando uma nação privilegia um tipo de produção que não ajuda a população a
subsistir e a se desenvolver, mas obriga à criação permanente de um excedente, ocasionando-
lhe um ônus excessivo, falamos: em produção desnecessária. Haveria também uma
circulação e um intercâmbio desnecessários, que têm um custo social, como as infra-
estruturas de investimento pesado e a respectiva mobilização de veícu-los e serviços que não
contribuem com o bem-estar geral da sociedade nem permitem sua ampliação, em virtude
dos custos que representam.
Quando a exportação é pregada como solução necessária, em vez de buscar a melhoria
das condições de vida dos mais pobres, ampliam-se a produção e a circulação desnecessárias
22. Prática Curricular IV
e se aprofunda uma divisão do trabalho igualmente desnecessária. A globalização acelera
esse processo porque faz parte do seu credo a idéia de que sem exportar é
impossível modernizar-se e participar plenamente do mundo "civilizado". De fato, o que
resulta na prática é o triunfo de uma lógica econômica a despeito das distorções de ordem
social que possa causar. A decorrente divisão do trabalho passa a ser comandada sem preocu
pação com o interesse social.
Uma das consequências desse processo é a multiplicação e dis- semínação da pobreza
nas diversas camadas sociais das regiões brasi- leiras. Com a ampliação do poder do sistema
financeiro e de uma informação enviesada que reforça uma única interpretação da socíe-
dade, as políticas públicas, mais do que compensar esse jogo de forças, acabam por inclinar o
fiel da balança para o acirramento dessa situação. Subsídios e créditos do Tesouro para
22 auxiliar grandes corporações e bancos são, entre outras, formas legais de violência que, como
vemos cotidianamente, ampliam outras modalidades de violência, amiúde ilegais. A mídia,
frequentemente associada aos interesses hegemónicos, mostra isoladamente os fatos
emergentes de um processo mais complexo e invisível. Não se revelam os mecanismos
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produtores de violência, mas suas manifestações visíveis. A ordem corporativa, criadora de
desordem para o poder público e para toda a sociedade, é dissimulada.
A morte anunciada do sistema previdenciário é mais um mecanismo de comando que
o sistema financeiro exerce sobre a política, reduzindo o debate nacional a uma complexa
contabilidade macroeconômica. Nesse processo, o papel da informação, produzida e
veiculada pela mídia hegemônica, não é menos importante. Forma-se assim a chamada
opinião pública, manifestação do pensamento único, que ampara as ações políticas orientadas
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a erodir o embrionário Estado de bem-estar e a acelerar o empobrecimento das diversas
camadas sociais.
Se a massa da população economicamente ativa foi aumentando desde meados do
século XX até os dias de hoje, não se pode dizer o mesmo da evolução do número de
contribuintes para o Instituto da Previdência. Em 1981, metade de um total de 45,5 milhões
de trabalhadores contribuíam para a Previdência, e em 1995 essa proporção era de apenas
42,8%. Se o volume de trabalhadores cresceu em mais de 24 milhões nesses catorze anos, a
quantidade de contribuintes aumentou em apenas 7,1 milhões. Entre 1995 e 2002 o aumento
foi de pouco mais de 6 milhões de contribuintes. As consequências desse enfraquecimento
das estruturas fiscais são inúmeras, mas todas convergem para o empobrecimento da
população. A evolução negativa da base previdenciária é frequentemente apresentada, ainda
que isolada dos seus respectivos contextos explicativos, como uma das mais importantes
23. Prática Curricular IV
razões da falência do Estado.
