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Gestão do conflito escolar:
    da classificação dos conflitos
    aos modelos de mediação
    Álvaro Chrispino



Resumo                                                 The enclosed article starts by presenting
    O presente trabalho se inicia apresentan-          a recent study carried out by a research
do um recente estudo realizado por um institu-         institute and it demonstrates the
to de pesquisa onde fica patente a importân-           importance that the student gives to
cia que o jovem atribui à educação, à escola           education, to school, to the teacher and
e ao professor, ao mesmo tempo em que apre-            at the same time it shows his concern
senta sua preocupação com a violência. Com             with violence. With such motivation, it
este motivador, discute os conceitos de conflito       discusses the concepts of conflicts and
e de conflito escolar, apresenta inúmeras ma-          school conflicts in order to contribute to
neiras de classificar os conflitos e os conflitos      the clarification of the problem, it
escolares a fim de contri-                                                 indicates the mediation
buir com o entendimento                    Álvaro Chrispino                of the conflict as a
do problema, indica a                 Doutor em Educação, UFRJ             powerful and potent
mediação de conflito               Professor do Programa de Mestrado       alternative to reduce
como alternativa potente                      do CEFET/RJ                  school violence.
e viável para a diminui-               chrispino@infolink.com.br           Finally, it lists questions
ção da violência escolar                                                   that should be taken
e, ao final, enumera                                                       into account when the
questões que devem ser consideradas quando             school has in mind the implementation of
a escola se propõe a implantar um programa             its program of mediation conflict.
de mediação escolar do conflito.                       Keywords: Educational policies. School
Palavras-chave: Políticas educacionais.                violence. School conflict. Mediation of
Violência escolar. Conflito escolar. Media-            school conflict.
ção do conflito escolar.
                                                              Resumen
Abstract                                                      Gestión del conflicto
School-Based Conflict                                         escolar: de la clasificación
Management: from the                                          de los conflictos a los
classification of conflicts                                   medelos de mediación
to models of mediation                                        El artículo presenta un reciente estudio


Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
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realizado por un instituto de pesquisa                        nha, Argentina e Chile, dentre outros, onde
que muestra la importancia que el joven                       já se percebe um conjunto de políticas pú-
atribuye a la educación, a la escuela y                       blicas mais ou menos eficientes dirigidas aos
al profesor y, también, su preocupación                       diversos atores que compõem este comple-
con la violencia. El texto aborda los                         xo sistema que é o fenômeno violência es-
conceptos de conflicto y de conflicto                         colar. Estes países possuem já alguma tradi-
escolar, presenta innumeras maneras de                        ção em programa de redução da violência
clasificar los conflictos y los conflictos                    escolar como apontam Debarbieux e Blaya
escolares a fin de contribuir para el                         (2002) e, no Brasil, é possível enumerar al-
entendimiento del problema e indica la                        guns estudos pontuais até aproximadamen-
mediación del conflicto como alternativa                      te 2000, quando passamos a contar com
potente y viable para la disminución de                       um número maior de estudos e pesquisas
la violencia escolar. Al final enumera                        sobre os diversos ângulos da violência es-
cuestiones que deben ser consideradas                         colar como, por exemplo, Abramovay e Rua
cuando la escuela se propone a                                (2002), Ortega e Del Rey (2002), Chrispino
implantar un programa de mediación                            e Chrispino (2002), dentre outros.
escolar del conflicto.
Palavras clave: Políticas educacionales.                           Os diversos estudos publicados em lín-
Violencia escolar. Conflicto escolar.                         gua portuguesa disseminaram idéias, acla-
Mediación del conflicto escolar.                              raram os problemas e listaram alternativas
                                                              já testadas em sociedades distintas, permi-
Introdução                                                    tindo que a comunidade educacional bra-
    A seqüência de episódios violentos en-                    sileira reunisse informações para enfrentar
volvendo o espaço escolar não deixa dúvi-                     um problema importante, no esforço de ti-
da quanto à necessidade de se trazer este                     rar a “diferença” causada por alguns anos
tema à grande arena de debates da educa-                      de atraso na percepção do problema e na
ção brasileira. Os acontecimentos que se re-                  busca de soluções próprias. No rastro des-
petem nos diversos pontos do país, e que                      sas iniciativas, a produção acadêmica bra-
nos privaremos de citar por ser absoluta-                     sileira já começa a demonstrar bons resul-
mente desnecessário para a análise, expõem                    tados no tema, apesar de serem encontra-
uma dificuldade brasileira pela qual já pas-                  dos apenas 7 grupos de pesquisa no Dire-
saram outros países, o que seria, por si só,                  tório LATTES, quando consultado utilizando
um convite para a reflexão de educadores e                    as palavras chave “violência escolar” e “vi-
de gestores políticos, visto que o movimento                  olência na escola”, o que indica que a pro-
mundial em educação indica semelhança                         dução deve estar vinculada a grupos com
de acontecimentos mesmo que em momen-                         linhas de pesquisa e temas de pesquisa ou-
tos diferentes da linha de tempo.                             tros que absorvem os assuntos correlacio-
                                                              nados com o universo da violência escolar.
   Já dissemos alhures (CHRISPINO;
CHRISPINO, 2002) que os problemas no-                             Experiências importantes vêm sendo re-
vos da violência escolar no Brasil são um                     alizadas como a do programa de Mestra-
problema antigo em outros países como Es-                     do da Universidade Católica de Brasília/
tados Unidos, França, Reino Unido, Espa-                      Observatório da Violência que já produz


Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação                     13




uma série de pesquisas focada na violên-                          No que pese tudo isto, recentemen-
cia escolar, mas correlacionando-a com a                      te o Sindicato dos Estabelecimentos de
visão docente (OLIVEIRA, M. G. P 2003;
                                 .,                           Ensino do Rio de Janeiro – Sinepe Rio
OLIVEIRA, R. B. L., 2004), com a comuni-                      –, solicitou ao IBOPE uma pesquisa in-
dade (SILVA, 2004), com o rendimento es-                      titulada “O jovem, a sociedade e a éti-
colar (VALE, 2004), com a gestão esco-                        ca” (RIO DE JANEIRO, 2006), que re-
lar (CARREIRA, 2005), com a visão dis-                        colheu opiniões de jovens entre 14 e 18
cente (RIBEIRO, 2004; FERNANDES,                              anos. O resultado mostra o quanto a
2006), dentre outras.                                         escola e a educação povoam o imagi-
                                                              nário dos jovens, o quanto estes ainda
    Tudo leva a crer que o tema tenha ocu-                    vêem na escola e na educação instru-
pado um lugar de destaque na sociedade                        mentos importantes para suas vidas e o
e academia brasileiras, o que pode resultar                   quanto a violência na escola os afasta
na transferência da escola da editoria poli-                  de seus sonhos ou os amedronta. Veja-
cial para a editoria de direitos sociais nos                  mos alguns resultados:
grandes veículos de mídia nacional.
                                                                 Pergunta: Dentre estes, quais são os dois
Educação, juventude e                                         mais graves problemas do Brasil?

violência
    A formação de opinião sobre a esco-
la e a juventude exclusivamente pelas
manchetes de jornais e televisão, resulta
numa visão por ângulos restritos da rea-
lidade educacional.

    A educação – apesar da existência de
programas importantes como o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensi-
no Fundamental e de Valorização do Ma-                            Pergunta: Quem você considera mais
gistério – FUNDEF–, vem sofrendo com                          responsável pela garantia de um bom futu-
a falta de políticas públicas de longo pra-                   ro para pessoas como você?
zo e efetivas que atendam às necessida-
des da comunidade, vem sendo esvazia-
da pelo afastamento de bons docentes
por conta do desprestígio e da perda sig-
nificativa de salários, vem sendo “suca-
teada” pela ineficácia dos sistemas de
gestão e por recursos cada vez mais re-
duzidos, vem se tornando cada vez mais
“profanada” quando a história nos ensi-
nou sobre uma escola cercada de respei-
to, pertencimento e “sacralidade”.



Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
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   Pergunta: Gostaria que você dissesse, para cada uma das pessoas e instituições que
vou falar, se você confia ou não confia
     INSTITUIÇÕES                               CONFIA            NÃO CONFIA            NÃO TEM OPINIÃO
     Professores                                   84%                  13%                   3%
     Escola Particular                             77%                  18%                   5%
     Escola Pública                                76%                  19%                   5%
     Médicos                                       75%                  21%                   4%
     Religião                                      71%                  23%                   6%
     Igreja Católica                               66%                  26%                   8%
     Igreja Evangélica                             61%                  30%                   8%
     Televisão                                     60%                  36%                   4%
     Rádios                                        62%                  35%                   4%
     Jornais                                       59%                  37%                   4%

      Pergunta: Para cada frase citada, gostaria de saber se você concorda ou discorda
     PONTOS                                                                 CONCORDA          DISCORDA
     A educação dos jovens deve ter limites bem definidos                         82%              14%
     No Brasil, é possível melhorar a                                             73%              21%
     condição social através do voto
     No Estado, um cidadão não tem só direitos,                                   70%              24%
     tem deveres para com a sociedade
     O voto pode mudar a situação do país                                         64%              30%
     O importante para os jovens é viver o momento,                               57%              40%
     sem se preocupar com o futuro
     Os jovens são desmotivados e nada lhes interessa                             50%              46%
     A experiência profissional é mais                                            49%              46%
     importante que a educação
     Os direitos humanos no Brasil só protegem os que                             49%              44%
     não respeitam os direitos dos outros




Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação                           15




    Pergunta: Dentre estes, para qual pon-                    na escola como instrumento de mobilidade
to você julga que uma boa escola deveria                      social e de diferenciação para o futuro.
estar voltada? (1º e 2º lugares)
                                                                   Motivado por isso, podemos buscar
                                                              entender melhor o que pode estar causan-
                                                              do a violência na escola, sempre lembran-
                                                              do que a nossa é uma leitura, uma pro-
                                                              posta, uma alternativa. Certamente haverá
                                                              outras, desenvolvidas e amparadas a par-
                                                              tir de outras percepções e experiências.

