1. O documento discute a transferência de controle de sociedades empresárias concessionárias de serviços públicos, analisando aspectos de direito privado e público.
2. Explica que o controle societário é o poder de dominar as ações de uma sociedade para dirigir suas atividades e orientar sua administração.
3. Detalha os requisitos legais para transferência de controle em sociedades limitadas e anônimas, os tipos societários mais comuns no Brasil, especialmente para concessionárias.
2. A Transferência do Controle de Sociedades Empresárias
Concessionárias de Serviços Públicos
Nikolai Sosa Rebelo – Advogado, sócio de
Norte Rebelo Advogados Associados, Pós-
Graduando em Direito Empresarial pela
PUCRS.
1. Introdução
A transferência de controle de sociedades empresárias concessionárias de
serviços públicos envolve a análise de questões teóricas de direito privado e de
direito público. De um lado, tem-se a transferência de quotas ou de ações de
um bloco, denominado de controle, de uma determinada sociedade, negócio
jurídico que se enquadra no âmbito da autonomia privada, logo, regulado no
direito privado. Do outro lado, existe a intervenção do direito público, pois o
objeto dessa sociedade empresária é a prestação de um serviço público,
regulado pela Constituição Federal e por outras leis como instituto típico do
direito público que limitam à autonomia privada.
Assim, é necessário estudar alguns aspectos relevantes dessas duas
grandes áreas do direito quando se estiver tratando dessa situação específica
analisada no presente artigo.
A pesquisa desse tema encontra motivação em situações práticas, em que
as sociedades empresárias tiveram problemas por descuidar dos requisitos
previstos na legislação específica dos contratos públicos, realizando as
operações societárias, observando tão somente as regras de direito privado
que regulam o tema.
2. O Poder de Controle no Direito Societário e a sua transferência
2.1. O controle societário
O primeiro aspecto que será abordado é o controle societário. O poder de
controle é a possibilidade de dominar as ações de uma sociedade empresária,
sendo importante conhecer como ele se manifesta.
3. As sociedades empresárias são pessoas jurídicas e, por esta razão, são
capazes juridicamente de ter direitos e deveres. O ordenamento jurídico
reconhece que as sociedades empresárias regularmente constituídas se
diferenciam das pessoas dos sócios, pois adquirem personalidade jurídica,
tendo autonomia patrimonial.
Segundo Karl Larenz, trata-se de acolher o conceito formal de pessoa, pois
tem como único elemento essencial a capacidade jurídica (ou seja, ser capaz
de direitos e deveres)1. Por ser um conceito formal, Pontes de Miranda, no seu
tratado, já dizia que a discussão doutrinária sobre a existência real da pessoa
jurídica é um falso problema, pois se trata de uma criação do mundo do direito
e não do mundo dos fatos2.
Sem adentrar com maior profundidade na antiga discussão doutrinária
sobre a pessoa jurídica, o fato é que ela é reconhecida pelo direito brasileiro. A
sociedade empresária, como é o caso das concessionárias de serviços
públicos, é uma das espécies de pessoa jurídica3, logo, possui independência
patrimonial em relação aos seus sócios.
Por outro lado, é evidente que a pessoa jurídica depende das pessoas
físicas que nela atuam, sejam os seus sócios ou seus administradores. Assim,
1
LARENZ, Karl. Dereceho Civil – Tradução para o espanhol de Miguel Izquierdo y Macías-Picavea
Abogado, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid: 1978, p. 57.
2
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo I, Rio de Janeiro: Editor
Borsoi, 1954, p. 280.
3
Código Civil de 2002:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
(Grifos adicionados)
(...)
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis
da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
(...)
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por
objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e,
simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por
ações; e, simples, a cooperativa.
(Grifos adicionados)
4. deve-se analisar a forma como as sociedades empresárias se manifestam no
meio jurídico, ou seja, como a vontade dessas pessoas jurídicas é expressada.
Esse ponto passa pela análise do controle e da administração dessas
sociedades, sendo esse uma parte do objeto a ser estudado neste artigo,
lembrando que se combinará o direito público e o direito privado, em razão de
se tratar de estudo sobre as concessionárias de serviços públicos.
