1. Apresenta as principais críticas filosóficas aos direitos humanos, incluindo críticas tradicionalistas, historicistas, marxistas e culturalistas. 2. Argumenta que essas críticas têm em comum o fato de criticarem o caráter abstrato dos direitos humanos e a ênfase no homem concreto. 3. Expõe sucintamente as críticas tradicionalista de Edmund Burke, a crítica historicista da Escola Histórica de Direito de Savigny e outras críticas.
1. CRÍTICAS FILOSÓFICAS AOS DIREITOS HUMANOS
Honoré Augusto Cardoso
SUMÁRIO:
1.Introdução. 2. Crítica Tradicionalista. 3. Crítica Historicista. 4. Crítica Marxista. 5.
Crítica Culturalista. 6. Considerações Finais. Referências
RESUMO: O presente artigo irá expor algumas das principais críticas aos direitos humanos feitas por
diversos filosófos. A doutrina dos direitos humanos mostrou-se problemática em muitos aspectos e
suscita muitas questões. Entre elas: os direitos são realmente universais? São apenas de uma classe
social? Quem é esse homem das declarações? Verifica-se que, a despeito de suas diferenças, essas
críticas possuem em comum o fato de criticarem o caráter abstrato dos direitos humanos e por todos
possuírem uma preocupação com o homem concreto. Este trabalho exporá, sucessivamente, as
críticas tradicionalista, historicista, marxista, e, finalmente a crítica culturalista.
Palavras-Chave: Direitos Humanos. Universalismo. Relativismo Cultural.
ABSTRACT: This article will expose some of the main criticisms of human rights made by several
philosophers. The doctrine of human rights proved to be problematic in many respects and raises
many questions. Among them: rights aretruly universal? They are just one class? Who is this man of
the statements? It appears that, despite their differences, these critiques have in common the
factcriticizing the abstractness of human rights and everyone has a concern with theactual person.
This paper will present successively the critical traditionalist, historicist, Marxist, and finally the
cultural critique.
Key-Words: Human Rights. Universalism. Cultural Relativism
INTRODUÇÃO
A expressão “Direitos Humanos” é usada, por uns, com as melhores
intenções, e outros usam para mascarar a hipocrisia ou por motivos eleitoreiros e,
seja como for, de forma legítima ou ilegítima, a expressão “direitos humanos” é muito
usada hoje em dia. O excesso, do uso da expressão, esvaziou seu significado.
2. “Direitos Humanos” já não significa muita coisa. Há, por exemplo, uma descrença,
por parte da população brasileira, em relação aos direitos humanos. Essa descrença
é sintetizada na frase: “direitos humanos é coisa pra bandido”. A frase está alastrada
nas redes sociais da internet e no bate-papo nas ruas. No entanto, além dessa
crítica popular, há inúmeras outras: desde Edmund Burke, e passando por Savigny e
Marx , até chegar aos autores atuais, diversos filósofos criticaram os direitos
humanos. Este artigo irá expor, sucintamente, as principais críticas.
Mas, antes de entrar nas críticas, é necessário voltar às origens da idéia de
direitos humanos. De onde vieram esses direitos do homem?
Os direitos humanos foram, principalmente, um produto da filosofia do
iluminismo. Quando os iluministas tiveram a pretensão de eliminar Deus do centro
do universo intelectual, colocaram em seu lugar o homem e a razão. Houve uma
transferência para o homem da adoração conferida anteriormente a Deus e o
homem deixou de estar submetido a uma ordem divina ou superior e foi forjada uma
nova Trindade expressa por essas três palavras: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Como escreveu o filósofo Julian Márias1 sobre os revolucionários franceses:
Esses homens decidem derrubar tudo para fazer melhor, racionalmente, de uma vez por todas e para
todos: “direitos do homem e do cidadão”, assim, sem mais concessões à história. Estamos na
Revolução Francesa. O mundo se organizará de um modo definitivo, geometricamente. É a raison
que vai mandar a partir de agora.
A Revolução Francesa foi a primeira revolução arquitetada por filosófos.
Esses filosófos tinham por objetivo derrubar o Ancien Regimen e redesenhar o mapa
da nação seguindo as prescrições das teorias do iluminismo. No entanto, uma
tensão é criada aqui, pois a sabedoria prática e a prática política diferem da
especulação teórica; a primeira preocupa-se com o particular e o mutável, ao passo
que a teoria com o universal e o abstrato.