                                                              O conflito e o
    Podemos depreender da pesquisa (1) que
o jovem identifica na violência o maior pro-                  conflito na escola
blema da sociedade atual, superando, in-                           Conflito é toda opinião divergente ou ma-
clusive, o desemprego; (2) que a escola ocu-                  neira diferente de ver ou interpretar algum acon-
pa o segundo lugar entre as instituições im-                  tecimento. A partir disso, todos os que vivemos
portantes para o desenho de seu futuro, per-                  em sociedade temos a experiência do conflito.
dendo apenas para a família; (3) professo-                    Desde os conflitos próprios da infância, passa-
res e escolas são as duas “instituições” que                  mos pelos conflitos pessoais da adolescência e,
encabeçam a lista de confiança com altos                      hoje, visitados pela maturidade, continuamos
índices percentuais; (4) os jovens, diferente-                a conviver com o conflito intrapessoal (ir/não ir,
mente do que diz o senso comum, solicitam                     fazer/não fazer, falar/não falar, comprar/não
os limites próprios à juventude e (5) confir-                 comprar, vender/não vender, casar/não casar
mando o item 4, o jovem julga que a disci-                    etc.) ou interpessoal, sobre o qual nos detere-
plina rígida, juntamente com criatividade e                   mos. São exemplos de conflito interpessoal
diálogo, fazem parte da boa escola, para                      a briga de vizinhos, a separação familiar, a
desespero de gestores e docentes que de-                      guerra e o desentendimento entre alunos.
fendem o “vai-levando” ou o laissez-faire,                    (CHRISPINO; CHRISPINO, 2002).
certamente pela lei de menor esforço, já que
o salário é o mesmo no final do mês.                             Poderemos buscar, numa adaptação de
                                                              Redorta (2004, p. 33), grandes exemplos
   Apesar de todas as dificuldades, o jovem                   de conflito nos conhecidos movimentos de
ainda crê na educação como alternativa e                      rompimento de paradigmas:

 AUTOR TIPO DE CONFLITO                                    PROCESSO RESULTANTE            SÍNTESE
 Freud       Conflito entre o desejo e a proibição Repressão e defesa                     Luta pelo dever
 Darwin Conflito entre o sujeito e o meio                  Diferenciação e adaptação Luta por existir
 Marx       Conflito entre classes sociais                 Estratificação social
                                                           hierarquia                     Luta pela igualdade
 Piaget      Conflito nas decisões e experiências Aprendizagem
                                                  Resolução de problemas                  Luta por ser



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    O conflito, pois, é parte integrante                      dificuldade de comunicação, de asser-
da vida e da atividade social, quer con-                      tividade das pessoas, de condições para
temporânea, quer antiga. Ainda no es-                         estabelecer o diálogo.
forço de entendimento do conceito, po-
demos dizer que o conflito se origina da                         Temos defendido que a massificação
diferença de interesses, de desejos e de                      da educação se, por um lado, garantiu o
aspirações. Percebe-se que não existe                         acesso dos alunos à escola, por outro,
aqui a noção estrita de erro e de acerto,                     expôs a escola a um contingente de alu-
mas de posições que são defendidas fren-                      nos cujo perfil ela – a escola – não esta-
te a outras, diferentes.                                      va preparada para absorver.

    Um exemplo claro da dificuldade que                           Antes, em passado remoto, a escola
temos para lidar com o conflito é a nossa                     era procurada por um tipo padrão de
incapacidade de identificar as circunstân-                    aluno, com expectativas padrões, com
cias que derivam do conflito ou redun-                        passados semelhantes, com sonhos e li-
dam nele. Em geral, nas escolas e na vida,                    mites aproximados. Os grupos eram for-
só percebemos o conflito quando este pro-                     mados por estudantes de perfis muito
duz suas manifestações violentas. Daí po-                     próximos. Com a massificação, trouxe-
demos tirar, pelo menos, duas conclu-                         mos para o mesmo espaço alunos com
sões: a primeira é que se ele se manifes-                     diferentes vivências, com diferentes ex-
tou de forma violenta é porque já existia                     pectativas, com diferentes sonhos, com
antes na forma de divergência ou anta-                        diferentes valores, com diferentes cultu-
gonismo, e nós não soubemos ou não                            ras e com diferentes hábitos [...], mas a
fomos preparados para identificá-lo; a                        escola permaneceu a mesma! Parece
segunda é que toda a vez que o conflito                       óbvio que este conjunto de diferenças é
se manifesta, nós agimos para resolvê-                        causador de conflitos que, quando não
lo, coibindo a manifestação violenta. E                       trabalhados, provocam uma manifesta-
neste caso, esquecemos que problemas                          ção violenta. Eis, na nossa avaliação, a
mal resolvidos se repetem! (CHRISPINO;                        causa primordial da violência escolar.
CHRISPINO, 2002)
                                                                  A fim de exemplificar a tese que defen-
    Ao definirmos conflito como o resul-                      demos, podemos lançar mão da pesquisa
tado da diferença de opinião ou inte-                         de Fernandes (2006, p. 103) realizada com
resse de pelos menos duas pessoas ou                          alunos e professores de diferentes escolas
conjunto de pessoas, devemos esperar                          do Distrito Federal. Ao solicitar que pro-
que, no universo da escola, a divergên-                       fessores e alunos identifiquem níveis de gra-
cia de opinião entre alunos e professo-                       vidade de violência a partir de ocorrências
res, entre alunos e entre os professores                      cotidianas, percebe-se a divergência de
seja uma causa objetiva de conflitos.                         opinião: isto dá origem a conflitos. Veja-
Uma segunda causa de conflitos é a                            mos alguns exemplos:




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  ATITUDES                                                 ESCOLA 1–PÚBLICA               ESCOLA 2–PRIVADA
  OPINIÃO                                                 DISCENTE        DOCENTE        DISCENTE DOCENTE
  Aluno bate em colega menor                             47,4 (média)     64,6 (alta)     51,6 (alta)   61,2 (alta)
  Briga entre alunos                                     38,1 (média)      60,5 (alta)    52,9 (alta)   55,8 (alta)
  Toque de mão no colega com sentido sexual              32,0 (média)     60,5 (alta)    27,2 (baixa) 54,9 (alta)
  Insulto de aluno a aluno                               32,0 (média)      56,5 (alta)   31,8 (média) 54,9 (alta)
Consideram-se altas as taxas entre 68 a 48, médias as taxas entre 47 a 31 e baixas as taxas menores que 30.


     Podemos esperar que, pela diferença entre                     • ajuda a definir as identidades das
as opiniões, haja conflito no espaço escolar.                        partes que defendem suas posições;
Um conflito criado pela diferença de conceito                      • permite perceber que o outro possui
ou pelo valor diferente que se dá ao mesmo                           uma percepção diferente;
ato. Professores e alunos dão valores diferentes                   • racionaliza as estratégias de compe-
à mesma ação e reagem diferentemente ao mes-                         tência e de cooperação;
mo ato: isso é conflito. Como a escola está acos-                  • ensina que a controvérsia é uma opor-
tumada historicamente a lidar com um tipo                            tunidade de crescimento e de ama-
padrão de aluno, ela apresenta a regra e re-                         durecimento social.
quer dos alunos enquadramento automático.
Quanto mais diversificado for o perfil dos alu-                    Outro mito importante construído em torno
nos (e dos professores), maior será a possibili-              do conflito, e que está também sendo supera-
dade de conflito ou de diferença de opinião. E                do, é aquele que diz que o mesmo atenta con-
isso numa comunidade que está treinada para                   tra a ordem. Na verdade, o conflito é a mani-
inibir o conflito, pois este é visto como algo ruim,          festação da ordem em que ele próprio se pro-
uma anomalia do controle social.                              duz e da qual se derivam suas conseqüências
                                                              principais. O conflito é a manifestação da or-
    Porém, o mito de que o conflito é ruim está               dem democrática, que o garante e o sustenta.
ruindo. O conflito começa a ser visto como
uma manifestação mais natural e, por conse-                       A ordem e o conflito são resultado da inte-
guinte, necessária às relações entre pessoas,                 ração entre os seres humanos. A ordem, em
grupos sociais, organismos políticos e Esta-                  toda sociedade humana, não é outra coisa
dos. O conflito é inevitável e não se devem                   senão uma normatização do conflito. Tome-
suprimir seus motivos, até porque ele possui                  mos como exemplo o conflito político: apesar
inúmeras vantagens dificilmente percebidas por                de parecer ruptura da ordem anterior, há con-
aqueles que vêem nele algo a ser evitado:                     tinuidade e regularidade em alguns aspectos
    • Ajuda a regular as relações sociais;                    tidos como indispensável pela sociedade, que
    • ensina a ver o mundo pela perspecti-                    exige a ordem e de onde emanam os conflitos.
      va do outro;
    • permite o reconhecimento das dife-                          Somente estudo e compreensão das rela-
      renças, que não são ameaça, mas re-                     ções que existem dentro da ordem podem per-
      sultado natural de uma situação em                      mitir o entendimento completo dos conflitos que
      que há recursos escassos;                               nela se originam e que, por fim, são a razão



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de sua existência. Por exemplo, os sócios que                 brigam pela posse da casa onde moravam, mes-
brigam. É necessário ver as condições em que                  mo possuindo outras imóveis de igual valor. Na
se fez a sociedade e as expectativas dos sóci-                verdade, a posição de posse da casa esconde
os. Possivelmente, cada um deles terá entendi-                um interesse implícito: quem ficar com a casa do
mento pessoal das regras que iniciaram a so-                  casal tem a sensação de vitória sobre o outro.
ciedade e possuíam, por derivação, expectati-
vas diferentes. Instala-se o conflito!                        Classificações dos conflitos
                                                                  A fim de melhor entender suas possibi-
     O conflito está regulado de tal modo que nem
                                                              lidades, buscaremos alguns exemplos de
sempre nos damos conta sequer de sua existên-
                                                              classificação de conflito, pois, segundo Re-
cia. Como exemplo disso, temos o futebol ou o
                                                              dorta (2004, p. 95),
desfile das escolas de samba: eles excluem a vio-
                                                                   classificar é uma forma de dar sentido.
lência como a entendemos comumente e prevê-
                                                                   A classificação costuma ser hierárquica
em um modelo de comportamento cooperativo,
                                                                   e permite estabelecer relações de per-
mas os interesses são frontalmente conflitantes!
                                                                   tencimento. Ao classificar definimos, e
     Acontece, muitas vezes, que o conflito é de-                  ao defini-lo, tomamos uma decisão a
flagrado e não sabemos exatamente o que o                          respeito da essência de algo.
provoca, pois a posição conflitante é diferente do
                                                                  Vamos buscar algumas classificações
interesse real das partes. O interesse é a motiva-
                                                              gerais de conflito segundo Moore (1998),
ção objetiva/subjetiva de uma conduta, a partir
                                                              Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA, 2004)
da qual esta se estrutura e se distingue da posi-
                                                              e Redorta (2004) e classificações de confli-
ção, que é a forma exterior do conflito, que pode
                                                              tos escolares a partir de Martinez Zampa
esconder o real interesse envolvido. Os comerci-
                                                              (2004) e Nebot (2000).
antes têm interesses conflitantes: o vendedor quer
vender mais caro, enquanto o comprador quer                      Para Moore (1998, p. 62), os conflitos
pagar menos [...], mas os interesses são claros e             podem ser classificados em estruturais, de
definidos. Diferentemente com o que ocorre no                 valor, de relacionamento de interesse e
conflito causado pela separação de casais que                 quanto aos dados:
     TIPOS DE CONFLITO CAUSAS DOS CONFLITOS
     Estruturais       Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle,
                       posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade
                       desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam
                       a cooperação; pressões de tempo.
     De valor          Critérios diferentes para avaliar idéias ou comportamentos;
                       objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida,
                       ideologia ou religião diferente.
     De relacionamento Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos; comunicação
                       inadequada ou deficiente; comportamento negativo – repetitivo.
     De interesse      Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais
                       (conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses psicológicos.
     Quanto aos dados  Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes
                       sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados;
                       procedimentos de avaliação diferentes.



