2. 2 Educação, género e história
A sessão coordenada Educação, Gênero e História se propõe a pensar o presente,
examinando as referências conceituais e históricas, que permeiam as idéias e práticas políticas
circulantes no contexto escolar lusobrasileiro, relacionando tradição e republicanismo. Assim,
iniciamos com a apresentação da professora Maria Celi Vasconcelos, a respeito da gênese da
educação, nos oitocentos, ainda confinada ao lócus doméstico, a casa. A seguir, mais voltadas
para o nosso tempo, os estudos de Yolanda Lôbo e Lia Faria, abordam a natureza da escola
pública do Estado do Rio de Janeiro, nas décadas de 70 e 80, destacando a fundação do
sistema público fluminense, a partir do olhar de duas de suas dirigentes, as professoras Myrthes
Wenzel e Maria Yedda Linhares. Por fim, a contribuição das autoras portuguesas, Áurea Adão e
Maria José Remédios, nos remetem ao espaço legislativo, analisando sob a perspectiva de
gênero, a importância da participação das vozes das mulheres na Assembléia Nacional. Logo, a
presente comunicação objetiva abordar uma dupla dimensão, a da tradição republicana
associada às questões da participação feminina, na vida pública dos dois países, Brasil e
Portugal.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
3. Cultura Escolar Migrações e Cidadania Actas do VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da
Educação
20 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto)
ISBN xxxxxxxxxxxxx
História(s) de Maria Yedda Linhares: educação
e política no Brasil Republicano
Lia Faria
1
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Mesa Coordenada: Educação, género e história
Coordenador: Lia Faria
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
EIXO 4 – Inclusão, género e etnia
Vivi, creio eu, boa parte das esperanças do Brasil.
No entanto, me pergunto: para que servem as memórias?
São confiáveis? Será que elas precisam ser confiáveis?
Maria Yedda Linhares
O presente estudo traz a tona a trajetória da professora Maria Yedda Leite Linhares,
desvelando os indícios que tornam visíveis a contribuição desta historiadora. que esteve
intelectualmente a frente de seu tempo, considerando também a questão de gênero. Desta
forma, analisamos seu pensamento, ressaltando a luta que sempre travou pelas causas que
acreditava serem fundamentais para a consolidação da universidade pública e da escola
republicana no Brasil.
Tal análise se inscreve no desejo de indagar qual a contribuição desta professora para a
jovem historiografia brasileira, destacando, em particular, o debate acerca da atuação feminina
2
nos meios intelectuais e universitários na década de 60 . Sem perder de vista que não sabemos
1
Professoraadjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e do programa de
Pósgraduação em educação (PROPEd/UERJ). Desenvolve estudos na linha de pesquisa: Instituições, Práticas
Educativas e História.
2
O Jornal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publica encarte especial por ocasião dos 40 anos
da invasão da Faculdade de Medicina. Em suas páginas, ecos de um momento de agressão à autonomia universitária: O
movimento estudantil tinha três pernas: o Caco, a FNFi e a Faculdade de Medicina. Lutávamos pela reabertura de outros
diretórios fechados. Pela revogação de punições dos alunos de Arquitetura, Direito e Filosofia (Jornal da UFRJ, p. 3,
agosto de 2006).
4. 4 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
do passado tudo o que ele foi, nem mesmo tudo o que somos capazes de desejar saber
(GONDRA, 2001, p. 213).
Portanto, o rigor teórico exige um olhar atento, quase arqueológico, que se inscreva além
3
do aspecto fenomênico das coisas. Dentro de tal ótica, desvendar as sombras que ainda
ocultam a participação de mulheres como Maria Yedda, enquanto dirigente e intelectual de seu
tempo é objeto desta investigação, rompendo esquecimentos e registrando memórias datadas de
um determinado período histórico. Os múltiplos olhares, da cátedra à ação políticopedagógica,
enquanto secretária municipal e estadual de educação do Rio de Janeiro (RJ) revelam um
cotidiano entrelaçado, em meio aos sucessivos embates travados nos campos da educação, da
política e da história nacional e fluminense.
Logo, é a partir deste deslocamento da filiação da memória, que intentamos também
recuperar a consciência geracional de uma coletividade acadêmica inserida naquela contingência
temporal dos anos 60 e, posteriormente, dos anos 80. Segundo Le Goff (1992), a classe
hegemônica e o Estado são os senhores da memória e do esquecimento, deste modo, recuperar
a visibilidade dos acontecimentos políticos ocorridos nos anos imediatamente pré e pósditadura
4
militar, podem contribuir para um melhor entendimento da atual fase antiutopia imposta pelo
fenômeno da globalização neoliberal.
Neste viés, a história de Maria Yedda, embora (...) única, perdida e solitária entre todas as
outras aponta para o perigo dos processos de manipulação da memória coletiva,
5
ressignificando os sentidos da universidade pública brasileira (Faria, p.709, 1998) .
Assim sendo, ao articular os campos educação, história e política, falamos de nós, ex
alunas da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (Universidade do Brasil) e exprofessoras dos
sistemas públicos de ensino do Rio de Janeiro, em busca dos sentidos que nos identificaram no
passado, vislumbrando no presente, pontos de rupturas e permanências.
Segundo Walter Benjamin (1993) articular historicamente o passado não significa
conhecelo como ele de fato foi. Significa apropriarse de uma reminiscência, tal como ela
relampeja no momento de perigo (p. 22). E, assim, orientados pela fala de Benjamin procuramos
identificar os principais acontecimentos desta trajetória pessoal/coletiva, no feminino, desvelando
os múltiplos olhares do seu percurso.
Desta forma, experiências de mulheres intelectuais como Maria Yedda, descortinam
ideologias e utopias do imaginário daquela época, apontando para o processo de construção
histórica do gênero feminino no Brasil. Por outro lado, teorizar sobre a história feminina invisível é
colocar em discussão, a simples vida do diaadia, por que definimos o feminismo como a
revolução da vida cotidiana, como uma revolução concreta, pois a vida diária que modificamos
resulta em toda uma mudança social de caráter global (CAPELLER, 1982, p.20).
Vale salientar também que as representações do comportamento feminino podem ser
identificadas na espessa teia social da micropolítica cotidiana das relações de poder, sejam elas
3
Ver Karel Kosik, em Dialética do Concreto, p. 19, 1976, sobre (...) o mundo fetichizado da aparência para atingir
a realidade e a” coisa em si”.
4
Sobre o modelo de antiutopia, declara ao Jornal da UFRJ, o professor André Bueno da faculdade de Letras
(UFRJ): A década de 60 é o contrário do que temos hoje, tanto na política quanto na cultura. (...) transformada em mais
um produto pasteurizado da indústria cultural, a rebeldia dos anos 60 perde radicalidade e ganha um sabor adocicado (p.
4, agosto de 2006, RJ)
5
Sobre geração ver estudos de Ângela Beatriz de Carvalho Faria, in: Dos mitos: o tríplice dos barcos e anti
utopia, (1998).
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
5. Lia Faria 5
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
na família, no trabalho, nas escolas e universidades, ou ainda nos partidos políticos. E não
parece ser possível compreender a história de como as mulheres ocuparam as salas de aula
sem notar que essa foi uma história que se deu também no terreno das representações do
masculino e do feminino, os lugares sociais previstos para cada um deles são integrantes do
processo histórico (LOURO, 2003, p. 479).
Portanto, o debate acerca da história das mulheres mantémse na ordem do dia, imposto
pela consciência crescente do importante papel que o contingente feminino têm nas profundas
transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que marcam em todos os níveis a
evolução da humanidade.
Segundo Scott (1992):
a história das mulheres apareceu como um campo definível principalmente nas
duas últimas décadas. Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em
sua representação e em seu lugar no currículo, na posição a ela concedida pelas
universidades e pelas associações disciplinares, parece não haver mais dúvida de que a
história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo (p.63).
