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PATRIMÔNIO CULTURAL: TRATAMENTO JURÍDICO E
SUA PROTEÇÃO
Carlos Alberto da Silva Galdino
Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí.
Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela EPAMPSC.
Assistente da 28ª Promotoria de Justiça da Capital – Defesa do Meio Ambiente.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988,
positivou o direito à preservação do meio ambiente, bem de natureza difusa (artigo
81, parágrafo único, inciso I, Lei nº 8.078/90), consagrando-o como essencial à
sadia qualidade de vida, e incumbindo ao Poder Público e à sociedade em geral o
“dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225,
caput, CRFB/88).
Por assim dizer, a Constituição quis na verdade repensar o mero
crescimento econômico, buscando alternativas viáveis, como por exemplo, nas
palavras de Edis Milaré, o Desenvolvimento Sustentável ou Ecodesenvolvimento.
Frente a tal assertiva, não se pode olvidar o disposto no Princípio 4 da Declaração
do Rio de Janeiro de 1992, que estabelece: “Para alcançar o desenvolvimento
sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de
desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste”.
Outrossim, como já colocado, o princípio do Desenvolvimento
Sustentável tem como fundamento a manutenção do bem ambiental para as
presentes e futuras gerações. Nesta senda, colaciona-se o pensamento do
professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável
tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da
produção e reprodução do homem e de suas atividades,
garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os
homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras
gerações também tenham oportunidade de desfrutar os
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.1
(g.n.)
Com efeito, não há como negar a imensa dificuldade de se implementar
efetivamente o referido Princípio na atual sociedade capitalista, onde vigoram com
intensa robustez outros princípios de ordem macro e microeconômica. O
desenvolvimento à moda contemporânea, hoje medida em números, despreza
inexoravelmente a preservação do patrimônio cultural que, à luz da verdade,
retrata a verdadeira identidade do homem. Preocupado com esse fato, a Carta
Política Brasileira de 1988 não permaneceu silente quanto à necessidade de se
preservar os bens culturais, inclusive trazendo no bojo do seu artigo 216 a
designação dos elementos que constituem o bem ambiental cultural nacional e
outros aspectos que merecem relevância.
Pelo princípio da simetria, o legislador constituinte, quando da elaboração
da Constituição do Estado de Santa Catarina, também tratou a matéria de forma
específica, a teor do seu artigo 173.
Concebida e textualizada na Carta Política Federal e Estadual a
importância da cultura em todas as suas formas, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 determinou que a competência administrativa seria
comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a manutenção do
patrimônio cultural, senão vejamos:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens
1
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 25.
naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de
obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou
cultural;2
Quanto à competência para legislar sobre essa matéria, o Legislador
Constituinte originário estabeleceu concorrência entre os entes federativos, com
exceção dos municípios:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
[...]
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,
turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;3
A Carta Magna de 1988 entendeu conveniente prever de forma expressa
a competência administrativa específica do Município em promover a proteção do
patrimônio cultural local:
Art. 30. Compete aos Municípios:
[...]
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural
local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual.4
Frente a tal realidade constitucional, não se pode perder de vista a
necessidade de conceituar “bem cultural”. Nesse norte, coteja-se do Magistério de
Carlos Frederico Marés de Souza Filho:
Pela leitura da lei e da Constituição de 1988, bem cultural é
aquele bem jurídico que, além de ser objeto de direito, está
protegido por ser representativo, evocativo ou identificador
de uma expressão cultural relevante. Ao bem cultural assim
reconhecido é agregada uma qualidade jurídica
modificadora, embora a dominialidade ou propriedade não
2
NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 203.
3
NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 204.
4
NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 209.
se lhe altere. Todos os bens culturais são gravados de um
especial interesse público – seja ele de propriedade
particular ou não -, que pode ser chamado de
socioambiental, [...].5
Diante disso, constata-se sem embargos que a preservação da memória
e da identidade deve participar conjuntamente do crescimento econômico, nunca
atuando como entrave ou óbice ao desenvolvimento e ao progresso.
Hodiernamente, o patrimônio cultural deve ser contabilizado como uma variável
significativa que agrega valor aos demais investimentos, servindo, também, para
unificar a identidade de determinado segmento da sociedade.
Nessa trilha cognitiva, com o fito de corroborar o conceito supra
delineado, e buscando contextualizar a definição acima transcrita com o valor
inestimável atribuído aos bens culturais, ex vi da legislação vigente e doutrina
majoritária, colhe-se dos ensinamentos proficientes de Lúcia Reisewitz:
O patrimônio é antes um conjunto de coisas que têm valor e
não necessariamente o que tem valor econômico. É uma
riqueza, sem dúvida. O direito consagra hoje, afastando-se
de uma visão predominantemente privatista, economicista,
inúmeros valores que vão além das garantias individuais em
relação à propriedade, disputas por riquezas, sejam elas
dinheiro ou terra, questões que por muito tempo ocupavam
lugar central no cenário jurídico.6
Verifica-se a partir disso, que o Estado, assim considerado tanto como
unidade soberana ou autônoma, deve buscar a promoção e manutenção do
patrimônio cultural, para que haja o seu necessário resguardo às presentes e
futuras gerações. Isso porque o bem cultural constitui bem ambiental strictu sensu,
ou seja, está sujeito às regras peculiares e princípios concernentes ao regime
jurídico de Direito Ambiental. Ademais, a preservação do patrimônio cultural, tanto
material como imaterial, significa a manutenção do perfil, da história e do orgulho
5
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica. 3. ed.