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     Para Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA,                       contatos entre si), latentes (conflitos cuja
2004, p. 27), os conflitos podem ser clas-                    origem não se exteriorizam) e falsos (se
sificados em 6 tipos: Verídicos (conflitos                    baseiam em má interpretação ou percep-
que existem objetivamente), contingen-                        ção equivocada).
tes (situações que dependem de circuns-
tâncias que mudam facilmente), descen-                             Para Redorta (2004), a tipologia de con-
tralizados (conflitos que ocorrem fora do                     flito é de tal importância que ele dedica toda
conflito central), mal atribuídos (se apre-                   uma obra a essa tarefa. Podemos sintetizar
sentam entre partes que não mantêm                            a sua tipologia, no quadro a seguir:

  TIPOS DE CONFLITOS...           O CONFLITO OCORRE QUANDO
  De recursos escassos            Disputamos por algo que não existe suficientemente para todos.
  De poder                        Disputamos porque algum de nós quer mandar, dirigir ou controlar o outro.
  De auto-estima                  Disputamos porque meu orgulho pessoal se sente ferido.
  De valores                      Disputamos porque meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo.
  De estrutura                    Disputamos por um problema cuja solução requer longo prazo,
                                  esforços importantes de muitos, e meios estão além de
                                  minha possibilidade pessoal.
  De identidade                   Disputamos porque o problema afeta minha maneira intima de ser o que sou.
  De norma                        Disputamos porque meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo.
  De expectativas                 Disputamos porque não se cumpriu ou se fraudou o que um esperava do outro.
  De inadaptação                  Disputamos porque modificar as coisas produz uma tensão que não desejo.
  De informação                   Disputamos por algo que se disse ou não se disse
                                  ou que se entendeu de forma errada.
  De interesses                   Disputamos porque meus interesses ou desejos são contrários aos do outro.
  De atribuição                   Disputamos porque o outro não assume a sua culpa
                                  ou responsabilidade em determinada situação.
  De relações pessoais            Disputamos porque habitualmente não nos entendemos como pessoas.
  De inibição                     Disputamos porque claramente a solução do problema depende do outro.
  De legitimação                  Disputamos porque o outro não está de alguma maneira autorizado
                                  a atuar como o faz, ou tem feito ou pretende fazer.

     É possível, ainda, identificar conflitos                 sores, técnicos e comunidade) e com ro-
escolares ou mesmo educacionais a par-                        tinas estabelecidas (temática, horários,
tir de Martinez Zampa (2005) e de Nebot                       espaços físicos etc). A maneira de lidar
(2000). Certamente, a característica da                       com o conflito escolar ou educacional é
escola ou do sistema educacional favo-                        que irá variar de uma escola que veja o
recem este tipo de categorização, por se                      conflito como instrumento de crescimen-
restringirem a um universo conhecido,                         to ou que o interpreta como um grave
com atores permanentes (alunos, profes-                       problema que deva ser abafado.


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     Na comunidade escolar existem pon-                           Como conflitos educacionais ou entre
tos que contribuem para o surgimento dos                      membros da comunidade educacional,
conflitos e que, no mais das vezes, não                       Martinez Zampa (2005, p. 30-31) enume-
são explícitos ou mesmo percebidos. A pri-                    ra 4 tipos diferentes:
oridade que se dá para os diferentes con-                          • Conflito em torno da pluralidade de
flitos escolares é um primeiro ponto. Mar-                         pertencimento: surge quando o docen-
tinez Zampa (2005, p. 29) diz que os pro-                          te faz parte de diferentes estabelecimen-
fessores consideram que os conflitos mais                          tos de ensino ou mesmo de níveis dife-
freqüentes e importantes se dão entre seus                         rentes de ensino.
colegas e diretores, colocando em segun-                           • Conflitos para definir o projeto insti-
do lugar de importância os conflitos en-                           tucional: surge porque a construção do
tre alunos. Essa posição não é ratificada                          projeto educacional favorece a mani-
por Oliveira e Gomes (2004, p. 52-53),                             festação de diferentes posições quanto
que descrevem como os docentes vêem                                a objetivos, procedimentos e exigênci-
os valores e violência escolares. Ao se                            as no estabelecimento escolar.
referirem às escolas que foram pesquisa-                           • Conflito para operacionalizar o pro-
das, escrevem:                                                     jeto educativo: surge porque, no mo-
     O clima entre direção, professores e                          mento de executar o projeto institucio-
     alunos parecia bastante amistoso. No                          nal, surgem divergências nos âmbitos
     entanto, a Associação de Pais e Mestres                       de planejamento, execução e avaliação,
     e o Conselho Escolar funcionavam pre-                         levando a direção a lançar mão de pro-
     cariamente devido à falta de participa-                       cessos de coalizão, adesões, etc.
     ção e envolvimento da comunidade es-                          • Conflito entre as autoridades formal
     colar.                                                        e funcional: surge quando não há coin-
     O relacionamento entre os professo-                           cidência entre a figura da autoridade
     res parecia muito bom, manifestado,                           formal (diretor) e da autoridade funcio-
     inclusive, pelos intervalos muito anima-                      nal (líder situacional)
     dos. Segundo informações colhidas, a
     amizade entre os docentes continuava                          Os conflitos educacionais, para efeito
     fora dos muros da escola, nas festas de                  de estudo, são aqueles provenientes de
     confraternizações, aniversários, chur-                   ações próprias dos sistemas escolares ou
     rascos e outras.                                         oriundos das relações que envolvem os ato-
                                                              res da comunidade educacional mais am-
   A leitura externa da comunidade (ci-                       pla. Certamente poderíamos ainda apon-
dadãos e pais) pode achar que profes-                         tar os que derivam dos exercícios de poder,
sores e diretores – profissionais e adul-                     dos que se originam das diferenças pesso-
tos que são –, devam lidar profissio-                         ais, dos que resultam de intolerâncias de
nalmente com as possíveis dificulda-                          toda ordem, os que possuem fundo políti-
des que surjam no exercício da ativi-                         co ou ideológico, o que fugiria do foco prin-
dade docente e que os conflitos entre                         cipal deste trabalho, voltado pela a escola
alunos, e destes com seus professores,                        e seu entorno. Saindo do universo geral dos
é que efetivamente merecem ser vistos                         conflitos educacionais – enumerados res-
como prioridade.                                              tritamente – podemos relacionar os que



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chamaremos de conflitos escolares, por                                • eleições (de variadas espécies);
acontecerem no espaço próprio da escola                               • viagens e festas.
/ou com seus atores diretos.                                       • Entre pais, docentes e gestores, por:
                                                                      • agressões ocorridas entre alunos
    Dentre as classificações possíveis, es-                              e entre os professores;
colhemos adaptar a de Martinez Zampa                                  • perda de material de trabalho;
(2005, p. 31-32) para ilustrar o texto. Os                            • associação de pais e amigos;
conflitos que ocorrem com maior freqüên-                              • cantina escolar ou similar;
cia se dão:                                                           • falta ao serviço pelos professores;
    • Entre docentes, por:                                            • falta de assistência pedagógica
       • falta de comunicação;                                           pelos professores;
       • interesses pessoais;                                         • critérios de avaliação,
       • questões de poder;                                              aprovação e reprovação;
       • conflitos anteriores;                                        • uso de uniforme escolar;
       • valores diferentes;                                          • não-atendimento a requisitos
       • busca de “pontuação”                                            “burocráticos” e administrativos da
          (posição de destaque);                                         gestão.
       • conceito anual entre docentes;
       • não-indicação para cargos de                            Segundo Nebot (2000, p. 81-82), os
          ascensão hierárquica;                               conflitos escolares podem ser categoriza-
       • divergência em posições                              dos em organizacionais, culturais, peda-
          políticas ou ideológicas.                           gógicos e de atores. A seguir, detalhamos
    • Entre alunos e docentes, por:                           cada um dos tipos:
       • não entender o que explicam;                              • Organizacionais
       • notas arbitrárias;                                          1. setoriais: são aqueles se produ-
       • divergência sobre critério de avaliação;                       zem a partir da divisão de trabalho
       • avaliação inadequada                                           e do desenho hierárquico da insti-
          (na visão do aluno);                                          tuição, que gera a rotina de tare-
       • descriminação;                                                 fas e de funções (direção, técnico-
       • falta de material didático;                                    administrativos, professores, alu-
       • não serem ouvidos                                              nos, etc);
          (tanto alunos quanto docentes);                            2. o salário e as formas como o di-
       • desinteresse pela matéria de estudo.                           nheiro se distribui no coletivo, afe-
    • Entre alunos, por:                                                tando a qualidade de vida dos fun-
       • mal entendidos;                                                cionários e docentes, etc
       • brigas;                                                     3. se são públicas ou privadas.
       • rivalidade entre grupos;
       • descriminação;                                            • Culturais
       • bullying;                                                   1. comunitários: são aqueles que
       • uso de espaços e bens;                                         emanam de redes sociais de dife-
       • namoro;                                                        rentes atores onde está situada a
       • assédio sexual;                                                escola. Rompem-se as concepções
       • perda ou dano de bens escolares;                               rígidas dos muros da escola, am-



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          pliando-se as fronteiras (por exem-                         3. individuais, que são aqueles onde
          plo, os bairros e suas característi-                            a “patologia” toma um membro da
          cas, as organizações sociais do                                 organização escolar. Neste caso,
          bairro, as condições econômicas                                 há sempre o risco da estigmatiza-
          de seus habitantes, etc)                                        ção do membro da comunidade
       2. raciais e identidades: são aqueles                              que é o causador do conflito.
          grupos sociais que possuem um
          pertencimento e afiliação que faz a                      No momento em que realçamos o con-
          sua condição de existência no mun-                  flito na escola, gostaríamos de chamar à
          do. Estes, com suas características                 atenção a capacidade da escola em per-
          culturais, folclóricas, ritualísticas,              ceber a existência do conflito e a sua capa-
          patrocinam uma série de práticas e                  cidade de reagir positivamente a ele, trans-
          habitus que retroalimentam o esta-                  formando-o em ferramenta do que chama-
          belecimento de ensino (por exem-                    mos de tecnologia social, uma vez que o
          plo, a presença de fortes compo-                    aprendizado de convivência e gestão do
          nentes migratórios na região, etc)                  conflito são para sempre.

