A Tempestade Perfeita da Suinocultura Brasileira em 2014
1. A Tempestade Perfeita
Osler Desouzart
osler@odconsulting.com.br
A expressão “tempestade perfeita” popularizou-se com um filme, desses adoráveis filmes
catástrofe-suspense-drama-etc que Hollywood logra de forma excelsa, data vênia dos
esquerdopatas,paranosfazeresquecer por um par de horas da cleptocracia em que vivemos
e a constatação de que se há esperanças para o futuro deste pobre rico país eu não a verei. E
temo que meus netos tão pouco. Naturalmente, obter esse olvido por horas dependerá da
companhia ao assistires, já que se for muito boa ou muito ruim compromete a deliciosa
paralisiamomentâneadosneurônios que abençoa permanentemente 54.501.118 brasileiros.
A rara felicidade da expressão traduz a afluência de eventos específicos e simultâneos,
impactando uns aos outros, ampliando as proporções e gerando uma situação fora do
controle.
O mestre Delfim Netto a usou com sua habitual verve ironista para alertar em 2013 sobre
rumos que poderiam pautar a economia brasileira se ajustes não fossem feitos. Hoje se lê a
mesma expressão em várias análises financeiras sobre situações de risco.
Usarei essa expressão com uma conotação positiva. Em 2014 a suinocultura brasileira
conheceu a sua “tempestade perfeita” positiva. Milito nesse setor há mais de três décadas e
nesse período este foi o melhor ano que me recordo para a suinocultura e para os
suinocultores. Eacreditemque depoisdotsunami de 2012 nossossuinocultoresmereciam um
bom ano, já que o governo é um tsunami em si e dele nada se pode esperar, nem o mínimo
dos mínimos que é o de ajudar quem produz em momentos excepcionais como o foi aquele
ano.
Quais foram os fatores que determinaram essa “tempestade perfeita 2014”?
a. Os rebanhos de gado bovino encontram-se em níveis abaixo dos da expansão da
demandaemalgunsdosprincipaispaíses produtores-consumidores-exportadores de
carne bovina;
b. Somada à menor disponibilidade, temos uma demanda firme, principalmente em
países emergentes e no continente asiático;
c. As carnesde avese suína capturam umaparcelado consumodos segmentosde menor
poder aquisitivo diante dos recordes de preços da carne bovina;
d. Paísestradicionalmente produtores-consumidores-exportadores de carne suína foram
afetados pela PED, com reflexos na disponibilidade de animais para abate;
e. A Rússia, importante importador de carnes, decretou um contra boicote aos Estados
Unidos,Canadá,União Europeiae Austrália,tradicionaissupridoresde carnesbovina e
suína, e o Brasil foi dos maiores beneficiários dessa decisão política;
f. O consumidorbrasileiroexpandiusuademandaporcarne suína, tanto motivado pelos
altospreçosda carne bovinaquantopelosvolumesde ingesta per capita de carnes de
avesque se aproximamdonível de saturação. Não diminuamos com isso o mérito das
2. iniciativastanto doscriadoresquantodaindústriaempromoveroconsumodoméstico
da carne suína, meritórias;
g. E todos essesfatoresocorrememanode abundânciamundial de grãos,com destaque
para a produção brasileira, fazendo com que os preços experimentassem uma
continuidade de quedadesde 2013 após os patamares recordes de preços alcançados
em 2012;
h. Finalmente, não podemos esquecer que o “annus horribilis” de 2012 teve como
resultado que muitos produtores saíram da atividade, o que impactou a
disponibilidade de animais para abate a partir de setembro de 2012, situação que se
estendeu até 2014.
Os gráficos I e II demonstram que o comportamento de preços da carne suína em Reais a
valoresnominaise nãoa valores constantes e sabemos que mui infelizmente o Real de 2014,
tempos de Dilmaconomics, não é o mesmo valor de 1995.
Antesusávamosodólarnorte-americanopara conhecer valores constantes, mas mesmo essa
moedasofreucomos solavancosdacrise de 2009, ainda que no último ano tenha recuperado
um poucode seu prestígio histórico. O Gráfico III apresenta os preços mensais da carne suína
nessa moeda.
O Gráfico I apresentapreçosanuaismédio, máximo e mínimo do suíno. Aquelas que ouviram
conferênciasminhasseguramente já me viram citar o Professor Delfim Netto na sua soberba
definiçãode média,ondeo indivíduo com a cabeça no forno e os pés no congelador tem uma
temperaturamédiaadequada, mas nem por isso deixa de morrer. Entretanto, creio que esse
gráfico tem o mérito de chamar a atenção para as diferenças, algumas abismais, entre os
preços máximo e mínimo do suíno vivo num mesmo ano.
Gráfico I
3. Basta que ocorra uma tempestade perfeitainversa,preços mínimos do suíno coincidindo com
preçosmáximosdosgrãos para que tenhamos uma crise como o foi a de 2012. Verifiquem no
Gráfico I que os preços do suíno vivo em 2009, ano da crise financeira mundial, foram
nominalmente menores e com menor diferencial entre o mínimo e o máximo que o de 2012.