Curitiba: Juruá, 2006, p. 36.
6
REISEWITZ, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural – Direito à preservação da memória,
ação e identidade do povo brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 88.
de determinada coletividade, porquanto manifestam nas construções, obras
literárias e pinturas à memória e a identidade de um conjunto de pessoas.
Confirmando essa posição colhe-se da doutrina mais judiciosa:
Primeiramente, todos os equipamentos e construções do
homem são dons da natureza e, como tais, devem ser
conservados adequadamente. Não pode haver espaço
para desperdício de matéria e energia, nem agressão aos
sistemas vivos. O ambiente construído, seja qual for a sua
destinação ou a sua dimensão, deve ser propício à
saúde e ao bem-estar dos seus usuários e da
coletividade em geral, assim como às formas de vida nele
admitidas. Em uma palavra, será ordenado forçosamente
para assegurar a sadia qualidade de vida. Em segundo
lugar, ele expressa estilos de civilização e estilos de vida,
intimamente vinculados ao dia-a-dia das pessoas. O
ambiente construído consubstancia os esforços e as
conquistas da população e suas condições concretas de vida
e de trabalho. Por fim, o ambiente artificial se alastra cada
vez mais e altera substancialmente a fisionomia do planeta.
A cada dia que passa a Terra torna-se diferente e mais
artificializada.7
(g.n.)
Nessa esteira, fica claro que o direito ao Meio Ambiente, especificamente
quanto ao bem ambiental cultural, pode ser considerado de acordo com a
sistemática instituída pela Lex Legum, como espécie de um direito fundamental de
terceira geração. Corroborando o exposto, faz-se imprescindível trazer a lume a
aclamada doutrina de Paulo de Bessa Antunes:
No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo
225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o
Direito Ambiental é um dos direitos humanos fundamentais.
Assim é porque o meio ambiente é considerado um bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Isto faz com que o meio ambiente e os bens ambientais
integrem-se à categoria jurídica da res omnium. Daí decorre
que os bens ambientais – estejam submetidos ao domínio
público ou privado – são considerados interesse comum.
Observe-se que a função social da propriedade passa a ter
como um de seus condicionantes o respeito aos valores
ambientais. Propriedade que não é utilizada de maneira
ambientalmente sadia não cumpre a sua função social.8
7
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 293.
8
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 23.
Resta claro que a manutenção dos bens culturais significa evidentemente
uma resposta ao processo de uniformização da sociedade provocada pelo sistema
capitalista, que ocorre iterativamente de forma quase que imperceptível. A
preservação da identidade cultural, manifestada de forma variada, identifica e
distingue as pessoas, tornando-as singulares e peculiarmente distintas umas das
outras. Em Santa Catarina, a cultura manifesta-se de forma diversificada: no litoral
predominam os costumes oriundos de Portugal, não obstante os primeiros
portugueses fossem oriundos das ilhas de Açores e Madeira; ao longo do rio Itajaí-
Açu a colonização foi predominantemente alemã, capitaneada pelo Dr. Hermann
Blumenau; já ao norte, nas terras que Dona Francisca recebera como dote de
casamento, os primeiros imigrantes eram alemães, suíços e noruegueses; por fim,
a colonização do sul, na bacia do Tubarão, foi levada a efeito em sua maior parte
por italianos.
Essa ocupação por indivíduos provenientes de várias localidades do
mundo teve como resultado a implementação de suas formas de vida,
concretizadas nas obras, objetos, documentos, criações científicas, artísticas e
outras formas e modos de criar, de fazer e de viver. Por conseguinte, a busca pela
preservação das diversas manifestações culturais, retratada e materializada em
sua forma mais variada, merece especial atenção daqueles que possuem
legitimidade para o seu devido acautelamento.
Nesse norte, sob o enfoque jurídico-processual, a proteção do Patrimônio
Cultural pode ser buscada via Ação Civil Pública (art. 129, III, CRFB/88; art. 1º, I,
IV e V, Lei nº 7.347/85), por intermédio dos legitimados enumerados no art. 5º da
Lei nº 7.347/85 com a recente inclusão da Defensoria Pública no rol dos
legitimados (Lei nº 11.448/2007), ou ainda por meio da Ação Popular (art. 5º,
LXXIII, CRFB/88; art. 1, §1º, Lei nº 4.717/65), onde qualquer cidadão é parte
legítima. Outrossim, importa destacar que na Ação Civil Pública não ajuizada pelo
Ministério Público, a sua intervenção na condição de custos legis é obrigatória (art.
5º, §1º, Lei nº 7.347/85). A participação do Parquet como fiscal da Lei na Ação
Popular também é indispensável (art. 6º, §4º, Lei nº 4.717/65). Porém, a tutela
jurisdicional do patrimônio cultural não se exaure coma a Ação Civil Pública e
Popular. Nas palavras de Lúcia Reisewitz:
Assim ocorre com o Mandado de Segurança coletivo,
remédio previsto no artigo 5º, LXX, da Constituição Federal.
