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É UMA LONGA ENTREVISTA,MAS É ESCLARECEDORAE
TODO O BRASILEIRO DEVERIA SABER, O QUE HÁ POR TRÁS
DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO S. FRANCISCO!!
Transposição do rio SãoFrancisco: ''Onde está o Tribunalde
Contas da União? Ninguém se manifesta.Isso é um
escândalo''.Entrevista especialcom João Abner Guimarães
Júnior
“Com um terço do custo da transposição do rio São Francisco
seria possívelconstruir um grande sistemade abastecimento
de água para toda a região Nordeste e abastecer todas as
casas da região”,constata o engenheiro.
Confira a entrevista.
“A transposiçãodo rio São Franciscose transformouem um
grandeatoleiro e eu não vejo nenhuma perspectiva de ela ser
concluída,pois as obras estão praticamente paradasem vários
trechos”,declara João Abner (foto abaixo)à IHU On-Line,na
entrevistaa seguir concedida por telefone.Engenheiro e filho
de sertanejo,o professorconhecede perto a realidade do
semiáridobrasileiro e lamenta a falta de um projeto de reforma
hídrica na região.“Enquantoa obra da transposiçãodo rio São
Franciscoestiver sendo construída,não será possíveldiscutir
um projeto específicoe alternativopara o Nordeste”,assinala.
Para ele, a elevação dos custosanunciadospelo governo para
permitir a conclusão da obra demonstram que a indústria da
seca não tem interesse em concluir a transposição do rio São
Francisco.E alerta: “Temosque ter o maior cuidado com toda
essa discussãoque está sendo feita pela mídia, a qual é
alimentada pelo próprio lobby da transposiçãodo rio. A quem
interessaaumentarem mais de 70% o orçamento da obra?
Essa discussãodo aumento surgejustamente para escondera
inviabilidadeda transposição do rio São Francisco e a fraude
técnica deste projeto”.E dispara:“É preciso prestaratenção
no discurso dos deputados que estão criticando a
transposiçãodo rio neste momento.Veja que eles não criticam
a obra em si. Continuam dizendo que a transposiçãoé
importante parao Nordeste.Eles criticam o fato de o governo
não estar conseguindo viabilizar a obra.Então,quer dizer,na
verdade,eles defendem que os recursosda transposição
sejam ampliados e acham que a obra não foi concluída por
incompetência,porque os projetosforam mal feitos. Eles
defendema ampliação dos recursos financeiros porque
defendemo grande lobby das indústriasque mandam neste
país”.
Contrário ao projeto de transposiçãodo rio São Francisco,
Abner asseguraque “nenhum agricultorque,hoje, recebe água
do carro-pipa receberá águada transposição desse rio,porque
a água vai escoar em grandes rios,vai para as maiores
barragensdo região e será utilizada pelo agronegócio”.
Doutor em EngenhariaHidráulica e Saneamento,João Abner
Guimarães Júnioré professor nos cursos de Engenharia
Sanitária e Engenharia Civilda Universidade Federaldo Rio
Grande do Norte.Sobre a transposição do rio São Francisco,
publicou diversos artigos,tais como A transposiçãodo rio São
Franciscoe o Rio Grandedo Norte; O lobby da transposição;e
O mito da transposição.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quala atual situação das obrasda transposição
do rio São Francisco?A obra está parada em algunstrechos?
Que avaliação faz deste projeto desde que as obras
começaram?
João Abner Guimarães Júnior – A transposição do rio São
Franciscose transformou em um grandeatoleiro e eu não vejo
nenhumaperspectivade ela ser concluída,pois as obras estão
praticamenteparadasem vários trechos.A parte mais visível
das obras,que é o canalda transposição,está concluída,
porqueas empreiteiras agilizaram esse processoem função do
dinheiro que receberam.Ainda falta construir a parte mais
importante da obra,a qual dará viabilidade a ela.
Esses canais da transposição têm cerca de 600 quilômetros.
Para que eles possamentrar em operação,é precisoabrir,nas
suas extremidades,30 quilômetros de túneis.Existe uma
sequência de dois túneis para chegarà Paraíba: um tem cinco
quilômetros e o outro tem 15 quilômetros.Para se ter uma
ideia, 15 quilômetros é a extensãode um dos maiores túneis da
Europa.O maior túnel da América Latina tem seis quilômetros.
A construção desses dois túneis pode demorar umadécada.O
governo fala que é possível,durante a construção,avançar
nove metros por dia, em condições normais.Isso quer dizer
que a construção de um túnel de 30 quilômetros levará de sete
a nove anos para ser concluída.Por enquanto,a obra
conseguiu avançarpouco maisde 900 metros em um ano e
meio. Em 2010 houve desmoronamento e pessoas morreram.O
governo estavaescondendoa dimensãodessaobra para
facilitar o andamento dela.Nós sabíamos que ela não iria ser
concluídacom 10 bilhões de reais,como está sendo mostrado
agora.
IHU On-Line – A que o senhor atribuio aumento de 77,8% no
custo da transposiçãodeste rio? De que outra maneira esses
recursospoderiamser utilizados para garantir a gestão da
água no semiárido?
João Abner Guimarães Júnior – Antes de tudo,temos que
entenderqualé a lógica dessa obra.A transposição do rio São
Franciscoé a reproduçãoda indústria da seca na maior escala
que se possa imaginar.Seu projeto já estava,como uma
espécie de vírus,inoculado no Estado brasileiro e foi se
replicando,até que o governo Lula o encampou.Na época,
havia um discursode que a obra seria realizada e teria um
cunho social.Nós já sabíamosque ela seria feita para atenderà
indústria da seca e que não teria nenhum compromissocom a
economicidade.
Hoje, temos que ter o maior cuidado com toda essa discussão
que está sendo feita pela mídia, a qual é alimentada pelo
próprio lobby da transposição do rio São Francisco.A quem
interessaaumentarem mais de 70% o orçamento da obra?