A regionalização torna-se mais uma vez necessária para a compreensão dos
fenômenos. Em 2002, pouco mais de 20 milhões de contribuintes viviam na região Sudeste,
6,7 milhões no Sul, 5,1 milhões no Nordeste, 2,5 milhões no Centro-Oeste e 1,3 milhão no
Norte. Num estado como Tocantins, apenas 20% dos trabalhadores contribuíam para a
Previdência, enquanto a situação era um pouco melhor no Pará e no Amazonas. O retrato dos
estados do Centro-Oeste não é muito diferente: em Goiás e Mato Grosso, cerca de 32% do
total de trabalhadores são contribuintes. De alguma maneira, as áreas que sediam a expansão
de atividades modernas, como a agricultura das novas frentes pioneiras, são manifestações de
um Estado menos preocupado na contenção social dos trabalhadores e mais prel ocupado na
produção de um território fluido. Novas relações traba-lhistas, mais despojadas dos freios 23
sociais a um processo de forte acu-mulação capitalista, asseguram o crescimento da
economia moderna.
A situação é um pouco diferente nas regiões Sul e Sudeste. Estados como Rio Grande
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do Sul e Santa Catarina têm metade da massa de trabalhadores incluída no sistema
previdenciário, enquanto Rio de Janeiro e São Paulo registram porcentagens superiores a
62%| Não podemos esquecer, na análise dessa questão, o despontar de uma relação de nova
natureza que se difunde no Brasil nos anos noventa. E a previdência privada que, em 2002,
alcançava cerca de 2,1 milhões de contribuintes, dos quais mais da metade pertenciam à
região Sudeste. Se seu número representa pouco menos de 6% do total dos contribuintes da
previdência pública, a soma da sua poupança, agora subtraída do sistema público e universal,
não é todavia desprezível.
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Um mapa semelhante ao da previdência pública é desenhado pela situação dos
trabalhadores com carteira assinada: 68% no Sul e 42% no Nordeste. No entanto, se as
médias nacionais indicavam cerca de 60% dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil
ao longo da década de 1980 e início dos anos 1990, diminuíram para cerca de 37% na virada
do século. Consequentemente, o grau de sin-dicalização também diminuiu.
A precarização dos vínculos empregatícios e o aumento do de-semprego foram
acompanhados de um crescimento do número de tra-balhadores domésticos durante a década
de 1990. Em 1996 o emprego doméstico representava cerca de 10% da população
economicamente ativa do Brasil. Na região Norte a média subia para 11,3% e no Sul caía
para 8,3%. Já em 2002, acompanhando o empobrecimento rela-tivo das classes médias, que
provocou uma queda na procura, eram algo mais de 6 milhões de empregados domésticos,
cerca de 8% da população economicamente ativa do país.
24. Prática Curricular IV
Durante a década de 1990 o desemprego aumentou em todo o país e, com oscilações,
superou os dois dígitos nas regiões metropolita- nas. Em São Paulo, atingia nos primeiros
meses de 2004 mais de 12% da população economicamente ativa, mas já atingira 20% nos
anos 1990. Recife e Salvador, que haviam alcançado porcentagens em torno de 30%,
registravam cerca de 15%. Mas também Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre registraram
taxas superiores a 10%.
Novas formas técnicas e organizacionais, como a informatização e a automação das
tarefas tanto nas atividades agropecuárias quanto na indústria e nos serviços, os novos modos
de circulação, os atuais tipos de contratação e as políticas trabalhistas levaram entre outros
aspectos, a uma precarização das relações de emprego e a um aumento do desemprego ao
longo dos últimos quinze anos. Por isso, a racionalidade dá ordem econômica atual revela-se
24 limitada, ainda mais nas grandes metrópoles, onde o número de pobres é importante. Do
norte ao sul desse Brasil urbano as maiores metrópoles do país têm suporta-' do taxas de
desemprego em torno de 20% da população economicamente ativa. Mas qual é a
racionalidade de uma economia urbana que despreza tamanha quantidade de trabalhadores?
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O fato é que a cada dia há um menor número de atividades e empregos ligados a essa divisão
do trabalho hegemónica, e isso é mais visível nas grandes cidades.
Novas necessidades produtivas e novas formas de dividir social e territorialmente o
trabalho aumentam as necessidades de cooperação, criando novas profissões e rejeitando as
antigas, sobretudo a partir da revolução das telecomunicações, da informática e da
informação, da expansão do sistema bancário e da nova agricultura. Umas profissões cedem
lugar a outras, aptas a manipular os novos objetos técnicos, mas destinadas também a uma
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vida efêmera. O resultado desse ato de império é que em alguns setores como o quaternário
aumenta o emprego, embora discretamente, ao passo que em outros, volumosos contingentes
são condenados ao desemprego.