Embora 2009 não tenha sido de grata memória para o setor suinícola não experimentamos
crise pronunciada, pois naquele ano os preços dos grãos também foram afetados e entraram
em espiral decrescente.
Em 2012, ao contrário, enquanto os preços do suíno vivo declinavam os do milho alcançavam
recordeshistóricosdevidaàsecanos EstadosUnidos,maiorprodutore exportadormundial de
milho. A Tabela I demonstram quantos quilogramas de milho ou farelo de soja o produtor
conseguia comprar com a venda de um kg de suíno vivo.
Tabela I – Quilogramas de Milho e de Farelo de Soja adquiríveis com 1 kg de Suíno Vivo
1
É patente o declínio na relação de trocas com sensível perda para o produtor em 2012,
levandoemmuitoscasosà inviabilidade dapropriedade fazendocomque ogranjeirosaísse da
atividade. Não temos lamentavelmente fontes estatísticas para determinar quantos foram
aqueles que abandonaram a suinocultura, ainda que comerciantes e técnicos do setor falem
em 30% dos produtores independentes na Região Sul.
Não há o que celebrar em relação a 2012, mas somente constatar que os suinocultores foram
deixadosàderivapelogoverno,comumpolíticocom zeroexperiênciaàtestado Ministério da
Agricultura. A consequência foi que medidas de ajuda e ajuste vieram tarde, pois o mínimo
que os produtoresnecessitavamerade meiosparaadquirirgrãosjá nomêsde maio,quando a
relação perversa de grãos caros e preço do suíno vivo em queda já esgotava a capacidade
financeira de muitos produtores de repor os estoques dos grãos que os permitisse
atravessarem os meses de crises.
1 Elaborado por ODConsultingcombase em dados da JOX (www.jox.com.br). Todos os gráficos ea
tabela apresentada neste artigo foramassimeleaboradas.
C:UsersOslerDropboxDocumentsDocumentsDadosaPaisesBrasilGeralVariação depreços e
correlação depreçosMonthly_pricevariation 1995-2014 Nov (p) with graph bovine, ckn and pork.xlsx
Preço do
Suíno Vivo
Milho Farelo de soja
Preço do
Suíno Vivo
Milho Farelo de soja
jan-09 R$ 2,60 2,866 2,781 jan-12 R$ 3,30 3,802 4,748
fev-09 R$ 2,60 3,240 3,190 fev-12 R$ 3,37 4,008 4,879
mar-09 R$ 2,73 3,336 3,536 mar-12 R$ 2,63 3,201 3,442
abr-09 R$ 2,90 3,633 3,400 abr-12 R$ 2,83 3,525 3,295
mai-09 R$ 2,37 3,349 2,665 mai-12 R$ 2,70 3,082 2,903
jun-09 R$ 2,73 4,052 3,235 jun-12 R$ 2,43 2,833 2,163
jul-09 R$ 2,43 4,052 2,932 jul-12 R$ 3,40 2,824 2,446
ago/09 R$ 2,83 4,745 3,353 ago/12 R$ 3,43 2,880 2,435
set/09 R$ 3,03 5,251 3,816 set/12 R$ 3,83 3,655 2,882
out/09 R$ 2,97 4,921 3,982 out/12 R$ 4,13 3,566 3,503
nov/09 R$ 2,97 5,216 4,009 nov/12 R$ 4,57 3,612 4,096
dez/09 R$ 3,23 5,505 4,227 dez/12 R$ 4,37 3,638 3,934
Qtd (kgs) Adquirível com o
valor de 1 kg de Suíno Vivo
Qtd (kgs) Adquirível com o
valor de 1 kg de Suíno Vivo
5. Análisesposterioresde fatosde mercadosãopatologiamercadológicae nãoajuda os RIP2
atividade.Explicaoque aconteceue sua utilidadese restringe aque possamosaprenderpara
cometernovoserrose não os mesmos,aindaque nocaso de 2012 o únicoerro cometidopelos
produtoresfoi ode produziremum país que não priorizaa agropecuária.
Apesarde tudoé inegável atendênciade altadospreçosdosuíno vivoemplanointernacional
e nacional.OsGráficoI a III permitemessavisualizaçãoque se tornamaispatente quando
detalhamosperíodosmaiscurtos.ComoosexpostosnosGráficosIV a VIIapresentadosa
seguir.
Entre junhode 1995 e dezembrode 2000 o preço do suínovivono mercadode São Paulo
rompe a barreirado R$ 1,50 por kg.
Gráfico IV
Entre janeirode 2001 e dezembrode 2005 o preçodo suíno vivorompe abarreira dosR$ 2,00,
alcança patamaresacimade R$ 3,00 em2004, situaçãoque persiste até abril de 2005, quando
entãorecua para um novopatamar de > R$ 2,50.
2 Sigla latinadeRequiescat In Pace – Descanseem paz
6. Gráfico V
O períodode janeirode 2006 a dezembrode 2010 começa com momentosbaixistas,abaixoda
barreirados R$ 2,00 p.kg, mas reagemem2007 quandoconsistentemente alcançamníveis
acima de R$ 3,00. A crise de 2009 afetaos preçosemgeral e o do suínonão foi exceção,
recuandopara um mínimode R$ 2,43 e consolidandoem2010 o patamar de > R$3,00.