Essa discussãodo aumento surgejustamente para escondera
inviabilidadeda transposição do rio e a fraude técnica deste
projeto.É preciso prestaratençãono discursodos deputados
que estão criticando tal transposiçãonessemomento.Veja que
eles não criticam a obra em si. Continuam dizendo que a
transposiçãoé importante parao Nordeste.Eles criticam o fato
de o governonão estar conseguindo viabilizara obra.Então,
na verdade,eles defendem que os recursosda transposição
sejam ampliados e acham que a obra não foi concluída por
incompetência,porque os projetosforam mal feitos. Eles
defendema ampliação dos recursos financeiros porque
defendemo grandelobby das indústriasque mandam neste
país, entre elas,a indústria da seca.
O mal menor seria terminarlogo a transposição do rio para
mostrar que a obra não tem nada a ver com o desenvolvimento
do Nordeste,que não foi feita para acabar com o carro-pipa,
que não vai servir para nada.Assim, ao menos ela ficaria
exposta como um monumento para denunciara indústria da
seca.O problema é que, enquanto a obra estiver sendo
construída,não será possíveldiscutir um projeto específico e
alternativo parao Nordeste.
IHU On-Line – A que o senhor se refere quando fala em
indústria da seca?
João Abner Guimarães Júnior – A indústria da seca é uma
espécie de colonialismo que predominano Nordeste há
séculos.Quer dizer,os projetos paradistribuirágua no
Nordeste são pensados fora da região e têm a intenção de
capturar recursos públicos.O Programade Açudagem do
Nordeste mostra isso.As obras pensadas parao Nordeste são
descoladas de um plano de desenvolvimento e têm um fim em
si mesmas.
A transposiçãodo rio São Francisco segueessa mesmalógica.
O governo e as empresas querem construiro maior açude
possívelno Nordeste e depois pensaro que será possívelfazer
com ele. Para funcionar,a transposição do rio precisa de mais
investimento.Além disso, durante o período em que a obra
ficou parada,os canais construídos se arrebentarame terão de
ser refeitos.Portanto,essa é a estratégia das elites do
Nordeste:criam um projeto de desenvolvimento parase
apropriarem de recursospúblicos.
Transposição parasubsidiara agricultura
Mas a transposição tambémtem outra conotação.Atualmente
o Nordeste conseguearmazenar 35 bilhões de metros cúbicos
de água em grandes açudes.O problemaé que grande parte
dessas águas não consegueser apropriada,porque não
existem condiçõeseconômicaspara utilizá-la,pois o mercado
é globalizadoe não há condições de competir com ele.
O Ceará está fazendohoje uma experiênciade apropriaçãoda
água,porquea irrigação está sendo subsidiada fortemente
pelo setor urbano do estado.Por enquanto,esse modelo está
sendo testado em escala menor. O grande perigoque tem por
trás da transposição do rio São Francisco é o fato de ela ser
usada,mais tarde,para justificar a criação dessemodelo
implantado no Ceará em escala regional.Quer dizer,as águas,
que hoje são pouco utilizadas nessesaçudes poderão ser
utilizadas para a irrigação,apesarde serem subsidiadas pelo
setor urbano.O preço dessesubsídioé o preço da segurança
hídrica.Quer dizer,o setor urbanovaibancar a água da
irrigação,mas não a água da transposição.
IHU On-Line – Segundo notíciasda imprensa,o custo da água
a ser fornecida pelo projeto da transposição do rio São
Franciscofoi estimado em R$ 0,15 o metro cúbico e custará
mais do que em outras regiõesdo país. O que esse valor
representa?
João Abner Guimarães Júnior – Comparando com o preço da
água utilizada para o consumohumano,pode-se dizer que esse
valor é baixo, porque nós trabalhamos com valores de três ou
quatro reais por metro cúbico.É por isso que está se
vinculando a notícia de que a transposição do rio São
Franciscoé necessária paraatenderao abastecimento
humano.O governo diz que 12 milhões de pessoas serão
beneficiadascom a transposição,mas,na verdade,essa
informação é falsa. Onde estão essas pessoas? A maioria
delas mora no litoral e nas regiõesmetropolitanas.Então,essa
água não vai chegar a essas pessoas.Na verdade,12 milhões
de pessoas pagarão pela água oriunda da transposiçãodo rio
São Francisco.Essa é a grandequestão.Quer dizer,informa-se
que a transposiçãovai ser paga pelo consumidorurbano das
grandes cidades,só que a água oriundada transposição não
será utilizada pelo setor urbano; ela seráincorporada àságuas
dos açudes,que serão utilizadas intensivamente para a
irrigação.Portanto,o subsídio que está sendo pago para a
transposiçãodo rio São Franciscosubsidiará a produção
agrícola com irrigaçãoem larga escala.
Exportação de água
O Rio Grande do Norte exporta água para Europavia melão, via
camarão.O Ceará se transformoutambém em um grande
exportador de frutas a partir do momento em que o governo do
estado começou a entregarágua de graça paraos produtores
daquela região.Então,esse é o grande projeto para o
Nordeste:exportaras águas do rio São Franciscovia o litoral
do Rio Grande do Norte e do Ceará.E aí eu pergunto:Como os
agricultoresdo Vale do São Francisco,que não terão acesso a
esse subsídio,irão concorrer com os produtores do Ceará,do
Rio Grande do Norte e da Paraíba?Portanto,além de se
apropriarem da obra em si, as elites irão se apropriarda água.
IHU On-Line – Quandoo governo autorizou a transposição do
rio São Francisco,o projeto já previa que a água seria utilizada
para o consumoindustriale para a agricultura,ou falava-se
apenas que seria destinadaao consumohumano? O governo
está mudando o discursoem relaçãoaos benefíciosda
transposiçãopara justificar a obra?