Por outro lado, se observa um desejo análogo de inverter as perspectivas historiográficas
tradicionais, de mostrar a presença real das mulheres na história mais cotidiana, sustentado pelo
esforço das historiadoras nos últimos anos (PERROT, 1988, p. 171).
Diante de tal afirmação, justificamse os estudos sobre o papel social das mulheres que se
destacaram pelo seu pioneirismo, na medida em que a análise do discurso feminino em seu
cotidiano pode identificar as contradições vividas pela sociedade brasileira naquele momento
histórico e, ao mesmo tempo, o processo cultural e histórico do qual a mulher foi vítima, compõe
o inventário desta mulhereducadora. E nem sempre será fácil libertarse deste passado (FARIA,
1989 p. 60).
No exercício do magistério, por que é a mulher a “escolhida”? Por que continua sendo,
majoritariamente, a professora ou a “tia”? Em estudos anteriores, por ocasião do mestrado,
investigamos que tal fato se dá devido ao aprisionamento histórico no mundo privado, tornando
se mais difícil para as mulheres, romperem com o modelo hegemônico de um mundo público,
ainda masculino (Faria, 1989).
Durante séculos, o esperado das mulheres seria aceitação, concordância e resignação. No
entanto, algumas mulheres, embora minoria, vêem conseguindo romper lentamente as amarras
do tradicionalismo da sociedade brasileira. Mas esta não é uma tarefa fácil e nem isolada. Só
coletivamente as mulheres poderão, de fato, serem as artífices da sua própria libertação
(CHARTIER, 1995 p. 47).
Em continuidade, a pesquisa recupera os debates acerca da escola, enquanto espaço
privilegiado de formação da cidadania, através da análise das falas e do testemunho de vida de
Maria Yedda. O importante, no entanto, é integrar de forma crítica, cenas distantes ou perdidas
no tempo, buscando incessantemente nos arquivos os restos da memória guardada, mesmo que
seja fragmentada, tentando reconstruir elos e conexões entre as diferentes dimensões do público
e do privado (SAMARA, 2003).
Por outro lado, as mulheres não podem apropriarse de sua história, a menos que
comecem a coletivizar suas experiências, superando o isolamento estrutural sofrido e
compreendendo as causas sociais desta exclusão intelectual. Portanto, os olhares de Maria
Yedda, como acadêmica e cidadã, surgem lado a lado com a construção de um mundo novo, se
somando à tarefa de garantir às mulheres um espaço real de atuação política na sociedade,
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
6. 6 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
considerando que a coincidência da mudança das circunstâncias com a mudança da atividade
humana ou com a mudança dos próprios homens, só pode conceberse e entenderse
racionalmente como prática revolucionária (MARX, 1984).
Assim sendo, o exemplo pessoal tornase instrumento de mudança, assinalando um
movimento que pode contribuir para uma nova consciência coletiva que no caso das mulheres é
passo importante para sua integração em qualquer processo revolucionário (PINEDA, 1982).
É neste panorama, brevemente descrito acima, que se insere o percurso da historiadora
6
Maria Yedda Leite Linhares , com os seus múltiplos olhares....
Primeiros passos:
Origem, infância e ingresso no mundo escolar
A análise do tema da memória feminina, objeto deste artigo, se ancora nas preocupações
do historiador José Honório Rodrigues, como crítico e historiador da própria historiografia
brasileira, quando demarca a diferença entre memória e história (Apud Santos, 2007).
Santos (2007) nos traz as reflexões daquele historiador,
em especial no que se refere à proliferação do uso de certa concepção de
memória, em detrimento da cultura histórica, profundamente atingida pelo golpe de 64 e
pela ditadura militar, que perseguiu historiadores e destruiu instituições, com o objetivo de
impedir o livre exercício da crítica e a destruição dos marcos e símbolos da história oficial
(p. 90).
Se considerarmos que Maria Yedda é protagonista desta história, suas memórias
adquirem uma tonalidade muito especial, por ter sido também uma das historiadoras vítima
daquele movimento de truculência militar, tendo como foco o apagamento da resistência de
professores e alunos e, como conseqüências a fragmentação e esvaziamento da autonomia
universitária.
Embora mantendo o cuidado para não praticarmos um uso abusivo dos caminhos e limites
da memória, queremos estar, através desse estudo, redimensionando o debate com a história,
pois segundo José Honório – só a história é a análise crítica, dinâmica, dialética, julgadora do
7
processo de mudanças e desenvolvimento da sociedade.
A seguir, os primeiros passos de um inventário cercado pela história brasileira e por muitas
reminiscências:
Maria Yedda Leite Linhares nasceu em Fortaleza (Ceará) no ano de 1921, os pais eram do
Rio Grande do Norte e embora não fossem de família ilustre, pertenciam à camada média da
população.Seus pais não freqüentaram escolas, possuindo uma formação intelectual bastante
simples, entretanto buscaram formas de saber e conhecer mais “as coisas do mundo letrado”.
Tal atitude certamente influenciou Maria Yedda, que assim os relembra:
(...) minha mãe era de uma família um pouco mais ilustre, os Brito Guerra (...) filha
de uma viúva pobre. Trabalhou desde menina no ateliê de costura da minha avó, em
6
A obra acadêmica de Maria Yedda sobre a história agrária brasileira se filia hoje aos grandes clássicos da
historiografia nacional, ao lado de nomes como Sérgio Buarque e Caio Prado, com que conviveu, afirmando mesmo
serem eles os nossos “Pais Fundadores” (founding fathers). Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas.
7
Apud Santos, p. 82 José Honório p. 48.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
7. Lia Faria 7
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Moçoró, nunca teve oportunidade de freqüentar escolas, tinha uma instrução bastante
simples. Mas era uma pessoa de espírito extremamente fino. Aprendeu francês sozinha
para poder ler a literatura francesa, o que, numa cidade pequena, do interior, é uma coisa
extraordinária. Meu pai era descendente de imigrantes portugueses, perdeu os pais muito
criança e foi criado por tios, trabalhando desde pequeno (...) também teve uma formação
intelectual precária (ROCHA, 1992, p. 216.).
8
De sua infância, daquela menina de fita vermelha no cabelo , outros acontecimentos
mereceram lugar definitivo, abaixo registramos algumas das experiências mais enriquecedoras:
Nessa época algumas coisas foram importantes para mim: a música que papai
ouvia, a posição crítica de mamãe, sempre contra o poder, o convívio com a família
Linhares, amigos de papai que representavam a riqueza, tinham um nível social mais alto.
Preenchi minha infância com isso, com música, dança, teatro. (ROCHA, 1992, p. 216).
No estado natal inicia a formação educativa em um grupo escolar. Mais tarde, a família se
muda para o Rio Grande do Sul e depois, em definitivo para o Rio de Janeiro (1933).
A seguir, mais recordações, fios entrelaçados que tecem a linha do tempo:
Chegamos aqui em meados de 1933. Nessa história de vai para o Sul, vem para o
Rio, minha vida escolar foi "pro beleléu". No final do ano comecei a me preocupar, porque
estava fazendo 12 anos e não tinha nem curso primário (...) perto de onde morávamos
ficava o Instituto Lafayette, fui até lá sozinha (...) eles tinham um curso de férias intensivo,
que preparava para o exame de admissão ao ginásio. Fiz esse curso, passei e comecei o
secundário no Lafayette. Mas em 1935 nos mudamos e fui fazer o segundo ginasial no
Colégio São Paulo. (ROCHA, 1992, p. 217).