Caso o direito líquido e certo sobre a preservação do
patrimônio cultural seja violado por ilegalidade ou abuso de
poder de autoridade pública ou pessoa jurídica no exercício
de atribuição do Poder Público, cabe impetração de
Mandado de Segurança coletivo pelos agentes legitimados
nas alíneas a e b do citado artigo, [...]. Também o Mandado
de Injunção é instrumento normativo que pode garantir o
direito ao ambiente preservado. [...]. Da mesma forma, as
Ações de Controle de Constitucionalidade de atos
Normativos – Ação Direta de Constitucionalidade por Ação u
Omissão – podem ter por objeto ato normativo que diga
respeito à preservação do patrimônio cultural. 9
Diante de tal realidade, inegável e iniludível que a proteção do meio
ambiente cultural deve estar inserida nas atribuições do Promotor de Justiça,
especialmente àquele que atua de forma específica na área ambiental. Com o fito
de exaurir qualquer dúvida acerca do tema, tornando inexorável tal conclusão,
coteja-se do Ato nº 159/1992/PGJ-MPSC, que disciplina a atuação do Ministério
Público do estado de Santa Catarina nas questões ligadas à defesa da moralidade
administrativa, à defesa do meio ambiente e do consumidor, à proteção dos
direitos humanos da cidadania e ao combate à sonegação fiscal:
Art. 5º - Para fins e efeitos deste Ato, consideram-se afetas:
[...]
II - à área da defesa do meio ambiente:
as ações e medidas que visem a responsabilização civil e
criminal dos predadores do meio ambiente ou que envolvam,
entre outras situações, destruição da flora e da fauna,
poluição do ar e da água, poluição visual e sonora,
preservação do patrimônio cultural, histórico, turístico e
paisagístico, parcelamento do solo, disciplinamento
urbanístico, sanidade e preservação ambientais e qualidade
de vida;10
(g.n.)
9
REISEWITZ, L. Op. Cit., p. 113.
10
SANTA CATARINA. Ministério Público do Estado de Santa Catarina Ato nº 159/1992/PGJ -
Disciplina a atuação do Ministério Público nas questões ligadas à defesa da moralidade
Verificado que a proteção do patrimônio cultural está elencada no rol das
atribuições do Promotor de Justiça que atua em defesa do meio ambiente, passa-
se adiante, agora esquadrinhando o tombamento, a forma mais usual de se
preservar e acautelar o patrimônio cultural, não obstante existam outras, tais
como, o inventário, o registro, a vigilância e a desapropriação (artigo 216, §1º,
CRFB/88).
De acordo com o Magistério de Antônio A. Queiroz Telles, traz-se a lume
um breve conceito do aludido instituto:
Tombar é, portanto, consignar nestes livros que determinada
propriedade, seja pública ou privada, móvel ou imóvel, foi
considerada de interesse social, submetida a partir daí, a um
regime peculiar que objetiva protegê-la contra a destruição,
abandono ou utilização inadequada. Tombamento equivale,
igualmente, a colocar sob o abrigo e a tutela pública os bens
que, pelas suas características históricas, artísticas, naturais
e arqueológicas, mereçam integrar o patrimônio cultural do
país.11
Para Paulo Afonso Leme Machado, Tombamento significa:
[...] uma intervenção ordenadora concreta do Estado na
propriedade privada, limitativa de exercício de direitos
de utilização e de disposição gratuita, permanente e
indelegável, destinada a preservação, sob regime
especial de cuidados, dos bens de valor histórico,
arqueológico, artístico ou paisagístico.12
(g.n.)
O citado instituto jurídico vem definido no Decreto-Lei nº 25/1937, que
organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, além de outras
administrativa, à defesa do meio ambiente e do consumidor, à proteção dos direitos humanos da
cidadania e ao combate à sonegação fiscal. Disponível em:
http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?
campo=21&conteudo=fixo_detalhe_lista_tabela>. Acesso em: 07 fev. 2007.
11
TELLES, Antonio A. Queiroz. Tombamento – e seu regime jurídico.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 13.
12
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1999,
p. 725.
providências. No âmbito do Estado de Santa Catarina, a matéria vinha delineada
na Lei Estadual nº 5.056/1974, até ser revogada pela Lei Catarinense nº
5.846/1980, legislação essa que trouxe novo tratamento legal à proteção do
patrimônio cultural do Estado, produzindo hodiernamente todos os seus efeitos
jurídicos. A referida medida, que impede a destruição de um bem com notada
relevância cultural pode ser executada pela União, por intermédio do IPHAN –
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, pelo Governo Catarinense,
com a mediação da FCC – Fundação Catarinense de Cultura -, ou pelas
Prefeituras, que para isso podem valer-se de leis específicas.
Entretanto, muito embora as referidas legislações digam que apenas
constitui patrimônio cultural os bens inscritos nos respectivos livros de Tombo (art.
1º, §1º, Decreto-Lei nº 25/1937; art. 1º, Lei Catarinense nº 5.846/1980), tem-se
admitido, como veremos adiante, a busca de proteção e responsabilização por
danos causados a esses bens ainda que não tombados, mas cujo valor cultural
assim exija e autorize.
Na esfera penal, os danos causados ao patrimônio cultural vinham
descritos nos artigos 165 e 166 do Código substantivo Penal. Todavia, com o
advento da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o tipo penal de dano ao
bem com valor artístico, arqueológico ou histórico cominado no Código Penal
restou revogado pelo preceito primário insculpido no artigo 62 da Lei nº 9.605/98,
aplicando-se no caso em tela o brocardo lex specialis derogat lex generalis. Com o
escopo de melhor compreender o raciocínio colocado, coteja-se o mencionado
dispositivo penal ambiental:
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou
decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca,
instalação científica ou similar protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis
meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.13
Analisando o citado artigo, concebe-se que se trata de crime de ação
múltipla, porque possui três núcleos alternativos: destruir, inutilizar ou deteriorar.
