O documento descreve um incidente no sertão de Goiás onde uma jibóia engoliu uma enfiada inteira de macacos. Os macacos costumavam atravessar rios se pendurando uns aos outros pelas caudas, mas desta vez quando um deles foi engolido e gritou, toda a enfiada caiu na água sem conseguir se soltar. A jibóia aproveitou para engolir todos os macacos um a um, exceto o último, o capitão, que se suicidou enrolando a própria cauda no pescoço
1. Casos do Romualdo, de João Simões Lopes Neto
XIV - A ENFIADA DE MACACOS
Quando estive no sertão de Goiás vi uma cena horrível e rara, talvez
única: vi umajibóia engolir toda uma enfiada de macacos!...
Eis como:
Sabe-se que quando os macacos querem atravessar um rio, não largo, o
bando sobea uma árvore alta, à beira d'água, e lá uma vez em cima o capitão,
que é o macaco chefe,engancha o rabo num galho forte, dela; outro vem e
engancha o rabo à volta da cintura doprimeiro; o terceiro, no segundo; o
quartos no terceiro, e assim por diante, até o derradeiro; equando assim estão
todos presos, uns aos outros, e portanto pendurados, como uma corda, nesse
jeito começam a balançar-se... a balançar-se...; e mais, e mais; nesse balanço
de vaivém a enfiadaganha impulso.
É como uma pêndula de relógio ou como um badalo de sino, tal e qual!
Quando o macaco. da ponta de baixo consegue agarrar um ramo na
margem oposta,prende-se a ele firmemente, marinha pelo tronco acima e dá
um grito: então o macaco da ponta decima - o capitão - da outra margem solta-
se, e - pronto! - a enfiada atravessou o rio.., a pé enxuto.
Ora, uma vez que, silenciosamente, para não despertar os jacarés, eu
descia emubá. um braço de rio, justamente numa das voltas topei com uma
enfiada que se balançava, parafazer a travessia.
Parei logo de moita para ver a interessante manobra.
Num dos balançoso o macaco - ponta - prendeu-se a um galho forte de uma
enormesucupira: mas quando ia a galgar tronco acima, uma senhora jibóia,
uma jibóia - senhoria! -abocou-o, faminta, e já o foi engolindo, como quem não
encontra caroço nem espinha...
Com a dor do abocanhamento o pobre macaco gritou
desesperadamente; o capitão,na outra ponta, julgando que era o sinal,
esprendeu-se.., e a enfiada inteira bateu na água do rio!
E tanto que caíram n'água, os macacos todos taparam os ouvidos com as
mãos ...mas não se desenrabaram!
Fiquei com lástima daquela atrapalhação e pus-me, e gritar-lhes:
- Estúpidos! Soltem os rabos! Burros! aproveitem enquanto ela papa o
primeiro!Desenganchem!....
Qual! Os burros faziam-se caretas, guinchavam e não atinavam com a
salvação, tãosimples!
A jibóia nem o trabalho teve de mover-se: engoliu o primeiro, o segundo,
o terceiro...e assim todos.
O último macaco, o capitão, que era portanto o único que tinha a cauda
livre, quandoo companheiro da frente - o penúltimo, pois - ia entrar para a goela
da jibóia... o último macaco,quando isso viu, teve um rasgo de herói, que me
comoveu até às entranhas: disse adeus de mãopara os dois lados, e,
enroscando no pescoço a própria cauda ... suicidou-se!
A jibóia, talvez admirando aquele valente, não o tragou; mal engoliu o
penúltimo, coma dentuça atorou-lhe a cauda.., e então caiu sobre a barranca o
corpo ainda quente do capitão daenfiada:. o suicidado... E eu toquei a minha
canoinha pra diante...
2. Fonte:
LOPES NETO, J. Simões. Casos do Romualdo. Porto Alegre: Martins Livreiro,
2000.