Gráfico VI
Entre janeirode 2011 a novembrode 2014 o patamar de R$ 3,00 persiste e abarreira dosR$
4,00 é rompida,aindaque como interregnode 2012 quandoem junhoatinge olimite mínimo
de R$ 2,43 para a partirde então subirconsistentemente,marcarR$ 4,00 como novopatamar
7. e alcançar na “tempestade perfeitade 2014” valoresacimade R$ 5,00 e tendocomo ápice
outubrode 2014 quandoalcançar o maior valorhistórico,R$6,67 ouUS$ 2,73 p.kg.
Gráfico VII
E quanto a 2015? Podemosesperarque a“tempestade perfeita”continue?Osfatoresque a
proporcionaramláestarãoimutáveis? Costumodizerque aúnicacoisa que nãomuda é que
tudomuda e seguirámudando,universalizandoaLei de Moore3
. Asmudançasconstantes
impõe-nosmelhoriasconstantesemtodososramosda atividade humana,comapossível
exceçãoda administraçãopública brasileira.
Há fatoresque contribuírampara a “tempestade perfeitade 2014” que persistirãoem2015, a
saber:
I. Os grãos seguirãoabundantese seuspreçosconvidativos,situaçãoque devepersistir
até meadosde 2016 quandoa Chinapassaráà condiçãode importadornetde milho
emquantidadescrescentesapontode afetaros estoquesmundiais;
3 Gordon Moore foi o Presidente da Intel que afirmou em 1965 que os chips de computadores
duplicariamseus transistores a cada 18 meses e pelo mesmo custo. Universalizou-seno mundo dos
hardwares eletrônicos
8. II. Gráfico VIII
4
III. A demandaasiática por todas as carnes seguirá crescente ainda que com declínio dos
seus índices de crescimento;
IV. A China deverá aumentar suas importações de carne suína
V.
5
VI. A “PED” é consideradasobcontrole nosEstados Unidos, ainda que esta convicção dos
técnicos norte-americanos só possa ser acuradamente observada após o inverno.
4 Elaborado por ODConsultingcomdados do USDA-World Agricultural Supply and Demand Estimates
(WASDE) - C:UsersOslerDropboxDocumentsDocumentsA ProjeçõesUSDAUSDA 2012-
2023DatabaseGrains.xlsx
5 Elaborado por ODConsultingcom dados do USDA-FAS
C:UsersOslerDropboxDocumentsDocumentsUSDASummary Pork 2010 2015.xlsx
9. Quando fiz tal ponderação a técnicos americanos durante a Pork Expo estes
informaram que medidas de biossegurança já tinham sido capazes de reduzir os
impactosda doença.Mesmoque os colegasdo norte estejam corretos é insofismável
que essas mesmas medidas de biossegurança impactarão os custos de produção e o
aumento do peso de abate – forma encontrada para minimizar o impacto das perdas
de leitões –terãoconsequênciassobre ascaracterísticas dos cortes suínos exportados
pelos USA e Canadá, respectivamente primeiro e terceiro maiores exportadores
mundiais de carne suína em 2013;
VII. Os preços do gado bovino seguirão altos e a carne bovina em seus cortes nobres do
traseirose tornarão cada vezmaisprodutoscom acessolimitadoaosmaisafluentes. A
migração do consumo das classes emergentes para a carne suína e de aves será
inevitável;
VIII. Os preços do petróleo em queda poderão melhorar a economia dos países
desenvolvidos e dos emergentes, principalmente na Ásia.
Alguns aspectos que recomendam prudência:
a) A situação econômica da Rússia tende a uma progressiva deterioração, tanto devido
ao embargoquantoà quedados preçosdo petróleoe gás.É de se preverque hajauma
redução considerável das importações russas de todas as carnes;
b) A novaadministraçãodaeconomiabrasileira –rezandopara que os deixemtrabalhare
que eles não se demitam – terá que adotar medidas de contenção que impactarão a
demanda como um todo. Sem contar que a herança maldita recebida da
administração passada pelo novo governo Dilma já está paralisando atividades
industriais e se refletindo no nível de emprego na indústria;
c) Seguimossem acesso aos mercados importadores importantes e nossas exportações
são muito concentradas em poucos mercados;
Algo de prudência seria recomendável ao setor suinícola em 2015, mormente no que diz
respeito ao aumento de produção para que o inevitável crescimento que experimentares,
graças aos resultados auspiciosos de 2014 não se torne nosso principal inimigo. Há espaço
para crescer no mercado doméstico e os esforços de promoção da carne suína devem ser
redobrados.
Como é final de ano é justo que eu tenha esperanças para 2015. E minha esperança é que
produtores e indústria somem esforços de forma coordenada para que busquemos um
consumopercapita crescente dacarne suína. Faz bemao consumidor,aoprodutor, à indústria
e ao país.