Depreende-se também, de acordo com a sanção prevista no preceito secundário,
que o aludido crime não admite a Transação Penal prevista na Lei nº 9.099/95,
contudo é possível a aplicação do instituto da Suspensão Condicional do
Processo, logo que a pena mínima não é superior a um ano, desde que cumpridos
os requisitos do artigo 89 e seguintes da Lei nº 9.099/95.
Importa considerar que tal crime independe do ato formal de Tombamento
para haver a subsunção do fato ao tipo, bastando especial proteção decorrente de
Lei, ato administrativo ou decisão judicial. Coadunando com a inexigibilidade do
ato de Tombamento para configuração da Infração Penal prevista no artigo 62 da
Lei de Crimes Ambientais, destaca-se da doutrina:
A Lei Ambiental inova neste particular, ao não exigir,
para configuração do tipo, a existência de tombamento
da coisa, referindo-se à especial proteção decorrente de
lei, ato administrativo ou decisão judicial.
[...]
A inexigibilidade do tombamento está em consonância com o
disposto no artigo 216, §1º, da Constituição Federal,
segundo o qual a proteção do patrimônio cultural brasileiro
dar-se-á por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, além de outras formas de
acautelamento e preservação.14
(g.n.)
O professor Paulo Afonso Leme Machado não diverge do entendimento
colocado, assim lecionando em sua obra:
A Lei nº 9.605/98 não exige uma forma especial de
13
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 07
fev. 2007.
14
COSTA NETO, Nicolau Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; Costa, Flávio Dino de
Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais – Comentários à Lei nº 9.605/98. 2. ed.
Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 354.
proteção. A adjetivação utilizada – ‘especialmente’ – é no
sentido de que o bem tem proteção em razão de seu valor
de patrimônio cultural, que o diferencia de outro bem,
normalmente protegido como bem privado. Não é mais
somente a coisa tombada a ser protegida (art. 165, CP), mas
quaisquer formas de acautelamento e preservação são
admissíveis, como os atos administrativos instituidores de
inventários, registros, tombamento e desapropriação (art.
216, §1º, da CF), além das decisões tomadas por Lei ou
sentença judicial.
[...]
Caso contrário, dar-se-ia chance a quem se opusesse à
proteção cultural pretendida de tornar fato consumado a
destruição, a inutilização ou a deterioração de um bem
merecedor de ser conservado.15
(g.n.)
Em igual senda, colhe-se do pensamento do Promotor de Justiça Rui
Arno Richter:
Já a nova lei evoluiu em dois aspectos, em sintonia com a
ordem constitucional: primeiro, em vez de se referir à
coisa tombada, referiu-se a ‘bem protegido por ato
administrativo’, ampliando a tutela penal para abranger
os bens culturais reconhecidos por qualquer ato do
Poder Executivo, não só pelo tombamento; segundo, que
mais de perto interessa à exposição, previu a ‘decisão
judicial como forma hábil de inserir bens culturais entre
aqueles merecedores de tutela penal.16
(g.n.)
Confirmando toda a exposição, colaciona-se o entendimento do Sodalício
Tribunal Paulista:
CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO - Dano em
coisa de valor histórico e alteração de local especialmente
protegido - Delitos caracterizados em tese - Demolição pelo
proprietário de prédio situado em área de proteção
ambiental de sítio tombado - Processo de tombamento
do referido bem também já iniciado, devidamente
comunicados o proprietário, a Prefeitura Municipal e a
autoridade policial - Retardamento na ultimação - Ofício por
aquele dirigido ao Condephaat impondo o prazo de 15 dias
para solução - Não atendimento - Alvará de demolição
concedido pelo prefeito - Legalidade da imposição ao
Conselho e da autorização da Municipalidade dependentes
15
MACHADO, P. A. L. Op. Cit., p. 770.
16
RICHTER, Rui Arno. Meio Ambiente Cultural. Curitiba: Juruá, 1999, p. 81.
do exame aprofundado do mérito, inadmissível em "habeas
corpus" - impossibilidade de trancamento do inquérito policial
- Prosseguimento determinado para apuração da
ocorrência dos delitos e eventual responsabilização dos
notificados.17
(g.n.)
Nesses moldes, o fato de um bem com relevância cultural reconhecida
não estar inserido no livro de Tombo não obstaculizaria a persecutio criminis, com
o oferecimento da Denúncia pelo Promotor de Justiça, desde que houvesse pelo
menos um ato de acautelamento, como por exemplo, o Tombamento provisório
(art. 10, Decreto-Lei nº 25/1937).
Vale lembrar que a conduta delineada no artigo 62 da Lei de Crimes
Ambientais também constitui Infração Administrativa, conforme o disposto no
artigo 49 do Decreto nº 3.179/1999, cuja multa varia de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Considerações Finais
Procurou-se demonstrar com o presente trabalho como o legislador
concebeu a necessidade de se proteger o patrimônio cultural, e quais os principais
instrumentos à disposição do Ministério Público e da Coletividade para buscar
efetivamente o acautelamento destes bens, visando materializar o princípio do
desenvolvimento sustentável, previsto expressamente no caput do artigo 225 da
Carta Política de 1988.
