1. PRÉMIO PRITZKER
Nuno Coelho
Peter
Zumthor A sua arquitectura é a da essência. Constrói lugares em vez de edifícios e celebra
as qualidades únicas dos materiais. As suas obras, esculpidas ao milímetro,
têm uma presença forte e intemporal. Prémio Pritzker de Arquitectura 2009.
Texto Joana Pinheiro
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2. T
rabalho um pouco como um escultor. Quando “Zumthor tem a incrível capacidade de criar lugares
começo, a minha primeira ideia para um edifício que são muito mais que simples edifícios. Nas suas
é o material. Acredito que a arquitectura é sobre hábeis mãos, como nas dos experimentados artífices,
isto. Não é sobre o papel, não é sobre as formas. os materiais, do cedro ao vidro, são usados de uma
É sobre o espaço e o material.” forma que celebra as suas qualidades únicas, ao serviço
Na aldeia suíça de Sogn Benedetg, na orla de um caminho da uma arquitectura de permanência”, destaca o júri
que recorta a paisagem verdejante, Peter Zumthor ergueu do Prémio Pritzker, que, depois da dupla Jacques Herzog
uma pequena capela em madeira, cujos interiores esculpiu e Pierre de Meuron, em 2001, voltou a homenagear a
ao milímetro. Paredes e tecto, pavimento, altar e bancos arquitectura suíça.
partilham a nobreza de um material que difere na Montanha, pedra, uma nascente quente. Para Peter
tonalidade, na textura e no cheiro. A luz natural, que entra Zumthor estava lá tudo. Só tinha de dar-lhe uma forma.
através dos rectângulos vidrados que percorrem o limiar Termas de Vals (1996), cantão de Graubünden, Suíça.
superior da ermida, ocupa suavemente o interior, criando Finas lajes de uma rocha vulcânica local cobrem as sólidas
uma atmosfera que se sente. “O abade e os monges paredes de betão do volume paralelepipédico, pautado por
queriam construir algo novo e contemporâneo para as aberturas vítreas e vazios geométricos. A água que brota
futuras gerações”, explica o arquitecto suíço. Zumthor da montanha percorre múltiplos espaços semiexteriores
fê-lo e, no entanto, a capela de Sogn Benedetg (1988), e interiores. Enquanto as pessoas usufruem das termas,
na comuna de Sumvitg, cantão de Graubünden, parece a luz atravessa as paredes, através de pequenas fendas,
estar lá desde sempre, herança de um tempo imemorial. desenhando focos diáfanos nas áreas cerradas. O bronze,
que matiza finos corrimões, pequenas portas e enormes
torneiras, contrasta com os cinzentos dominantes.
Quando os Alpes se cobrem de neve, a neblina desce
até às piscinas descobertas, envolvendo quem aí se banha
num cenário de mistério. A natureza sai aqui reforçada
pelo toque de um homem.
Zumthor recorda a história daquela que viria a tornar-se
a sua obra-prima. “Em 1983, as autoridades locais
adquiriram um complexo hoteleiro falido, edificado
na década de 1960, por muito pouco dinheiro, ainda
que sem grande entusiasmo. Mas algo tinha de ser feito
para salvar os empregos. Disseram-nos que o novo edifício
tinha de ser especial, único. Deveria enquadrar-se em
Vals e atrair novos visitantes. Em 1991, o projecto foi
apresentado e a construção começou três anos depois.
