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PRÉMIO PRITZKER




                                                                                                             Nuno Coelho
                       Peter
       Zumthor          A sua arquitectura é a da essência. Constrói lugares em vez de edifícios e celebra
                        as qualidades únicas dos materiais. As suas obras, esculpidas ao milímetro,
                        têm uma presença forte e intemporal. Prémio Pritzker de Arquitectura 2009.
                        Texto Joana Pinheiro


32 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009
T
          rabalho um pouco como um escultor. Quando                 “Zumthor tem a incrível capacidade de criar lugares
          começo, a minha primeira ideia para um edifício           que são muito mais que simples edifícios. Nas suas
          é o material. Acredito que a arquitectura é sobre         hábeis mãos, como nas dos experimentados artífices,
          isto. Não é sobre o papel, não é sobre as formas.         os materiais, do cedro ao vidro, são usados de uma
É sobre o espaço e o material.”                                     forma que celebra as suas qualidades únicas, ao serviço
Na aldeia suíça de Sogn Benedetg, na orla de um caminho             da uma arquitectura de permanência”, destaca o júri
que recorta a paisagem verdejante, Peter Zumthor ergueu             do Prémio Pritzker, que, depois da dupla Jacques Herzog
uma pequena capela em madeira, cujos interiores esculpiu            e Pierre de Meuron, em 2001, voltou a homenagear a
ao milímetro. Paredes e tecto, pavimento, altar e bancos            arquitectura suíça.
partilham a nobreza de um material que difere na                    Montanha, pedra, uma nascente quente. Para Peter
tonalidade, na textura e no cheiro. A luz natural, que entra        Zumthor estava lá tudo. Só tinha de dar-lhe uma forma.
através dos rectângulos vidrados que percorrem o limiar             Termas de Vals (1996), cantão de Graubünden, Suíça.
superior da ermida, ocupa suavemente o interior, criando            Finas lajes de uma rocha vulcânica local cobrem as sólidas
uma atmosfera que se sente. “O abade e os monges                    paredes de betão do volume paralelepipédico, pautado por
queriam construir algo novo e contemporâneo para as                 aberturas vítreas e vazios geométricos. A água que brota
futuras gerações”, explica o arquitecto suíço. Zumthor              da montanha percorre múltiplos espaços semiexteriores
fê-lo e, no entanto, a capela de Sogn Benedetg (1988),              e interiores. Enquanto as pessoas usufruem das termas,
na comuna de Sumvitg, cantão de Graubünden, parece                  a luz atravessa as paredes, através de pequenas fendas,
estar lá desde sempre, herança de um tempo imemorial.               desenhando focos diáfanos nas áreas cerradas. O bronze,
                                                                    que matiza finos corrimões, pequenas portas e enormes
                                                                    torneiras, contrasta com os cinzentos dominantes.
                                                                    Quando os Alpes se cobrem de neve, a neblina desce
                                                                    até às piscinas descobertas, envolvendo quem aí se banha
                                                                    num cenário de mistério. A natureza sai aqui reforçada
                                                                    pelo toque de um homem.
                                                                    Zumthor recorda a história daquela que viria a tornar-se
                                                                    a sua obra-prima. “Em 1983, as autoridades locais
                                                                    adquiriram um complexo hoteleiro falido, edificado
                                                                    na década de 1960, por muito pouco dinheiro, ainda
                                                                    que sem grande entusiasmo. Mas algo tinha de ser feito
                                                                    para salvar os empregos. Disseram-nos que o novo edifício
                                                                    tinha de ser especial, único. Deveria enquadrar-se em
                                                                    Vals e atrair novos visitantes. Em 1991, o projecto foi
                                                                    apresentado e a construção começou três anos depois.
                                                                    Desde então, mais de 40 mil pessoas visitam