Um conceito geral de controle pode ser extraído da Lei 6404 de 1976,
especificamente no artigo 116 ao tratar do controlador com a seguinte redação:
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou
jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou
sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da
companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
O conceito genérico poderia ser então: o controle é o poder daquele que
detenha a titularidade dos direitos de sócio que lhe assegurem a maioria dos
votos nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos
administradores, usando efetivamente seus poderes para dirigir as atividades
sociais e orientar o funcionamento da sociedade.
O poder de controle e a administração das sociedades empresárias
dependem também da análise do tipo societário adotado para desempenhar a
atividade. O ordenamento jurídico prevê seis tipos de sociedades empresárias:
a) Sociedade em nome coletivo;
b) Sociedade em conta de participação;
c) Sociedade em comandita simples;
d) Sociedade em comandita por ações;
e) Sociedade Limitada; e
f) Sociedade Anônima
Embora existam todos estes tipos societários, apenas dois tipos são mais
usados na constituição de sociedades empresárias no Brasil: a sociedade
5. limitada e a sociedade anônima4. A terceira posição, provavelmente, embora
não se tenha, aqui, esse dado, é a sociedade em nome coletivo (utilizado para
pequenas empresas familiares, em que não se tem muita atenção com as
questões técnicas e jurídicas). Destarte, passa-se a analisar o poder de
controle da sociedade limitada e da sociedade anônima, que são os tipos
predominantes de sociedades empresárias no direito brasileiro, ainda mais,
quando se trata de concessionária de serviço público, em que um mínimo de
infra-estrutura é exigido pelo Poder Público no procedimento de outorga
(licitação pública), conforme se analisará mais adiante.
2.1.1. O controle da sociedade limitada
A sociedade limitada sofreu profundas alterações a partir da entrada em
vigor do Código Civil em janeiro de 2003. O direito brasileiro passou, com a
promulgação do atual Código, pela fase de unificação do direito privado, a
exemplo do que ocorrera em outros países, seguindo o exemplo do Direito Civil
Italiano que acolheu ideia de Vivante em aula inaugural da Faculdade de
Direito de Bolonha5 6. Assim, revogou-se maior parte da legislação especial
sobre direito comercial, passando o Código Civil a ser a grande lei do direito
privado, onde atualmente se encontra a disciplina das sociedades limitadas.
A sociedade limitada foi o último tipo societário, surgido a partir da
necessidade de limitação da responsabilidade, mas com uma configuração
menos complexa do que a sociedade anônima7. A sociedade anônima é ideal
para empreendimentos de grande porte, por isso não se adequava à maioria
dos casos. Por isso a limitada surgiu como solução para os empreendimentos
intermediários e pequenos, devido a sua menor complexidade. No direito
brasileiro, a regulação da sociedade limitada apareceu por primeira vez no
4 Essa situação foi levantada pelo Departamento Nacional do Registro de Comércio – DNRC,
que, em 2005, apurou a constituição de 246.722 sociedades limitadas, 1.800 sociedades por
ações e 413 outros tipos de sociedades. – Fonte: http://www.dnrc.gov.br.
5 FORGIONI, Paula. "Interpretação dos negócios empresariais”. Contratos empresariais:
Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais / Wanderley Fernandes, coordenador.
São Paulo: Saraiva, 2007(Série GVlaw), p. 104.
6 Sendo que posteriormente, o próprio Vivante voltou atrás sobre a sua opinião de unificação
do direito privado, devido às enormes diferenças entre o direito empresarial e o direito civil.
7 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas, Renovar: 2005, p. 4.
6. Decreto nº. 3.708 de 10 de janeiro de 1919, até que, no ano de 2003, o Código
Civil regulou totalmente a matéria, revogando o antigo decreto de 19 artigos.
O controle total das chamadas sociedades por quotas de responsabilidade
limitada (denominação do Decreto 3.708) era possível com cinquenta por cento
das quotas mais uma quota do capital social, na época do antigo decreto. O
Código Civil, porém, tornou a matéria mais complexa, pois existem diferentes
quoruns legais de deliberação, não sendo possível afirmar que o controle total
da sociedade limitada pertence ao detentor de metade mais uma quota.