Uma nova concepção do homem foi criada por esses filósofos do iluminismo
e essa foi uma mudança severa. Na antiguidade existia uma outra concepção: o
1 MARÍAS, Julián - História da Filosofia.1a ed - São Paulo : Martins Fontes, 2004, p.307.
3. homem era parte de um Todo e era submetido à uma “ordem natural”. Como
escreveu Michel Villey:
Sem ainda ter posse da mesma teoria que os modernos têm da “liberdade”, os pensadores gregos
tinham o costume de postular uma ordem no mundo, de neles reconhecer uma hierarquia de
gêneros e de espécies[..] A ciência do direito não era concentrada no indivíduo. Não o considerava
isolado numa ilha. A antiguidade encarava o indivíduo tal como é, situado dentro de um grupo “o
homem é animal político”2
O método dos inventores das declarações dos direitos do homem foi o de
partir de uma definição do ser humano individual, da qual, então, deduziram seus
“direitos”. Fazendo isso renegaram toda a concepção de “homem” da antiguidade e
postularam uma nova, e renegaram , também, todo o sistema jurídico anterior.
Os filósofos gregos costumavam partir, primeiramente, da observação da
realidade sensível e só então iriam se elevar, mediante abstração, ao conceito
unitário, sem perder de vista a diversidade das espécies. A formulação dos direitos
do homem faz exatamente o sentido inverso: vai partir da abstração, de uma idéia
abstrata de “homem” pra então chegar na realidade sensível e atingir os “homens”
concretos.
Toma-se como ponto de partida a Declaração dos direitos do homem e do
cidadão de 1789 que teve como inspiração e influência as idéias filosóficas do
iluminismo e serviu de base para a Declaração da ONU de 1948.
No artigo primeiro da Declaração está escrito:
Art.1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções
sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.3
Pode-se notar que a Declaração expressa princípios de ordem universal e
que esta universalidade repousa sobre a razão. Se pretende universal, pois
2 VILLEY, Michel – O direito e os direitos humanos, 1ª ed- São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.73.
3 VILLEY, Michel – O direito e os direitos humanos, apêndice.
4. expressa direitos que não são somente para esse ou aquele homem, mas é um
direito de um homem que está em todos os tempos e é de todos os lugares. Aqui
surge uma pergunta: Quem é esse homem da Declaração? É, ao que parece, todo e
qualquer homem não se distinguindo sua cultura, língua, costumes. Mas será que já
vimos um homem assim: Sem língua, sem costumes, sem história? E um homem
sem classe social?
A concepção dos direitos do homem renega o fato que o homem só existe
no particular concreto e não num universal abstrato. A universalidade do homem só
se mostra em um homem singular concreto.
As diversas críticas aos direitos do homem, a despeito de suas diferenças,
possuem em comum essa crítica de seu caráter abstrato e uma preocupação pelo
homem concreto.
Este artigo exporá, sucessivamente, as críticas tradicionalista, historicista,
marxista, e, finalmente a crítica culturalista.
1 A CRITICA TRADICIONALISTA (EDMUND BURKE)
Se as declarações do século XVIII dão origem ao discurso e a concepção de
direitos universais humanos, as reflexões de Burke a respeito da Revolução
Francesa dão origem às críticas desse discurso.
Já no ano seguinte à Declaração francesa, ou seja em 1790, Edmund Burke,
apresenta, no seu livro Reflexões sobre a Revolução na França , uma refutação do
que ele considera como “falácias francesas”.
Burke apoia-se numa concepção do homem diferente da dos
revolucionários: para Burke o homem sempre se encontra inserido num contexto
histórico. O homem sempre tem pai e mãe. Antes do indivíduo nascer, a sociedade
já existia com a sua história e tradição.
Os reais direitos do homem, para Burke, teriam que ser determinados por
contextos reais da vida, que variavam com os tempos e as circunstâncias não
podendo ser fixados mediante o estabelecimento de algum princípio racional
abstrato. Burke vê, que o homem da Declaração, é um homem a- histórico e isolado,
sem laços com a comunidade.