A homogeneização dos espaços urbanos como conseqüência direta do
modelo econômico liberal reforça a necessidade de se discutir e de trabalhar para
que se preserve essa forma de “desigualdade social”, a fim de que se mantenha
intacta essa verdadeira herança transmitida por nossos antepassados.
Em um sistema onde o processo de uniformização das cidades e das
17
SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. RT 620/318.
pessoas, cujo trâmite é vertiginosamente acelerado, a preservação do patrimônio
cultural acaba sendo excluída como uma opção viável ao seu regular
processamento. É preciso que nós, cidadãos, tenhamos mais compreensão com o
patrimônio ambiental cultural, para que possamos defendê-lo com mais rigor,
mantendo-o íntegro e incólume para as presentes e futuras gerações.

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Patrimônio Cultural: Tratamento Jurídico e Sua Proteção

  • 1. PATRIMÔNIO CULTURAL: TRATAMENTO JURÍDICO E SUA PROTEÇÃO Carlos Alberto da Silva Galdino Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela EPAMPSC. Assistente da 28ª Promotoria de Justiça da Capital – Defesa do Meio Ambiente. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, positivou o direito à preservação do meio ambiente, bem de natureza difusa (artigo 81, parágrafo único, inciso I, Lei nº 8.078/90), consagrando-o como essencial à sadia qualidade de vida, e incumbindo ao Poder Público e à sociedade em geral o “dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput, CRFB/88). Por assim dizer, a Constituição quis na verdade repensar o mero crescimento econômico, buscando alternativas viáveis, como por exemplo, nas palavras de Edis Milaré, o Desenvolvimento Sustentável ou Ecodesenvolvimento. Frente a tal assertiva, não se pode olvidar o disposto no Princípio 4 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, que estabelece: “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste”. Outrossim, como já colocado, o princípio do Desenvolvimento Sustentável tem como fundamento a manutenção do bem ambiental para as presentes e futuras gerações. Nesta senda, colaciona-se o pensamento do professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
  • 2. Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.1 (g.n.) Com efeito, não há como negar a imensa dificuldade de se implementar efetivamente o referido Princípio na atual sociedade capitalista, onde vigoram com intensa robustez outros princípios de ordem macro e microeconômica. O desenvolvimento à moda contemporânea, hoje medida em números, despreza inexoravelmente a preservação do patrimônio cultural que, à luz da verdade, retrata a verdadeira identidade do homem. Preocupado com esse fato, a Carta Política Brasileira de 1988 não permaneceu silente quanto à necessidade de se preservar os bens culturais, inclusive trazendo no bojo do seu artigo 216 a designação dos elementos que constituem o bem ambiental cultural nacional e outros aspectos que merecem relevância. Pelo princípio da simetria, o legislador constituinte, quando da elaboração da Constituição do Estado de Santa Catarina, também tratou a matéria de forma específica, a teor do seu artigo 173. Concebida e textualizada na Carta Política Federal e Estadual a importância da cultura em todas as suas formas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determinou que a competência administrativa seria comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a manutenção do patrimônio cultural, senão vejamos: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens 1 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25.
  • 3. naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;2 Quanto à competência para legislar sobre essa matéria, o Legislador Constituinte originário estabeleceu concorrência entre os entes federativos, com exceção dos municípios: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;3 A Carta Magna de 1988 entendeu conveniente prever de forma expressa a competência administrativa específica do Município em promover a proteção do patrimônio cultural local: Art. 30. Compete aos Municípios: [...] IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.4 Frente a tal realidade constitucional, não se pode perder de vista a necessidade de conceituar “bem cultural”. Nesse norte, coteja-se do Magistério de Carlos Frederico Marés de Souza Filho: Pela leitura da lei e da Constituição de 1988, bem cultural é aquele bem jurídico que, além de ser objeto de direito, está protegido por ser representativo, evocativo ou identificador de uma expressão cultural relevante. Ao bem cultural assim reconhecido é agregada uma qualidade jurídica modificadora, embora a dominialidade ou propriedade não 2 NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 203. 3 NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 204. 4 NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Op. Cit., p. 209.
  • 4. se lhe altere. Todos os bens culturais são gravados de um especial interesse público – seja ele de propriedade particular ou não -, que pode ser chamado de socioambiental, [...].5 Diante disso, constata-se sem embargos que a preservação da memória e da identidade deve participar conjuntamente do crescimento econômico, nunca atuando como entrave ou óbice ao desenvolvimento e ao progresso. Hodiernamente, o patrimônio cultural deve ser contabilizado como uma variável significativa que agrega valor aos demais investimentos, servindo, também, para unificar a identidade de determinado segmento da sociedade. Nessa trilha cognitiva, com o fito de corroborar o conceito supra delineado, e buscando contextualizar a definição acima transcrita com o valor inestimável atribuído aos bens culturais, ex vi da legislação vigente e doutrina majoritária, colhe-se dos ensinamentos proficientes de Lúcia Reisewitz: O patrimônio é antes um conjunto de coisas que têm valor e não necessariamente o que tem valor econômico. É uma riqueza, sem dúvida. O direito consagra hoje, afastando-se de uma visão predominantemente privatista, economicista, inúmeros valores que vão além das garantias individuais em relação à propriedade, disputas por riquezas, sejam elas dinheiro ou terra, questões que por muito tempo ocupavam lugar central no cenário jurídico.6 Verifica-se a partir disso, que o Estado, assim considerado tanto como unidade soberana ou autônoma, deve buscar a promoção e manutenção do patrimônio cultural, para que haja o seu necessário resguardo às presentes e futuras gerações. Isso porque o bem cultural constitui bem ambiental strictu sensu, ou seja, está sujeito às regras peculiares e princípios concernentes ao regime jurídico de Direito Ambiental. Ademais, a preservação do patrimônio cultural, tanto material como imaterial, significa a manutenção do perfil, da história e do orgulho 5 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 36. 6 REISEWITZ, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural – Direito à preservação da memória, ação e identidade do povo brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 88.