                                                                                                                        ▲




                                                                                                                                        Ateliê Peter Zumthor




> Esboço da Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007

                                                                                                   ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009 ■ 33
PRÉMIO PRITZKER




                                                                                                                    Fernando Guerra
anualmente as Termas de Vals.” Para os críticos, a
obra criou um “efeito Vals”, semelhante ao “efeito Bilbau”,
suscitado pelo Guggenheim basco do arquitecto Frank
Gehry. Protegido pelo cantão de Graubünden, o edifício,
que atesta “o raro talento de Zumthor para combinar
um pensamento claro e rigoroso com uma dimensão
verdadeiramente poética, num trabalho que nunca
cessa de inspirar”, nas palavras de Thomas J. Pritzker,
presidente da Hyatt Foundation, que atribui o galardão,
é um dos maiores trunfos da arquitectura contemporânea
suíça. Museu de Arte de Bregenz (1997), Vorarlberg,
Áustria. Um prisma de betão e aço envolto em paredes
de vidro fragmentadas, que na escuridão da noite se
iluminam para esbater os limites físicos do corpo de
quatro andares. O museu não tem janelas e, no entanto,
a luz diurna está em todos os espaços. Um espaço vazado,
no limite superior de cada piso, capta a luminosidade
que chega dos quatro lados. A luz bate no tecto de vidro
e é deflectida para baixo, incidindo sobre cada galeria
expositiva. O arquitecto suíço não constrói um mero
objecto fixo, “antecipa e coreografa a experiência do
movimento através e em torno do edifício”, realça o júri
do Nobel da Arquitectura. A obra valeu-lhe o conceituado
Prémio Mies van der Rohe para a Arquitectura Europeia,
em 1999. No final da década de 90, ficam concluídas as
três obras fundadoras que definiriam a essência da
arquitectura zumthoriana: a sensibilidade ao lugar, o
respeito pelo tempo, o culto do espaço, dos materiais e dos
detalhes, o apelo aos sentidos, o trabalho sobre a luz
                                                       ▲




                                                              > Termas de Vals, cantão de Graubünden, Suíça, 1996

34 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009
O Museu de Arte Kolumba (2007), na cidade alemã
                                                              de Colónia, eleva-se sobre as ruínas da igreja gótica de
                                                              St. Kolumba, destruída durante da II Guerra Mundial. O
                                                              térreo acolhe uma ampla área de escavação arqueológica,
                                                              pelos três pisos do edifício distribuem-se as “peças
                                                              da colecção permanente da Arquidiocese de Colónia,
                                                              que vai da Antiguidade tardia à actualidade”,
                                                              contemplando “esculturas românicas, instalações, quadros
                                                              medievais, ‘pinturas radicais’ e objectos de uso quotidiano
                                                              do século XX”, conta Peter Zumthor. Das obras que
                                                              mereceram ser citadas pelo júri do Prémio Pritzker, esta
                                                              colheu particular entusiasmo: “A sua arquitectura expressa
                                                              o respeito pela primazia do lugar, o legado da cultura local
                                                              e as inestimáveis lições da história da arquitectura.
                                                              O Museu Kolumba não é apenas uma obra contemporânea
                                                              surpreendente, está completamente confortável com as
                                                              suas múltiplas camadas de história. Aqui, Zumthor
                                                              produziu um edifício que emerge das ruínas de uma igreja
                                                              bombardeada, na mais lírica das formas, entrelaçando
                                                              lugar e memória num palimpsesto inteiramente novo.”
                                                              Porque é um arquitecto de poucos projectos, pode
                                                              reclamar a autoria de todos, da concepção geral ao último