     • Pedagógicos                                            Por que a mediação do
       São aqueles que derivam do dese-
       nho estratégico da formação e dos                      conflito na escola
       dispositivos de controle de qualida-                      Façamos um retrospecto do que foi
       de e das formas de ensinar, seus ajus-                 apresentado até aqui a fim de melhor en-
       tes ao currículo acadêmico e suas                      caminhar os pontos seguintes.
       formas de produção (por exemplo,
       não é a mesma coisa ensinar mate-                          Até aqui apresentamos as expectativas
       mática que literatura, e ambas pos-                    dos estudantes com a ascensão social por
       suem procedimentos similares, mas                      meio da educação, sua confiança nos pro-
       diferentes; a organização dos horá-                    fessores e na escola, suas dificuldades por
       rios de das turmas e dos professo-                     conta da violência que lança seus tentácu-
       res; as avaliações, etc)                               los nas escolas e discutimos o conflito em
                                                              geral e na escola, em particular. Apresen-
     • Atores                                                 tamos a tese onde o conflito surge da dife-
       São aqueles que denominamos “pes-                      rença de opiniões e divergência de inter-
       soas” e que devem ser distinguidos:                    pretações. Logo, se a escola é o universo
       1. em grupos e subgrupos, que ocor-                    que reúne alunos diferentes, ela é o palco
           rem em qualquer âmbito (turma,                     onde certamente o conflito se instalará. E,
           corpo docente, direção etc)                        se o conflito é inevitável, devemos apren-
       2. familiares, donde derivam as ações                  der o ofício da mediação de conflito para
           que caracterizam a dinâmica famili-                que esta técnica se aprimore facultando a
           ar que afeta diretamente a pessoa,                 cultura da mediação de conflito.
           podendo produzir o fenômeno de
           afastamento familiar que acarreta o                   Chamaremos de mediação de conflito
           “depósito” do aluno na escola.                     o procedimento no qual os participantes,



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com a assistência de uma pessoa imparci-                      as, das ideologias, do poder, da posse, das
al – o mediador –, colocam as questões                        diferenças de toda ordem; onde as regras e
em disputa com o objetivo de desenvolver                      aquilo que é exigido do aluno nunca estão
opções, considerar alternativas e chegar a                    no campo do subjetivo ou do entendimen-
um acordo que seja mutuamente aceitável.                      to tácito: estão explícitos, falados e discuti-
                                                              dos. Em síntese, devemos ser explícitos na-
    A mediação pode induzir a uma reori-                      quilo que esperamos dos estudantes e na-
entação das relações sociais, a novas for-                    quilo que nos propomos a fazer.
mas de cooperação, de confiança e de so-
lidariedade; formas mais maduras, espon-                         Sobre a gestão destes itens, escreve
tâneas e livres de resolver as diferenças                     Heredia, citando Ray Scanhaltz (apud
pessoais ou grupais.                                          HEREDIA, 1998), diretor de programas
                                                              educacionais de San Francisco:
    A mediação induz atitudes de tolerân-                          Pedir aos estudantes disciplina, sem pro-
cia, responsabilidade e iniciativa individu-                       vê-los das habilidades requeridas, é
al que podem contribuir para uma nova                              como pedir a um transeunte que encon-
ordem social.                                                      tre Topeka, Kansas, sem fazer uso de
                                                                   uma bússola [...]. Não podemos espe-
    O primeiro ponto para a introdução da                          rar que os estudantes se comportem de
mediação de conflito no universo escolar é                         um modo disciplinado se não possuem
assumir que existem conflitos e que estes                          as habilidades para fazê-lo.
devem ser superados a fim de que a escola
cumpra melhor as suas reais finalidades.                          É possível, também pensar na introdu-
Há, portanto, dois tipos de escola: aquela                    ção do tema mediação de conflito no cur-
que assume a existência de conflito e o                       rículo escolar, o que seria uma oportuni-
transforma em oportunidade e aquela que                       dade para verbalizar a questão e tornar cla-
nega a existência do conflito e, com toda a                   ro o que se espera dele – o jovem – no
certeza, terá que lidar com a manifestação                    conjunto de comportamentos sociais. De
violenta do conflito, que é a tão conhecida                   outra forma, é dizer ao jovem e à criança
violência escolar.                                            que suas diferenças podem transformar-se
                                                              em antagonismos e que, se estes não fo-
    As escolas que valorizam o conflito e                     rem entendidos, evoluem para o conflito,
aprendem a trabalhar com essa realidade,                      que deságua na violência. Cabe ressaltar
são aquelas onde o diálogo é permanente,                      que esse aprendizado e essa percepção
objetivando ouvir as diferenças para me-                      social, quando ocorrem com o estudante,
lhor decidirem; são aquelas onde o exercí-                    são para sempre.
cio da explicitação do pensamento é in-
centivado, objetivando o aprendizado da                          Eis algumas vantagens identificadas
exposição madura das idéias por meio da                       para a mediação do conflito escolar
assertividade e da comunicação eficaz; onde                   (CHRISPINO, 2004):
o currículo considera as oportunidades para                        • O conflito faz parte de nossa vida pes-
discutir soluções alternativas para os diver-                         soal e está presente nas instituições.
sos exemplos de conflito no campo das idéi-                           ‘É melhor enfrentá-lo com habilidade



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         pessoal do que evitá-lo’ (HEREDIA,                        • Desenvolve o autoconhecimento e o pensa-
         1998 apud CHRISPINO, 2004).                                  mento crítico, uma vez que o aluno é cha-
      • Apresenta uma visão positiva do conflito,                     mado a fazer parte da solução do conflito.
         rompendo com a imagem histórica de                        • Consolida a boa convivência entre dife-
         que ele é sempre negativo.                                   rentes e divergentes, permitindo o surgi-
      • Constrói um sentimento mais forte de                          mento e o exercício da tolerância.
         cooperação e fraternidade na escola.                      • Permite que a vivência da tolerância seja um
      • Cria sistemas mais organizados para en-                       patrimônio individual que se manifestará
         frentar o problema divergência ➔ anta-                       em outros momentos da vida social.
         gonismo ➔ conflito ➔ violência.
      • O uso de técnicas de mediação de confli-                  Cremos que as vantagens dos programas
         tos pode melhorar a qualidade das rela-              de mediação escolar são bastante numero-
         ções entre os atores escolares e melho-              sas. Apesar disso, poucas são as avaliações
         rar o “clima escolar”.                               quantitativas sobre o impacto dos programas
      • O uso da mediação de conflitos terá con-              de mediação de conflito. Kmitta (1999, p. 293)
         seqüências nos índices de violência con-             ensaia um estudo de resultados quantitativos
         tra pessoas, vandalismo, violência con-              a partir de dez programas de mediação esco-
         tra o patrimônio, incivilidades, etc.                lar nos Estados Unidos, que podem indicar
      • Melhora as relações entre alunos, facul-              alguns resultados promissores nesse tipo de
         tando melhores condições para o bom                  técnica e nesse esforço de implantação da
         desenvolvimento da aula.                             cultura de mediação de conflito. Aponta ele:

     Resumo de estudos que documentam mediações e porcentagens de êxito
     NOME                                 ANO DO                 ESTADO                  Nº DE          ÊXITO
                                          ESTUDO                                       MEDIAÇÕES         (%)
     The Ohio Commission on                1990/93           Ohio                       256             100 %
      Dispute Resolution
     Model School                          1993/94           Georgia                    126             96,8 %
     Jones e Carlin                        1992/94           Pennsylvania               367             90,0%
     Judge                                 1989/90           Ohio                       125             100%
     Hamlin                                1993/94           Illinois                   47              94,0%
     Hart                                  1993/94           Indiana                    350             97,0%
     Carpenter e Parco                     1992/94           Nevada                     347             86,5%
     Carruthers                            1993/94           Carolina do Norte          841             92,7%
     Crary                                 1989              California                 96              97,0%
     Kmitta e Berlowitz                    1993/95           Ohio                       248             82,2%
     Totais                                                                             2.803           88,5%




Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação                               25




Algumas questões                                              cação e reflexão, em grande parte adapta-
                                                              dos daqueles apresentados por Schvarstein
norteadoras para o                                            (1998) e Chrispino e Chrispino (2002):
modelo de programa                                                 1. Caráter da Mediação de Conflito:
                                                                       obrigatório ou voluntário?
de mediação escolar                                                2. Alcance da Mediação de Conflito:
    Todo programa que se proponha a en-                                Todos os conflitos ou apenas alguns
volver grande número de variáveis, como é                              conflitos?
o caso das escolas, deve ter o cuidado de                          3. Ênfase da Mediação de Conflito: No
trabalhar a partir de generalizações. O Pro-                           produto ou no processo?
grama deve comportar-se tal qual um gran-                          4. Atores da Mediação de Conflito: todos
de e delicado tecido jogado sobre um con-                              os membros do universo escolar ou
junto de peças com contornos distintos. O                              alguns membros do universo escolar?
tecido é o mesmo, mas ao alcançar a peça,                          5. Limites da Mediação de Conflito na
toma a forma desta! Ele se amolda a cada                               Escola: sem limites de série, idade,
realidade. Com um programa de mediação                                 turno, etc, ou com limites?
de conflito escolar não será diferente.                            6. Relação da Mediação de Conflito com
                                                                       as Regras Disciplinares: sem relação
     Nossa pretensão, ao apresentar um                                 ou com relação?
conjunto de distintas classificações de con-                       7. Relação da Mediação de Conflito com
flito foi permitir alternativas para identifica-                       a Avaliação: sem relação ou com re-
ção particularizada de cada contexto esco-                             lação?
lar. Não há receita na mediação de confli-                         8. Identificação dos Mediadores de
to que possa ser aplicada indistintamente a                            Conflito: mediação por pares ou ou-
escolas diferentes. Cada escola é uma rede                             tros mediadores?
complexa de relações e de valores e, por                           9. Escolha dos Mediadores de Conflito: ação
tal, merecerá um diagnóstico específico de                             institucional ou escolha das partes?
conflitos e um modelo próprio.                                     10. Critérios para a Seleção dos Medi-
                                                                        adores de Conflito: desempenho
    Temos algumas questões que represen-                                acadêmico ou “respeitabilidade” en-
tam eixos padrões de decisão que devem                                  tre os pares?
ser atendidos, ou não, no momento em que
a escola debate a instalação de um pro-                       À guisa de conclusão
grama de mediação.                                                 Enquanto refletimos sobre a validade ou
                                                              não de um programa de mediação de con-
     Identificado o tipo de conflito que existe               flito, somos visitados por alguns pensamen-
em cada escola, a partir das inúmeras clas-                   tos que estão no imaginário educacional,
sificações apresentadas anteriormente, a                      tais como: não foi para isso que estudei e
equipe disposta a implantar o programa de                     me formei! Não foi para cuidar de proble-
mediação de conflito escolar deverá respon-                   mas de aluno que fiz concurso público! Não
der a uma série de itens que definirão o tipo                 sou pago para este tipo de trabalho! Isso é
de programa que irão implantar. Escolhe-                      trabalho de orientador educacional! Estou
mos dez itens para este exercício de provo-                   perto de me aposentar!



Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
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   Não é nossa a proposta de contrapor-                       que contemplam o “outro lado” e deixar
mo-nos a partir de cada uma dessas ex-                        que cada um reflita e decida. Afinal, pode-
pressões. No exercício de controvérsia que                    mos pensar diferentemente e isso faz parte
pregamos ao longo deste trabalho, vamos,                      das relações humanas. Vejamos o que nos
mais uma vez, apresentar grandes idéias                       diz Porro (2004):

7 GRANDES MOTIVOS PARA REALIZAR O PROGRAMA DE MEDIAÇÃO:
1. a capacitação em resolver conflitos valoriza o tempo;
2. a capacitação em resolver conflitos ensina várias estratégias úteis;
3. a capacitação em resolver conflitos ensina aos alunos consideração e respeito para com os demais;
4. a capacitação em resolver conflitos reduz o estresse;
5. possibilidade de aplicar as novas técnicas em casa, com familiares e amigos;
6. a capacitação em resolver conflitos que podem contribuir para a prevenção do uso do álcool e de drogas;
7. possibilidade de sentir a satisfação de estar contribuindo com a paz do mundo.



Referências
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Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
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Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
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em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2004.


Recebido em: 31/10/2006
Aceito para publicação em: 5/02/2007




Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007

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Gestão do conflito escolar: da classificação aos modelos