Pela regulação em vigor, o controle de uma sociedade limitada está em
poder de quem for proprietário das quotas que representem três quartos do
capital social. Este é o quorum, por exemplo, para qualquer alteração do
contrato social de uma sociedade limitada previsto no Código Civil, art. 1.071,
iniciso V, combinado com o art. 1.076, inciso I. Todos os quoruns de
deliberação são encontrados na combinação dos arts. 1.071, 1.076, 1.061 e
1.063, §3º, além do artigo 1.114 do Código que prevê o consentimento de
todos os sócios na transformação, salvo se o contrato previr outra regra,
devendo ser resguardado o direito de retirada do sócio dissidente. Pode-se,
então, elaborar a seguinte lista sobre as exigências legais para deliberações
nas limitadas, pelo Código Civil:
a) Mais da metade do capital social – Eleição de administrador sócio e
destituição de administrador sócio ou não sócio em ato separado ao
contrato social;
b) 3/4 do capital social – qualquer alteração do contrato social, inclusive
eleição de administrador sócio e destituição de administrador não sócio
nomeados no contrato social; deliberação sobre fusão, incorporação ou
cisão da sociedade;
c) 2/3 do capital – eleição do administrador não sócio em caso de capital
social já totalmente integralizado; destituição de administrador sócio
nomeado no contrato social;
d) Unanimidade – eleição do administrador não sócio em caso de capital
social não integralizado e transformação da sociedade de limitada para
qualquer outro tipo societário, salvo, neste segundo caso, se o contrato
previr outro quorum, resguardando o direito de retirada do sócio
dissidente;
7. e) Maioria simples – para as demais deliberações. Maioria simples significa
dizer, metade mais um do capital presente na reunião de sócios ou na
assembleia de quotistas.
Percebe-se que existe, em dois casos, a unanimidade como quorum de
deliberação. Analisando a questão do controle dessa sociedade, cabe salientar
que, no direito brasileiro, inexiste a sociedade unipessoal, exceto no caso da
subsidiária integral da sociedade anônima e em casos excepcionais8, portanto,
é impossível ter em poder de um sócio o domínio unânime das deliberações. A
única chance de controlar todos os votos de uma assembleia ou reunião de
sócios seria por meio de um acordo de quotistas, usado algumas vezes na
prática para determinados assuntos de interesse dos grupos de sócios. Por
esta razão, afirmou-se anteriormente, que o poder de controle é assegurado
com a propriedade de quotas correspondentes a três quartos, que corresponde
a setenta e cinco por cento do capital.
No desenvolvimento da atividade empresarial de uma sociedade, é
importante também a atuação dos seus órgãos de administração ou, se não
tiver este nível de organização, de seus administradores. O dia-a-dia da
sociedade empresária envolve a atuação efetiva dos administradores e não
necessariamente dos sócios. A sociedade pode optar por ser administrada
exclusivamente pelos sócios ou por terceiros. Independentemente de quem
ocupa o cargo de administrador, evidentemente, deve-se seguir uma
orientação dos sócios, não há uma liberdade plena dos gestores, ainda que
nem sempre sejam contratos como empregados. No caso da relação
empregatícia dos administradores, há uma subordinação ainda mais forte do
que no caso dos administradores eleitos que tem maior autonomia em sua
atuação.
2.1.2. O controle da sociedade anônima
A sociedade anônima é tradicionalmente reconhecida como a sociedade
dos grandes empreendimentos, principalmente a de capital aberto, ou seja,
com títulos negociados no mercado de ações (bolsa de valores e balcão
8
Caso de saída de todos os sócios, restando apenas um, mas, neste caso há o dever de
recompor a pluralidade.
8. organizado). Alguns empreendimentos considerados de porte médio adotam
também esse tipo societário, mas com o capital fechado, motivados pelo fato
de limitação da responsabilidade, pela antiguidade da legislação (segurança
jurídica) e, para os controladores, pela possibilidade de exercer o poder de
controle com menor necessidade de capital investido.