João Abner Guimarães Júnior – Existem dois discursos: de
que a água seria usada paraconsumo humanoe para uso
econômico.Masa primeira fraudediz respeito ao
beneficiamento de 12 milhões de pessoas.Nós fizemos um
levantamento das populações que possivelmente serão
atendidaspelos sistemasadutores,que captam a água das
bacias que receberãoa água da transposição do rio São
Francisco,e contabilizamostrês milhões de pessoas.A outra
mentira é que essa água não irá perenizar rios secos.Essa
água só será despejada na cabeceirados dois maiores rios do
Nordeste,ou seja, será despejadafora do rio São Francisco e
do Parnaíba,que é onde se concentram 70% das reservas
típicas da região.
Então, essa história de associar a transposição com a seca é a
maior fraude que existe.Nenhum agricultorque hoje recebe
água do carro-pipareceberáágua da transposição do rio São
Francisco,porquea água vai escoarem grandes rios,vai para
as maiores barragensdo Nordeste e será utilizada pelo
agronegócio.Semprefoi esse o projeto,só que na época da
discussão da transposição o comitê proibiu a utilização da
água da bacia do rio São Francisco parauso econômico.A
partir daí, o governo usou a estratégia de associar esseprojeto
ao consumohumano.Mas,na verdade,a água da transposição
será utilizada para consumoindustrial(na região litorale
metropolitana)e para consumoagrícola.
IHU On-Line – É possívelestimar qualserá o custo da
manutençãodas obras apósa transposição?
João Abner Guimarães Júnior – O custo será de 100 milhões de
reais por ano. Quer dizer,estão previstos 100 milhões.Mas,da
mesma forma que a obra da transposição foiorçadaem 2
bilhões de reais,depois o orçamento mudou para4 bilhões e,
mais tarde,para 10 bilhões,não há como saber qualserá o
custo final da manutenção.
É prematurofalarmosdisso agora,considerando que a obra
será finalizada daquialgumas décadas.Neste momento,temos
que retomar a luta e a resistência,porque nós temos um
projeto alternativopara o Nordeste.A minha preocupação é
que a transposiçãose transformeem um grande atoleiro e
paralise todas as ações do governo federalna região.Devemos
evitar esse debate sobrea conclusãoda obra,porque ele
fortalece a indústria da seca,no sentido de que o que eles
realmentequerem é aumentar o custo desse empreendimento.
Está provadoque a transposição do rio São Francisco é uma
obra que não serve para o Nordeste.Quer dizer,tudo o que se
falou anteriormente está sendo comprovado na prática.A
indústria da seca não tem interesse que essa obra seja
concluída,porque,quando ela for concluída,a indústria da
seca será desmascarada.
IHU On-Line – Como vê a propostado governode investir na
construção de novas hidrelétricasem áreas florestais? Qualo
impacto dessesempreendimentospara os rios?
João Abner Guimarães Júnior – Esse é outro problema e,
nesse sentido,o governoLula foi um grande facilitadordesses
empreendimentos.O que aconteceu na prática foi uma
desmobilizaçãodos movimentos sociais.Percebemos isso no
Vale do São Francisco: enquanto havia oposição nos estados
da Bahia,Sergipe e Minas Gerais,havia resistência.Então,
trata-se de um problemapolítico.Todos os projetos que
estavam na gaveta se fortaleceram. Portanto,a lógica da
transposiçãodo rio São Franciscoe da hidrelétrica de Belo
Monte é mesma.
Se formos fazer uma comparaçãoentre o aproveitamento do
projeto hidrelétricodos rios Xingu e São Francisco,
perceberemos que os projetos são inviáveis,porquea
barragemdo primeiro funcionacomo uma caixa de passagem
para outro,ou seja,produz energia proporcionalao fluxo da
água do São Francisco.Então,quando a vazão do rio está
baixa,a produção de energia é baixa,e quandoa vazão do rio é
alta, a produçãode energia é alta. Como o rio São Francisco
tem oscilaçõesde vazões,foi a hidrelétricade Sobradinhoque
assegurou vazõespróximasda média. Ela é o grande pulmão
do rio.
Barragens: pulmões de grandes hidrelétricas
Então,o projeto de aproveitamento do rio Xingu é um
complexode grandesbarragens queterá como função
regularizar a sua vazão,porqueele oscila mais do que o rio
São Francisco.Portanto,o projeto do Xingu implica na
construção de grandes barragens,que atingirão as áreas
indígenas.Está cada vez mais difícil viabilizar a construção
dessas barragens.Por isso o governo Lula decidiu construir
Belo Monte.Quer dizer,construirão umahidrelétricacaríssima
e que irá produzir energia durante três ou quatro mesesao ano.
Quando a usina estiver pronta e o governo descobrirque ela é
inviável – porque energianão se acumula –,haverá uma
pressão paraconstruir grandeslagos,os quais servirãode
pulmão para regularizar o funcionamento de Belo Monte.O
mesmo acontece com a transposiçãodo rio São Francisco.Se
a obra ficar pronta,verãoque ela não irá servir para nada e
buscarãoalternativaspara fazer novas transposições.
Primeiramente,fazem a obra e depois decidemo que farão com
ela. Quer dizer,não existe compromisso.A marca desses
projetos do PT é a falta de compromissocom a economicidade
e a racionalidade.
IHU On-Line – No início do ano houve uma polêmica em torno
das cisternas porque o governo federalqueria substituir
aquelas feitas de placa por outras feitas de plástico.Como vê
essa questão e quala importânciadas cisternas no semiárido?
João Abner Guimarães Júnior – Essa é outra contradição.
Enxergara cisterna apenascomo um reservatóriode água é
um absurdo,porque ela é um elemento que faz parte de um
processode mobilizaçãosocial.Hoje, é um desafio manter um
homem ou uma família no semiárido;não é possívelconviver
em um ambiente sem acesso à internet,energia e água.
Temosque pensara questão do semiárido além das cisternas.