      > Museu de Arte
de Bregenz, Vorarlberg,
         Áustria, 1997




                                                                                                                                Hélène Binet
e a ênfase na disciplina. Nos primeiros anos do século XXI,   dos pormenores. “Declinando a maioria das encomendas,
a gramática zumthoriana enriquece-se com dois projectos       só aceita um projecto se sentir uma profunda afinidade
fundamentais, a Capela de St. Nikolaus von der Flüe           com o programa, e a partir do momento do compromisso
e o Museu de Arte Kolumba.                                    a sua dedicação é completa. Zumthor é um arquitecto
Dedicada a um santo suíço, conhecido como irmão Klaus,        magistral, admirado pelos seus colegas de todo o
a Capela de St. Nikolaus von der Flüe (2007), em              mundo pelo seu trabalho focado, sem compromissos
Mechernich, na Alemanha, conquistou os aplausos               e excepcionalmente determinado”, elogiam os jurados
da crítica. A cofragem é formada por 112 troncos              do Pritzker.
de árvore configurados em cone, cobertos por betão.           Peter Zumthor nasceu a 26 de Abril de 1943, em Basileia,
Paulatinamente, durante 24 dias, as camadas de cimento        na Suíça. Cresceu na oficina de carpintaria do pai, Oscar
foram sendo vazadas sobre a estrutura. Depois, durante        Zumthor, que continua a citar como uma das referências
três semanas, um fogo lento foi mantido no interior           do seu trabalho, onde aprendeu a construir os seus
para que os troncos secassem e pudessem ser facilmente        próprios brinquedos. Entre os 15 e os 19 anos, foi
retirados da concha de betão. A ermida adquiriu uma           marceneiro, uma experiência que deixaria marcas em
calidez inesperada. Sentir a textura daquelas paredes,        todas as suas obras, mesmo nas que não são em madeira.
pisar o chão coberto de chumbo, derretido no próprio          De 1963 a 1967, estudou Arquitectura e Design na
local e ali manualmente derramado, e olhar, lá no alto,       Kunstgewerbeschule, Vorkurs e Fachklasse e no Pratt
a única abertura que deixa entrar a luz natural é uma         Institute de Nova Iorque. Foi aqui que se terá deixado
experiência transcendente. Há uma figura de bronze da         fascinar pelo Movimento Moderno. Trabalhou no
autoria do escultor Hans Josephsohn a habitar o espaço.       Departamento para a Preservação de Monumentos, através
De novo, “a presença forte e intemporal dos edifícios         do cantão de Graubünden, oficiando nas áreas de
de Zumthor”, preconiza Thomas J. Pritzker.                    arquitectura e restauro. Estabeleceu ateliê próprio
                                                                                                                  ▲




                                                                                          ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009 ■ 35
PRÉMIO PRITZKER



em 1979, na remota aldeia de Haldenstein, nos Alpes
suíços, onde ainda trabalha com uma pequena equipa,
que oscila entre as 15 e as 20 pessoas, consoante os
projectos em curso. Soma três décadas dedicadas à
arquitectura. O essencial da sua obra está construído
na Suíça, mas elaborou projectos para a Alemanha,
Áustria, Holanda, Inglaterra, Espanha, Noruega, Finlândia
e Estados Unidos. Professor na Accademia di Architettura
da Università della Svizzera Italiana, em Mendrisio,
desde 1996. Entre os diversos prémios que recebeu,
destaque para o Praemium Imperiale, da Japan Art
Association (2008), a Medalha de Arquitectura da
Fundação Thomas Jefferson da Universidade da
Virgínia (2006) e o Carlsberg Architecture Prize (1998).
Aprecia muito o sossego e o silêncio das montanhas,
ao mesmo tempo lugar de refúgio e fonte de inspiração.
Levanta-se cedo e toma descansadamente o pequeno-
almoço na cozinha, local de eleição na casa que projectou
para a família. Em madeira, betão e vidro, conjuga o léxico
zumthoriano com a herança modernista, rodeando-se de
um exuberante jardim. Tanto trabalha em casa como no seu
estúdio, as fronteiras entre os dois mundos são difusas.
Casado com Annalisa Zumthor-Cuorad, que dirige as
célebres Termas de Vals, tem três filhos, Anna Katharina,
Peter Conradin e Jon Paulin, e dois netos. Apesar dos seus
66 anos, todos os dias joga ténis. Gosta de música erudita
contemporânea, com que principia as suas conferências,
admira o cineasta russo Andrei Tarkovsky, respeita o
trabalho de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura.
Trabalha como um compositor compõe a sua música, um
escritor escreve o seu livro, um pintor pinta o seu quadro.
Porque o seu trabalho é de autor, recusa fazer obras sem
enunciados. Exige um interesse genuíno, proximidade,
respeito e paciência de quem lhe encomenda um projecto.
Prefere tarefas de carácter humanista, social ou artístico.
Almeja a perfeição e isso implica tempo.
“Ser premiado com o Prémio Pritzker é um reconhecimento
maravilhoso do trabalho arquitectónico que fizemos nos
últimos 20 anos. Que um corpo de trabalho tão pequeno
como o nosso seja reconhecido no mundo profissional faz
com que nos sintamos orgulhosos e deve dar muita
esperança aos jovens profissionais. Se procurarem
arduamente a qualidade, o vosso trabalho poderá tornar-se
manifesto sem qualquer promoção especial”, afirmou Peter
Zumthor, que em Buenos Aires, na Argentina, a 29 de Maio,
recebeu o galardão. Porque ainda há uma necessidade real
de uma arquitectura da essência. ■