Conforme referido anteriormente, a Lei 6.404/76, que disciplina as
sociedades por ações, tem, no artigo 116, norma expressa sobre o acionista
controlador. Além do mais, o controle é reconhecido por esta legislação quando
disciplina a proteção dos acionistas minoritários no negócio de alienação das
ações do bloco de controle (conhecido pela expressão tag along, importada do
direito norte americano, que se trata de dever de oferta também pelas ações do
bloco que não é de controle). Também a Comissão de Valores Mobiliários,
reguladora do mercado acionário aberto, tem normas regulando o controle das
companhias e sua transmissão.
Nas sociedades anônimas, é importante destacar que o seu capital é
dividido em ações que podem ser divididas em ordinárias e preferenciais. Ao
contrário do que ocorre nos demais tipos societários, nem todos os sócios de
uma sociedade anônima (chamados de acionistas) terão direito a voto nas
deliberações societárias. Se o estatuto da sociedade anônima estabelecer que
o capital social é dividido em ações ordinárias e preferenciais, poderá não
conferir direito a voto para os portadores destas últimas em troca de alguma
preferência patrimonial.
A doutrina destaca os diferentes tipos de controle: o totalitário, o majoritário
e o minoritário. Nos últimos tempos, também tem se reconhecido,
principalmente em países de maior desenvolvimento econômico, a existência
de um controle chamado administrativo ou gerencial, mas que ainda não é uma
realidade no Brasil.
O controle totalitário se caracteriza nas Companhias com poucos sócios,
que decidem tudo de comum acordo, ou naquelas companhias em que um
acionista detém quase cem por cento do capital social. O controle majoritário é
o exercido majoritariamente por aquele que detém mais da metade do capital
social votante (ações ordinárias). O controle minoritário não é necessariamente
um controle de direito, mas, em verdade, se trata de um controle fático da
9. sociedade, pois ele é exercido por acionistas com menos da metade do capital
social.
O fenômeno do controle minoritário é consequência da moderna e
gigantesca sociedade anônima de ações negociadas em mercado acionário
aberto com o capital diluído entre diversos acionistas. Assim, em razão da
dispersão acionária, o acionista com menos da metade das ações votantes
exerce o controle da companhia, pois a maioria dos demais acionistas sequer
possui condições de comparecer às Assembleias Gerais da companhia, pois se
encontram espalhados por todo o país. O controle gerencial citado acima
também decorre da dispersão acionária que, nesse caso, chega a tal ponto que
nem mesmo qualquer acionista está em condições de exercer o controle da
companhia9.
Além disso, o controle da companhia pode ser exercido por um grupo de
acionistas, ou de forma tácita, ou utilizando-se o mecanismo do acordo de
acionistas. O acordo de acionistas é um tipo de contrato realizado por alguns
sócios, podendo, entre outras coisas, disciplinar um acordo de votos. Vale
dizer, os acionistas celebram este acordo, no sentido de que todos devem votar
conforme estabelecido por eles em reunião realizada previamente à
assembleia geral. Esse negócio é reconhecido expressamente pela Lei
6.404/76, conforme se percebe na regra transcrita abaixo:
Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas
ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do
poder de controle deverão ser observados pela companhia quando
arquivados na sua sede.
Sobre a administração das sociedades anônimas, ela ocorrerá no mínimo
pela atuação de dois órgãos: a assembleia geral e a diretoria. Existem ainda,
como órgãos da administração, o conselho de administração, como órgão
intermediário entre a assembleia geral e a diretoria na hierarquia administrativa,
e, como órgão fiscalizador dos administradores, o conselho fiscal. Nas
9
Nos Estados Unidos da América, tal fenômeno existe há décadas, como se percebe na obra
clássica de Berle e Means sobre o controle das grandes sociedades [BERLE, Adolf Augustus;
Means Gardiner. A moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada – Tradução de
Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Abril, 1984.], em que o capital está tão disperso, que
nenhum acionista consegue exercer o controle dessas companhias.
10. sociedades anônimas abertas, é obrigatória a criação do conselho de
administração.
Estas são as formas de manifestação do poder de controle das sociedades
anônimas. O estudo da alienação do controle, portanto, pressupõe o
conhecimento desses conceitos supra estudados. Passa-se a analisar a
transferência do controle das sociedades empresárias com base no que já foi
estudado.