Se a divisão social do trabalho que acompanha o mundo da informação e das finanças
multiplica as profissões, ao mesmo tempo diminui o número total de empregos. As formas
técnicas e de regulação contemporâneas satisfazem seu apetite com um número menor de
pessoas altamente qualificadas. O emprego tradicional da metrópole industrial esvai-se, de
um lado, ao ritmo das novas acelerações normativas como as formas de contratação
temporária e da terceirização, da interiorização da indústria, que é sinônimo de modernização
e de busca de novas densidades normativas, e, de outro, pelas novas ocupa-ções na produção,
e adaptação das informações externas ao mercado brasileiro, da criação de uma publicidade
que aprofunda os consumos, da produção codificada de formas de fazer e regular, como a
25. Prática Curricular IV
miríade de instrumentos financeiros em vigor.
Esse movimento da sociedade contemporânea contribui também para concentrar a
renda. Em 1981 a classe mais rica (com renda de vinte salários mínimos ou mais)
representava 0,7% do total de pessoas com dez anos ou mais e concentrava 15,9% de Uma
renda nacional que beirava US$ 12 bilhões. Em 1997 esse grupo era composto por 1,8% da
população de mais de dez anos de idade (2.293.493) e deti- nha 26,4% do rendimento
nacional, que agora alcançava US$ 34,5 bilhões. Isso significa que em dezesseis anos essa
classe aumentou em mais de dez pontos percentuais a sua participação na distribuição da
renda nacional e conseguiu apropriar-se de um volume de riqueza (US$ 9,1 bilhões) a ser
comparado com o total nacional produzido em 1981(US$ 12 bilhões). Entre 1981 e 1997
aqueles cujos rendimentos superam os vinte salários mínimos ganham um aumento de renda 25
de US$ 7,2 bilhões, enquanto o respectivo contingente cresce em 1.627.585 pessoas.
Enquanto a classe mais rica aumenta 3,4 vezes em número de pessoas, seus rendimentos
multiplicaram-se por 4,8. Já as duas classes mais pobres, com renda entre meio e dois
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salários mínimos aumentaram em 2,4 vezes o seu contingente, mas somente em 1,8 vez a
massa, de sua renda. Em 2002 essas classes pobres já representavam cerca de um terço da
população brasileira.
Nesse contexto, é visível o empobrecimento relativo de uma região como o Nordeste,
ao passo que se torna receptora de grandes investimentos libados a produções inseridas na
atual divisão internacional do trabalho.
Ao se considerar as classes de maior renda, é significativa a participação dos estados
das regiões Sudeste e Sul. Quanto à classe com rendimento superior a vinte salários mínimos,
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cabiam à área metropolitana paulistana cerca de 22% do total nacional e 58% do total esta-
dual. Desse modo, mais de 40% das classes paulistas mais ricas moravam no interior do
estado, ligadas a uma agricultura cientificizada e a um processo de desconcentração de
indústrias modernas.
Em consequência, nos últimos anos aumenta o volume da renda e ao mesmo tempo
multiplica-se o número de excluídos no Brasil. Em outros termos, cresce a riqueza
socialmente gerada, com a produção de excedentes, mas piora sua distribuição social e
territorial. Em função de uma estrutura econômica e política concentrada, esse excedente é
legalmente transformado em lucro, isto é, ele é apropriado privadamente sem uma política
pública que permita, de fato, a ampliação do bem-estar social das maiorias. Na política atual,
as regiões mais pobres são alvo da implantação de grandes empreendimentos cujos lucros
tornam-se remessas para o estrangeiro ou para as classes hegemônicas nacionais, de modo
26. Prática Curricular IV
que seu poder devastador sobre as formas de trabalho locais não é compensado por uma
reativação da economia regional.
É o paradoxo da nação brasileira.