                              > Capela de St. Nikolaus von der Flüe,
                              Mechernich, Alemanha, 2007
                                                                       Walter Mair




 Fontes: The New
 York Times,
 Chicago Tribune,
 The Architects’
 Journal e El País


36 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009

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Architecture: Peter Zumthor

  • 1. PRÉMIO PRITZKER Nuno Coelho Peter Zumthor A sua arquitectura é a da essência. Constrói lugares em vez de edifícios e celebra as qualidades únicas dos materiais. As suas obras, esculpidas ao milímetro, têm uma presença forte e intemporal. Prémio Pritzker de Arquitectura 2009. Texto Joana Pinheiro 32 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009
  • 2. T rabalho um pouco como um escultor. Quando “Zumthor tem a incrível capacidade de criar lugares começo, a minha primeira ideia para um edifício que são muito mais que simples edifícios. Nas suas é o material. Acredito que a arquitectura é sobre hábeis mãos, como nas dos experimentados artífices, isto. Não é sobre o papel, não é sobre as formas. os materiais, do cedro ao vidro, são usados de uma É sobre o espaço e o material.” forma que celebra as suas qualidades únicas, ao serviço Na aldeia suíça de Sogn Benedetg, na orla de um caminho da uma arquitectura de permanência”, destaca o júri que recorta a paisagem verdejante, Peter Zumthor ergueu do Prémio Pritzker, que, depois da dupla Jacques Herzog uma pequena capela em madeira, cujos interiores esculpiu e Pierre de Meuron, em 2001, voltou a homenagear a ao milímetro. Paredes e tecto, pavimento, altar e bancos arquitectura suíça. partilham a nobreza de um material que difere na Montanha, pedra, uma nascente quente. Para Peter tonalidade, na textura e no cheiro. A luz natural, que entra Zumthor estava lá tudo. Só tinha de dar-lhe uma forma. através dos rectângulos vidrados que percorrem o limiar Termas de Vals (1996), cantão de Graubünden, Suíça. superior da ermida, ocupa suavemente o interior, criando Finas lajes de uma rocha vulcânica local cobrem as sólidas uma atmosfera que se sente. “O abade e os monges paredes de betão do volume paralelepipédico, pautado por queriam construir algo novo e contemporâneo para as aberturas vítreas e vazios geométricos. A água que brota futuras gerações”, explica o arquitecto suíço. Zumthor da montanha percorre múltiplos espaços semiexteriores fê-lo e, no entanto, a capela de Sogn Benedetg (1988), e interiores. Enquanto as pessoas usufruem das termas, na comuna de Sumvitg, cantão de Graubünden, parece a luz atravessa as paredes, através de pequenas fendas, estar lá desde sempre, herança de um tempo imemorial. desenhando focos diáfanos nas áreas cerradas. O bronze, que matiza finos corrimões, pequenas portas e enormes torneiras, contrasta com os cinzentos dominantes. Quando os Alpes se cobrem de neve, a neblina desce até às piscinas descobertas, envolvendo quem aí se banha num cenário de mistério. A natureza sai aqui reforçada pelo toque de um homem. Zumthor recorda a história daquela que viria a tornar-se a sua obra-prima. “Em 1983, as autoridades locais adquiriram um complexo hoteleiro falido, edificado na década de 1960, por muito pouco dinheiro, ainda que sem grande entusiasmo. Mas algo tinha de ser feito para salvar os empregos. Disseram-nos que o novo edifício tinha de ser especial, único. Deveria enquadrar-se em Vals e atrair novos visitantes. Em 1991, o projecto foi apresentado e a construção começou três anos depois. Desde então, mais de 40 mil pessoas visitam ▲ Ateliê Peter Zumthor > Esboço da Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007 ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009 ■ 33