  • 5. de determinada coletividade, porquanto manifestam nas construções, obras literárias e pinturas à memória e a identidade de um conjunto de pessoas. Confirmando essa posição colhe-se da doutrina mais judiciosa: Primeiramente, todos os equipamentos e construções do homem são dons da natureza e, como tais, devem ser conservados adequadamente. Não pode haver espaço para desperdício de matéria e energia, nem agressão aos sistemas vivos. O ambiente construído, seja qual for a sua destinação ou a sua dimensão, deve ser propício à saúde e ao bem-estar dos seus usuários e da coletividade em geral, assim como às formas de vida nele admitidas. Em uma palavra, será ordenado forçosamente para assegurar a sadia qualidade de vida. Em segundo lugar, ele expressa estilos de civilização e estilos de vida, intimamente vinculados ao dia-a-dia das pessoas. O ambiente construído consubstancia os esforços e as conquistas da população e suas condições concretas de vida e de trabalho. Por fim, o ambiente artificial se alastra cada vez mais e altera substancialmente a fisionomia do planeta. A cada dia que passa a Terra torna-se diferente e mais artificializada.7 (g.n.) Nessa esteira, fica claro que o direito ao Meio Ambiente, especificamente quanto ao bem ambiental cultural, pode ser considerado de acordo com a sistemática instituída pela Lex Legum, como espécie de um direito fundamental de terceira geração. Corroborando o exposto, faz-se imprescindível trazer a lume a aclamada doutrina de Paulo de Bessa Antunes: No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo 225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o Direito Ambiental é um dos direitos humanos fundamentais. Assim é porque o meio ambiente é considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Isto faz com que o meio ambiente e os bens ambientais integrem-se à categoria jurídica da res omnium. Daí decorre que os bens ambientais – estejam submetidos ao domínio público ou privado – são considerados interesse comum. Observe-se que a função social da propriedade passa a ter como um de seus condicionantes o respeito aos valores ambientais. Propriedade que não é utilizada de maneira ambientalmente sadia não cumpre a sua função social.8 7 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 293. 8 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 23.
  • 6. Resta claro que a manutenção dos bens culturais significa evidentemente uma resposta ao processo de uniformização da sociedade provocada pelo sistema capitalista, que ocorre iterativamente de forma quase que imperceptível. A preservação da identidade cultural, manifestada de forma variada, identifica e distingue as pessoas, tornando-as singulares e peculiarmente distintas umas das outras. Em Santa Catarina, a cultura manifesta-se de forma diversificada: no litoral predominam os costumes oriundos de Portugal, não obstante os primeiros portugueses fossem oriundos das ilhas de Açores e Madeira; ao longo do rio Itajaí- Açu a colonização foi predominantemente alemã, capitaneada pelo Dr. Hermann Blumenau; já ao norte, nas terras que Dona Francisca recebera como dote de casamento, os primeiros imigrantes eram alemães, suíços e noruegueses; por fim, a colonização do sul, na bacia do Tubarão, foi levada a efeito em sua maior parte por italianos. Essa ocupação por indivíduos provenientes de várias localidades do mundo teve como resultado a implementação de suas formas de vida, concretizadas nas obras, objetos, documentos, criações científicas, artísticas e outras formas e modos de criar, de fazer e de viver. Por conseguinte, a busca pela preservação das diversas manifestações culturais, retratada e materializada em sua forma mais variada, merece especial atenção daqueles que possuem legitimidade para o seu devido acautelamento. Nesse norte, sob o enfoque jurídico-processual, a proteção do Patrimônio Cultural pode ser buscada via Ação Civil Pública (art. 129, III, CRFB/88; art. 1º, I, IV e V, Lei nº 7.347/85), por intermédio dos legitimados enumerados no art. 5º da Lei nº 7.347/85 com a recente inclusão da Defensoria Pública no rol dos legitimados (Lei nº 11.448/2007), ou ainda por meio da Ação Popular (art. 5º, LXXIII, CRFB/88; art. 1, §1º, Lei nº 4.717/65), onde qualquer cidadão é parte legítima. Outrossim, importa destacar que na Ação Civil Pública não ajuizada pelo Ministério Público, a sua intervenção na condição de custos legis é obrigatória (art. 5º, §1º, Lei nº 7.347/85). A participação do Parquet como fiscal da Lei na Ação
  • 7. Popular também é indispensável (art. 6º, §4º, Lei nº 4.717/65). Porém, a tutela jurisdicional do patrimônio cultural não se exaure coma a Ação Civil Pública e Popular. Nas palavras de Lúcia Reisewitz: Assim ocorre com o Mandado de Segurança coletivo, remédio previsto no artigo 5º, LXX, da Constituição Federal. Caso o direito líquido e certo sobre a preservação do patrimônio cultural seja violado por ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público, cabe impetração de Mandado de Segurança coletivo pelos agentes legitimados nas alíneas a e b do citado artigo, [...]. Também o Mandado de Injunção é instrumento normativo que pode garantir o direito ao ambiente preservado. [...]. Da mesma forma, as Ações de Controle de Constitucionalidade de atos Normativos – Ação Direta de Constitucionalidade por Ação u Omissão – podem ter por objeto ato normativo que diga respeito à preservação do patrimônio cultural. 9 Diante de tal realidade, inegável e iniludível que a proteção do meio ambiente cultural deve estar inserida nas atribuições do Promotor de Justiça, especialmente àquele que atua de forma específica na área ambiental. Com o fito de exaurir qualquer dúvida acerca do tema, tornando inexorável tal conclusão, coteja-se do Ato nº 159/1992/PGJ-MPSC, que disciplina a atuação do Ministério Público do estado de Santa Catarina nas questões ligadas à defesa da moralidade administrativa, à defesa do meio ambiente e do consumidor, à proteção dos direitos humanos da cidadania e ao combate à sonegação fiscal: Art. 5º - Para fins e efeitos deste Ato, consideram-se afetas: [...] II - à área da defesa do meio ambiente: as ações e medidas que visem a responsabilização civil e criminal dos predadores do meio ambiente ou que envolvam, entre outras situações, destruição da flora e da fauna, poluição do ar e da água, poluição visual e sonora, preservação do patrimônio cultural, histórico, turístico e paisagístico, parcelamento do solo, disciplinamento urbanístico, sanidade e preservação ambientais e qualidade de vida;10 (g.n.) 9 REISEWITZ, L. Op. Cit., p. 113. 10 SANTA CATARINA. Ministério Público do Estado de Santa Catarina Ato nº 159/1992/PGJ - Disciplina a atuação do Ministério Público nas questões ligadas à defesa da moralidade