FINANÇAS, CONSUMO EPOBREZA
Todavia, o período atual caracteriza-se, entre outros complexos aspectos, pela
exacerbação da possibilidade de obter dinheiro adiantado. É por isso que coexistem uma
evolução decadente do emprego e do salário com um aumento relativo do consumo. Graças à
proliferação do crédito, que parece não abandonar nenhuma parcela da economia nem do
território, houve uma extraordinária expansão dos consumos materiais e imateriais,
produtivos e das famílias.
Ao contrário da produção, que é seletiva nas escolhas dos lugares, a finança se
26
interessa, direta ou indiretamente, pela totalidade do território vivente. E por isso que mesmo
aquelas atividades caracterizadas por baixo grau de capital fixo tecnológico, são chamadas a
aumentar seu capital de giro por meio do crédito, ainda mais quando muitos dos pequenos
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empresários atuam como pessoa física. Quando o spread bancário para empréstimos às
empresas era de 25% ao ano, para as pessoas físicas gira em torno de 57%. A vulnerabilidade
aumenta com a utilização do cheque especial, do crediário e sobretudo do crédito pessoal,
pois os juros atingem valores extremamente altos (entre 505 160% ao ano). Como é
significativo o número de pessoas sem conta bancária ou incapazes de dispor das necessárias
garantias, o crédito pessoal concedido pelas instituições financeiras encontra um terreno
fértil. Formas de verticalização de uma economia popular que, no período da globalização,
conhecem graus superlativos.
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Em 1999 havia 24 milhões de cartões de crédito no Brasil, nas mãos de pessoas que
recebiam mais de cinco salários mínimos. Dessa forma, amplas camadas da população abaixo
desse limiar e sem aces-so a cheques e cartões despontaram como um novo alvo para bancos,
financeiras e supermercados que decidiam fínanceirizar essas faixas da população. Criou-se
então o cartão de crédito popular, que funcio-na como um crédito pré-aprovado, é
proporcional à renda e pode ser usado numa rede comercial credenciada. Além de conseguir
clientes cativos, essas empresas lucram com os juros decorrentes do parcela-mento das
compras. Em 2003 o número total de cartões de crédito no Brasil havia aumentado para 47,5
milhões.
E uma verdadeira capilaridade das redes financeiras que resulta da coexistência de
filiais de grandes instituições, de todo tipo de agio- tas e da profusão de novos tipos de
27. Prática Curricular IV
crédito oferecidos pelos bancos públicos e privados. A rentabilidade dos bancos, por
exemplo, passou de 10,6% em 1994 para 15,7% em 1998 e para 24,5% em 2002.
Nesse contexto, o consumo de eletrodomésticos e eletroeletrôni-cos ganha novas
dimensões. Objetos como fogão, geladeira, televisão e rádio chegam maciçamente aos lares a
partir da década de 1980, e mais recentemente se verifica uma expansão do telefone fixo e do
telefone celular. As novas condições de vida urbana se alastram no território brasileiro num
período relativamente curto. A exceção das áreas rurais modernizadas e povoadas por uma
classe média com poder de consumo, a precariedade de certas formas de vida rural parece
resistir tenazmente em certas ilhas do território.
Dentre os consumos imateriais, o ramo dos seguros também é objeto dessa formidável
ampliação. Com auxílio de uma publicidade que explora implicitamente as debilidades da 27
nova ordem social, criam-se medos e riscos diversificados que devem ser previstos de forma
crescentemente individualizada. O mercado de seguros, capitalização e previdência privada
cresceu cerca de duas vezes entre 1994 e 1998. Submetidos às lógicas do mercado, certos
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bens e serviços, como a educação e saúde, também passam a fazer parte de uma vocação de
consumo que, graças à informação e aos transportes, se alastra na sociedade e no território.