Precisamos pensar um programa de desenvolvimento
sustentávelde reforma hídricano Nordeste.É um absurdo,em
pleno século XXI, o fato de muitas comunidades serem
abastecidascom carro-pipa.Esse é o sistema mais caro de
abastecimento de água.O custo da água é de 20 reais o metro
cúbico.Com um abdutor,mesmo numa distância de 50
quilômetros,é possívelentregar águacom um custo de um
real. O grande problema do Nordeste é a distribuiçãoda água,
pois, com a quantidade de açudesque existem,seria possível
criar uma grande redede abastecimento de água.
Com um terço do custo da transposiçãodo rio São Francisco
seria possívelconstruir um grande sistemade abastecimento
de água para atendera todo o Nordeste e abastecertodas as
casas da região.A cisterna em si tem seus limites: é um
equipamentoótimo para épocas de chuvas.Mas,na época de
seca,a cisterna servede reservatóriopara receber água dos
carros-pipas.Então,é preciso combinarcisternascom
abdutores,com chafariz e pensarum modelo de
desenvolvimento regional. É claro que, com a transposiçãodo
rio São Francisco,jamais esse programaserá feito.
IHU On-Line – Qualsua expectativa quanto à questãoda
sustentabilidade dos recursos hídricos ser abordadana
Rio+20?
João Abner Guimarães Júnior – Talvez o governoirá levar o
debate da transposição do rio São Francisco paraa Rio+20. O
grandedesafio é descontaminar o debate dos interesses da
indústria da seca.Nós tínhamos que ocuparo espaço desta
Conferência para discutirum projeto de reforma hídrica,e para
denunciara transposiçãodeste rio na grande mídia nacional.A
imprensase omitiu e em momento algum ofereceu espaçopara
quem quisessequestionar a inviabilidade técnicadesta obra.O
único momento em que essa questãoapareceu foina ocasião
da greve de D. Luís Flávio Cappio.Todasas matérias que
criticam a transposição do rio demonstram,de outro lado, que
a obra é importantepara o Nordeste porque12 milhões de
pessoas serão beneficiadascom o empreendimento.Isso é
uma grande fraude.Como denunciá-la se não há espaço?
IHU On-Line – Não existe a possibilidadede debater...
João Abner Guimarães Júnior – O debate não existe porque se
trata de dois projetos:o projeto reale o projeto imaginário.
Quando participo dos debates,uns defendem o projeto
imaginário e outros,emboracritiquem o projeto real,são
favoráveis à transposição.Eu sou engenheiro,mas,quando
falo sobre essa temática do semiárido,não falo como
engenheiro e, sim, como um filho de sertanejo que teve a
oportunidadede estudar.O que prevalece na minha análise é a
minha memória,a experiência de ver que ainda existem
pessoas que vivem com dificuldadesno sertão.
A grandequestão é como o governo federalpoderá
desenvolverum projeto de desenvolvimento parao Nordeste
que esteja descolado do interessedos grandes lobbys que
contaminam o Estado.Fico preocupado quando vejo pessoas
que eram referência nesse debate e que hoje apoiam o outro
lado. Quando vejo o discurso de Tânia Bacelar,de Otamar de
Carvalho,fico angustiado.Eles criticavam esse modelo de
desenvolvimento do Nordeste e hoje estão,no mínimo,
omissos nesseprocesso.Tenho a esperança de que Dilma
perceba o “atoleiro” em que o governo se meteu quando
comprou o projeto da transposição do rio São Francisco.O
governo não tem como,por si só, enfrentaro lobby da
indústria da seca.Somente com a participaçãoda população é
possívelenfrentaressa questão.
Fico impressionado ao ver como o lobby conseguiu influenciar
as campanhas eleitorais regionais.No meu estado (Rio Grande
do Norte), todos os políticos estão a favor das empreiteiras.
Não tem ninguém com quem você possadialogarpara mudar
essa situação.
Oportunidades
Os temas que serão debatidosna Rio+20 terão repercussão
mundial.Na época da greve de fome de D. Cappio,acompanhei
a repercussão das notícias internacionais sobre a transposição
do rio São Francisco.Li matérias na França,na Espanha e nos
EUA, que tinham uma visão mais crítica do que as publicadas
no Brasil.Elas abordavam todos os pontos do projeto e
mostravam suas fraudese o cunho político que está por trás
da obra.Aí eu pergunto:por que a grande mídia não
incorporou essacrítica também?
Com a Rio+20, essas questões poderão ser discutidas
novamente.A transposição do rio São Francisco é uma grande
mentira a ser exibida como verdade e serviu para decidir uma
campanha política para a presidênciada República.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
João Abner Guimarães Júnior – O mérito da obra de
transposiçãodo rio São Franciscoainda não foi julgado no
SupremoTribunal Federal – STF.Todos os novos ministrosdo
STF passaram a ser relatores no sentido de evitar que o
processoseja julgado.Se o processoainda não foi julgado,
quer dizer que o governonão tem argumentospara se
contraporàs denúncias.
As principaisdenúncias que constamno processo contra a
transposiçãodizem respeito à fraude do projeto,à manipulação
de dados feita à época do licenciamento hídrico.Esperávamos
que o projeto fosse barradodurante o licenciamento hídrico,
porquea Agência Nacionalde Águas – ANA não poderia
desconheceros númerosque existiam.O plano de recursos
hídricos do Ceará,por exemplo,mostrava um quadrode
superabundância de água no estado e este era um argumento
forte para evitar a transposição.
Fraude
Para barrar a obra,bastava a ANA consultar osplanos do
Ceará e do Rio Grande do Nortee averiguarque não era
necessária essaconstrução.No entanto,a Agência
encaminhouum ofício aos governadores,solicitandoque
atestassem a realnecessidadeda água para seus estados.
Fizeram um balanço hídriconos estadospor decreto.Isso é um
absurdo.Todo mundoengoliu esse projeto e rasgamostoda a
teoria de recursoshídricos.