5. Burke acredita que os direitos promulgados abstratamente pela Revolução
Francesa são falsos, pois se assentam num pressuposto insustentável: a ficção do
homem sem ligações, sem tradição, sem história, um homem “sem mãe e sem pai”.4
Esse homem universal e abstrato da Declaração, é algo que não se apóia na
experiência, é uma teorização que não veio da experiência concreta e moral da
pessoas, mas foram direitos inspirados em idéias de filosófos que não possuíam
nenhuma ligação com o mundo do agir concreto. Burke nota, claramente, que o
discurso dos direitos do homem não se situa no plano concreto, no plano prático e
social. Cura-se a fome com pão e não com um direito inscrito num papel. Escreveu
Burke:
Toda a questão é de saber como se conseguem alimentos, como se
ministram os remédios. E, em tais circunstâncias, eu aconselharia
fazer sempre apelo ao agricultor ou ao médico, antes de recorrer ao
professor de metafísica.5
Diversos outros críticos concordam o perigo da abstração dos direitos. O
francês Joseph Maistre falava: ”já conheci italianos, russos, espanhóis, ingleses,
franceses,mas não conheço um homem em geral”6.
Esse “homem em geral”, essa abstração parece ser necessária para abarcar
as grandes diferenças das pessoas, dos lugares e das circunstâncias. Mas na
4 Burke, Edmund – Reflexões sobre a Revolução em França, 1ª ed – Brasília: Unb, 1997.
5 FERREIRA, Da Cunha, Paulo – Direitos Humanos, 1ª ed – Lisboa Portugal – Edições Globo – 2003,
p.127
6FERREIRA, Da Cunha, Paulo – Direitos Humanos, p.129
7
DOUZINAS, Costas – O fim dos direitos humanos, 1ª ed – São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.165
8
LIMA. Hermes - Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed – São Paulo – Objetiva, 2001 , p.276
6. verdade, parece que quanto mais a abstração é verdadeira, menos utilidade
concreta ela tem.
Como escreveu Costas Douzinas:
De que adianta o direito abstrato à vida ou à liberdade de expressão e
de imprensa às vitímas de fome e da guerra ou às pessoas incapazes
de ler por falta de recursos educacionais? De que adianta proclamar o
direito à saúde em um lugar como Haiti, onde um hospital básico
atende a mais de dois milhões de pessoas e pacientes de AIDS são
rotineiramente dispensados por não poderem ser tratado devido à falta
de recursos? As considerações de Burke, tecidas cerca de duzentos
anos atrás, soam proféticas à luz dos fardos colocados sobre o mundo
em desenvolvimento pela dívida imensa e má gestão, a corrupção e a
ineficiência que acompanharam a ajuda humanitária.7
É, quase, um insulto às vítimas de catástrofes, de fome coletiva ou guerra,
de terremotos, de epidemia e tortura, é um escárnio e desconsideração dizer a
essas vítimas que, de acordo com um importante tratado internacional, elas têm
direito à comida e a paz, têm direito a um abrigo e a um lar ou a um atendimento
médico e a um fim aos maus-tratos.
2 ESCOLA HISTÓRICA DE DIREITO (F. CARL VON SAVIGNY)
A recusa pela escola historicista da noção de direitos do homem de 1789
inscreve-se nessa continuidade de rejeição de um direito racional e abstrato.
O livro de Burke foi traduzido rapidamente para o alemão e é uma das
influências dessa Escola. A diferença pra crítica de Burke é que, aqui, a critica se
focará no plano da filosofia do direito.
Como aponta Hermes Lima:
[...]é conquista definitiva da Escola Histórica a noção de caráter social
dos fenômenos jurídicos, com seus dois elementos essenciais:
continuidade e transformação. A escola mostrou que os fundamentos
7
9
SAMPAIO, José Adércio Leite – Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed – Belo
Horizonte: Del Rey, 2010, p.37
7. do direito se encontram na vida social. Eram esses fundamentos
que as teorias precedentes iam buscar na razão.8
A Escola histórica de Direito, que tem como seu maior expoente, Carl
Von Savigny, surgiu na Alemanha no final do século XVIII e início do século XIX,
poucas décadas depois da Declaração do homem e do cidadão e num período
em que o Direito era considerado pura criação da razão humana.
Entendia Savigny , ao contrário da filosofia iluminista, que em vez de
geral e universal, o direito era um produto histórico, nem constituído
arbitrariamente pela vontade dos homens e nem pela razão, mas sim pela
consciência nacional do povo e pelas relações concretas da vida.9
Assinala José Adércio Leite Sampaio:
[...] o direito era visto, nessa escola como produto da elaboração
dos povos, de sua vontade, na sedimentação que só o tempo
haveria de conferir a existência, e nunca um produto da razão
apriorística ou de qualquer princípio jusnaturalista(...) o povo vive
o direito como uma necessidade própria de coexistência, fonte
última de juridicidade. É mesmo nessa vivência ou nas “relações
concretas da vida” que habitam os institutos jurídicos e os
costumes. E é a partir deles que as regras podem ser intuídas,
não sendo deduzidas de algum campo racional abstrato. Não há,
portanto, um conjunto de preceitos imutáveis e universais, pois
somente existe o direito positivo que resulta do espírito de cada
povo situado no tempo e no espaço.