2.2. Transferência do Controle das Sociedades Empresárias
O poder de controle possibilita ao sócio interferir quase que diretamente no
desenvolvimento da atividade empresarial da sociedade. As decisões negociais
e patrimoniais podem ser tomadas pelo sócio controlador, pois ele influenciará
as decisões dos administradores, uma vez que a eleição destes depende da
vontade do controlador, e essa possibilidade de interferir nas políticas de
negócios de uma sociedade confere a esse bloco de ações ou quotas um valor
diferenciado.
A alienação do controle nas sociedades empresárias ocorre, então, pela
compra e venda das ações ou quotas dos sócios proprietários em número
suficiente que lhes assegure a tomada definitiva das decisões. Para esta
análise, é necessário saber o tipo societário e os quoruns estabelecidos em lei
para deliberações e os tipos de controles, conforme previamente analisado
neste estudo. Como exemplo, o controle exercido de forma majoritária de uma
sociedade anônima com capital dividido em ações ordinárias e preferenciais
sem direito a voto pode ser adquirido pela compra de cinqüenta por cento das
ações ordinárias e mais uma delas. Logo, cada uma dessas ações que
garantem o controle da companhia terá um valor de mercado superior às
demais ações dos acionistas que não fazem parte do controle.
A valoração do controle de uma sociedade empresária depende de
negociação entre as partes. Normalmente, são utilizadas fórmulas contábeis
que levam em consideração a condição patrimonial, as características do
empreendimento, a capacidade de geração de lucro, a taxa de retorno, etc.
11. Como exemplo, existe o chamado fluxo de caixa descontado, mas essa
matéria, em verdade, não é propriamente jurídica e, sim, contábil e negocial10.
O mercado aberto pode dar uma noção do valor, pois o preço das ações
negociáveis na bolsa, por exemplo, representam a sensação do mercado, mas
não necessariamente é o valor adequado, pois nesse âmbito de negociação
usa-se muito da especulação que pode não traduzir o verdadeiro “preço” de um
empreendimento.
No caso das Sociedades Anônimas abertas, a Lei 6.404 de 1976 tem norma
expressa sobre a alienação de controle, principalmente para proteção dos
acionistas minoritários. Além disso, essas companhias de capital aberto devem
observar os atos da CVM, que também disciplinou a transferência do controle,
com o mesmo objetivo de proteção aos acionistas minoritários. Trata-se da
Instrução 361, que prevê as normas para as ofertas públicas de aquisição.
O artigo 254-A da chamada lei das S.A.s (nº. 6404) trata da obrigatoriedade
de o adquirente do controle de realizar oferta pública de aquisição das ações
dos demais acionistas com direito de voto. A redação da norma legal está
assim redigida:
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia
aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva
ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública
de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos
demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço
no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação
com direito a voto, integrante do bloco de controle.
No caso de companhias abertas de capital disperso, em que há o controle
exercido minoritariamente, o controle pode ser adquirido de forma “hostil”. A
expressão foi importada do sistema norte-americano que designou a hostile
take-over como a forma de adquirir o controle indiretamente, sem negociação
com os atuais controladores ou com a administração da companhia. Isso é
possível porque o controle é minoritário, logo, outro interessado pode realizar
uma oferta pública de aquisição de ações suficientes para ultrapassar as ações
10
É claro, no entanto, que o advogado empresarial deve ter pelo menos uma noção destes métodos
contábeis, pois é o profissional do direito que tem capacidade de redigir os contratos com os efeitos
desejados. O trabalho a ser realizado numa venda ou aquisição de um empreendimento, através da compra
e venda do controle societário necessita de profissionais de diferentes áreas do conhecimento para ser
bem sucedida.
12. do atual controlador minoritário, ou, até mesmo, tentar adquirir o controle
mediante escalada, ou seja, adquirindo aos poucos as ações no mercado
acionário aberto até ter o suficiente para controlar a companhia.