Nesse mesmo período, houve um marcante acontecimento em sua jovem vida acadêmica,
como ela mesma descreve:
Quando eu estava no último ano do ginásio, em 1938, o Ministério da Educação
promoveu uma maratona intelectual com alunos do curso secundário de todo o país. Eram
três matériashistória, matemática e português –, e quem inscrevia os alunos, por série,
eram os colégios. Acontece que nós estávamos querendo fazer um baile de formatura, eu
presidia a comissão do baile, e as freiras estavam com muita raiva de mim porque
achavam que dançar era imoral. Eu quis me inscrever na maratona de história, e elas
disseram que não, que eu ia desmoralizar o colégio. Fui então sozinha ao ministério,
expliquei que o colégio tinha se negado a fazer minha inscrição, mas que eu queria me
inscrever como independente. Eles passaram uma espinafração nas freiras e obrigaram
nas a me inscrever (ROCHA, 1992, p. 217).
Mais adiante, se refere ao primeiro contato, com aquele que seria um amigo e combatente
de vida inteira, o antropólogo Darcy Ribeiro:
Fiz provas escritas, depois houve uma prova de debates com outros alunos
9
quem competiu comigo em Minas, por exemplo, foi o Darcy Ribeiro ... Depois de um mês
8
Cf. Faria – em umas das inúmeras conversas com Maria Yedda Linhares, não só em entrevistas para a
pesquisa sobre Memórias de ExSecretários de Educação (UENF/FAPERJ), mas como exaluna (FNFi, 1967) e, depois
professora nos anos 80 e 90, me ficou este relato, da menina que ao passar a Caravana da Aliança Liberal, colocou uma
fita vermelha para saudar os revolucionários.
9
Embora muito amigos, por mais de 50 anos, era visível para aqueles que conviveram com Darcy Ribeiro e Maria
Yedda,que havia às vezes inconscientemente, uma competição intelectual, que poderíamos caracterizar como saudável.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
8. 8 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
de provas, cheguei em casa com mamãe, voltando de um concerto no Municipal, e lá
estava um telegrama com a notícia: eu havia tirado o primeiro prêmio nacional na
maratona de história. (ROCHA, 1992, p. 217).
Especificamente sobre aquele episódio do concurso, Maria Yedda rememora:
Foi o grande amigo da minha vida e nos conhecemos disputando esse prêmio de
história. Alguns anos depois nos reencontramos (...) essa é minha entrada na história.
História como ocorrência do passado. Não tinha noção nenhuma do que era a formação
do conhecimento histórico (...). História era ter uma boa memória e saber sobre o
Napoleão, sobre os Faraós do Egito (In: Memórias da Educação Pública, 2007).
Por fim, em 1938 concluiu o ginásio, sempre prosseguindo os estudos até tornarse,
menos de vinte anos depois, a primeira mulher catedrática (1954) e também a mais jovem, na
história da universidade pública brasileira. Por outro lado, é digno de nota, ressaltar o breve
período cursado na escola formal, o que nos leva a afirmar que Maria Yedda foi uma intelectual
autodidata, permanentemente inquieta em busca de novos caminhos.
Um longo percurso: trajetória acadêmica e profissional
Ao longo dessa investigação tornouse significativa a participação de Maria Yedda na vida
acadêmica do país, enquanto intelectual e historiadora desde 1939, quando ingressou, como
10 11
aluna, na Universidade do Distrito Federal no curso de história . Naquele momento de
definição da sua vida profissional, sempre determinada, rememorou:
Concluído o ginásio, afinal, pensei: que curso eu posso fazer? Se quisesse
estudar direito ou medicina, teria que fazer dois anos de préjurídico ou prémédico. Além
de não ter o menor gosto por essas carreiras. Na Universidade do Distrito Federal, a UDF,
criada por Anísio Teixeira, eu podia fazer o vestibular direto. Entrei então para lá, para ser
professora de história. Eu não queria propriamente ser professora, na verdade não sabia o
que queria ser. Mas tinha acabado de fazer uma revisão imensa para a maratona, sabia
tudo, de modo que escolhi história (ROCHA, 1992, p. 217).
Em 1940 ganha uma bolsa de estudos do Institute of International Education (EUA),
lecionando português na Columbia University até 1941. Dessa época, destacou que:
Os dois anos que passei nos Estados Unidos foram decisivos para mim. Se houve
um tournant na minha vida, se houve um momento em que a minha cabeça realmente
mudou, foi nos Estados Unidos. Foi lá que aprendi como se organiza um curso, como
deve ser uma universidade. Lá eu percebi que o que havia aqui não era uma universidade,
era quase uma escola secundária, que não tinha a preocupação de formar, orientar ou
conduzir ninguém. ROCHA, 1992, p. 218).
Após o término da bolsa, retornará ao Brasil (1942) e, continuando suas reminiscências,
relembra este momento,
Porém, certamente o fato de Maria Yedda ser mulher, levanta a hipótese de que muitas vezes, não lhe foi permitido
ocupar de fato o primeiro lugar, na vida pública brasileira.
10
Universidade criada por Anísio Teixeira, funcionou de 1932 a 1935, fechada pelo Estado Novo, período da
ditadura do presidente Getúlio Vargas.
11
Naquela época o curso habilitava para história e geografia.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
9. Lia Faria 9
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Meu pai pediu que eu voltasse. Estava numa situação muito difícil aqui, do ponto
de vista material, e queria que eu voltasse para trabalhar e ajudar a família. A partir da
experiência de ensinar português a estrangeiros, quando cheguei pude me manter. Com a
guerra, e a presença aqui de tropas americanas, ensinar português à colônia americana
tornouse até rendoso para mim. Fiz isso até 1943, quando fui trabalhar no DASP
(ROCHA, 1992, p. 219).
Em 1944 conclui o curso de licenciatura em história, tornandose rapidamente em 1946 a
assistente de Delgado de Carvalho, na cadeira de História Moderna e Contemporânea da FNFi.
Sobre este episódio comentou:
Delgado de Carvalho (...) me convidou. Eu já vinha colaborando com ele, durante
o ano de 45 escrevi capítulos de livros didáticos que ele publicou pela Editora Nacional.
Eu tinha uma grande admiração pelo professor Delgado de Carvalho e aceitei ser sua
assistente. A cadeira tinha outro assistente muito mais importante que eu, Antero
Manhães, que dava aulas sobre Renascimento. (ROCHA, 1992, p. 221).
Maria Yedda quando retornou dos EUA, veio com uma outra visão acerca do meio
acadêmico e do papel da Universidade. Alguns anos mais tarde, em 1953, passa no concurso e
recebe o título de livredocência, declarando naquela oportunidade:
Meu primeiro concurso foi para livre docente. Naquela época não havia um
sistema montado de pósgraduação na universidade, de modo que a livredocência supria
o doutorado, e era a única garantia para quem pretendesse suceder a um catedrático (...)
o sucessor do professor Delgado de Carvalho seria o Antero Manhães, que era o livre
docente da cadeira. Mas o professor Manhães faleceu subitamente, fui instada pelo
próprio professor Delgado a fazer a minha livredocência. Como eu gostava de política
internacional, e naquele momento estava ocorrendo uma crise muito grave entre Egito e
Inglaterra em torno do canal de Suez e do Sudão, mandei buscar a documentação
recente, que me faltava, e fiz um trabalho chamado As relações angloegípcias e o Sudão,
analisando a crise de 1951 (Rocha, 1992, p. 229).
Em seguida, em 1957, é aprovada em um segundo concurso, agora para titular de
12
cátedra , sobre aquela ocasião afirmou que:
Esse segundo concurso foi muito puxado para mim. Além da tese havia unia prova
de aula e uma prova escrita muito longa, de seis horas, com ponto sorteado, e eu
precisava ter toda a bibliografia do século XV ao XX na cabeça. Havia mil possibilidades
de temas. O concurso se encerrou em 1957, e consegui me sair bastante bem (Rocha,
1992, p. 229).
Para a historiadora a diferença entre os acadêmicos paulistas e cariocas, estava na
definição do papel que cabia à universidade brasileira. Um dos destaques do ensino na FNFi,
defendido por Anísio Teixeira (Departamento de Educação) e Maria Yedda estava na valorização
da formação dos professores de história para o ensino médio, visto como um profissional
importante na construção da identidade nacional.