No pensamento da Escola Histórica o homem não é o mesmo, ele é
sempre enquadrado em um certo tempo e em um certo espaço: não pode existir
direitos que não sejam da sociedade de onde se vive e fruto das relações
concretas da vida.
8
9
8. Devemos nos questionar, portanto, o fato de alguns franceses, situados
em uma certa época, conseguirem inferir uma idéia que pudesse responder
diretamente aos problemas concretos de todos os seres humanos, culturas e
sociedades em todos os lugares e tempos.
Após Savigny, se iniciou uma concepção homem, no direito, intimamente
ligadas ao seu fundo cultural; e uma das lutas da escola histórica foi contra o
formalismo do Direito revolucionário burguês, que considerava, como já foi dito
anteriormente, a pessoa humana desligada de seu ligamento social.
3 CRITICA MARXISTA (KARL MARX)
Em a Questão Judaica, Karl Marx fez críticas severas à Declaração do
homem e do cidadão de 1789. Como os autores anteriores, aqui também se
critica o cárater abstrato dos direitos, mas será ressaltada a questão de classes.
Marx entendia que esses direitos serviriam para a dominação de
classes. Esses direitos não seriam para todos, mas para alguns: a classe
burguesa. Escreveu Marx: “Os direitos do homem nada são além dos direitos do
membro da sociedade burguesa, ou seja, do homem egoísta, do homem
separado do outro homem e da comunidade.”10
Para Marx nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa,
portanto,o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade
burguesa,ou seja, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse
particular,em sua arbitrariedade privada e afastado da comunidade.11
10 VILLEY, Michel – O direito e os direitos humanos,p.114
11 FERREIRA, Da Cunha, Paulo – Direitos Humanos, 1ª ed – Lisboa Portugal – Edições Globo –
2003
9. Alem de criticar a concepção individualista dos direitos do homem, Marx
examinou especificamente cada um dos direitos elencados na Declaração, e
suas críticas foram mordazes.
Marx viu que cada um dos direitos serviram, depois da destruição da
monarquia, para a dominação política da classe burguesa . Marx analisa o
direito de propriedade e vê que esse direito serve justamente para atender ao
interesse de uma classe: o direito de desfrutar do patrimônio e de dispor
arbitrariamente do mesmo é um fortalecimento da classe burguesa.
Ignorara-se que os ricos têm mais condições de exercer o direito de
propriedade? E a opinião e a expressão? Não manda imprimir quem quer, é
preciso dinheiro para isso e com a Liberdade de Expressão, o povo não tem o
que fazer, mas só aqueles que tiveram abastança suficiente para ter tido
educação e o tempo de escrever. Do mesmo modo, o direito a liberdade de
imprensa não tem a menor importância para um camponês faminto e para algum
analfabeto de um algum vilarejo sul-americano. Enfim, os direitos não são para
todos, são direitos que só poucos podem concretizar.
E outra: a crítica de Marx continua atual e pertinente, pois não são os
“povos do mundo” que tocam o negócio dos direitos humanos. Não. Esse
negócio é tocado, está nas mãos de representantes governamentais, diplomatas
e funcionários de organizações internacionais que estão bem afastados das
ruas. Eles estão em grandes hotéis e em luxuosas conferências. Trata-se de um
grupo suspeito e de pouca legitimidade
Será que eles realmente se preocupam com os direitos humanos ou
usam isso como um mero discurso que fortalece interesses políticos e
econômicos? Podem decidir invadir a Líbia em nome dos direitos humanos e
podem poupar um grande violador de direitos humanos como a
economicamente próspera China. E o que dizer do ataque americano ao Iraque?
Em síntese: a crítica de Karl Marx continua atual e pertinente.
4 CRITICA CULTURALISTA (R. PANIKKAR E OUTROS).
10. A crítica culturalista trata-se de uma crítica dos direitos do homem em
nome da pluralidade de culturas humanas e da defesa dessa pluralidade contra
o papel compressor que representa a noção de direitos universais do homem na
modernidade.
