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2. JOHN LOCKE E O ESTADO LIBERAL
John Locke ocupou-se ativamente dos assuntos políticos de seu país.
Defensor radical do liberalismo político foi obrigado a refugiar-se na Holanda durante
o período que compreende a fase final da restauração da Monarquia Absoluta dos
Stuart e a Revolução Gloriosa (de 1683 a 1689). Da Holanda, contribuiu ativamente
para a elaboração das bases teóricas da monarquia parlamentar inglesa, da qual era
incondicional defensor. Além disso, ficou responsável pelos preparativos do envio de
Guilherme de Orange e sua esposa Mary Stuart para a Inglaterra. Voltou em 1689
para sua terra natal (no mesmo navio em que viajava o casal real) e recebeu todas
as honras que lhe era dividida, pela elaboração do Primeiro e do Segundo Tratado
sobre o Governo, suas grandes obras políticas. Era a grande preocupação, mas
também o contentamento de Locke com o curso que as coisas tomavam em seu
país de origem. Vejamos o que ele diz no prefácio de uma de suas obras:
A obra deve contribuir para consolidar o trono de nosso grande salvador, o
atual rei Guilherme, demonstrar a legitimidade de sua aspiração ao
consentimento do povo [...] e justificar o povo inglês diante do mundo, cujo
amor aos seus direitos e justos e naturais, ligado à determinação de
preservá-los, salvou a nação quando esta se encontra à beira da ruína e da
escravidão. (apud HELFERICH, 2006, p. 187).
2.1 - O ESTADO DE NATUREZA OU PRÉ-CIVIL
Para o pensador inglês, o ser humano, em seu estado pré-civil, encontra-se
sob o conjunto das leis da natureza que, se seguidas, podem garantir uma condição
de relativa paz e cooperação mútua. Em seu estado natural, o homem tem direitos
naturais inalienáveis, irrenunciáveis e irrevogáveis, dentre os quais estão: a vida, a
liberdade, o próprio corpo, mas principalmente a propriedade privada de bens.
Locke via no conjunto dos direitos naturais a estrutura fundamental da lei da
natureza regulamentadora do estado de natureza. Em outras palavras, no estado
pré-civil, os homens livres e iguais viviam sem governo, pautando-se somente por
uma lei natural segundo a qual, agindo de maneira estritamente racional, ninguém
deve infligir danos ou prejuízo à vida, à liberdade, ao corpo e à propriedade de
outrem.
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No entanto, as pessoas nem sempre observam os preceitos de tal lei, pois, no
estado de natureza, todos os seres humanos são juízes em causa própria e, agindo
de maneira irracional, podem dar início a um estado de instabilidade e disputa
extremamente complicado, pois não haveria instituição capaz de restaurar e fazer
prevalecer o direito da razão, ou seja, o conjunto de direitos que o ser humano
possui por natureza.
2.1.1 - O CONTRATO SOCIAL E A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO CIVIL
Como podemos ver, somente o estado de natureza não é suficiente para a
existência do ser humano, pois se trata de um estado para seres racionais, em
outras palavras, para pessoas cuja conduta fosse pautada pelo conjunto de leis
naturais, mas como os homens nem sempre agem de maneira racional, faz-se
necessária a constituição de uma instância independente, que possa, de maneira
isenta, resolver as pendências entre os homens. Assim, John Locke, destacando a
origem democrática do poder político, defende que a elaboração de um contrato
social não tem outra razão senão a necessidade de garantir, a partir de um pacto
entre os indivíduos, a manutenção dos direitos naturais, especialmente o desfrute da
propriedade.
A partir do que foi visto até aqui, entendemos o estado civil como o estado
que sucede o estado de natureza, constituído para fundar as estruturas básicas do
convívio social sob a influência e fiscalização de uma autoridade legitimamente
constituída para tanto. Então, o estado civil é a garantia de uma convivência racional
entre os indivíduos.