12
Maria Yedda foi a primeira catedrática no Brasil. Em seus depoimentos relembrou que só havia uma outra
professora universitária na Escola de Música. Em São Paulo também não havia, Alice Canabrava era uma grande
historiadora e foi reprovada no concurso da USP porque era mulher (Revista Estudos Históricos, 1992).
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
10. 10 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
13
Ao mesmo tempo, se observa o papel político exercido pela FnFi (RJ) no processo
histórico de redemocratização brasileira nas décadas de 50 e 60. Assim sendo, a comunidade
acadêmica do Rio de Janeiro iria contribuir de forma significativa, na luta pela Reforma
Universitária e pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN
14
(promulgada em 1961) .
Dando prosseguimento a uma sucessão de desafios que tão bem caracterizaram a sua
trajetória política e profissional, foi nomeada diretora da Rádio MEC em 1963 e destituída no ano
seguinte pelo golpe militar. Em 1968 é aposentada pelo Ato Institucional nº 5 e após ser presa
algumas vezes e responder a inquéritos policiaismilitares, recebe um convite e vai para a
França, onde é nomeada, pelo Ministério da Educação Nacional, professeur associé.
Inicialmente, atuando em ParisVincennes e, de 1970 a 1974, na Universidade de Toulouse, só
voltando ao Brasil em 1974.
Dois anos depois começa a se dedicar à pesquisa em história agrária brasileira, mais uma
vez inovando, no recémcriado Centro de PósGraduação em Desenvolvimento Agrícola
(FGV/RJ e SEPLAN). Em 1977, organiza e dirige o Programa de História da Agricultura
Brasileira, publicando ainda o livro História do Abastecimento, uma problemática em questão,
15301918. Com a anistia será convidada a lecionar no mestrado da UFF e reingressa na UFRJ,
retomando a função de professortitular.
Novos rumos e novos olhares se apresentam no caminho da incansável historiadora,
durante o processo de redemocratização do Brasil nos anos 80, com a eleição de Leonel de
Moura Brizola (1982), para governador do estado do Rio de Janeiro. É, então, convidada para
assumir a secretaria de educação do município (1983) e em 1986, a secretaria de educação do
15 16
estado , quando do licenciamento da secretária, professora Yara Vargas , que se candidatava
à deputada pelo estado do Rio de Janeiro.
Escola como formação de cidadania
(...) porque a escola pública se tornou o gueto das crianças pobres do Rio de
Janeiro (e do país)? Porque ela deixou de ser um elemento de democratização e de
convivência multiracial, plurisocial (...) Estamos nos defrontando com duas nações e, aqui,
no Rio de Janeiro, com várias repúblicas... As elites têm de se conscientizar de que
prepararam essas duas nações.
17
Maria Yedda Linhares
13
O marido de Maria Yedda, José Linhares percebeu o clima de instabilidade política que se acirrava dentro da
FnFi no início dos anos 60. Tentando solapar o trabalho dos servidores mais progressistas. Vai então a Brasília,
preocupado, procurava vários amigos ministros, entre eles Darcy Ribeiro. No entanto, não foi ouvido quanto às suspeitas
de conspiração contra o governo, pouco depois ocorre o golpe militar (Memórias da Educação, p. 134, 2007, RJ).
14
(...) mais uma vez tornase importante destacar que Maria Yedda faz parte de uma geração de intelectuais e
professores universitários, cuja história se confunde com a gênese da Educação brasileira. Dois daqueles expoentes
serão seus contemporâneos e colegas de trabalho e de sonhos – Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.
15
Maria Yedda também exerce o mesmo cargo (19911993), na SEE, durante o segundo mandato daquele
governador (19911994).
16
A professora Yara Vargas, objeto também de nossas pesquisas (UERJ/UENF/FAPERJ 2000), foi eleita, pelo
Partido Democrático Brasileiro (PDT), com o maior número de votos daquela eleição.
17
Tornase importante registrar a atualidade das palavras “proféticas” de Maria Yedda, na atual crise de extrema
violência porque passam as grandes metrópoles no mundo inteiro, mas em particular, na cidade do Rio de Janeiro. Cf
entrevista concedida no caderno Idéias/ENSAIOS (JB, 29/12/91).
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
11. Lia Faria 11
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Sem sombra de dúvidas, Maria Yedda sempre se destacou pela irreverência e coragem
intelectual, ainda consideradas inesperadas para as mulheres, como ela, nascidas no início do
século XX. Jamais fez parte de grupos fechados, mantendo seu perfil questionador e combativo
através da defesa de suas posições intelectuais e políticas, não se submetendo a
“fundamentalismos”. Tal liberdade de pensamento lhe custou perseguições nos anos 50 e 60, na
antiga FnFi e, posteriormente, por parte da ditadura militar.
Como ela mesma diz, nunca fui membro de partido algum, a não ser agora, do PDT... o
próprio partido comunista desconfiava de mim, por que eu havia estado nos Estados Unidos.
Em tal contexto, falar de Maria Yedda é falar da própria histórica política do Brasil, se
considerarmos que ela conviveu com os intelectuais mais importantes das décadas de 50 a 80.
Sobre amigos e adversários, alguns de seus depoimentos:
18
Era muito comum eu e meu marido pegarmos um avião ... encontrávamos com
Novaes, Alice Canabrava, Otavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso(...). Por que é que o
19
Carlos Lacerda ficou tão meu inimigo a ponto de dizer que a anarquia do Brasil se devia,
entre outras pessoas, à Maria Yedda Linhares? Por que eu desmontei todo o mecanismo
de atuação política dele na Rádio Mec (Rocha, p. 229, 1992).
Sobre o casamento e o marido José Linhares, destacou ter sido um casamento feliz, que
eram muito amigos, tendo tido um casal de filhos e, que atribuía muito de sua formação política
ao marido e a sua família, os Linhares.
Enfim, percebese o intenso movimento da vida no intelectual no Brasil estimulado pelo
processo de redemocratização, com o fim do Estado Novo, ocasião em que Maria Yedda, mais
uma vez, reafirmou suas posições libertárias, relembrando que no final da guerra fui muito ativa
na UNE... minha grande aventura consistiu em trabalhar em uma organização clandestina que eu
não sabia o que era (Estudos Históricos, 1992).
Ainda em entrevista à Revista Estudos Históricos (1992), afirmou que nos anos 60 decidiu
fazer oposição à ditadura militar, se mobilizando politicamente pela primeira vez de forma
20
consciente, (...) o movimento dos professores na passeata dos cem mil , por exemplo, saiu
daqui de casa.
Em seu período como secretária municipal (SME/RJ), entre março de 1983 e julho de
21
1986, atuou ao lado de três prefeitos: Jamil Hadadd, Marcello Alencar e Saturnino Braga. Sobre
esta experiência como gestora pública na educação apontou como ações principais: a criação
dos CECs (Conselho EscolaComunidade); a recriação dos grêmios estudantis (com eleições
diretas) e, a participação dos professores nas discussões e elaboração de programas referentes
à alfabetização, treinamento, conteúdos programáticos, gestão escolar e avaliação. Ao mesmo
18
Em sua relação com os pensadores paulistas lembrou que: Vivíamos sonhando com São Paulo, em pesquisar
como eles(...) desenvolvemos muito mais que eles o curso de formação de professores(...) na época estávamos imbuídos
de que era fundamental formar bons professores de História (Rocha, 1992).
19
Carlos Lacerda (UDN) foi o principal opositor do presidente Getúlio Vargas, governador do exestado da
Guanabara e, aliado dos militares no golpe de 1964, contra o então presidente João Goulart.
20
A passeata dos cem mil reuniu professores, estudantes, artistas e intelectuais, em 1968, num dos principais
atos populares contra o governo militar.