Essa fraude foi denunciada no MinistérioPúblico Federal –
MPF e foi encaminhada parao STF,mas nunca foi analisada;
está aguardando julgamento.A transposição do rio São
Franciscosó aconteceu porquehouve um conluioem que
muita gente se beneficiou direta ou indiretamente.Agora
querem ampliaro custo da obra para 8 bilhões.Onde está o
Tribunalde Contas da União? Ninguém se manifesta.Isso é um
escândalo.Por que os movimentos sociais não vão para a rua?
Por que não denunciam?Nunca na história dessepaís
passamos por um nível de corrupçãodessetipo.

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É uma longa entrevista

  • 1. É UMA LONGA ENTREVISTA,MAS É ESCLARECEDORAE TODO O BRASILEIRO DEVERIA SABER, O QUE HÁ POR TRÁS DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO S. FRANCISCO!! Transposição do rio SãoFrancisco: ''Onde está o Tribunalde Contas da União? Ninguém se manifesta.Isso é um escândalo''.Entrevista especialcom João Abner Guimarães Júnior “Com um terço do custo da transposição do rio São Francisco seria possívelconstruir um grande sistemade abastecimento de água para toda a região Nordeste e abastecer todas as casas da região”,constata o engenheiro. Confira a entrevista. “A transposiçãodo rio São Franciscose transformouem um grandeatoleiro e eu não vejo nenhuma perspectiva de ela ser concluída,pois as obras estão praticamente paradasem vários trechos”,declara João Abner (foto abaixo)à IHU On-Line,na entrevistaa seguir concedida por telefone.Engenheiro e filho de sertanejo,o professorconhecede perto a realidade do semiáridobrasileiro e lamenta a falta de um projeto de reforma hídrica na região.“Enquantoa obra da transposiçãodo rio São Franciscoestiver sendo construída,não será possíveldiscutir um projeto específicoe alternativopara o Nordeste”,assinala. Para ele, a elevação dos custosanunciadospelo governo para permitir a conclusão da obra demonstram que a indústria da seca não tem interesse em concluir a transposição do rio São Francisco.E alerta: “Temosque ter o maior cuidado com toda essa discussãoque está sendo feita pela mídia, a qual é alimentada pelo próprio lobby da transposiçãodo rio. A quem interessaaumentarem mais de 70% o orçamento da obra? Essa discussãodo aumento surgejustamente para escondera inviabilidadeda transposição do rio São Francisco e a fraude técnica deste projeto”.E dispara:“É preciso prestaratenção no discurso dos deputados que estão criticando a transposiçãodo rio neste momento.Veja que eles não criticam a obra em si. Continuam dizendo que a transposiçãoé importante parao Nordeste.Eles criticam o fato de o governo não estar conseguindo viabilizar a obra.Então,quer dizer,na verdade,eles defendem que os recursosda transposição
  • 2. sejam ampliados e acham que a obra não foi concluída por incompetência,porque os projetosforam mal feitos. Eles defendema ampliação dos recursos financeiros porque defendemo grande lobby das indústriasque mandam neste país”. Contrário ao projeto de transposiçãodo rio São Francisco, Abner asseguraque “nenhum agricultorque,hoje, recebe água do carro-pipa receberá águada transposição desse rio,porque a água vai escoar em grandes rios,vai para as maiores barragensdo região e será utilizada pelo agronegócio”. Doutor em EngenhariaHidráulica e Saneamento,João Abner Guimarães Júnioré professor nos cursos de Engenharia Sanitária e Engenharia Civilda Universidade Federaldo Rio Grande do Norte.Sobre a transposição do rio São Francisco, publicou diversos artigos,tais como A transposiçãodo rio São Franciscoe o Rio Grandedo Norte; O lobby da transposição;e O mito da transposição. Confira a entrevista. IHU On-Line – Quala atual situação das obrasda transposição do rio São Francisco?A obra está parada em algunstrechos? Que avaliação faz deste projeto desde que as obras começaram? João Abner Guimarães Júnior – A transposição do rio São Franciscose transformou em um grandeatoleiro e eu não vejo nenhumaperspectivade ela ser concluída,pois as obras estão praticamenteparadasem vários trechos.A parte mais visível das obras,que é o canalda transposição,está concluída, porqueas empreiteiras agilizaram esse processoem função do dinheiro que receberam.Ainda falta construir a parte mais importante da obra,a qual dará viabilidade a ela. Esses canais da transposição têm cerca de 600 quilômetros. Para que eles possamentrar em operação,é precisoabrir,nas suas extremidades,30 quilômetros de túneis.Existe uma sequência de dois túneis para chegarà Paraíba: um tem cinco quilômetros e o outro tem 15 quilômetros.Para se ter uma ideia, 15 quilômetros é a extensãode um dos maiores túneis da Europa.O maior túnel da América Latina tem seis quilômetros. A construção desses dois túneis pode demorar umadécada.O governo fala que é possível,durante a construção,avançar
  • 3. nove metros por dia, em condições normais.Isso quer dizer que a construção de um túnel de 30 quilômetros levará de sete a nove anos para ser concluída.Por enquanto,a obra conseguiu avançarpouco maisde 900 metros em um ano e meio. Em 2010 houve desmoronamento e pessoas morreram.O governo estavaescondendoa dimensãodessaobra para facilitar o andamento dela.Nós sabíamos que ela não iria ser concluídacom 10 bilhões de reais,como está sendo mostrado agora. IHU On-Line – A que o senhor atribuio aumento de 77,8% no custo da transposiçãodeste rio? De que outra maneira esses recursospoderiamser utilizados para garantir a gestão da água no semiárido? João Abner Guimarães Júnior – Antes de tudo,temos que entenderqualé a lógica dessa obra.A transposição do rio São Franciscoé a reproduçãoda indústria da seca na maior escala que se possa imaginar.Seu projeto já estava,como uma espécie de vírus,inoculado no Estado brasileiro e foi se replicando,até que o governo Lula o encampou.Na época, havia um discursode que a obra seria realizada e teria um cunho social.Nós já sabíamosque ela seria feita para atenderà indústria da seca e que não teria nenhum compromissocom a economicidade. Hoje, temos que ter o maior cuidado com toda essa discussão que está sendo feita pela mídia, a qual é alimentada pelo próprio lobby da transposição do rio São Francisco.A quem interessaaumentarem mais de 70% o orçamento da obra? Essa discussãodo aumento surgejustamente para escondera inviabilidadeda transposição do rio e a fraude técnica deste projeto.É preciso prestaratençãono discursodos deputados que estão criticando tal transposiçãonessemomento.Veja que eles não criticam a obra em si. Continuam dizendo que a transposiçãoé importante parao Nordeste.Eles criticam o fato de o governonão estar conseguindo viabilizara obra.Então, na verdade,eles defendem que os recursosda transposição sejam ampliados e acham que a obra não foi concluída por incompetência,porque os projetosforam mal feitos. Eles defendema ampliação dos recursos financeiros porque defendemo grandelobby das indústriasque mandam neste país, entre elas,a indústria da seca.