  • 8. Verificado que a proteção do patrimônio cultural está elencada no rol das atribuições do Promotor de Justiça que atua em defesa do meio ambiente, passa- se adiante, agora esquadrinhando o tombamento, a forma mais usual de se preservar e acautelar o patrimônio cultural, não obstante existam outras, tais como, o inventário, o registro, a vigilância e a desapropriação (artigo 216, §1º, CRFB/88). De acordo com o Magistério de Antônio A. Queiroz Telles, traz-se a lume um breve conceito do aludido instituto: Tombar é, portanto, consignar nestes livros que determinada propriedade, seja pública ou privada, móvel ou imóvel, foi considerada de interesse social, submetida a partir daí, a um regime peculiar que objetiva protegê-la contra a destruição, abandono ou utilização inadequada. Tombamento equivale, igualmente, a colocar sob o abrigo e a tutela pública os bens que, pelas suas características históricas, artísticas, naturais e arqueológicas, mereçam integrar o patrimônio cultural do país.11 Para Paulo Afonso Leme Machado, Tombamento significa: [...] uma intervenção ordenadora concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e de disposição gratuita, permanente e indelegável, destinada a preservação, sob regime especial de cuidados, dos bens de valor histórico, arqueológico, artístico ou paisagístico.12 (g.n.) O citado instituto jurídico vem definido no Decreto-Lei nº 25/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, além de outras administrativa, à defesa do meio ambiente e do consumidor, à proteção dos direitos humanos da cidadania e ao combate à sonegação fiscal. Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp? campo=21&conteudo=fixo_detalhe_lista_tabela>. Acesso em: 07 fev. 2007. 11 TELLES, Antonio A. Queiroz. Tombamento – e seu regime jurídico.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 13. 12 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 725.
  • 9. providências. No âmbito do Estado de Santa Catarina, a matéria vinha delineada na Lei Estadual nº 5.056/1974, até ser revogada pela Lei Catarinense nº 5.846/1980, legislação essa que trouxe novo tratamento legal à proteção do patrimônio cultural do Estado, produzindo hodiernamente todos os seus efeitos jurídicos. A referida medida, que impede a destruição de um bem com notada relevância cultural pode ser executada pela União, por intermédio do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, pelo Governo Catarinense, com a mediação da FCC – Fundação Catarinense de Cultura -, ou pelas Prefeituras, que para isso podem valer-se de leis específicas. Entretanto, muito embora as referidas legislações digam que apenas constitui patrimônio cultural os bens inscritos nos respectivos livros de Tombo (art. 1º, §1º, Decreto-Lei nº 25/1937; art. 1º, Lei Catarinense nº 5.846/1980), tem-se admitido, como veremos adiante, a busca de proteção e responsabilização por danos causados a esses bens ainda que não tombados, mas cujo valor cultural assim exija e autorize. Na esfera penal, os danos causados ao patrimônio cultural vinham descritos nos artigos 165 e 166 do Código substantivo Penal. Todavia, com o advento da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o tipo penal de dano ao bem com valor artístico, arqueológico ou histórico cominado no Código Penal restou revogado pelo preceito primário insculpido no artigo 62 da Lei nº 9.605/98, aplicando-se no caso em tela o brocardo lex specialis derogat lex generalis. Com o escopo de melhor compreender o raciocínio colocado, coteja-se o mencionado dispositivo penal ambiental: Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis
  • 10. meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.13 Analisando o citado artigo, concebe-se que se trata de crime de ação múltipla, porque possui três núcleos alternativos: destruir, inutilizar ou deteriorar. Depreende-se também, de acordo com a sanção prevista no preceito secundário, que o aludido crime não admite a Transação Penal prevista na Lei nº 9.099/95, contudo é possível a aplicação do instituto da Suspensão Condicional do Processo, logo que a pena mínima não é superior a um ano, desde que cumpridos os requisitos do artigo 89 e seguintes da Lei nº 9.099/95. Importa considerar que tal crime independe do ato formal de Tombamento para haver a subsunção do fato ao tipo, bastando especial proteção decorrente de Lei, ato administrativo ou decisão judicial. Coadunando com a inexigibilidade do ato de Tombamento para configuração da Infração Penal prevista no artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais, destaca-se da doutrina: A Lei Ambiental inova neste particular, ao não exigir, para configuração do tipo, a existência de tombamento da coisa, referindo-se à especial proteção decorrente de lei, ato administrativo ou decisão judicial. [...] A inexigibilidade do tombamento está em consonância com o disposto no artigo 216, §1º, da Constituição Federal, segundo o qual a proteção do patrimônio cultural brasileiro dar-se-á por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação.14 (g.n.) O professor Paulo Afonso Leme Machado não diverge do entendimento colocado, assim lecionando em sua obra: A Lei nº 9.605/98 não exige uma forma especial de 13 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 07 fev. 2007. 14 COSTA NETO, Nicolau Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; Costa, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais – Comentários à Lei nº 9.605/98. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 354.