21
Em entrevista concedida confessou: tive mais prazer em ser secretária do município, sobretudo no primeiro
período em que Marcello Alencar foi prefeito (19831985). Foi uma tarefa muito difícil e enfrentei resistências políticas
imensas.Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
12. 12 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
tempo, assinalou a importância das parcerias da SME com a Federação de Associações de
Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ), com a Federação de Associações de
22
Favelas (FAFERJ) e com o CEP (Centro Estadual de Professores/RJ) .
Por ocasião das primeiras eleições presidenciais (1989) pósditadura militar, sinalizou em
23
entrevistas à imprensa, que embora o governo Brizola estivesse naquele momento sendo
veementemente combatido, foi durante a administração do PDT que, paralelamente aos debates
com a categoria, foi aprovado o primeiro plano de carreira dos professores públicos municipais
24
do Rio de Janeiro .
Assim sendo, durante os inúmeros embates ideológicos ocorridos na passagem dos anos
80 para os 90, Maria Yedda nunca se intimidou, sempre se colocando em defesa do direito à
educação e à garantia de uma escola pública efetivamente republicana. É preciso, portanto,
considerar a particularidade política daquele momento de grande comoção nacional, as vésperas
de uma eleição presidencial após mais de vinte anos de regime de exceção.
Na oportunidade, citamos falas da professora que desvelam tensões e contradições
dialéticas vividas na passagem do velho para o novo, no Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90,
25
permeadas pelos interesses dos diferentes grupos e partidos políticos :
Cumpre–me, ainda, rememorar que foi o governo Brizola o único a convocar
52.000 professores de primeiro grau, sob o titulo “Vamos passar a escola a limpo”, para
uma ampla consulta na criação do Programa Especial de Educação, do qual fazem parte
26
os CIEPs. (...) A redução do Programa Especial de Educação a uma questão de custo
eficiência é uma simplificação falaciosa. É exatamente assim que os defensores da escola
particular atacam a escola pública. Foi com base nos mesmos argumentos que, tanto o
governo Moreira Franco, como o exprefeito Saturnino Braga reduziram os investimentos
na área de educação, inviabilizando os CIEPs (LINHARES, 1989)
O que se depreende ao longo deste estudo é que Maria Yedda tem na História o seu rumo
mais constante, enquanto professora e pesquisadora, continuando até os dias atuais, com mais
de 80 anos, atuando nessa área do conhecimento. Nos últimos anos, vem se dedicando a
diversas atividades, incluindo pesquisas e aulas.
Em entrevista recente, falou dessas últimas experiências:
Como professora emérita, tenho o privilégio de poder continuar
trabalhando...Fazendo conferências, orientando, participando em mil atividades de
22
Hoje SEPE, Sindicato Estadual de Professores do Rio de Janeiro. Maria Yedda em resposta, concedida pelo
jornal O Globo (1989), ao jornalista do PT, César Benjamin, relativa à matéria – Brizola fechou mais escolas do que abriu,
contestou, afirmando inclusive que o CEP, fechado pela ditadura, havia sido reaberto no início do governo Brizola.
23
Durante o pleito eleitoral de 1989, as forças políticas progressistas e de esquerda, travaram um duelo acirrado
entre dois candidatos, Lula pelo PT e Brizola pelo PDT.
24
A lei era de autoria do então vereador Aloísio de Oliveira, depois eleito deputado estadual, sempre pelo PDT.
Nos últimos anos o parlamentar afastouse totalmente da vida pública.
25
Ver Gramsci (1978) sobre relações entre sociedade civil e sociedade política.
26
O I Programa Especial de Educação (I PEE), foi coordenado por Darcy Ribeiro e Maria Yedda Linhares no
primeiro governo Brizola (19831986), que estiveram a frente também do Encontro de Mendes, ponto culminante das
discussões sobre os CIEPs, pelo professorado carioca e fluminense.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
13. Lia Faria 13
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
natureza acadêmica, inclusive escrevendo muito, sobretudo depois que me viciei no
computador (essa invenção maravilhosa e ligeiramente diabólica). Tenho vários projetos
em andamento, e tenho varado madrugadas no meu computador, escrevendo sem parar.
(MURILLO, p. 04, 2006).
Ao fim e ao cabo, a intelectual Maria Yedda, sinaliza que o sucesso da escola pública
27
significa uma questão de sobrevivência se quisermos existir como povo e nação e com o olhar
de historiadora, utiliza o exemplo da Revolução Francesa para justificar tal pensamento:
a França quando resolveu instaurar o ensino público, republicano, praticamente
enfrentou um estado de guerra civil. Mas, a burguesia francesa manifestou uma
consciência nacional impressionante e conseguiu impor o seu projeto de republicanização
do país, através da escola pública (Rocha, 1992).
Parafraseando Maria Yedda, acreditamos que enquanto os setores mais esclarecidos e
privilegiados da sociedade brasileira não conferirem à escola pública, o locus político necessário,
não haverá solução possível para os críticos problemas sociais que o país enfrenta atualmente.
É urgência democrática começarmos já, pois, a França levou cem anos, depois da Revolução
Francesa, para universalizar o ensino primário público e laico...
À guisa de uma conclusão
E fico pensando: será que fiz mesmo alguma coisa? De algo tenho certeza; gostei
muito de ser professora.
Hobsbawn (1998) afirma que existem três formas de desfrutar do passado: buscar o
modelo ideal, as glórias para o orgulho da nacionalidade ou os elementos para problematizar o
presente. Este último aspecto se insere nesta pesquisa, na medida em que a recuperação de
memórias, falas e discursos nos ajudam a melhor compreender e debater concepções
impregnadas no processo histórico, no caso em tela, as memórias femininas sobre a genealogia
da educação fluminense.
Para efeito deste ensaio, recolhemos no passado olhares que nos ajudam a problematizar
os dias atuais. Deste modo, ao trazer a trajetória de Maria Yedda Linhares, trabalhamos, pois,
com a possibilidade de apropriação diferenciada de como as mulheres/educadoras são vistas,
desenvolvendo um relato da história que não toma clivagens macroscópicas (o político e o
econômico, por exemplo) como únicas categorias explicativas.
Poderseia dizer que todas as implicações que fazem parte do universo cultural da
mulherprofessora, têm uma interferência direta no processo ensinoaprendizagem,
apresentando muitas vezes dificuldades instransponíveis para que a professora consiga, de fato,
ensinar e o aluno, finalmente, aprender. Entretanto, só uma análise crítica da história da
educação brasileira poderá trazer uma melhor compreensão das dificuldades enfrentadas pelos
28
sistemas públicos de ensino no Brasil. O que se pode dizer de uma história muda, no que se
refere a sujeitos e acontecimentos tradicionalmente silenciados ou apagados nas pesquisas
históricas, instituindo outras representações de mulher, de educação e da própria história.
27
Com essas palavras finais, Maria Yedda concluiu sua comunicação, Os Centros Integrados de Educação
Pública – CIEPs um balanço, no Encontro Nacional de Mulheres do PDT (Brasília, jun/1989).
28 Cf. CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
14. 14 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Segundo Costa (2003), vozes inaudíveis, seriam ampliadas através de uma outra
orientação, denunciando o quanto a historiografia de diferentes épocas manteve tantos sujeitos
históricos, inclusive as mulheres, silenciados, por colocálos em áreas de notável invisibilidade
(p. 190).
Tratase, deste modo, de operar em um registro bem determinado da história, desse devir
contínuo que é a trajetória de uma educadora com mais de 80 anos e, mesmo assim, ainda
atuando no magistério superior. Seja como for, a sua principal causa permanece: a busca pela
qualidade da Universidade e da Educação Básica, públicas/republicanas.