De outro lado, as sociedades limitadas não são tão reguladas e não tem
tantas normas protetivas aos sócios minoritários. As proteções a esses sócios
são negociadas diretamente entre majoritário e minoritários e inseridos no
contrato social. Assim, as regras a serem observadas na alienação do controle
da sociedade limitada são as regras do contrato social. Além disso, também
pela análise do contrato, há de se verificar a natureza pessoal ou capitalística
da sociedade alvo da alienação do controle.
O Código Civil determina que na ausência de previsão contratual, a
sociedade limitada será considerada de pessoas, conforme se interpreta a
partir do artigo 1.057 que diz:
Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota,
total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de
audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de
titulares de mais de um quarto do capital social.
Destarte, a alienação do controle passa por esta regra, quando o contrato
for omisso sobre a transferência de quotas. Vale dizer, se um ou alguns sócios
que atinjam 25% das quotas da limitada se opuserem a transferência do
controle, a operação não poderá ser concluída.
Por outro lado, a análise do contrato social é uma imposição. Existem
contratos que autorizam a livre cessão de quotas, tornando-a uma sociedade
de capital, caso em que a alienação do controle é facilmente concluída. Outros
contratos estabelecem a concordância unânime dos sócios, tornando a
alienação mais difícil ainda do que no caso da norma geral do Código Civil.
A alienação do poder de controle, portanto, de uma sociedade empresária
depende primeiro do tipo societário adotado. A validade desse negócio
depende das condições estabelecidas em lei para a alienação do controle
(regras expressas previstas em lei para as sociedades anônimas) ou da cessão
de quotas (no caso das limitadas), que são os tipos analisados neste trabalho.
2.3. Alienação do Estabelecimento e o Contrato de Trespasse
13. Diferentemente do que ocorre com a alienação do controle societário, o
contrato de trespasse é o negócio jurídico que tem como objeto a venda do
estabelecimento do empresário ou da sociedade empresária.
O estabelecimento é o conjunto de bens materiais e imateriais necessários
ao desenvolvimento da atividade empresarial, conceito este previsto no Código
Civil de 2002, art. 1.142. O texto legal afirma que “Considera-se
estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”. Esse complexo de
bens pode ser objeto de diferentes contratos, pode ser arrendado ou alienado.
Aqui, a situação é diferente da alienação do controle, embora a consequência
possa ser a mesma. Vale dizer, a intenção de ambos os negócios é adquirir um
empreendimento, mas no caso do trespasse, o adquirente do estabelecimento
é outra sociedade empresária. Já na alienação do controle, a sociedade que
desenvolve o empreendimento segue sendo a mesma, mas a constituição
societária é outra, pois terá outros sócios no comando.
O Código Civil prevê as condições de validade de um contrato de alienação
de estabelecimento, principalmente com o objetivo de proteção aos credores.
As regras estão nos artigos 1.144 a 1.149, condicionando a validade do
negócio, se existir dívidas do alienante e a ele não lhe restarem bem
suficientes para solver seu passivo, ao consentimento dos credores. Além
disso, a alienação do estabelecimento importa na transmissão do passivo para
o adquirente.
O contrato de trespasse normalmente é usado em pequenos negócios por
pequenos empresários que vendem o seu estabelecimento (chamam
popularmente de “venda do ponto”, mas, na maioria dos casos, vende-se o
complexo de bens para desenvolvimento do negócio, portanto, o
estabelecimento). No âmbito dos grandes negócios, percebe-se que a venda
do estabelecimento tem sido muito utilizado nos processos de falência e de
recuperação judicial, como forma de preservação da empresa. Nesses casos,
porém, algumas regras são diferenciadas, principalmente quanto à sucessão
das dívidas que não são transmitidas para incentivar as aquisições de unidades
produtivas como forma de resguardar a função social da empresa (manutenção
de empregos, manutenção do abastecimento a fornecedores, continuidade de
pagamento dos tributos, etc.).