  • 1. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação Álvaro Chrispino Resumo The enclosed article starts by presenting O presente trabalho se inicia apresentan- a recent study carried out by a research do um recente estudo realizado por um institu- institute and it demonstrates the to de pesquisa onde fica patente a importân- importance that the student gives to cia que o jovem atribui à educação, à escola education, to school, to the teacher and e ao professor, ao mesmo tempo em que apre- at the same time it shows his concern senta sua preocupação com a violência. Com with violence. With such motivation, it este motivador, discute os conceitos de conflito discusses the concepts of conflicts and e de conflito escolar, apresenta inúmeras ma- school conflicts in order to contribute to neiras de classificar os conflitos e os conflitos the clarification of the problem, it escolares a fim de contri- indicates the mediation buir com o entendimento Álvaro Chrispino of the conflict as a do problema, indica a Doutor em Educação, UFRJ powerful and potent mediação de conflito Professor do Programa de Mestrado alternative to reduce como alternativa potente do CEFET/RJ school violence. e viável para a diminui- chrispino@infolink.com.br Finally, it lists questions ção da violência escolar that should be taken e, ao final, enumera into account when the questões que devem ser consideradas quando school has in mind the implementation of a escola se propõe a implantar um programa its program of mediation conflict. de mediação escolar do conflito. Keywords: Educational policies. School Palavras-chave: Políticas educacionais. violence. School conflict. Mediation of Violência escolar. Conflito escolar. Media- school conflict. ção do conflito escolar. Resumen Abstract Gestión del conflicto School-Based Conflict escolar: de la clasificación Management: from the de los conflictos a los classification of conflicts medelos de mediación to models of mediation El artículo presenta un reciente estudio Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 2. 12 Álvaro Chrispino realizado por un instituto de pesquisa nha, Argentina e Chile, dentre outros, onde que muestra la importancia que el joven já se percebe um conjunto de políticas pú- atribuye a la educación, a la escuela y blicas mais ou menos eficientes dirigidas aos al profesor y, también, su preocupación diversos atores que compõem este comple- con la violencia. El texto aborda los xo sistema que é o fenômeno violência es- conceptos de conflicto y de conflicto colar. Estes países possuem já alguma tradi- escolar, presenta innumeras maneras de ção em programa de redução da violência clasificar los conflictos y los conflictos escolar como apontam Debarbieux e Blaya escolares a fin de contribuir para el (2002) e, no Brasil, é possível enumerar al- entendimiento del problema e indica la guns estudos pontuais até aproximadamen- mediación del conflicto como alternativa te 2000, quando passamos a contar com potente y viable para la disminución de um número maior de estudos e pesquisas la violencia escolar. Al final enumera sobre os diversos ângulos da violência es- cuestiones que deben ser consideradas colar como, por exemplo, Abramovay e Rua cuando la escuela se propone a (2002), Ortega e Del Rey (2002), Chrispino implantar un programa de mediación e Chrispino (2002), dentre outros. escolar del conflicto. Palavras clave: Políticas educacionales. Os diversos estudos publicados em lín- Violencia escolar. Conflicto escolar. gua portuguesa disseminaram idéias, acla- Mediación del conflicto escolar. raram os problemas e listaram alternativas já testadas em sociedades distintas, permi- Introdução tindo que a comunidade educacional bra- A seqüência de episódios violentos en- sileira reunisse informações para enfrentar volvendo o espaço escolar não deixa dúvi- um problema importante, no esforço de ti- da quanto à necessidade de se trazer este rar a “diferença” causada por alguns anos tema à grande arena de debates da educa- de atraso na percepção do problema e na ção brasileira. Os acontecimentos que se re- busca de soluções próprias. No rastro des- petem nos diversos pontos do país, e que sas iniciativas, a produção acadêmica bra- nos privaremos de citar por ser absoluta- sileira já começa a demonstrar bons resul- mente desnecessário para a análise, expõem tados no tema, apesar de serem encontra- uma dificuldade brasileira pela qual já pas- dos apenas 7 grupos de pesquisa no Dire- saram outros países, o que seria, por si só, tório LATTES, quando consultado utilizando um convite para a reflexão de educadores e as palavras chave “violência escolar” e “vi- de gestores políticos, visto que o movimento olência na escola”, o que indica que a pro- mundial em educação indica semelhança dução deve estar vinculada a grupos com de acontecimentos mesmo que em momen- linhas de pesquisa e temas de pesquisa ou- tos diferentes da linha de tempo. tros que absorvem os assuntos correlacio- nados com o universo da violência escolar. Já dissemos alhures (CHRISPINO; CHRISPINO, 2002) que os problemas no- Experiências importantes vêm sendo re- vos da violência escolar no Brasil são um alizadas como a do programa de Mestra- problema antigo em outros países como Es- do da Universidade Católica de Brasília/ tados Unidos, França, Reino Unido, Espa- Observatório da Violência que já produz Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 3. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 13 uma série de pesquisas focada na violên- No que pese tudo isto, recentemen- cia escolar, mas correlacionando-a com a te o Sindicato dos Estabelecimentos de visão docente (OLIVEIRA, M. G. P 2003; ., Ensino do Rio de Janeiro – Sinepe Rio OLIVEIRA, R. B. L., 2004), com a comuni- –, solicitou ao IBOPE uma pesquisa in- dade (SILVA, 2004), com o rendimento es- titulada “O jovem, a sociedade e a éti- colar (VALE, 2004), com a gestão esco- ca” (RIO DE JANEIRO, 2006), que re- lar (CARREIRA, 2005), com a visão dis- colheu opiniões de jovens entre 14 e 18 cente (RIBEIRO, 2004; FERNANDES, anos. O resultado mostra o quanto a 2006), dentre outras. escola e a educação povoam o imagi- nário dos jovens, o quanto estes ainda Tudo leva a crer que o tema tenha ocu- vêem na escola e na educação instru- pado um lugar de destaque na sociedade mentos importantes para suas vidas e o e academia brasileiras, o que pode resultar quanto a violência na escola os afasta na transferência da escola da editoria poli- de seus sonhos ou os amedronta. Veja- cial para a editoria de direitos sociais nos mos alguns resultados: grandes veículos de mídia nacional. Pergunta: Dentre estes, quais são os dois Educação, juventude e mais graves problemas do Brasil? violência A formação de opinião sobre a esco- la e a juventude exclusivamente pelas manchetes de jornais e televisão, resulta numa visão por ângulos restritos da rea- lidade educacional. A educação – apesar da existência de programas importantes como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensi- no Fundamental e de Valorização do Ma- Pergunta: Quem você considera mais gistério – FUNDEF–, vem sofrendo com responsável pela garantia de um bom futu- a falta de políticas públicas de longo pra- ro para pessoas como você? zo e efetivas que atendam às necessida- des da comunidade, vem sendo esvazia- da pelo afastamento de bons docentes por conta do desprestígio e da perda sig- nificativa de salários, vem sendo “suca- teada” pela ineficácia dos sistemas de gestão e por recursos cada vez mais re- duzidos, vem se tornando cada vez mais “profanada” quando a história nos ensi- nou sobre uma escola cercada de respei- to, pertencimento e “sacralidade”. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 4. 14 Álvaro Chrispino Pergunta: Gostaria que você dissesse, para cada uma das pessoas e instituições que vou falar, se você confia ou não confia INSTITUIÇÕES CONFIA NÃO CONFIA NÃO TEM OPINIÃO Professores 84% 13% 3% Escola Particular 77% 18% 5% Escola Pública 76% 19% 5% Médicos 75% 21% 4% Religião 71% 23% 6% Igreja Católica 66% 26% 8% Igreja Evangélica 61% 30% 8% Televisão 60% 36% 4% Rádios 62% 35% 4% Jornais 59% 37% 4% Pergunta: Para cada frase citada, gostaria de saber se você concorda ou discorda PONTOS CONCORDA DISCORDA A educação dos jovens deve ter limites bem definidos 82% 14% No Brasil, é possível melhorar a 73% 21% condição social através do voto No Estado, um cidadão não tem só direitos, 70% 24% tem deveres para com a sociedade O voto pode mudar a situação do país 64% 30% O importante para os jovens é viver o momento, 57% 40% sem se preocupar com o futuro Os jovens são desmotivados e nada lhes interessa 50% 46% A experiência profissional é mais 49% 46% importante que a educação Os direitos humanos no Brasil só protegem os que 49% 44% não respeitam os direitos dos outros Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 5. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 15 Pergunta: Dentre estes, para qual pon- na escola como instrumento de mobilidade to você julga que uma boa escola deveria social e de diferenciação para o futuro. estar voltada? (1º e 2º lugares) Motivado por isso, podemos buscar entender melhor o que pode estar causan- do a violência na escola, sempre lembran- do que a nossa é uma leitura, uma pro- posta, uma alternativa. Certamente haverá outras, desenvolvidas e amparadas a par- tir de outras percepções e experiências. O conflito e o Podemos depreender da pesquisa (1) que o jovem identifica na violência o maior pro- conflito na escola blema da sociedade atual, superando, in- Conflito é toda opinião divergente ou ma- clusive, o desemprego; (2) que a escola ocu- neira diferente de ver ou interpretar algum acon- pa o segundo lugar entre as instituições im- tecimento. A partir disso, todos os que vivemos portantes para o desenho de seu futuro, per- em sociedade temos a experiência do conflito. dendo apenas para a família; (3) professo- Desde os conflitos próprios da infância, passa- res e escolas são as duas “instituições” que mos pelos conflitos pessoais da adolescência e, encabeçam a lista de confiança com altos hoje, visitados pela maturidade, continuamos índices percentuais; (4) os jovens, diferente- a conviver com o conflito intrapessoal (ir/não ir, mente do que diz o senso comum, solicitam fazer/não fazer, falar/não falar, comprar/não os limites próprios à juventude e (5) confir- comprar, vender/não vender, casar/não casar mando o item 4, o jovem julga que a disci- etc.) ou interpessoal, sobre o qual nos detere- plina rígida, juntamente com criatividade e mos. São exemplos de conflito interpessoal diálogo, fazem parte da boa escola, para a briga de vizinhos, a separação familiar, a desespero de gestores e docentes que de- guerra e o desentendimento entre alunos. fendem o “vai-levando” ou o laissez-faire, (CHRISPINO; CHRISPINO, 2002). certamente pela lei de menor esforço, já que o salário é o mesmo no final do mês. Poderemos buscar, numa adaptação de Redorta (2004, p. 33), grandes exemplos Apesar de todas as dificuldades, o jovem de conflito nos conhecidos movimentos de ainda crê na educação como alternativa e rompimento de paradigmas: AUTOR TIPO DE CONFLITO PROCESSO RESULTANTE SÍNTESE Freud Conflito entre o desejo e a proibição Repressão e defesa Luta pelo dever Darwin Conflito entre o sujeito e o meio Diferenciação e adaptação Luta por existir Marx Conflito entre classes sociais Estratificação social hierarquia Luta pela igualdade Piaget Conflito nas decisões e experiências Aprendizagem Resolução de problemas Luta por ser Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 6. 16 Álvaro Chrispino O conflito, pois, é parte integrante dificuldade de comunicação, de asser- da vida e da atividade social, quer con- tividade das pessoas, de condições para temporânea, quer antiga. Ainda no es- estabelecer o diálogo. forço de entendimento do conceito, po- demos dizer que o conflito se origina da Temos defendido que a massificação diferença de interesses, de desejos e de da educação se, por um lado, garantiu o aspirações. Percebe-se que não existe acesso dos alunos à escola, por outro, aqui a noção estrita de erro e de acerto, expôs a escola a um contingente de alu- mas de posições que são defendidas fren- nos cujo perfil ela – a escola – não esta- te a outras, diferentes. va preparada para absorver. Um exemplo claro da dificuldade que Antes, em passado remoto, a escola temos para lidar com o conflito é a nossa era procurada por um tipo padrão de incapacidade de identificar as circunstân- aluno, com expectativas padrões, com cias que derivam do conflito ou redun- passados semelhantes, com sonhos e li- dam nele. Em geral, nas escolas e na vida, mites aproximados. Os grupos eram for- só percebemos o conflito quando este pro- mados por estudantes de perfis muito duz suas manifestações violentas. Daí po- próximos. Com a massificação, trouxe- demos tirar, pelo menos, duas conclu- mos para o mesmo espaço alunos com sões: a primeira é que se ele se manifes- diferentes vivências, com diferentes ex- tou de forma violenta é porque já existia pectativas, com diferentes sonhos, com antes na forma de divergência ou anta- diferentes valores, com diferentes cultu- gonismo, e nós não soubemos ou não ras e com diferentes hábitos [...], mas a fomos preparados para identificá-lo; a escola permaneceu a mesma! Parece segunda é que toda a vez que o conflito óbvio que este conjunto de diferenças é se manifesta, nós agimos para resolvê- causador de conflitos que, quando não lo, coibindo a manifestação violenta. E trabalhados, provocam uma manifesta- neste caso, esquecemos que problemas ção violenta. Eis, na nossa avaliação, a mal resolvidos se repetem! (CHRISPINO; causa primordial da violência escolar. CHRISPINO, 2002) A fim de exemplificar a tese que defen- Ao definirmos conflito como o resul- demos, podemos lançar mão da pesquisa tado da diferença de opinião ou inte- de Fernandes (2006, p. 103) realizada com resse de pelos menos duas pessoas ou alunos e professores de diferentes escolas conjunto de pessoas, devemos esperar do Distrito Federal. Ao solicitar que pro- que, no universo da escola, a divergên- fessores e alunos identifiquem níveis de gra- cia de opinião entre alunos e professo- vidade de violência a partir de ocorrências res, entre alunos e entre os professores cotidianas, percebe-se a divergência de seja uma causa objetiva de conflitos. opinião: isto dá origem a conflitos. Veja- Uma segunda causa de conflitos é a mos alguns exemplos: Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 7. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 17 ATITUDES ESCOLA 1–PÚBLICA ESCOLA 2–PRIVADA OPINIÃO DISCENTE DOCENTE DISCENTE DOCENTE Aluno bate em colega menor 47,4 (média) 64,6 (alta) 51,6 (alta) 61,2 (alta) Briga entre alunos 38,1 (média) 60,5 (alta) 52,9 (alta) 55,8 (alta) Toque de mão no colega com sentido sexual 32,0 (média) 60,5 (alta) 27,2 (baixa) 54,9 (alta) Insulto de aluno a aluno 32,0 (média) 56,5 (alta) 31,8 (média) 54,9 (alta) Consideram-se altas as taxas entre 68 a 48, médias as taxas entre 47 a 31 e baixas as taxas menores que 30. Podemos esperar que, pela diferença entre • ajuda a definir as identidades das as opiniões, haja conflito no espaço escolar. partes que defendem suas posições; Um conflito criado pela diferença de conceito • permite perceber que o outro possui ou pelo valor diferente que se dá ao mesmo uma percepção diferente; ato. Professores e alunos dão valores diferentes • racionaliza as estratégias de compe- à mesma ação e reagem diferentemente ao mes- tência e de cooperação; mo ato: isso é conflito. Como a escola está acos- • ensina que a controvérsia é uma opor- tumada historicamente a lidar com um tipo tunidade de crescimento e de ama- padrão de aluno, ela apresenta a regra e re- durecimento social. quer dos alunos enquadramento automático. Quanto mais diversificado for o perfil dos alu- Outro mito importante construído em torno nos (e dos professores), maior será a possibili- do conflito, e que está também sendo supera- dade de conflito ou de diferença de opinião. E do, é aquele que diz que o mesmo atenta con- isso numa comunidade que está treinada para tra a ordem. Na verdade, o conflito é a mani- inibir o conflito, pois este é visto como algo ruim, festação da ordem em que ele próprio se pro- uma anomalia do controle social. duz e da qual se derivam suas conseqüências principais. O conflito é a manifestação da or- Porém, o mito de que o conflito é ruim está dem democrática, que o garante e o sustenta. ruindo. O conflito começa a ser visto como uma manifestação mais natural e, por conse- A ordem e o conflito são resultado da inte- guinte, necessária às relações entre pessoas, ração entre os seres humanos. A ordem, em grupos sociais, organismos políticos e Esta- toda sociedade humana, não é outra coisa dos. O conflito é inevitável e não se devem senão uma normatização do conflito. Tome- suprimir seus motivos, até porque ele possui mos como exemplo o conflito político: apesar inúmeras vantagens dificilmente percebidas por de parecer ruptura da ordem anterior, há con- aqueles que vêem nele algo a ser evitado: tinuidade e regularidade em alguns aspectos • Ajuda a regular as relações sociais; tidos como indispensável pela sociedade, que • ensina a ver o mundo pela perspecti- exige a ordem e de onde emanam os conflitos. va do outro; • permite o reconhecimento das dife- Somente estudo e compreensão das rela- renças, que não são ameaça, mas re- ções que existem dentro da ordem podem per- sultado natural de uma situação em mitir o entendimento completo dos conflitos que que há recursos escassos; nela se originam e que, por fim, são a razão Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 8. 18 Álvaro Chrispino de sua existência. Por exemplo, os sócios que brigam pela posse da casa onde moravam, mes- brigam. É necessário ver as condições em que mo possuindo outras imóveis de igual valor. Na se fez a sociedade e as expectativas dos sóci- verdade, a posição de posse da casa esconde os. Possivelmente, cada um deles terá entendi- um interesse implícito: quem ficar com a casa do mento pessoal das regras que iniciaram a so- casal tem a sensação de vitória sobre o outro. ciedade e possuíam, por derivação, expectati- vas diferentes. Instala-se o conflito! Classificações dos conflitos A fim de melhor entender suas possibi- O conflito está regulado de tal modo que nem lidades, buscaremos alguns exemplos de sempre nos damos conta sequer de sua existên- classificação de conflito, pois, segundo Re- cia. Como exemplo disso, temos o futebol ou o dorta (2004, p. 95), desfile das escolas de samba: eles excluem a vio- classificar é uma forma de dar sentido. lência como a entendemos comumente e prevê- A classificação costuma ser hierárquica em um modelo de comportamento cooperativo, e permite estabelecer relações de per- mas os interesses são frontalmente conflitantes! tencimento. Ao classificar definimos, e Acontece, muitas vezes, que o conflito é de- ao defini-lo, tomamos uma decisão a flagrado e não sabemos exatamente o que o respeito da essência de algo. provoca, pois a posição conflitante é diferente do Vamos buscar algumas classificações interesse real das partes. O interesse é a motiva- gerais de conflito segundo Moore (1998), ção objetiva/subjetiva de uma conduta, a partir Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA, 2004) da qual esta se estrutura e se distingue da posi- e Redorta (2004) e classificações de confli- ção, que é a forma exterior do conflito, que pode tos escolares a partir de Martinez Zampa esconder o real interesse envolvido. Os comerci- (2004) e Nebot (2000). antes têm interesses conflitantes: o vendedor quer vender mais caro, enquanto o comprador quer Para Moore (1998, p. 62), os conflitos pagar menos [...], mas os interesses são claros e podem ser classificados em estruturais, de definidos. Diferentemente com o que ocorre no valor, de relacionamento de interesse e conflito causado pela separação de casais que quanto aos dados: TIPOS DE CONFLITO CAUSAS DOS CONFLITOS Estruturais Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo. De valor Critérios diferentes para avaliar idéias ou comportamentos; objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida, ideologia ou religião diferente. De relacionamento Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos; comunicação inadequada ou deficiente; comportamento negativo – repetitivo. De interesse Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses psicológicos. Quanto aos dados Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 9. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 19 Para Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA, contatos entre si), latentes (conflitos cuja 2004, p. 27), os conflitos podem ser clas- origem não se exteriorizam) e falsos (se sificados em 6 tipos: Verídicos (conflitos baseiam em má interpretação ou percep- que existem objetivamente), contingen- ção equivocada). tes (situações que dependem de circuns- tâncias que mudam facilmente), descen- Para Redorta (2004), a tipologia de con- tralizados (conflitos que ocorrem fora do flito é de tal importância que ele dedica toda conflito central), mal atribuídos (se apre- uma obra a essa tarefa. Podemos sintetizar sentam entre partes que não mantêm a sua tipologia, no quadro a seguir: TIPOS DE CONFLITOS... O CONFLITO OCORRE QUANDO De recursos escassos Disputamos por algo que não existe suficientemente para todos. De poder Disputamos porque algum de nós quer mandar, dirigir ou controlar o outro. De auto-estima Disputamos porque meu orgulho pessoal se sente ferido. De valores Disputamos porque meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo. De estrutura Disputamos por um problema cuja solução requer longo prazo, esforços importantes de muitos, e meios estão além de minha possibilidade pessoal. De identidade Disputamos porque o problema afeta minha maneira intima de ser o que sou. De norma Disputamos porque meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo. De expectativas Disputamos porque não se cumpriu ou se fraudou o que um esperava do outro. De inadaptação Disputamos porque modificar as coisas produz uma tensão que não desejo. De informação Disputamos por algo que se disse ou não se disse ou que se entendeu de forma errada. De interesses Disputamos porque meus interesses ou desejos são contrários aos do outro. De atribuição Disputamos porque o outro não assume a sua culpa ou responsabilidade em determinada situação. De relações pessoais Disputamos porque habitualmente não nos entendemos como pessoas. De inibição Disputamos porque claramente a solução do problema depende do outro. De legitimação Disputamos porque o outro não está de alguma maneira autorizado a atuar como o faz, ou tem feito ou pretende fazer. É possível, ainda, identificar conflitos sores, técnicos e comunidade) e com ro- escolares ou mesmo educacionais a par- tinas estabelecidas (temática, horários, tir de Martinez Zampa (2005) e de Nebot espaços físicos etc). A maneira de lidar (2000). Certamente, a característica da com o conflito escolar ou educacional é escola ou do sistema educacional favo- que irá variar de uma escola que veja o recem este tipo de categorização, por se conflito como instrumento de crescimen- restringirem a um universo conhecido, to ou que o interpreta como um grave com atores permanentes (alunos, profes- problema que deva ser abafado. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 10. 20 Álvaro Chrispino Na comunidade escolar existem pon- Como conflitos educacionais ou entre tos que contribuem para o surgimento dos membros da comunidade educacional, conflitos e que, no mais das vezes, não Martinez Zampa (2005, p. 30-31) enume- são explícitos ou mesmo percebidos. A pri- ra 4 tipos diferentes: oridade que se dá para os diferentes con- • Conflito em torno da pluralidade de flitos escolares é um primeiro ponto. Mar- pertencimento: surge quando o docen- tinez Zampa (2005, p. 29) diz que os pro- te faz parte de diferentes estabelecimen- fessores consideram que os conflitos mais tos de ensino ou mesmo de níveis dife- freqüentes e importantes se dão entre seus rentes de ensino. colegas e diretores, colocando em segun- • Conflitos para definir o projeto insti- do lugar de importância os conflitos en- tucional: surge porque a construção do tre alunos. Essa posição não é ratificada projeto educacional favorece a mani- por Oliveira e Gomes (2004, p. 52-53), festação de diferentes posições quanto que descrevem como os docentes vêem a objetivos, procedimentos e exigênci- os valores e violência escolares. Ao se as no estabelecimento escolar. referirem às escolas que foram pesquisa- • Conflito para operacionalizar o pro- das, escrevem: jeto educativo: surge porque, no mo- O clima entre direção, professores e mento de executar o projeto institucio- alunos parecia bastante amistoso. No nal, surgem divergências nos âmbitos entanto, a Associação de Pais e Mestres de planejamento, execução e avaliação, e o Conselho Escolar funcionavam pre- levando a direção a lançar mão de pro- cariamente devido à falta de participa- cessos de coalizão, adesões, etc. ção e envolvimento da comunidade es- • Conflito entre as autoridades formal colar. e funcional: surge quando não há coin- O relacionamento entre os professo- cidência entre a figura da autoridade res parecia muito bom, manifestado, formal (diretor) e da autoridade funcio- inclusive, pelos intervalos muito anima- nal (líder situacional) dos. Segundo informações colhidas, a amizade entre os docentes continuava Os conflitos educacionais, para efeito fora dos muros da escola, nas festas de de estudo, são aqueles provenientes de confraternizações, aniversários, chur- ações próprias dos sistemas escolares ou rascos e outras. oriundos das relações que envolvem os ato- res da comunidade educacional mais am- A leitura externa da comunidade (ci- pla. Certamente poderíamos ainda apon- dadãos e pais) pode achar que profes- tar os que derivam dos exercícios de poder, sores e diretores – profissionais e adul- dos que se originam das diferenças pesso- tos que são –, devam lidar profissio- ais, dos que resultam de intolerâncias de nalmente com as possíveis dificulda- toda ordem, os que possuem fundo políti- des que surjam no exercício da ativi- co ou ideológico, o que fugiria do foco prin- dade docente e que os conflitos entre cipal deste trabalho, voltado pela a escola alunos, e destes com seus professores, e seu entorno. Saindo do universo geral dos é que efetivamente merecem ser vistos conflitos educacionais – enumerados res- como prioridade. tritamente – podemos relacionar os que Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 11. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 21 chamaremos de conflitos escolares, por • eleições (de variadas espécies); acontecerem no espaço próprio da escola • viagens e festas. /ou com seus atores diretos. • Entre pais, docentes e gestores, por: • agressões ocorridas entre alunos Dentre as classificações possíveis, es- e entre os professores; colhemos adaptar a de Martinez Zampa • perda de material de trabalho; (2005, p. 31-32) para ilustrar o texto. Os • associação de pais e amigos; conflitos que ocorrem com maior freqüên- • cantina escolar ou similar; cia se dão: • falta ao serviço pelos professores; • Entre docentes, por: • falta de assistência pedagógica • falta de comunicação; pelos professores; • interesses pessoais; • critérios de avaliação, • questões de poder; aprovação e reprovação; • conflitos anteriores; • uso de uniforme escolar; • valores diferentes; • não-atendimento a requisitos • busca de “pontuação” “burocráticos” e administrativos da (posição de destaque); gestão. • conceito anual entre docentes; • não-indicação para cargos de Segundo Nebot (2000, p. 81-82), os ascensão hierárquica; conflitos escolares podem ser categoriza- • divergência em posições dos em organizacionais, culturais, peda- políticas ou ideológicas. gógicos e de atores. A seguir, detalhamos • Entre alunos e docentes, por: cada um dos tipos: • não entender o que explicam; • Organizacionais • notas arbitrárias; 1. setoriais: são aqueles se produ- • divergência sobre critério de avaliação; zem a partir da divisão de trabalho • avaliação inadequada e do desenho hierárquico da insti- (na visão do aluno); tuição, que gera a rotina de tare- • descriminação; fas e de funções (direção, técnico- • falta de material didático; administrativos, professores, alu- • não serem ouvidos nos, etc); (tanto alunos quanto docentes); 2. o salário e as formas como o di- • desinteresse pela matéria de estudo. nheiro se distribui no coletivo, afe- • Entre alunos, por: tando a qualidade de vida dos fun- • mal entendidos; cionários e docentes, etc • brigas; 3. se são públicas ou privadas. • rivalidade entre grupos; • descriminação; • Culturais • bullying; 1. comunitários: são aqueles que • uso de espaços e bens; emanam de redes sociais de dife- • namoro; rentes atores onde está situada a • assédio sexual; escola. Rompem-se as concepções • perda ou dano de bens escolares; rígidas dos muros da escola, am- Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 12. 