Como foi observado anteriormente, muda ainda é a história feminina, no entanto,
caminhamos sim, em direção ao seu reconhecimento. Tornandose importante questionar, neste
momento, porque não encontramos pesquisas tendo como objeto as políticas educativas
implantadas por Maria Yedda, enquanto dirigente das secretarias municipal e estadual (RJ), nos
anos 80/90, considerando a importância de sua gestão e já haver se passado mais de uma
década.
De um outro modo, o que se observa através da análise dos documentos oficiais da SME
(RJ) e notícias de jornais, é que nos anos 80, a gestão Maria Yedda operou de fato, uma
transformação significativa no ensino municipal através de ações que implantaram, por exemplo,
as classes de alfabetização (CA), possibilitando o acesso às crianças de 0 a 6 anos, até então
excluídas.
29
Digno de nota também foi a extinção do terceiro turno escolar , ampliando a carga
horária, dando assim os primeiros passos em direção à concepção de educação integral.
Todavia, conforme já assinalado em nossa revisão de literatura não encontramos trabalhos que
privilegiassem, como objeto de estudo, aquele período tão importante da educação fluminense,
no que se refere, mais especificamente à capital do estado.
Em nossas considerações finais apontamos a posição que historicamente a escola
brasileira assumiu neste embate em relação a questão de gênero, a resposta mais ou menos
imediata seria que a escola tem ajudado, muitas vezes, a consagrar os tradicionais papéis
femininos o que é provavelmente parte da verdade, mas não toda a verdade. Segundo
Thompson (2001), é imprescindível perceber a visão historiográfica, que relegou por séculos, as
mulheres a um segundo plano: há períodos históricos inteiros em que um sexo foi negligenciado
pelo historiador, pois as mulheres são raramente vistas como atores de primeira ordem na vida
política, militar ou mesmo econômica (p. 229).
A partir desse pensamento, se reitera a importância de espaços dedicados ao pensamento
feminino de mulheres do status intelectual de Maria Yedda Leite Linhares, garantindo assim a
visibilidade política merecida e duramente conquistada por essas mulheres. É preciso considerar
30
que a compreensão crítica de si mesma, advém de uma luta de ‘hegemonias’ políticas , primeiro
no campo da ética, depois no da política, para chegar a uma elaboração superior da própria
concepção do real. Logo, a consciência de ser parte de uma certa força hegemônica (isto é a
consciência política) é a primeira fase para uma ulterior e progressiva autoconsciência
(GRAMSCI, 1993).
29
Cf. Memórias da Educação Pública (p. 157, 2007), com o objetivo de extinguir o 3º turno, o governo Brizola
construiu mais de 200 escolas préarmadas, um meio prático, barato e rápido, idealizado por João Filgueiras Lima,
arquiteto carioca, mundialmente conhecido.
30
Cf. Louro, 2001. Ver as relações sociais de poder e a história das mulheres na sala de aula.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
15. Lia Faria 15
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Enfim, também fazemos parte desta história, vamos nessa estrada, acompanhadas por
muitas outras mestras das artes de educar e de viver/sobreviver num mundo, ainda
hegemonicamente masculino. Nesta perspectiva, o percurso de Maria Yedda Linhares merece
31
além de reconhecimento político e intelectual, uma análise atenta e aprofundada, pois é
necessário considerar que sua atuação, sobretudo no exercício das políticas públicas, vai de
encontro aos principais debates educacionais acerca da educação brasileira até os dias de hoje.
Portanto, os múltiplos olhares da profissional, historiadora e cidadã Maria Yedda Leite
Linhares, que há tantas décadas trabalhou (e ainda trabalha), imaginou (e ainda imagina),
projetou (e ainda projeta) a utopia de uma escola pública, enquanto locus universal, democrático
e igualitário demarca a oportunidade e importância deste estudo. Ao fim e ao cabo, esperamos
estar contribuindo com este texto para a construção, no horizonte, de um Brasil Republicano.
32
Como bem diz Adélia Prado , Maria Yedda inaugurou linhagens, fundou reinos. Enfim, foi
desdobrável...
Referências
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p. 3748.
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temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Casa da Palavra, 2003.
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GONDRA, J. G.. h=P/p Reflexões acerca das servidões da história. In: VII Encontro sulrio
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Perspectivas comparadas, 2001, Pelotas RS. Pesquisa em História da educação: Perspectivas
comparadas. Pelotas: UFPel, 2001. v. 1. p. 206220.
31
Por ocasião da comemoração dos 80 anos de Maria Yedda, antigos alunos e colaboradores publicaram o livro:
Cf. FRAGOSO, João, MATTOS, Hebe Maria & SILVA, Francisco Carlos Teixeira. (orgs.) Escritos sobre educação:
homenagem a Maria Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001.
32
Poema Com licença poética. In:Homenagem do SINPRO (Sindicato dos Professores de Nova Friburgo e
Região, 2007).
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
16. 16 História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
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HOBSBAWM, Eric. Sobre Historia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LINHARES, M. Y. L. Os Centros Integrados de Educação Pública: CIEPs – um balanço.
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VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
17. Lia Faria 17
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VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
18. Cultura Escolar Migrações e Cidadania Actas do VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da
Educação
20 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto)
ISBN xxxxxxxxxxxxx
Vozes femininas do oitocentos – o papel das
preceptoras nas casas brasileiras
Maria Celi Chaves Vasconcelos
1
UERJ
Mesa Coordenada: Educação, género e história
Coordenador: Lia Faria
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
EIXO 4 – Inclusão, género e etnia
1. Introdução
A educação doméstica foi uma modalidade de ensino difundida a partir de seu emprego na
educação de príncipes e nobres e utilizada ao longo dos séculos, com as mesmas
características, em diferentes contextos, datados de diferentes épocas, que vão do século XVI
até o século XIX.
No Brasil, é, no século XIX, que essa prática adquire a sua maior importância, aliada ao
estatuto de modernidade e civilidade aspirados dos países tomados como referência,
principalmente, da Europa ocidental.
Copiada dos modelos estrangeiros, a prática de educar os filhos nas casas, conceituada
como educação doméstica, era uma forma recorrente de educação nas classes mais abastadas
do Brasil Imperial, realizada por preceptores ou professores particulares, denominados como
“mestres das casas”. Os preceptores residiam na casa de seus alunos acompanhandoos não só
nas lições diárias, mas também em atividades cotidianas como missas, passeios e outros. Já os
chamados professores particulares visitavam as casas de seus alunos, semanalmente, com dia e
hora estabelecidos, ministrando aulas de primeiras letras ou de disciplinas específicas. A
duração dessa forma de educação era variada, e o próprio mestre atestava quando o aluno já
estava apto a prestar exames ou para concluir os ensinamentos, ou ainda, a família decidia
quando era chegada a hora de dispensar os serviços do mestre.
1
Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e professora da
Universidade Católica de Petrópolis – UCP, no Curso de Mestrado, na linha de pesquisa de Políticas e Instituições
Educacionais.
19. Maria Celi Chaves Vasconcelos 19
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
Desde as primeiras décadas do oitocentos, a maneira mais usual para a contratação de
preceptores e professores particulares era através de anúncios colocados nos jornais da época,
nos quais tanto eram solicitados os serviços de mestres para a educação doméstica, como
também os próprios mestres ofereciam seus préstimos. Considerando uma amostra de
periódicos de grande circulação entre os anos de 1839 e 1889, podese depreender que tal
conduta permanece atravessando todo o século XIX, modificandose apenas na denominação,
exigências e quantidade da oferta e demanda existentes. Inicialmente, na primeira metade do
oitocentos, os anúncios solicitavam “uma senhora”, “um senhor”, “quem ensine”, “uma pessoa”,
registrandose mesmo um anúncio que buscava “qualquer pessoa”, desde que tenha “mais de 40
2
anos de idade” e “boa letra” . Como a solicitação era genérica, as características é que
descreviam o fim para o qual se destinava a vaga para “uma senhora” ou “um senhor”, pois,
geralmente era exigido que apresentassem excelente conduta, idade, independência da família,
ser solteiro ou solteira, entre outros atributos pedidos aos que se encarregavam da educação dos
filhos das famílias brasileiras.