  • 3. PRÉMIO PRITZKER Fernando Guerra anualmente as Termas de Vals.” Para os críticos, a obra criou um “efeito Vals”, semelhante ao “efeito Bilbau”, suscitado pelo Guggenheim basco do arquitecto Frank Gehry. Protegido pelo cantão de Graubünden, o edifício, que atesta “o raro talento de Zumthor para combinar um pensamento claro e rigoroso com uma dimensão verdadeiramente poética, num trabalho que nunca cessa de inspirar”, nas palavras de Thomas J. Pritzker, presidente da Hyatt Foundation, que atribui o galardão, é um dos maiores trunfos da arquitectura contemporânea suíça. Museu de Arte de Bregenz (1997), Vorarlberg, Áustria. Um prisma de betão e aço envolto em paredes de vidro fragmentadas, que na escuridão da noite se iluminam para esbater os limites físicos do corpo de quatro andares. O museu não tem janelas e, no entanto, a luz diurna está em todos os espaços. Um espaço vazado, no limite superior de cada piso, capta a luminosidade que chega dos quatro lados. A luz bate no tecto de vidro e é deflectida para baixo, incidindo sobre cada galeria expositiva. O arquitecto suíço não constrói um mero objecto fixo, “antecipa e coreografa a experiência do movimento através e em torno do edifício”, realça o júri do Nobel da Arquitectura. A obra valeu-lhe o conceituado Prémio Mies van der Rohe para a Arquitectura Europeia, em 1999. No final da década de 90, ficam concluídas as três obras fundadoras que definiriam a essência da arquitectura zumthoriana: a sensibilidade ao lugar, o respeito pelo tempo, o culto do espaço, dos materiais e dos detalhes, o apelo aos sentidos, o trabalho sobre a luz ▲ > Termas de Vals, cantão de Graubünden, Suíça, 1996 34 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009
  • 4. O Museu de Arte Kolumba (2007), na cidade alemã de Colónia, eleva-se sobre as ruínas da igreja gótica de St. Kolumba, destruída durante da II Guerra Mundial. O térreo acolhe uma ampla área de escavação arqueológica, pelos três pisos do edifício distribuem-se as “peças da colecção permanente da Arquidiocese de Colónia, que vai da Antiguidade tardia à actualidade”, contemplando “esculturas românicas, instalações, quadros medievais, ‘pinturas radicais’ e objectos de uso quotidiano do século XX”, conta Peter Zumthor. Das obras que mereceram ser citadas pelo júri do Prémio Pritzker, esta colheu particular entusiasmo: “A sua arquitectura expressa o respeito pela primazia do lugar, o legado da cultura local e as inestimáveis lições da história da arquitectura. O Museu Kolumba não é apenas uma obra contemporânea surpreendente, está completamente confortável com as suas múltiplas camadas de história. Aqui, Zumthor produziu um edifício que emerge das ruínas de uma igreja bombardeada, na mais lírica das formas, entrelaçando lugar e memória num palimpsesto inteiramente novo.” Porque é um arquitecto de poucos projectos, pode reclamar a autoria de todos, da concepção geral ao último > Museu de Arte de Bregenz, Vorarlberg, Áustria, 1997 Hélène Binet e a ênfase na disciplina. Nos primeiros anos do século XXI, dos pormenores. “Declinando a maioria das encomendas, a gramática zumthoriana enriquece-se com dois projectos só aceita um projecto se sentir uma profunda afinidade fundamentais, a Capela de St. Nikolaus von der Flüe com o programa, e a partir do momento do compromisso e o Museu de Arte Kolumba. a sua dedicação é completa. Zumthor é um arquitecto Dedicada a um santo suíço, conhecido como irmão Klaus, magistral, admirado pelos seus colegas de todo o a Capela de St. Nikolaus von der Flüe (2007), em mundo pelo seu trabalho focado, sem compromissos Mechernich, na Alemanha, conquistou os aplausos e excepcionalmente determinado”, elogiam os jurados da crítica. A cofragem é formada por 112 troncos do Pritzker. de árvore configurados em cone, cobertos por betão. Peter Zumthor nasceu a 26 de Abril de 1943, em Basileia, Paulatinamente, durante 24 dias, as camadas de cimento na Suíça. Cresceu na oficina de carpintaria do pai, Oscar foram sendo vazadas sobre a estrutura. Depois, durante Zumthor, que continua a citar como uma das referências três semanas, um fogo lento foi mantido