Desde então, mais de 40 mil pessoas visitam
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Ateliê Peter Zumthor
> Esboço da Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007
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3. PRÉMIO PRITZKER
Fernando Guerra
anualmente as Termas de Vals.” Para os críticos, a
obra criou um “efeito Vals”, semelhante ao “efeito Bilbau”,
suscitado pelo Guggenheim basco do arquitecto Frank
Gehry. Protegido pelo cantão de Graubünden, o edifício,
que atesta “o raro talento de Zumthor para combinar
um pensamento claro e rigoroso com uma dimensão
verdadeiramente poética, num trabalho que nunca
cessa de inspirar”, nas palavras de Thomas J. Pritzker,
presidente da Hyatt Foundation, que atribui o galardão,
é um dos maiores trunfos da arquitectura contemporânea
suíça. Museu de Arte de Bregenz (1997), Vorarlberg,
Áustria. Um prisma de betão e aço envolto em paredes
de vidro fragmentadas, que na escuridão da noite se
iluminam para esbater os limites físicos do corpo de
quatro andares. O museu não tem janelas e, no entanto,
a luz diurna está em todos os espaços. Um espaço vazado,
no limite superior de cada piso, capta a luminosidade
que chega dos quatro lados. A luz bate no tecto de vidro
e é deflectida para baixo, incidindo sobre cada galeria
expositiva. O arquitecto suíço não constrói um mero
objecto fixo, “antecipa e coreografa a experiência do
movimento através e em torno do edifício”, realça o júri
do Nobel da Arquitectura. A obra valeu-lhe o conceituado
Prémio Mies van der Rohe para a Arquitectura Europeia,
em 1999. No final da década de 90, ficam concluídas as
três obras fundadoras que definiriam a essência da
arquitectura zumthoriana: a sensibilidade ao lugar, o
respeito pelo tempo, o culto do espaço, dos materiais e dos
detalhes, o apelo aos sentidos, o trabalho sobre a luz
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> Termas de Vals, cantão de Graubünden, Suíça, 1996
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4. O Museu de Arte Kolumba (2007), na cidade alemã
de Colónia, eleva-se sobre as ruínas da igreja gótica de
St. Kolumba, destruída durante da II Guerra Mundial. O
térreo acolhe uma ampla área de escavação arqueológica,
pelos três pisos do edifício distribuem-se as “peças
da colecção permanente da Arquidiocese de Colónia,
que vai da Antiguidade tardia à actualidade”,
contemplando “esculturas românicas, instalações, quadros
medievais, ‘pinturas radicais’ e objectos de uso quotidiano
do século XX”, conta Peter Zumthor. Das obras que
mereceram ser citadas pelo júri do Prémio Pritzker, esta
colheu particular entusiasmo: “A sua arquitectura expressa
o respeito pela primazia do lugar, o legado da cultura local
e as inestimáveis lições da história da arquitectura.
O Museu Kolumba não é apenas uma obra contemporânea
surpreendente, está completamente confortável com as
suas múltiplas camadas de história. Aqui, Zumthor
produziu um edifício que emerge das ruínas de uma igreja
bombardeada, na mais lírica das formas, entrelaçando
lugar e memória num palimpsesto inteiramente novo.”
Porque é um arquitecto de poucos projectos, pode
reclamar a autoria de todos, da concepção geral ao último
> Museu de Arte
de Bregenz, Vorarlberg,
Áustria, 1997
Hélène Binet
e a ênfase na disciplina. Nos primeiros anos do século XXI, dos pormenores. “Declinando a maioria das encomendas,
a gramática zumthoriana enriquece-se com dois projectos só aceita um projecto se sentir uma profunda afinidade
fundamentais, a Capela de St. Nikolaus von der Flüe com o programa, e a partir do momento do compromisso
e o Museu de Arte Kolumba. a sua dedicação é completa. Zumthor é um arquitecto
Dedicada a um santo suíço, conhecido como irmão Klaus, magistral, admirado pelos seus colegas de todo o
a Capela de St. Nikolaus von der Flüe (2007), em mundo pelo seu trabalho focado, sem compromissos
Mechernich, na Alemanha, conquistou os aplausos e excepcionalmente determinado”, elogiam os jurados
da crítica. A cofragem é formada por 112 troncos do Pritzker.
de árvore configurados em cone, cobertos por betão. Peter Zumthor nasceu a 26 de Abril de 1943, em Basileia,
Paulatinamente, durante 24 dias, as camadas de cimento na Suíça. Cresceu na oficina de carpintaria do pai, Oscar
foram sendo vazadas sobre a estrutura. Depois, durante Zumthor, que continua a citar como uma das referências
três semanas, um fogo lento foi mantido no interior do seu trabalho, onde aprendeu a construir os seus
para que os troncos secassem e pudessem ser facilmente próprios brinquedos. Entre os 15 e os 19 anos, foi
retirados da concha de betão. A ermida adquiriu uma marceneiro, uma experiência que deixaria marcas em
calidez inesperada. Sentir a textura daquelas paredes, todas as suas obras, mesmo nas que não são em madeira.