  • 11. proteção. A adjetivação utilizada – ‘especialmente’ – é no sentido de que o bem tem proteção em razão de seu valor de patrimônio cultural, que o diferencia de outro bem, normalmente protegido como bem privado. Não é mais somente a coisa tombada a ser protegida (art. 165, CP), mas quaisquer formas de acautelamento e preservação são admissíveis, como os atos administrativos instituidores de inventários, registros, tombamento e desapropriação (art. 216, §1º, da CF), além das decisões tomadas por Lei ou sentença judicial. [...] Caso contrário, dar-se-ia chance a quem se opusesse à proteção cultural pretendida de tornar fato consumado a destruição, a inutilização ou a deterioração de um bem merecedor de ser conservado.15 (g.n.) Em igual senda, colhe-se do pensamento do Promotor de Justiça Rui Arno Richter: Já a nova lei evoluiu em dois aspectos, em sintonia com a ordem constitucional: primeiro, em vez de se referir à coisa tombada, referiu-se a ‘bem protegido por ato administrativo’, ampliando a tutela penal para abranger os bens culturais reconhecidos por qualquer ato do Poder Executivo, não só pelo tombamento; segundo, que mais de perto interessa à exposição, previu a ‘decisão judicial como forma hábil de inserir bens culturais entre aqueles merecedores de tutela penal.16 (g.n.) Confirmando toda a exposição, colaciona-se o entendimento do Sodalício Tribunal Paulista: CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO - Dano em coisa de valor histórico e alteração de local especialmente protegido - Delitos caracterizados em tese - Demolição pelo proprietário de prédio situado em área de proteção ambiental de sítio tombado - Processo de tombamento do referido bem também já iniciado, devidamente comunicados o proprietário, a Prefeitura Municipal e a autoridade policial - Retardamento na ultimação - Ofício por aquele dirigido ao Condephaat impondo o prazo de 15 dias para solução - Não atendimento - Alvará de demolição concedido pelo prefeito - Legalidade da imposição ao Conselho e da autorização da Municipalidade dependentes 15 MACHADO, P. A. L. Op. Cit., p. 770. 16 RICHTER, Rui Arno. Meio Ambiente Cultural. Curitiba: Juruá, 1999, p. 81.
  • 12. do exame aprofundado do mérito, inadmissível em "habeas corpus" - impossibilidade de trancamento do inquérito policial - Prosseguimento determinado para apuração da ocorrência dos delitos e eventual responsabilização dos notificados.17 (g.n.) Nesses moldes, o fato de um bem com relevância cultural reconhecida não estar inserido no livro de Tombo não obstaculizaria a persecutio criminis, com o oferecimento da Denúncia pelo Promotor de Justiça, desde que houvesse pelo menos um ato de acautelamento, como por exemplo, o Tombamento provisório (art. 10, Decreto-Lei nº 25/1937). Vale lembrar que a conduta delineada no artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais também constitui Infração Administrativa, conforme o disposto no artigo 49 do Decreto nº 3.179/1999, cuja multa varia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Considerações Finais Procurou-se demonstrar com o presente trabalho como o legislador concebeu a necessidade de se proteger o patrimônio cultural, e quais os principais instrumentos à disposição do Ministério Público e da Coletividade para buscar efetivamente o acautelamento destes bens, visando materializar o princípio do desenvolvimento sustentável, previsto expressamente no caput do artigo 225 da Carta Política de 1988. A homogeneização dos espaços urbanos como conseqüência direta do modelo econômico liberal reforça a necessidade de se discutir e de trabalhar para que se preserve essa forma de “desigualdade social”, a fim de que se mantenha intacta essa verdadeira herança transmitida por nossos antepassados. Em um sistema onde o processo de uniformização das cidades e das 17 SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. RT 620/318.
  • 13. pessoas, cujo trâmite é vertiginosamente acelerado, a preservação do patrimônio cultural acaba sendo excluída como uma opção viável ao seu regular processamento. É preciso que nós, cidadãos, tenhamos mais compreensão com o patrimônio ambiental cultural, para que possamos defendê-lo com mais rigor, mantendo-o íntegro e incólume para as presentes e futuras gerações.