22 Álvaro Chrispino pliando-se as fronteiras (por exem- 3. individuais, que são aqueles onde plo, os bairros e suas característi- a “patologia” toma um membro da cas, as organizações sociais do organização escolar. Neste caso, bairro, as condições econômicas há sempre o risco da estigmatiza- de seus habitantes, etc) ção do membro da comunidade 2. raciais e identidades: são aqueles que é o causador do conflito. grupos sociais que possuem um pertencimento e afiliação que faz a No momento em que realçamos o con- sua condição de existência no mun- flito na escola, gostaríamos de chamar à do. Estes, com suas características atenção a capacidade da escola em per- culturais, folclóricas, ritualísticas, ceber a existência do conflito e a sua capa- patrocinam uma série de práticas e cidade de reagir positivamente a ele, trans- habitus que retroalimentam o esta- formando-o em ferramenta do que chama- belecimento de ensino (por exem- mos de tecnologia social, uma vez que o plo, a presença de fortes compo- aprendizado de convivência e gestão do nentes migratórios na região, etc) conflito são para sempre. • Pedagógicos Por que a mediação do São aqueles que derivam do dese- nho estratégico da formação e dos conflito na escola dispositivos de controle de qualida- Façamos um retrospecto do que foi de e das formas de ensinar, seus ajus- apresentado até aqui a fim de melhor en- tes ao currículo acadêmico e suas caminhar os pontos seguintes. formas de produção (por exemplo, não é a mesma coisa ensinar mate- Até aqui apresentamos as expectativas mática que literatura, e ambas pos- dos estudantes com a ascensão social por suem procedimentos similares, mas meio da educação, sua confiança nos pro- diferentes; a organização dos horá- fessores e na escola, suas dificuldades por rios de das turmas e dos professo- conta da violência que lança seus tentácu- res; as avaliações, etc) los nas escolas e discutimos o conflito em geral e na escola, em particular. Apresen- • Atores tamos a tese onde o conflito surge da dife- São aqueles que denominamos “pes- rença de opiniões e divergência de inter- soas” e que devem ser distinguidos: pretações. Logo, se a escola é o universo 1. em grupos e subgrupos, que ocor- que reúne alunos diferentes, ela é o palco rem em qualquer âmbito (turma, onde certamente o conflito se instalará. E, corpo docente, direção etc) se o conflito é inevitável, devemos apren- 2. familiares, donde derivam as ações der o ofício da mediação de conflito para que caracterizam a dinâmica famili- que esta técnica se aprimore facultando a ar que afeta diretamente a pessoa, cultura da mediação de conflito. podendo produzir o fenômeno de afastamento familiar que acarreta o Chamaremos de mediação de conflito “depósito” do aluno na escola. o procedimento no qual os participantes, Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 13. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 23 com a assistência de uma pessoa imparci- as, das ideologias, do poder, da posse, das al – o mediador –, colocam as questões diferenças de toda ordem; onde as regras e em disputa com o objetivo de desenvolver aquilo que é exigido do aluno nunca estão opções, considerar alternativas e chegar a no campo do subjetivo ou do entendimen- um acordo que seja mutuamente aceitável. to tácito: estão explícitos, falados e discuti- dos. Em síntese, devemos ser explícitos na- A mediação pode induzir a uma reori- quilo que esperamos dos estudantes e na- entação das relações sociais, a novas for- quilo que nos propomos a fazer. mas de cooperação, de confiança e de so- lidariedade; formas mais maduras, espon- Sobre a gestão destes itens, escreve tâneas e livres de resolver as diferenças Heredia, citando Ray Scanhaltz (apud pessoais ou grupais. HEREDIA, 1998), diretor de programas educacionais de San Francisco: A mediação induz atitudes de tolerân- Pedir aos estudantes disciplina, sem pro- cia, responsabilidade e iniciativa individu- vê-los das habilidades requeridas, é al que podem contribuir para uma nova como pedir a um transeunte que encon- ordem social. tre Topeka, Kansas, sem fazer uso de uma bússola [...]. Não podemos espe- O primeiro ponto para a introdução da rar que os estudantes se comportem de mediação de conflito no universo escolar é um modo disciplinado se não possuem assumir que existem conflitos e que estes as habilidades para fazê-lo. devem ser superados a fim de que a escola cumpra melhor as suas reais finalidades. É possível, também pensar na introdu- Há, portanto, dois tipos de escola: aquela ção do tema mediação de conflito no cur- que assume a existência de conflito e o rículo escolar, o que seria uma oportuni- transforma em oportunidade e aquela que dade para verbalizar a questão e tornar cla- nega a existência do conflito e, com toda a ro o que se espera dele – o jovem – no certeza, terá que lidar com a manifestação conjunto de comportamentos sociais. De violenta do conflito, que é a tão conhecida outra forma, é dizer ao jovem e à criança violência escolar. que suas diferenças podem transformar-se em antagonismos e que, se estes não fo- As escolas que valorizam o conflito e rem entendidos, evoluem para o conflito, aprendem a trabalhar com essa realidade, que deságua na violência. Cabe ressaltar são aquelas onde o diálogo é permanente, que esse aprendizado e essa percepção objetivando ouvir as diferenças para me- social, quando ocorrem com o estudante, lhor decidirem; são aquelas onde o exercí- são para sempre. cio da explicitação do pensamento é in- centivado, objetivando o aprendizado da Eis algumas vantagens identificadas exposição madura das idéias por meio da para a mediação do conflito escolar assertividade e da comunicação eficaz; onde (CHRISPINO, 2004): o currículo considera as oportunidades para • O conflito faz parte de nossa vida pes- discutir soluções alternativas para os diver- soal e está presente nas instituições. sos exemplos de conflito no campo das idéi- ‘É melhor enfrentá-lo com habilidade Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 14. 24 Álvaro Chrispino pessoal do que evitá-lo’ (HEREDIA, • Desenvolve o autoconhecimento e o pensa- 1998 apud CHRISPINO, 2004). mento crítico, uma vez que o aluno é cha- • Apresenta uma visão positiva do conflito, mado a fazer parte da solução do conflito. rompendo com a imagem histórica de • Consolida a boa convivência entre dife- que ele é sempre negativo. rentes e divergentes, permitindo o surgi- • Constrói um sentimento mais forte de mento e o exercício da tolerância. cooperação e fraternidade na escola. • Permite que a vivência da tolerância seja um • Cria sistemas mais organizados para en- patrimônio individual que se manifestará frentar o problema divergência ➔ anta- em outros momentos da vida social. gonismo ➔ conflito ➔ violência. • O uso de técnicas de mediação de confli- Cremos que as vantagens dos programas tos pode melhorar a qualidade das rela- de mediação escolar são bastante numero- ções entre os atores escolares e melho- sas. Apesar disso, poucas são as avaliações rar o “clima escolar”. quantitativas sobre o impacto dos programas • O uso da mediação de conflitos terá con- de mediação de conflito. Kmitta (1999, p. 293) seqüências nos índices de violência con- ensaia um estudo de resultados quantitativos tra pessoas, vandalismo, violência con- a partir de dez programas de mediação esco- tra o patrimônio, incivilidades, etc. lar nos Estados Unidos, que podem indicar • Melhora as relações entre alunos, facul- alguns resultados promissores nesse tipo de tando melhores condições para o bom técnica e nesse esforço de implantação da desenvolvimento da aula. cultura de mediação de conflito. Aponta ele: Resumo de estudos que documentam mediações e porcentagens de êxito NOME ANO DO ESTADO Nº DE ÊXITO ESTUDO MEDIAÇÕES (%) The Ohio Commission on 1990/93 Ohio 256 100 % Dispute Resolution Model School 1993/94 Georgia 126 96,8 % Jones e Carlin 1992/94 Pennsylvania 367 90,0% Judge 1989/90 Ohio 125 100% Hamlin 1993/94 Illinois 47 94,0% Hart 1993/94 Indiana 350 97,0% Carpenter e Parco 1992/94 Nevada 347 86,5% Carruthers 1993/94 Carolina do Norte 841 92,7% Crary 1989 California 96 97,0% Kmitta e Berlowitz 1993/95 Ohio 248 82,2% Totais 2.803 88,5% Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 15. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 25 Algumas questões cação e reflexão, em grande parte adapta- dos daqueles apresentados por Schvarstein norteadoras para o (1998) e Chrispino e Chrispino (2002): modelo de programa 1. Caráter da Mediação de Conflito: obrigatório ou voluntário? de mediação escolar 2. Alcance da Mediação de Conflito: Todo programa que se proponha a en- Todos os conflitos ou apenas alguns volver grande número de variáveis, como é conflitos? o caso das escolas, deve ter o cuidado de 3. Ênfase da Mediação de Conflito: No trabalhar a partir de generalizações. O Pro- produto ou no processo? grama deve comportar-se tal qual um gran- 4. Atores da Mediação de Conflito: todos de e delicado tecido jogado sobre um con- os membros do universo escolar ou junto de peças com contornos distintos. O alguns membros do universo escolar? tecido é o mesmo, mas ao alcançar a peça, 5. Limites da Mediação de Conflito na toma a forma desta! Ele se amolda a cada Escola: sem limites de série, idade, realidade. Com um programa de mediação turno, etc, ou com limites? de conflito escolar não será diferente. 6. Relação da Mediação de Conflito com as Regras Disciplinares: sem relação Nossa pretensão, ao apresentar um ou com relação? conjunto de distintas classificações de con- 7. Relação da Mediação de Conflito com flito foi permitir alternativas para identifica- a Avaliação: sem relação ou com re- ção particularizada de cada contexto esco- lação? lar. Não há receita na mediação de confli- 8. Identificação dos Mediadores de to que possa ser aplicada indistintamente a Conflito: mediação por pares ou ou- escolas diferentes. Cada escola é uma rede tros mediadores? complexa de relações e de valores e, por 9. Escolha dos Mediadores de Conflito: ação tal, merecerá um diagnóstico específico de institucional ou escolha das partes? conflitos e um modelo próprio. 10. Critérios para a Seleção dos Medi- adores de Conflito: desempenho Temos algumas questões que represen- acadêmico ou “respeitabilidade” en- tam eixos padrões de decisão que devem tre os pares? ser atendidos, ou não, no momento em que a escola debate a instalação de um pro- À guisa de conclusão grama de mediação. Enquanto refletimos sobre a validade ou não de um programa de mediação de con- Identificado o tipo de conflito que existe flito, somos visitados por alguns pensamen- em cada escola, a partir das inúmeras clas- tos que estão no imaginário educacional, sificações apresentadas anteriormente, a tais como: não foi para isso que estudei e equipe disposta a implantar o programa de me formei! Não foi para cuidar de proble- mediação de conflito escolar deverá respon- mas de aluno que fiz concurso público! Não der a uma série de itens que definirão o tipo sou pago para este tipo de trabalho! Isso é de programa que irão implantar. Escolhe- trabalho de orientador educacional! Estou mos dez itens para este exercício de provo- perto de me aposentar! Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 16. 26 Álvaro Chrispino Não é nossa a proposta de contrapor- que contemplam o “outro lado” e deixar mo-nos a partir de cada uma dessas ex- que cada um reflita e decida. Afinal, pode- pressões. No exercício de controvérsia que mos pensar diferentemente e isso faz parte pregamos ao longo deste trabalho, vamos, das relações humanas. Vejamos o que nos mais uma vez, apresentar grandes idéias diz Porro (2004): 7 GRANDES MOTIVOS PARA REALIZAR O PROGRAMA DE MEDIAÇÃO: 1. a capacitação em resolver conflitos valoriza o tempo; 2. a capacitação em resolver conflitos ensina várias estratégias úteis; 3. a capacitação em resolver conflitos ensina aos alunos consideração e respeito para com os demais; 4. a capacitação em resolver conflitos reduz o estresse; 5. possibilidade de aplicar as novas técnicas em casa, com familiares e amigos; 6. a capacitação em resolver conflitos que podem contribuir para a prevenção do uso do álcool e de drogas; 7. possibilidade de sentir a satisfação de estar contribuindo com a paz do mundo. Referências ABRAMOVAY, M.; RUA, M. G. Violências nas escolas. Brasília, DF: UNESCO, 2002. CARREIRA, D. B. X. Violência nas escolas: qual o papel da gestão?. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2005. CHRISPINO, A. Mediação de conflitos: cabe à escola tornar-se competente para promover transformações. Revista do Professor, Porto Alegre, ano 20, n. 79, p. 45-48, jul./set. 2004. CHRISPINO, A.; CHRISPINO, R. S. P Políticas educacionais de redução da violência: . mediação do conflito escolar. São Paulo: Editora Biruta, 2002. DEBARBIEUX, E.; BLAYA, C. (Org.). Violência nas escolas: dez abordagens européias. Brasília, DF: UNESCO, 2002. FERNANDES, K. T. O conceito de violência escolar na perspectiva dos discentes. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF 2006. , HEREDIA, R. A. S. Resolución de conflictos en la escuela. Ensayos y Experiencias, Buenos Aires, ano 4, n. 24, p. 44-65, jul./ago. 1998. JOHNSON, D. W.; JOHNSON, R. T. Como reducir la violencia en las escuelas. Buenos Aires: Paidós, 2004. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 17. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação 27 KMITTA, D. Pasado y futuro de la evaluación e los programas de resolución de conflitos escolares. In: BRADONI, F. (Comp.). Mediación escolar. Buenos Aires: Paidos, 1999. MARTINEZ ZAMPA, D. Mediación educativa y resolucion de conflictos: modelos de implementacion. Buenos Aires: Edicones Novedades Educativas, 2005. MOORE, C. W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Porto Alegre: ARTMED, 1998. NEBOT, J. R. Violencia y conflicto en los ámbitos educativos. Ensayos y Experiencias, Buenos Aires, ano7, n. 35, p.77-85, sept./oct. 2000. OLIVEIRA, M. G. P Percepção de valores nas escolas pelos docentes de ensino médio. . 2003. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2003. OLIVEIRA, M. G. P GOMES, C. A. Como os docentes vêem valores e violências .; escolares no ensino médio. RBPAE, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 45-70, jan./jun. 2004. OLIVEIRA, R. B. L. Significações de violências na perspectiva de professores que trabalham em escolas “violentas”. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2004. ORTEGA, R.; DEL REY, R. Estratégias educativas para a prevenção da violência. Brasília, DF: UNESCO: UCB, 2002. PORRO, B. La resolución de conflictos en el aula. Buenos Aires: Paidós, 2004. REDORTA, J. Cómo analizar los conflictos: la tipologia de conflictos como herramienta de mediación. Barcelona: Edicones Paidós Ibérica, 2004. RIBEIRO, R. M. C. Significações da violência escolar na perspectiva dos alunos. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF 2004. , RIO DE JANEIRO (RJ). O jovem, a sociedade e a ética. Rio de Janeiro: IBOPE., 2006. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/jovens.ppt >. Acesso em: 9 abr. 2007. SCHVARSTEIN, L. Diseño de un programa de mediación escolar. Ensayos y Experiencias, Buenos Aires, ano 4, n. 24, p. 20-35, jul./ago. 1998. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
  • 18. 28 Álvaro Chrispino SILVA, M. N. Escola e comunidade juntas contra a violência escolar: diagnóstico e esboço de plano de intervenção. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2004. VALE, C. M. R. Violência simbólica e rendimento escolar. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2004. Recebido em: 31/10/2006 Aceito para publicação em: 5/02/2007 Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007