A escola culturalista questiona a universalidade dos direitos humanos.
Seriam esses direitos verdadeiramente universais? Ou esses direitos
supostamente universais são a tentativa do ocidente em universalizar suas
próprias crenças? Num mundo plural, podem existir direitos universais?
Protesta Adriano Scianca contra a universalidade dos direitos humanos :
Vírus ideológico pela sua capacidade etnocida quase-total, esta
moral presumidamente universal proporciona a armadura
ideológica a um neo-colonialismo que em lugar do “fardo do
homem branco” tem hoje como justificação um cocktail devastador
de messianismo e hipocrisia. Tratando de impor uma moral
particular a todos os povos, a “religião” dos direitos humanos
pretende voltar a dar uma boa consciência ao Ocidente
permitindo-lhe instituir-se uma vez mais como “modelo”. A
destruição dos povos passa também a partir daqui pela imposição
a nível planetário dos “valores” ocidentais e pela consequente
desintegração de todo o vínculo orgânico, de toda tradição
particular, de todo o resto de comunidade – obstáculos todos eles
à tomada de consciência da nova “identidade global” por parte do
cidadão da era da globalização.12
Desde a Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993, tem se
afirmado a tese da universalidade dos direitos humanos.No entanto, ainda hoje,
diversas argumentações não aceitam tal universalidade. O filósofo indiano
Raimundo Pannikar no seu célebre artigo: “A noção dos direitos do homem é um
conceito ocidental?13” responde afirmativamente ao título do seu artigo e escreve
que a noção de direitos do homem são uma ferramenta à serviço da cultura
1
12 SCIANCA, Adriano –Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de 2003,
13
César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar,
2004
11. ocidental: racionalidade abstrata, antropocentrismo, individualismo e atomismo
são conceitos que ela introduz em culturas que possuem outros valores.
A primeira crítica: o conceito de direitos humanos é fundado numa visão
atropocêntrica do mundo, que não é compartilhada por todas as culturas.
Toma-se como exemplo a civilização hindu: encontra-se, aqui, uma
sociedade hierárquica e que o ponto de partida não é o indivíduo. Para os
hindus não existe um indivíduo isolado, no indivíduo estão seus pais, filhos,
amigos, ancestrais. O ponto de partida não é o indivíduo, mas sim o complexo
concatenado do real. Da perspectiva hindu, os direitos humanos são
incompletos porque são direitos do homem individual, o que equivaleria a uma
abstração, e não são relativos ao indivíduo como parte intrínseca das relações
que constituem o real, dentro de uma estrutura hierárquica.
Escreveu Panikkar: “com vistas a obter uma sociedade justa, o Ocidente
moderno insiste na noção de Direitos Humanos. A fim de obter uma ordem
dármica, a Índia clássica insiste na noção de svadharma”14.
Uma outra crítica é a de que a noção de “direitos” inerentes aos direitos
humanos contrapõem-se a noção de “deveres” proclamada por muitos povos.
Por exemplo: os povos submetidos a tradição islâmica .
13
14 PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: BALDI,
César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p.206.
15
PEIXOTO, Érica – Universalismo e Relativismo Cultural- Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007, p.05
12. Esses povos tem um severo senso de responsabilidades diante de Deus
(Allah) que sobrepuja a liberdade individual. Assinalou Érica Peixoto em seu
artigo “Universalismo e Relativismo Cultural”:
O fato é que, se a doutrina ocidental dos direitos humanos não se
preocupa com as questões metafísicas relacionadas ao sentido da
vida como, por exemplo, “quem é o ser humano?” ou “por que
está aqui?”, a visão corânica não compreende qualquer noção do
ser humano, seus direitos e responsabilidades, sem analisá-las.
Isso porque a tradição dos direitos humanos, tipicamente
ocidental, pauta-se numa visão antropocêntrica de mundo,
enquanto outras culturas, como a islâmica, partem de uma visão
teológica.15
Critica-se o fato de que os universalistas analisam um homem sem
contexto, sendo que o homem se define por seus particularismos (língua,
cultura, costumes, valores...). As diversidades locais caracterizam o indivíduo.
O homem vive num determinado lugar, numa certa época e compartilha
valores que são preciosos naquela comunidade em que está inserido.