Entre 1970 e 1980 foram criadas trezentas instituições do ensino superior, e a relação
de pessoas em idade universitária por aluno passa de 28,6 em 1970 para 12,2 em 1980. Após
o extraordinário crescimento de cerca de quinze vezes no número de alunos do ensino supe-
rior entre 1960 e 1980, há uma desaceleração no intervalo 1980-2002 (o aumento é de 2,5
vezes). Em 2002 havia cerca de 3,5 milhões de alunos, dos quais 70% (2,4 milhões)
estudavam em instituições particulares, e 1.637 instituições de ensino superior, das quais
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88% eram particulares, o que significa que num período de dezessete anos (1985-2002)
praticamente dobrou o número de faculdades, com a criação de 778 novas instituições.
Uma "fronteira educacional" em expansão desenvolve-se nas regiões Centro-Oeste e
Sul. É nessas áreas novas que o setor privado participa da interiorização do ensino superior.
No Centro-Oeste, 90,9% das instituições são particulares. A presença do mercado privado de
ensino superior no Sudeste também é significativa. Em 2002, cerca de 77% dos ingressos por
vestibular correspondiam às instituições particulares. Apesar de sua extraordinária expansão,
o número de candidatos por vaga no sistema particular foi de 2,5 em 2002. Nesse ano havia
pouco mais de 280 mil vagas públicas, disputadas por 2,6 milhões de alunos, isto é, mais de
nove candidatos por vaga. Eis a extraordinária tensão social decorrente de um sistema
público engessado, que contribui para a produção de exclusão e pobreza.
Quanto à saúde, os estabelecimentos públicos com internação revelaram um ligeiro
28. Prática Curricular IV
crescimento entre as décadas de 1980 e 1990, representando pouco menos de 30% do total
nacional. Já o crescimento do número de estabelecimentos de saúde com atendimento a pa-
cientes externos foi significativo. Em face da situação econômica e da desproteção social dos
trabalhadores e desempregados, o aumento do número de consultas em estabelecimentos
públicos foi explosivo. Em 1985 registraram-se 256,4 milhões de consultas públicas e 202,8
milhões de consultas particulares, números que em 1997 saltaram para 676 milhões e 388,9
milhões, respectivamente. Enquanto a demanda por serviços de saúde privados cresceu 1,9
vez, o setor público registrou um aumento de 2,6 vezes. Em 2001 realizaram-se mais de 420
milhões de consultas pelo Sistema Único de Saúde (sus), das quais 361 milhões foram
públicas.
A rede de saúde privada privilegia regiões como o Centro-Oeste e o Sul, mas a
28 presença dessa rede não se acompanha de um crescimento do acesso aos seguros de saúde e
convênios. Em 1995, apenas 10,7% da população brasileira (16,8 milhões de pessoas) tinha
acesso à medicina de grupo. Esse mercado se concentra nas regiões Sudeste e Sul, com cerca
de 90% (15,1 milhões de pessoas), e sobretudo no estado de São Paulo, com 58% do total
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nacional dos beneficiários da medicina de grupo. Em 2002 havia no país 16,2 milhões de
beneficiários, isto é, 9,5% da população total.
O alargamento dos sistemas ligados à satisfação de necessidades universais tem sido,
no Brasil, sempre mais lento que o volume da demanda. Mas a questão é ainda mais
complexa, pois essa expansão é fortemente comandada por um verdadeiro processo de
privatização de vários aspectos da vida social. Como a distribuição da sociedade bra-, sileira
confunde-se com a amplitude do seu território, podemos dizer que a vida social constitui um
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enorme mercado com densidades bastante diversas. Daí que as áreas de altas densidades
demográficas e altas rendas relativas, equipadas e dotadas de fluidez, configurem tesouros
disputados pelas empresas.
NEOLIBERALISMO, TERRITÓRIO
EPOBREZA ESTRUTURAL
Trata-se de um uso seletivo do território nacional, que pune as populações mais
pobres, mais isoladas, mais dispersas e mais distantes dos grandes centros e dos centros
produtivos. Enquanto o setor público pode se instalar nos lugares e esperar pela demanda, o
setor privado tende a alojar-se nas regiões onde a demanda já existe ou tem uma perspectiva
de desenvolver-se, sob a cadência de uma nova oferta. Por isso, o neoliberalismo conduz a