  • 4. O mal menor seria terminarlogo a transposição do rio para mostrar que a obra não tem nada a ver com o desenvolvimento do Nordeste,que não foi feita para acabar com o carro-pipa, que não vai servir para nada.Assim, ao menos ela ficaria exposta como um monumento para denunciara indústria da seca.O problema é que, enquanto a obra estiver sendo construída,não será possíveldiscutir um projeto específico e alternativo parao Nordeste. IHU On-Line – A que o senhor se refere quando fala em indústria da seca? João Abner Guimarães Júnior – A indústria da seca é uma espécie de colonialismo que predominano Nordeste há séculos.Quer dizer,os projetos paradistribuirágua no Nordeste são pensados fora da região e têm a intenção de capturar recursos públicos.O Programade Açudagem do Nordeste mostra isso.As obras pensadas parao Nordeste são descoladas de um plano de desenvolvimento e têm um fim em si mesmas. A transposiçãodo rio São Francisco segueessa mesmalógica. O governo e as empresas querem construiro maior açude possívelno Nordeste e depois pensaro que será possívelfazer com ele. Para funcionar,a transposição do rio precisa de mais investimento.Além disso, durante o período em que a obra ficou parada,os canais construídos se arrebentarame terão de ser refeitos.Portanto,essa é a estratégia das elites do Nordeste:criam um projeto de desenvolvimento parase apropriarem de recursospúblicos. Transposição parasubsidiara agricultura Mas a transposição tambémtem outra conotação.Atualmente o Nordeste conseguearmazenar 35 bilhões de metros cúbicos de água em grandes açudes.O problemaé que grande parte dessas águas não consegueser apropriada,porque não existem condiçõeseconômicaspara utilizá-la,pois o mercado é globalizadoe não há condições de competir com ele. O Ceará está fazendohoje uma experiênciade apropriaçãoda água,porquea irrigação está sendo subsidiada fortemente pelo setor urbano do estado.Por enquanto,esse modelo está sendo testado em escala menor. O grande perigoque tem por trás da transposição do rio São Francisco é o fato de ela ser
  • 5. usada,mais tarde,para justificar a criação dessemodelo implantado no Ceará em escala regional.Quer dizer,as águas, que hoje são pouco utilizadas nessesaçudes poderão ser utilizadas para a irrigação,apesarde serem subsidiadas pelo setor urbano.O preço dessesubsídioé o preço da segurança hídrica.Quer dizer,o setor urbanovaibancar a água da irrigação,mas não a água da transposição. IHU On-Line – Segundo notíciasda imprensa,o custo da água a ser fornecida pelo projeto da transposição do rio São Franciscofoi estimado em R$ 0,15 o metro cúbico e custará mais do que em outras regiõesdo país. O que esse valor representa? João Abner Guimarães Júnior – Comparando com o preço da água utilizada para o consumohumano,pode-se dizer que esse valor é baixo, porque nós trabalhamos com valores de três ou quatro reais por metro cúbico.É por isso que está se vinculando a notícia de que a transposição do rio São Franciscoé necessária paraatenderao abastecimento humano.O governo diz que 12 milhões de pessoas serão beneficiadascom a transposição,mas,na verdade,essa informação é falsa. Onde estão essas pessoas? A maioria delas mora no litoral e nas regiõesmetropolitanas.Então,essa água não vai chegar a essas pessoas.Na verdade,12 milhões de pessoas pagarão pela água oriunda da transposiçãodo rio São Francisco.Essa é a grandequestão.Quer dizer,informa-se que a transposiçãovai ser paga pelo consumidorurbano das grandes cidades,só que a água oriundada transposição não será utilizada pelo setor urbano; ela seráincorporada àságuas dos açudes,que serão utilizadas intensivamente para a irrigação.Portanto,o subsídio que está sendo pago para a transposiçãodo rio São Franciscosubsidiará a produção agrícola com irrigaçãoem larga escala. Exportação de água O Rio Grande do Norte exporta água para Europavia melão, via camarão.O Ceará se transformoutambém em um grande exportador de frutas a partir do momento em que o governo do estado começou a entregarágua de graça paraos produtores daquela região.Então,esse é o grande projeto para o Nordeste:exportaras águas do rio São Franciscovia o litoral do Rio Grande do Norte e do Ceará.E aí eu pergunto:Como os
  • 6. agricultoresdo Vale do São Francisco,que não terão acesso a esse subsídio,irão concorrer com os produtores do Ceará,do Rio Grande do Norte e da Paraíba?Portanto,além de se apropriarem da obra em si, as elites irão se apropriarda água. IHU On-Line – Quandoo governo autorizou a transposição do rio São Francisco,o projeto já previa que a água seria utilizada para o consumoindustriale para a agricultura,ou falava-se apenas que seria destinadaao consumohumano? O governo está mudando o discursoem relaçãoaos benefíciosda transposiçãopara justificar a obra? João Abner Guimarães Júnior – Existem dois discursos: de que a água seria usada paraconsumo humanoe para uso econômico.Masa primeira fraudediz respeito ao beneficiamento de 12 milhões de pessoas.Nós fizemos um levantamento das populações que possivelmente serão atendidaspelos sistemasadutores,que captam a água das bacias que receberãoa água da transposição do rio São Francisco,e contabilizamostrês milhões de pessoas.A outra mentira é que essa água não irá perenizar rios secos.Essa água só será despejada na cabeceirados dois maiores rios do Nordeste,ou seja, será despejadafora do rio São Francisco e do Parnaíba,que é onde se concentram 70% das reservas típicas da região. Então, essa história de associar a transposição com a seca é a maior fraude que existe.Nenhum agricultorque hoje recebe água do carro-pipareceberáágua da transposição do rio São Francisco,porquea água vai escoarem grandes rios,vai para as maiores barragensdo Nordeste e será utilizada pelo agronegócio.Semprefoi esse o projeto,só que na época da discussão da transposição o comitê proibiu a utilização da água da bacia do rio São Francisco parauso econômico.A partir daí, o governo usou a estratégia de associar esseprojeto ao consumohumano.Mas,na verdade,a água da transposição será utilizada para consumoindustrial(na região litorale metropolitana)e para consumoagrícola. IHU On-Line – É possívelestimar qualserá o custo da manutençãodas obras apósa transposição? João Abner Guimarães Júnior – O custo será de 100 milhões de reais por ano. Quer dizer,estão previstos 100 milhões.Mas,da