no interior do seu trabalho, onde aprendeu a construir os seus para que os troncos secassem e pudessem ser facilmente próprios brinquedos. Entre os 15 e os 19 anos, foi retirados da concha de betão. A ermida adquiriu uma marceneiro, uma experiência que deixaria marcas em calidez inesperada. Sentir a textura daquelas paredes, todas as suas obras, mesmo nas que não são em madeira. pisar o chão coberto de chumbo, derretido no próprio De 1963 a 1967, estudou Arquitectura e Design na local e ali manualmente derramado, e olhar, lá no alto, Kunstgewerbeschule, Vorkurs e Fachklasse e no Pratt a única abertura que deixa entrar a luz natural é uma Institute de Nova Iorque. Foi aqui que se terá deixado experiência transcendente. Há uma figura de bronze da fascinar pelo Movimento Moderno. Trabalhou no autoria do escultor Hans Josephsohn a habitar o espaço. Departamento para a Preservação de Monumentos, através De novo, “a presença forte e intemporal dos edifícios do cantão de Graubünden, oficiando nas áreas de de Zumthor”, preconiza Thomas J. Pritzker. arquitectura e restauro. Estabeleceu ateliê próprio ▲ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009 ■ 35
  • 5. PRÉMIO PRITZKER em 1979, na remota aldeia de Haldenstein, nos Alpes suíços, onde ainda trabalha com uma pequena equipa, que oscila entre as 15 e as 20 pessoas, consoante os projectos em curso. Soma três décadas dedicadas à arquitectura. O essencial da sua obra está construído na Suíça, mas elaborou projectos para a Alemanha, Áustria, Holanda, Inglaterra, Espanha, Noruega, Finlândia e Estados Unidos. Professor na Accademia di Architettura da Università della Svizzera Italiana, em Mendrisio, desde 1996. Entre os diversos prémios que recebeu, destaque para o Praemium Imperiale, da Japan Art Association (2008), a Medalha de Arquitectura da Fundação Thomas Jefferson da Universidade da Virgínia (2006) e o Carlsberg Architecture Prize (1998). Aprecia muito o sossego e o silêncio das montanhas, ao mesmo tempo lugar de refúgio e fonte de inspiração. Levanta-se cedo e toma descansadamente o pequeno- almoço na cozinha, local de eleição na casa que projectou para a família. Em madeira, betão e vidro, conjuga o léxico zumthoriano com a herança modernista, rodeando-se de um exuberante jardim. Tanto trabalha em casa como no seu estúdio, as fronteiras entre os dois mundos são difusas. Casado com Annalisa Zumthor-Cuorad, que dirige as célebres Termas de Vals, tem três filhos, Anna Katharina, Peter Conradin e Jon Paulin, e dois netos. Apesar dos seus 66 anos, todos os dias joga ténis. Gosta de música erudita contemporânea, com que principia as suas conferências, admira o cineasta russo Andrei Tarkovsky, respeita o trabalho de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura. Trabalha como um compositor compõe a sua música, um escritor escreve o seu livro, um pintor pinta o seu quadro. Porque o seu trabalho é de autor, recusa fazer obras sem enunciados. Exige um interesse genuíno, proximidade, respeito e paciência de quem lhe encomenda um projecto. Prefere tarefas de carácter humanista, social ou artístico. Almeja a perfeição e isso implica tempo. “Ser premiado com o Prémio Pritzker é um reconhecimento maravilhoso do trabalho arquitectónico que fizemos nos últimos 20 anos. Que um corpo de trabalho tão pequeno como o nosso seja reconhecido no mundo profissional faz com que nos sintamos orgulhosos e deve dar muita esperança aos jovens profissionais. Se procurarem arduamente a qualidade, o vosso trabalho poderá tornar-se manifesto sem qualquer promoção especial”, afirmou Peter Zumthor, que em Buenos Aires, na Argentina, a 29 de Maio, recebeu o galardão. Porque ainda há uma necessidade real de uma arquitectura da essência. ■ > Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007 Walter Mair Fontes: The New York Times, Chicago Tribune, The Architects’ Journal e El País 36 ■ ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009