14. 3. Transferência de Controle de Sociedade Concessionária de Serviço
Público
3.1. Introdução
Estudar as concessões de serviços públicos é estudar um dos assuntos
mais complexos do sistema jurídico brasileiro. Existem as normas em caráter
geral, sendo a Lei 8.987 de 1995 a principal legislação sobre o assunto,
aplicando-se algumas regras da Lei 8.666 de 1993 sobre o procedimento
licitatório prévio à outorga. Além disso, cada serviço público possui lei
específica, por exemplo, o transporte rodoviário e aquaviário interestadual e
internacional de passageiros ou de carga devem observar as regras previstas
na Lei 10.233 de 2001, que cria a ANTT e a ANTAQ. O serviço de
telecomunicações e de concessão de transmissão de energia elétrica também
tem legislação específica. Enfim, não é um tema simples que tem seus
problemas solucionados com as normas gerais, devido à quantidade de
legislação específica. Mas o estudo, aqui, não aprofundará as questões
específicas de cada serviço público, mas, sim, tratará das normas gerais
aplicáveis a todas as concessões, pelo menos em tese.
Existe também a dúvida se as Leis de concessões que trataram de
questões de transferência do controle das concessionárias levaram em
consideração todos os aspectos abordados acima, principalmente sobre os
diferentes tipos de controle (totalitário, majoritário e minoritário).
3.2. Diferença de Serviço Público e Serviço Privado
Parece muito claro que o serviço público e o serviço privado são
completamente diferentes, mas, em verdade, muitos confundem esses dois
institutos jurídicos. O serviço privado é um serviço da livre iniciativa que pode
ser prestado por qualquer interessado, sem qualquer restrição (somente quanto
ao controle da licitude). Já o serviço público deve observar princípios
completamente diferentes, pois é de titularidade estatal, ou seja, da União, dos
15. Estados e dos Municípios, dependendo do âmbito de suas atribuições
constitucionais.
O conceito de serviço público sofreu consideráveis mudanças ao longo dos
anos. Existem conceitos mais amplos e outros mais restritos. Além disso, a
doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro constatou que o conceito de serviço
muda também no espaço, pois a lei de cada país determinará qual serviço é ou
não é público. Assim, analisando a complexidade do tema e a transição
histórica de tal instituto jurídico, a autora propôs a seguinte definição:
Daí a nossa definição de serviço público como toda atividade
material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou
por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer
concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total
ou parcialmente público.11
Destarte, nota-se a enorme diferença de regime jurídico do serviço público e
do serviço privado, pois são orientados por princípios completamente
diferentes. O serviço privado se rege pelos princípios da livre iniciativa, da livre
concorrência, do estabelecimento dos preços pelo mercado – a “lei” da oferta e
da demanda. Quando se tratar de serviço público, por outro lado, o Estado tem
o dever de resguardar as necessidades coletivas, podendo prestar o serviço
diretamente ou delegá-lo pelas formas previstas na Constituição Federal de
1988 (autorização, permissão ou concessão). Os princípios são completamente
diferentes, por exemplo, os valores de tarifas, são controlados pelo Poder
Público, não há a liberdade de estabelecer os preços, ainda que o serviço seja
prestado por pessoa de direito privado por delegação.
O serviço público é titularidade do Estado, assim, o particular somente pode
prestar esse serviço mediante delegação. A Constituição de 1988, no artigo
175, passou a exigir sempre a licitação para as novas concessões e
permissões de serviço público. Impõe-se, sempre que necessário uma nova
delegação, a realização de um prévio procedimento administrativo de
concorrência denominado de licitação. Incidem as regras previstas na Lei 8.987
de 1995, que é a lei das concessões; e, no que for compatível, incidem também
as regras gerais da Lei das Licitações 8.666 de 1993.
11
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 1991, p. 80.
16. A concessão e permissão de serviços públicos por meio de contrato
administrativo, após licitação para escolha do concessionário ou
permissionário, tem sido utilizadas pela Administração Pública por razões
econômicas. O Estado se mostrou ineficiente na prestação de diversos
serviços públicos e passou a delegá-los a iniciativa privada, que possui
melhores condições de prestá-lo, em razão do maior poder financeiro para
investimentos nessas atividades. São os casos, por exemplo, do transporte
público, da transmissão e fornecimento de energia elétrica, da radiofusão, entre
outros.