  • 7. mesma forma que a obra da transposição foiorçadaem 2 bilhões de reais,depois o orçamento mudou para4 bilhões e, mais tarde,para 10 bilhões,não há como saber qualserá o custo final da manutenção. É prematurofalarmosdisso agora,considerando que a obra será finalizada daquialgumas décadas.Neste momento,temos que retomar a luta e a resistência,porque nós temos um projeto alternativopara o Nordeste.A minha preocupação é que a transposiçãose transformeem um grande atoleiro e paralise todas as ações do governo federalna região.Devemos evitar esse debate sobrea conclusãoda obra,porque ele fortalece a indústria da seca,no sentido de que o que eles realmentequerem é aumentar o custo desse empreendimento. Está provadoque a transposição do rio São Francisco é uma obra que não serve para o Nordeste.Quer dizer,tudo o que se falou anteriormente está sendo comprovado na prática.A indústria da seca não tem interesse que essa obra seja concluída,porque,quando ela for concluída,a indústria da seca será desmascarada. IHU On-Line – Como vê a propostado governode investir na construção de novas hidrelétricasem áreas florestais? Qualo impacto dessesempreendimentospara os rios? João Abner Guimarães Júnior – Esse é outro problema e, nesse sentido,o governoLula foi um grande facilitadordesses empreendimentos.O que aconteceu na prática foi uma desmobilizaçãodos movimentos sociais.Percebemos isso no Vale do São Francisco: enquanto havia oposição nos estados da Bahia,Sergipe e Minas Gerais,havia resistência.Então, trata-se de um problemapolítico.Todos os projetos que estavam na gaveta se fortaleceram. Portanto,a lógica da transposiçãodo rio São Franciscoe da hidrelétrica de Belo Monte é mesma. Se formos fazer uma comparaçãoentre o aproveitamento do projeto hidrelétricodos rios Xingu e São Francisco, perceberemos que os projetos são inviáveis,porquea barragemdo primeiro funcionacomo uma caixa de passagem para outro,ou seja,produz energia proporcionalao fluxo da água do São Francisco.Então,quando a vazão do rio está baixa,a produção de energia é baixa,e quandoa vazão do rio é
  • 8. alta, a produçãode energia é alta. Como o rio São Francisco tem oscilaçõesde vazões,foi a hidrelétricade Sobradinhoque assegurou vazõespróximasda média. Ela é o grande pulmão do rio. Barragens: pulmões de grandes hidrelétricas Então,o projeto de aproveitamento do rio Xingu é um complexode grandesbarragens queterá como função regularizar a sua vazão,porqueele oscila mais do que o rio São Francisco.Portanto,o projeto do Xingu implica na construção de grandes barragens,que atingirão as áreas indígenas.Está cada vez mais difícil viabilizar a construção dessas barragens.Por isso o governo Lula decidiu construir Belo Monte.Quer dizer,construirão umahidrelétricacaríssima e que irá produzir energia durante três ou quatro mesesao ano. Quando a usina estiver pronta e o governo descobrirque ela é inviável – porque energianão se acumula –,haverá uma pressão paraconstruir grandeslagos,os quais servirãode pulmão para regularizar o funcionamento de Belo Monte.O mesmo acontece com a transposiçãodo rio São Francisco.Se a obra ficar pronta,verãoque ela não irá servir para nada e buscarãoalternativaspara fazer novas transposições. Primeiramente,fazem a obra e depois decidemo que farão com ela. Quer dizer,não existe compromisso.A marca desses projetos do PT é a falta de compromissocom a economicidade e a racionalidade. IHU On-Line – No início do ano houve uma polêmica em torno das cisternas porque o governo federalqueria substituir aquelas feitas de placa por outras feitas de plástico.Como vê essa questão e quala importânciadas cisternas no semiárido? João Abner Guimarães Júnior – Essa é outra contradição. Enxergara cisterna apenascomo um reservatóriode água é um absurdo,porque ela é um elemento que faz parte de um processode mobilizaçãosocial.Hoje, é um desafio manter um homem ou uma família no semiárido;não é possívelconviver em um ambiente sem acesso à internet,energia e água. Temosque pensara questão do semiárido além das cisternas. Precisamos pensar um programa de desenvolvimento sustentávelde reforma hídricano Nordeste.É um absurdo,em pleno século XXI, o fato de muitas comunidades serem