Além da “afiançada conduta” que vai estar sempre presente como característica desses
ofícios, a partir da segunda metade do século XIX, as habilitações passam a ser valorizadas,
sendo registradas em alguns anúncios como “homem de boa conduta, que esteja habilitado para
ensinar”, porém, mantêmse as referências mais voltadas para a condição pessoal com destaque
para “idade avançada e bons costumes”, “homem de 40 anos casado”, “senhora estrangeira
capaz”, ou “em estado de ensinar”. Dessa forma, são colocados como requisitos tanto “ter as
3
habilitações necessárias” como, ou também, “ter os predicados exigidos” .
Conjugando conduta pessoal, condição social e habilitações, os anúncios colocados em
periódicos podem ser observados de forma crescente ao longo de todo o período estudado,
percebendose que essa modalidade de educação foi sendo ampliada em número de usuários,
acompanhando os demais movimentos que aconteciam, especialmente, a progressiva
importância que a instrução vai adquirindo no oitocentos.
À medida que aumenta o número de famílias que buscam a educação doméstica para
seus filhos, também vai ocorrendo a institucionalização dessa prática que começa a ter os seus
próprios códigos de realização e, entre eles, destacase a participação significativa de mulheres,
disputando com os homens as mesmas possibilidades de atuação como preceptoras e
professoras particulares nas casas das elites brasileiras.
Nesse sentido, é possível localizar na década de 70 do oitocentos, o início da supremacia
das mulheres nas funções relativas à educação doméstica e, conseqüentemente, o declínio do
número de anúncios colocados por homens nessas funções, particularmente, no que se refere a
professores particulares, pois, na preceptoria, a hegemonia feminina já era observada desde a
década anterior, só havendo mulheres candidatandose a ensinar e residir nas fazendas e casas
dos alunos. Tal fato, no Brasil, pode ser justificado pela própria natureza das funções exercidas
pelos preceptores, uma vez que precisavam residir junto às famílias de seus alunos, bem como
entrar na intimidade das casas senhoriais, sendo essas características mais apropriadas a
atuação feminina do que a masculina. A preceptoria, portanto, era uma prática constantemente
exercida por mulheres, tendência que perdurará por todo o período, estando ainda presente no
limiar da República.
2
Cf. Jornal do Comércio, 18/01/1839, p. 4.
3
Cf. Jornal do Comércio, 16/01/1849, p. 3.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
20. 20 Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
As funções e atribuições dessas personagens tão comuns no oitocentos também se
confundem com o cotidiano de mulheres letradas, especialmente estrangeiras, que eram
majoritárias no desempenho de tais ocupações.
2. A preceptoria como uma ocupação feminina
As características da educação doméstica praticada pelas elites e constatadas em
inúmeras fontes, autorizam a afirmação de que era comum a contratação de mulheres como
preceptoras. Mais do que isso, a atuação de mulheres na preceptoria é bastante significativa,
sendo uma das poucas ocupações aceitas e admitidas para aquelas que não tinham quem
provesse o seu sustento e precisavam de um trabalho fora de suas casas. Mesmo assim, apenas
as mulheres que haviam recebido algum tipo de educação é que podiam candidatarse a esses
fazeres, pois eram exigidos inúmeros conhecimentos pelos pais ávidos de educar seus filhos à
semelhança da nobreza e da aristocracia. Nesse sentido, abrese um campo de atuação
privilegiado para mulheres estrangeiras ou brasileiras que acabavam de chegar ou voltar da
Europa, pois o simples fato de ser estrangeira ou ter vivido na Europa parecia ser condição
suficiente para se tornar preceptora, mais ainda, analisandose os critérios estabelecidos para a
oferta dos serviços, constatase ser um diferencial de qualidade ter uma preceptora estrangeira
ou fluente nos idiomas mais apreciados na sociedade oitocentista. Há registros, portanto, de
muitas mulheres estrangeiras, cujo sustento no Brasil provinha unicamente da ocupação como
preceptoras.
Quanto à nacionalidade das preceptoras, parece não ser importante informar o país de
origem, pois a condição de estrangeiras já era suficiente, localizandose diversos anúncios do
4
tipo “uma senhora estrangeira, com habilitações dispondo ainda de algumas horas” , “uma
5
senhora estrangeira recentemente chegada da Europa” , “uma senhora estrangeira com muita
6
prática para ensinar” . Ainda assim, entre as candidatas que se oferecem como preceptoras,
registramse, no período analisado, alemãs, francesas e suíças.
Ao contrário da nacionalidade que não era totalmente explícita, é muito observada nessa
época a conduta moral das preceptoras, provavelmente por se tratar de uma das poucas
profissões aceita para mulheres e por colocálas em contato íntimo com a família contratante.
Dessa forma, são solicitadas informações relativas à condição moral e social da pretendente ao
cargo de preceptora como que “dê abono de sua capacidade moral” ou “exigese as melhores
recomendações”.
As preceptoras intitulavamse professoras e algumas, já nas últimas décadas do
oitocentos, ao oferecerem seus préstimos pelos jornais, apresentam as suas habilitações que
vão desde uma “professora aprovada pelo conselho de instrução pública e pela academia de
7 8
BelasArtes” , “professora aprovada pela instrução pública e pelo conservatório de música” , e
4
Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 2.
5
Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3.
6
Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 2.
7
Cf. Jornal do Comércio, 01/01/1879, p. 6.
8
Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 6.
VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação
21. Maria Celi Chaves Vasconcelos 21
Mesa coordenada: Educação, género e história Coordenada por: Lia Faria
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“com carta da instrução publica para lecionar” , até “um com longa prática de ensino, tendo feito
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seus estudos em Paris” .
Apesar da recorrente nomenclatura de professoras, a maioria não informa como ou onde
esse título foi conseguido, parecendo que o mesmo é atribuído a todas aquelas que atuam na
educação de crianças e jovens.
Outro diferencial para a contratação de preceptoras era a posição social e a fortuna que
possuíam os patrões para os quais já houvessem trabalhado. Portanto, era contada como uma
excelente referência “uma professora com diploma para ensinar e de habilidade, ensina o
francês, inglês, português, piano e outras matérias de educação, a mesma durante alguns anos
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esteve como professora em casa de uma respeitável família brasileira” , ou ainda, “uma
professora aprovada pelo conselho de instrução pública, tendo lecionado nos primeiros colégios
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e casas de família importantes, tendo horas vagas aceita discípulas” , e “uma professora
estrangeira, que educou por espaço de quatro anos as filhas de uma família distinta, que se
retirou para a Europa, deseja ser empregada como governante em uma casa de família de
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tratamento nesta corte ou no interior” .
O tempo na função de preceptora também parece ter sido mais um atrativo para os que
buscavam esses serviços, pois, sucedemse anúncios que informam a idade das pretendentes
ao cargo de professoras particulares ou preceptoras das famílias, demonstrando que, quanto
maior a idade, mais adequadas estavam as candidatas ao exercício dessas funções, levandose
em conta, que a faixa etária a partir dos 30 anos já era vista como de “meiaidade”. Oferecemse,
nessa perspectiva, “uma senhora que leciona, há muito tempo”, “com muita prática do ensino”,
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“ocupação que a mesma senhora exerce desde muitos anos” .
A preferência por mulheres estrangeiras também estava relacionada a questões étnicas e,
portanto, nem todas as candidatas que se ofereciam para tal cargo poderiam ser consideradas
aptas a educar os filhos das famílias abastadas, como pode ser observado em dois anúncios que
estabelecem como predicados às candidatas ao lugar de preceptoras o fato de serem brancas:
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“qualquer Sr. viúvo com filhos, que precisar de uma Sra. Branca viúva, muito capaz” e “quem
precisar de uma Sra. Branca, para ensinar algumas meninas a ler, escrever, contar, coser,
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bordar, marcar, e cortar, ou mesmo para tomar conta de alguma casa de pouca família” .