pisar o chão coberto de chumbo, derretido no próprio De 1963 a 1967, estudou Arquitectura e Design na
local e ali manualmente derramado, e olhar, lá no alto, Kunstgewerbeschule, Vorkurs e Fachklasse e no Pratt
a única abertura que deixa entrar a luz natural é uma Institute de Nova Iorque. Foi aqui que se terá deixado
experiência transcendente. Há uma figura de bronze da fascinar pelo Movimento Moderno. Trabalhou no
autoria do escultor Hans Josephsohn a habitar o espaço. Departamento para a Preservação de Monumentos, através
De novo, “a presença forte e intemporal dos edifícios do cantão de Graubünden, oficiando nas áreas de
de Zumthor”, preconiza Thomas J. Pritzker. arquitectura e restauro. Estabeleceu ateliê próprio
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5. PRÉMIO PRITZKER
em 1979, na remota aldeia de Haldenstein, nos Alpes
suíços, onde ainda trabalha com uma pequena equipa,
que oscila entre as 15 e as 20 pessoas, consoante os
projectos em curso. Soma três décadas dedicadas à
arquitectura. O essencial da sua obra está construído
na Suíça, mas elaborou projectos para a Alemanha,
Áustria, Holanda, Inglaterra, Espanha, Noruega, Finlândia
e Estados Unidos. Professor na Accademia di Architettura
da Università della Svizzera Italiana, em Mendrisio,
desde 1996. Entre os diversos prémios que recebeu,
destaque para o Praemium Imperiale, da Japan Art
Association (2008), a Medalha de Arquitectura da
Fundação Thomas Jefferson da Universidade da
Virgínia (2006) e o Carlsberg Architecture Prize (1998).
Aprecia muito o sossego e o silêncio das montanhas,
ao mesmo tempo lugar de refúgio e fonte de inspiração.
Levanta-se cedo e toma descansadamente o pequeno-
almoço na cozinha, local de eleição na casa que projectou
para a família. Em madeira, betão e vidro, conjuga o léxico
zumthoriano com a herança modernista, rodeando-se de
um exuberante jardim. Tanto trabalha em casa como no seu
estúdio, as fronteiras entre os dois mundos são difusas.
Casado com Annalisa Zumthor-Cuorad, que dirige as
célebres Termas de Vals, tem três filhos, Anna Katharina,
Peter Conradin e Jon Paulin, e dois netos. Apesar dos seus
66 anos, todos os dias joga ténis. Gosta de música erudita
contemporânea, com que principia as suas conferências,
admira o cineasta russo Andrei Tarkovsky, respeita o
trabalho de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura.
Trabalha como um compositor compõe a sua música, um
escritor escreve o seu livro, um pintor pinta o seu quadro.
Porque o seu trabalho é de autor, recusa fazer obras sem
enunciados. Exige um interesse genuíno, proximidade,
respeito e paciência de quem lhe encomenda um projecto.
Prefere tarefas de carácter humanista, social ou artístico.
Almeja a perfeição e isso implica tempo.
“Ser premiado com o Prémio Pritzker é um reconhecimento
maravilhoso do trabalho arquitectónico que fizemos nos
últimos 20 anos. Que um corpo de trabalho tão pequeno
como o nosso seja reconhecido no mundo profissional faz
com que nos sintamos orgulhosos e deve dar muita
esperança aos jovens profissionais. Se procurarem
arduamente a qualidade, o vosso trabalho poderá tornar-se
manifesto sem qualquer promoção especial”, afirmou Peter
Zumthor, que em Buenos Aires, na Argentina, a 29 de Maio,
recebeu o galardão. Porque ainda há uma necessidade real
de uma arquitectura da essência. ■
> Capela de St. Nikolaus von der Flüe,
Mechernich, Alemanha, 2007
Walter Mair
Fontes: The New
York Times,
Chicago Tribune,
The Architects’
Journal e El País
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