  • 9. abastecidascom carro-pipa.Esse é o sistema mais caro de abastecimento de água.O custo da água é de 20 reais o metro cúbico.Com um abdutor,mesmo numa distância de 50 quilômetros,é possívelentregar águacom um custo de um real. O grande problema do Nordeste é a distribuiçãoda água, pois, com a quantidade de açudesque existem,seria possível criar uma grande redede abastecimento de água. Com um terço do custo da transposiçãodo rio São Francisco seria possívelconstruir um grande sistemade abastecimento de água para atendera todo o Nordeste e abastecertodas as casas da região.A cisterna em si tem seus limites: é um equipamentoótimo para épocas de chuvas.Mas,na época de seca,a cisterna servede reservatóriopara receber água dos carros-pipas.Então,é preciso combinarcisternascom abdutores,com chafariz e pensarum modelo de desenvolvimento regional. É claro que, com a transposiçãodo rio São Francisco,jamais esse programaserá feito. IHU On-Line – Qualsua expectativa quanto à questãoda sustentabilidade dos recursos hídricos ser abordadana Rio+20? João Abner Guimarães Júnior – Talvez o governoirá levar o debate da transposição do rio São Francisco paraa Rio+20. O grandedesafio é descontaminar o debate dos interesses da indústria da seca.Nós tínhamos que ocuparo espaço desta Conferência para discutirum projeto de reforma hídrica,e para denunciara transposiçãodeste rio na grande mídia nacional.A imprensase omitiu e em momento algum ofereceu espaçopara quem quisessequestionar a inviabilidade técnicadesta obra.O único momento em que essa questãoapareceu foina ocasião da greve de D. Luís Flávio Cappio.Todasas matérias que criticam a transposição do rio demonstram,de outro lado, que a obra é importantepara o Nordeste porque12 milhões de pessoas serão beneficiadascom o empreendimento.Isso é uma grande fraude.Como denunciá-la se não há espaço? IHU On-Line – Não existe a possibilidadede debater... João Abner Guimarães Júnior – O debate não existe porque se trata de dois projetos:o projeto reale o projeto imaginário. Quando participo dos debates,uns defendem o projeto imaginário e outros,emboracritiquem o projeto real,são
  • 10. favoráveis à transposição.Eu sou engenheiro,mas,quando falo sobre essa temática do semiárido,não falo como engenheiro e, sim, como um filho de sertanejo que teve a oportunidadede estudar.O que prevalece na minha análise é a minha memória,a experiência de ver que ainda existem pessoas que vivem com dificuldadesno sertão. A grandequestão é como o governo federalpoderá desenvolverum projeto de desenvolvimento parao Nordeste que esteja descolado do interessedos grandes lobbys que contaminam o Estado.Fico preocupado quando vejo pessoas que eram referência nesse debate e que hoje apoiam o outro lado. Quando vejo o discurso de Tânia Bacelar,de Otamar de Carvalho,fico angustiado.Eles criticavam esse modelo de desenvolvimento do Nordeste e hoje estão,no mínimo, omissos nesseprocesso.Tenho a esperança de que Dilma perceba o “atoleiro” em que o governo se meteu quando comprou o projeto da transposição do rio São Francisco.O governo não tem como,por si só, enfrentaro lobby da indústria da seca.Somente com a participaçãoda população é possívelenfrentaressa questão. Fico impressionado ao ver como o lobby conseguiu influenciar as campanhas eleitorais regionais.No meu estado (Rio Grande do Norte), todos os políticos estão a favor das empreiteiras. Não tem ninguém com quem você possadialogarpara mudar essa situação. Oportunidades Os temas que serão debatidosna Rio+20 terão repercussão mundial.Na época da greve de fome de D. Cappio,acompanhei a repercussão das notícias internacionais sobre a transposição do rio São Francisco.Li matérias na França,na Espanha e nos EUA, que tinham uma visão mais crítica do que as publicadas no Brasil.Elas abordavam todos os pontos do projeto e mostravam suas fraudese o cunho político que está por trás da obra.Aí eu pergunto:por que a grande mídia não incorporou essacrítica também? Com a Rio+20, essas questões poderão ser discutidas novamente.A transposição do rio São Francisco é uma grande mentira a ser exibida como verdade e serviu para decidir uma campanha política para a presidênciada República.
  • 11. IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo? João Abner Guimarães Júnior – O mérito da obra de transposiçãodo rio São Franciscoainda não foi julgado no SupremoTribunal Federal – STF.Todos os novos ministrosdo STF passaram a ser relatores no sentido de evitar que o processoseja julgado.Se o processoainda não foi julgado, quer dizer que o governonão tem argumentospara se contraporàs denúncias. As principaisdenúncias que constamno processo contra a transposiçãodizem respeito à fraude do projeto,à manipulação de dados feita à época do licenciamento hídrico.Esperávamos que o projeto fosse barradodurante o licenciamento hídrico, porquea Agência Nacionalde Águas – ANA não poderia desconheceros númerosque existiam.O plano de recursos hídricos do Ceará,por exemplo,mostrava um quadrode superabundância de água no estado e este era um argumento forte para evitar a transposição. Fraude Para barrar a obra,bastava a ANA consultar osplanos do Ceará e do Rio Grande do Nortee averiguarque não era necessária essaconstrução.No entanto,a Agência encaminhouum ofício aos governadores,solicitandoque atestassem a realnecessidadeda água para seus estados. Fizeram um balanço hídriconos estadospor decreto.Isso é um absurdo.Todo mundoengoliu esse projeto e rasgamostoda a teoria de recursoshídricos. Essa fraude foi denunciada no MinistérioPúblico Federal – MPF e foi encaminhada parao STF,mas nunca foi analisada; está aguardando julgamento.A transposição do rio São Franciscosó aconteceu porquehouve um conluioem que muita gente se beneficiou direta ou indiretamente.Agora querem ampliaro custo da obra para 8 bilhões.Onde está o Tribunalde Contas da União? Ninguém se manifesta.Isso é um escândalo.Por que os movimentos sociais não vão para a rua? Por que não denunciam?Nunca na história dessepaís passamos por um nível de corrupçãodessetipo.