Chama atenção ainda, em outro anúncio do período, ser solicitada uma “senhora inglesa” para
“tomar conta e passear com uma criança de um ano”, tarefas essas que normalmente eram
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referidas na compra e venda de negras escravas .
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Cf. Jornal do Comércio, 09/01/1879, p. 4.
10
Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 7.
11
Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3.
12
Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1879, p. 6.
13
Cf. A instrucção publica, 27/08/1887, n. 3, p. 8.
14
Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 3.
15
Cf. Jornal do Comércio, 22/01/1839, p. 4.
16
Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1839, p. 4.
17
Cf. Jornal do Comércio, 10/01/1839, p. 4.
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22. 22 Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras
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A partir do final da primeira metade do século XIX, vão progressivamente multiplicandose
os anúncios de educação doméstica e, conseqüentemente, tornandose essa prática mais
acessível não apenas às elites que dela já faziam uso, mas às classes intermediárias que
também podiam dispor desses serviços. No entanto, a educação doméstica parece ter sido uma
prática imprescindível à elite. Nesse período, consideravase um diferencial social a educação
passar pela Casa. Dessa forma, mesmo aqueles cujos filhos freqüentavam algum colégio, ou
aqueles que os educavam eles próprios, em determinado momento necessitavam dos serviços
de uma preceptora. É o que atesta o anúncio de 25 de janeiro de 1849, no qual é solicitada “uma
senhora estrangeira, capaz, em estado de ensinar inglês, francês, piano, canto e desenho, para
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concluir a educação de uma menina em uma das fazendas desta província” .
Empregandose para “educar” meninas e meninos, dominando os diversificados
conhecimentos exigidos para tal e ocupando um cargo ambicionado por estrangeiros que vinham
para o Brasil, as preceptoras não poderiam ser desprovidas de um lugar representado como
privilegiado nas estruturas sociais existentes. Entretanto, havia um limiar muito tênue entre o
respeito e reconhecimento à sua posição social e à condição de empregadas das elites, tratadas
como tal. Nesse sentido, podem ser observadas preocupações por parte das preceptoras,
levandoas a certificarse do lugar que ocupariam na casa e do tratamento que receberiam de
seus senhores. É o que se observa no seguinte anúncio: “uma professora viúva, de exemplar
conduta, deseja ir para algum colégio ou fazenda perto da corte, ou para casa de algum
brasileiro viúvo de probidade, pouca família e de algum tratamento, como governante: só exige
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ser tratada com distinção.” E ainda, na solicitação registrada: “precisase para uma fazenda do
município de Parahyba do Sul, de uma senhora habilitada a ensinar meninas, que saiba piano e
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canto e todos os trabalhos de agulha e afiançase o bom tratamento” .
Em relação aos conhecimentos ensinados pelas preceptoras, os mesmos deveriam
atender aos desejos da família que as contratava, o que fazia com que as candidatas a essas
funções devessem possuir um leque variado de conhecimentos e habilidades, a fim de satisfazer
as aspirações de educação das elites. Eram os pais que escolhiam, entre as matérias
consideradas de educação, aquelas mais adequadas aos seus interesses para que fossem
ministradas aos seus filhos. Dessa forma, em todos os anúncios observados ao longo das
décadas do oitocentos, apenas em alguns casos há coincidência de matérias lecionadas pelas
preceptoras, pois as combinações são as mais diversas e relativas às habilidades de quem as
ensinava. Excetuandose o português e o francês, que quase sempre estavam presentes nas
lições oferecidas, os demais conhecimentos ensinados variavam entre as áreas consideradas
como importantes à formação de meninos e meninas, resguardadas, sem dúvida, as
especificidades de cada gênero.
São oferecidos indistintamente para a educação doméstica, nas mais diversas
combinações, desde 1839 até 1889, além de “primeiras letras” e “instrução primária”, –
caracterizadas como o ensino da escrita, leitura e contas –, ensinamentos de português e
francês prioritariamente, seguidos de latim, inglês, alemão, italiano, espanhol, caligrafia,
literatura, composição, religião, música, piano, solfejo, canto, rabeca, gramática portuguesa,
latina, francesa e inglesa, lógica, matemática, geometria, aritmética, álgebra, contabilidade,
escrituração mercantil, física, botânica, história universal, história do Brasil, geografia, desenho,
pintura e aquarela.
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Cf. Jornal do Comércio, 25/01/1849, p. 4 – grifo meu.
19
Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1869, p. 3.
20
Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1869, p. 3.
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Para as meninas, havia conhecimentos específicos a serem aprendidos como bordar,
coser, marcar, cortar, dançar, trabalhos de agulha, caia a ouro, prata, matiz e escama de peixe,
tricot, filot, flores, obras de fantasia, recortar estofos, veludos e outros trabalhos manuais.
Quanto às especificidades de ensinamentos dados a meninos e meninas, o editorial do
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periódico intitulado A instrução publica , publicado em 1875, fazia críticas à educação feminina,
principalmente àquela dada na casa, que na visão do autor era insuficiente para as necessidades
da mulher, como já o era para os homens. Além disso, o editor chamava a atenção para o fato de
que as mulheres deveriam educar as mulheres, bem como os homens deveriam ser educados
por homens:
E a mulher deve ser educada pela mulher, assim como o homem deve ser
educado pelo homem; porque o exigem as leis da natureza, porque o exigem certas
afinidades de sexo, digamolo assim, em virtude das quais o ente que em sua maneira
geral de sentir, de conhecer e de querer, mais conforma com outro, a este melhor
transmite suas idéias e doutrinas, melhor o instrui e o educa. (p. 138).
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O editor faz ainda críticas às professoras, preceptoras e governantas estrangeiras,
afirmando que a “mulher brasileira deve ser educada pela mulher brasileira”, pois os povos
teriam uma individualidade própria que não se podia esquecer e contrariar “sem contrafazerlhes
o gênio, a índole e o caráter”. A esse respeito, cita um “escritor moderno”, o qual condena a
utilização de preceptoras estrangeiras, não só pelas diferenças culturais e lingüísticas, mas
também por ser esta prática, uma dentre tantas, “do excessivo hábito brasileiro de copiar a
França”.
Somese a essas críticas o fato de que não havia compêndios brasileiros, pois “são todos
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os compêndios em língua estrangeira” , o que fazia com que o “aluno que não está bem
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corrente nessa língua, ou mesmo pouco sabe dela, não compreenda o que estuda” .
O contrato realizado entre os pais e as preceptoras era informal, baseado no acordo
estabelecido na maioria das vezes verbalmente. Dessa forma, era muito comum tanto a dispensa
dos serviços a qualquer tempo, como também as mestras declinarem da função. Para garantir a
permanência nas casas até a finalização dos ensinamentos, por vezes esse acordo já tinha que
ser definido no anúncio da solicitação, como no exemplo a seguir:
PROFESSORA. Precisase de uma professora que esteja disposta a ir para fora
da corte, fazendo um contrato por longo tempo: exigese que a professora conheça
bem a língua portuguesa; tratase na rua do Hospício n. 49, ao meiodia. (Jornal do
Comércio, 29/01/1879, p. 4 – grifo meu).
A rotatividade e descontinuidade dos serviços de educação, na casa, também podem ser
comprovadas no relato da preceptora Ina Von Binzer (1994):
É uma verdadeira sorte não se firmarem contratos aqui, nem se multarem as
rescisões. Mesmo constantemente ameaçadas de ser dispensadas mais dia menos dia,
podemos pelo menos fazer nossa trouxa quando julgamos que é demais. (p. 90).
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Editorial de Alambary Luz em A instrução publica, 1875, ano IV, n. 19.
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Idem, ibidem.
23
Ibidem.
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Ibidem.
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