O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em
comunidades, colocando-se eles sob um governo, é a preservação da
propriedade privada, para esse objetivo muitas condições faltam no estado de
natureza: Primeiro, falta uma lei firmada, conhecida, recebida e aceita
mediante consentimento comum, como padrão de justo e do injusto e medida
comum para resolver quaisquer controvérsias entre os homens; porque
embora a lei da natureza seja evidente e inteligível para todas as criaturas
racionais, os homens desviados pelos interesses [...] não são capazes de
reconhece-las como lê que os obrigue nos casos particulares. Em segundo
lugar, falta um juiz desconhecido e indiferente com autoridade para resolver
quaisquer dissensões, de acordo com a lei estabelecida; porque sendo cada
homem neste estado o juiz e executor da lei da natureza, sendo os homens
parciais para consigo [...] a negligência e indiferença os tornam por demais
descuidados nos casos de terceiros (LOCKE, 1973, p. 88).
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O acordo feito entre os homens deve ter como base o consentimento dos
indivíduos, e não com a submissão, como defendia Hobbes. Ainda, para efeito de
comparação, enquanto para Hobbes o poder concedido ao soberano é absoluto e
indivisível, para Locke o poder Legislativo é o mais importante dos poderes, ao quais
outros devem ser subordinados. Tal perspectiva de poder abre espaço para aquilo
que ficaria conhecido como direito de insurreição, ou seja, a possibilidade dos que
são governados, retirando seu consentimento, destituírem os governantes do
exercício do poder.
2.1.2 - O PÚBLICO, O PRIVADO, O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E A
PROPRIEDADE
Distinguindo o público do privado, Locke permanece fiel a suas tendências
antiabsolutistas, pois se mostra contrário à transmissão do governo por
heditariedade, bem como à ingerência do Estado no contexto da vida do cidadão,
principalmente no tocante à propriedade privada. Assim, permite a constituição de
um corpo político unitário voltado para o bem comum e o livre exercício da cidadania
por parte dos cidadãos. Plenamente cidadão, é aquele que tem acesso à
propriedade privada, ou seja, é aquele que pelo concurso de suas mãos e de seu
suor incorporou seu trabalho à terra, dádiva de Deus. A propriedade privada, é
portanto, um direito natural que o ser humano, por meio de seu trabalho, efetiva,
sendo perfeitamente natural que cada um se empenhe, tanto quanto possível, em
apropriar-se de bens. Nesse contexto, os homens diferenciam-se e qualificam-se
pela posse desigual de bens, e são tanto mais racionais e aptos quanto maior forem
suas posses.
Uma vez que para Locke, como já vimos, já no estado de natureza o
procedimento racional equivale ao procedimento dos que possuem
propriedade, todos os que não possuem propriedade também são pouco
racionais. O trabalhador assalariado e o pobre dependente da assistência
social não pensam muito; e vivem com poucos recursos. Para Locke isso é
conseqüência da conformação natural e inalterável das coisas neste mundo.
Além disso, a pobreza era considerada, na época de Locke, sinal de
corrupção moral ou conduta irracional. (apud HELFERICH, 2006, p. 189 –
190).
2.1.3 - IMPORTÂNCIA E INFLUÊNCIA DE SEU PENSAMENTO
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Locke estava interessado nos grandes temas da filosofia tradicional: o sujeito,
o mundo, Deus, e principalmente, o conhecimento e a política. Foi contemporâneo
de Hobbes, mas, ao contrário dele, era liberal e tinha convicções parlamentaristas.
Sua obra foi decisiva para a formação das democracias liberais do ocidente. No
século XVIII, os iluministas franceses encontravam em seu legado elementos
antiabsolutistas que se refletiram na Revolução Francesa. O Barão de Montesquieu
(1689 – 1775) encontrou em Locke a inspiração necessária para formular a teoria
dos três poderes, Decisiva e marcante influência pode ser encontrada na declaração
da independência dos EUA, 1776.