Os direitos humanos, segundo a visão relativista, então, deve levar em
consideração as particularidades, pois é preciso que o homem se identifique
com os valores que defende, e isso não será possível abstraindo o homem do
seu contexto cultural.
Outra: nem todos os países se aderiram formalmente aos tratados de
direitos humanos, e, além das diferenças ideológicas, há também, muita
disparidade econômica entre os países. Para que todos no mundo possam
concretizar os direitos é preciso que haja um desenvolvimento econômico em
inúmeros países “subdesenvolvidos”. Diversos países estão longes de ter
condições de efetivamente proteger e implementar os direitos humanos.
Aqui ainda cabe uma continuidade com as críticas anteriores: o universal
só se mostra singularmente. Direitos Universais do homem só podem ser
15
13. defendidos pelo fato de existirem humanos que vivem em comunidades
concretas com o seu estatuto cultural particular.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa pequena exposição das principais críticas aos direitos humanos
pode-se verificar que a despeito das diferentes críticas, há um clamor pelo
homem concreto e um chamado para que esses os direitos humanos respondam
às exigências concretas do homem real e não o do abstrato.
Escondido no discurso de liberdade dos direitos humanos pode existir
escravidão, pois como disse Ernst Junger: "A escravidão cresce
16
desmesuradamente quando lhe dão a aparência de liberdade." A política
sempre à procura de argumentos eleitoralistas continuará a falar em liberdade e
a usar o discurso dos direitos humanos para esconder a hipocrisia e para
interesses nefastos. Os direitos humanos servem como uma arma ideológica
muito poderosa. Não nos deixemos iludir por mais e mais declarações, tratados
e almoços diplomáticos.
Há a necessidade de questionar os fundamentos e a efetividade dos
Direitos Humanos, pois , diga-se o que se disser na Declaração do Homem e do
Cidadão de 1789 ou na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
temos que constatar isso que escreveu Costas Douzinas: “mais atrocidades
foram cometidas contra o homem nesse período obcecado por direitos do que
em qualquer outro período da história”17
1
16 O Passo da Floresta, trad. Maria Filomena Molder, Edições Cotovia, Lisboa, 1995.
1
17 DOUZINAS, Costas – O fim dos direitos humanos, p.167
14. É necessário descobrir novos caminhos, além da razão e da lei para
evitarmos ou reduzirmos massacres, genocídios e a corrupção, pois a promessa
de emancipação pela lei não trouxe nenhuma paz perpétua até agora. A
liberdade das Declarações é um mero preceito formal. É um atrativo retórico.
Quando foi colocada como um princípio, como ocorreu na França, teve como
resultado a tirania nos “amigos da liberdade” contra os “supostos inimigos”. Essa
“liberdade” não foi fundada no homem concreto, mas em preceitos formais
abstratos inundados de atrativos retóricos. Quem sabe, não encontraríamos
mais paz se reclamarmos menos os “meus direitos”, se sairmos da posição de
reclamões para a posição de pessoas gratas por existir e que pensam mais em
deveres e em adquirir virtudes?
O homem não é levado a respeitar a liberdade do próximo por causa
de uma Declaração, por causa de uma formalidade. Ele é levado por amor, por
benevolência e não pelo interesse egoista de preservação da própria liberdade.
Esvaziada de virtudes e desinteresse pessoal a liberdade é uma prepotência.
A liberdade não tem dono. A liberdade é de ninguém.
REFERENCIAS
DOUZINAS, Costas – O fim dos direitos humanos, 1ª ed – São Leopoldo:
Unisinos, 2009, p.165
DOUZINAS, Costas – O fim dos direitos humanos, p.167
FERREIRA, Da Cunha, Paulo – Direitos Humanos, 1ª ed – Lisboa Portugal –
Edições Globo – 2003, p.127
LIMA. Hermes - Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed – São Paulo – Objetiva,
2001 , p.276
MARÍAS, Julián - História da Filosofia.1a ed - São Paulo : Martins Fontes, 2004,
p.307.
15. PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito
ocidental? In: BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade
cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.206.
PEIXOTO, Érica – Universalismo e Relativismo Cultural- Revista da
Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007, p.05.
SAMPAIO, José Adércio Leite – Direitos Fundamentais: retórica e
historicidade, 2ª ed – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.37
SCIANCA, Adriano –Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de
2003, disponível em: www.causanacional.net/index.php?itemid=208
VILLEY, Michel – O direito e os direitos humanos, 1ª ed- São Paulo: Martins
Fontes, 2007, p.73.