3.3. Transferência do controle acionário e cessão de contrato
administrativo
Em razão destas questões relativas ao direito público, os contratos de
concessão não podem ser livremente cedidos. As alterações societárias em
concessionárias também não são livremente permitidas, pois o interesse
público exige maior controle nessas operações. Assim, a Lei 8.987/95, que
trata das concessões, exige a prévia anuência do Poder Concedente em caso
de alteração de controle societário das sociedades concessionárias e para a
transferência da concessão. A transferência da concessão pode ser feita em
negócio específico ou no contrato de trespasse (venda do estabelecimento ou
de unidade produtiva, tal como ocorreu em alguns casos do setor aéreo). Eis o
texto do artigo 27:
Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da
concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará
a caducidade da concessão.
§ 1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste
artigo, o pretendente deverá: (Renumerado do parágrafo único pela
Lei nº 11.196, de 2005)
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade
financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do
serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em
vigor.
§ 2o Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder
concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por
seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e
assegurar a continuidade da prestação dos serviços. (Incluído pela
Lei nº 11.196, de 2005)
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente
exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade
jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos
17. previstos no § 1o, inciso I deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.196,
de 2005)
§ 4o A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo
não alterará as obrigações da concessionária e de seus
controladores ante ao poder concedente. (Incluído pela Lei nº
11.196, de 2005)
A Lei 8.666/93, anterior à Lei das Concessões, também contém regras
regulando a transferência de contratos administrativos. Nessa lei, o artigo 78
prevê a rescisão do contrato quando este for transferido sem que tal
possibilidade tenha sido previamente prevista no edital de licitação e no próprio
contrato administrativo. Diz o artigo:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
...
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do
contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial,
bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e
no contrato;
Comentando esse artigo, o renomado jurista Marçal Justen Filho defende
que essas transferências de contratos administrativos devem ser permitidas
quando verificar-se a necessidade de continuidade do contrato, quando houver
vantagem para o poder público. Segundo esse autor, o fundamento é de que a
licitação serve para escolher a proposta mais vantajosa e se a alteração da
parte contratante mantiver as condições ou até melhorá-las, não há por que
vedá-las12. Tal entendimento também se aplica nas concessões. Se for mantida
a qualidade técnica e houver interesse na continuidade do contrato, não há
vedação jurídica na transferência do contrato, seja por mudança do controle ou
pela cessão de direitos.
4. Conclusão
Percebe-se, portanto, que na alienação de controle de sociedades
empresárias concessionárias de serviços públicos podem trazer consequências
catastróficas para a própria sociedade se não forem observados alguns
requisitos previstos no direito público. A principal consequência é a perda da
concessão, chamada pela legislação de caducidade.
12
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, São Paulo:
Dialética, 2009, p. 775.
18. Embora a parte negocial seja inteiramente disciplinada no direito privado, a
intervenção estatal sempre é exigida ao se tratar de questões envolvendo
serviços públicos, impondo-se a aprovação do Poder Concedente sobre os
contratos de transferência de controle societário. Embora não seja explícito na
legislação sobre as concessões, deve-se considerar como transferência de
controle todas as formas de controle, até mesmo o minoritário, pois mesmo
sem ter assegurado o quorum legal para controle, o controlador minoritário
domina de fato as deliberações societárias, fenômeno este incontestável no
exterior que começa a aparecer nas grandes companhias brasileiras, podendo
ocorrer em alguma concessionária de serviço público.
Os requisitos para que a Administração Pública aprove a transferência são
a manutenção da mesma qualidade técnica, idoneidade financeira e a
regularidade jurídica e fiscal do adquirente. A falta de comunicação ao Poder
Concedente do serviço público implica na caducidade da concessão, ou seja, a
extinção do contrato administrativo que delega o serviço para o particular,
conforme previsto no artigo 27 da Lei 8.987/95, transcrito acima.
Bibliografia consultada:
LARENZ, Karl. Dereceho Civil – Tradução para o espanhol de Miguel
Izquierro y Macías-Picavea Abogado, Editorial Revista de Derecho Privado,
Madrid: 1978.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado,
Tomo I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas,
1991.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos, São Paulo: Dialética, 2009.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2: Direito de
empresa, São Paulo: Saraiva 2007.
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas – 6ª Edição, Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Malheiros, 2008.