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Cultura popular urbana: o funk e o rap como a voz da favela
Marina Haber de Figueiredo
Introdução
O rap e o funk brasileiros, entendidos como movimento de cultura
popular urbana, buscam fazer com que a “favela” (compreendida aqui como o
local de moradia, de vida, de constituição de sujeitos éticos daqueles que, na
sua grande maioria, possuem menor poder aquisitivo perante outras esferas
sociais), tenha voz e visibilidade não só nessa relação espaço-temporal, mas
também que esta voz possa circular, ser vista e ouvidas além da suas cercanias.
Parece haver um movimento de “criminalização ou demonização”
desse movimento, percebido por meio da ação repressiva policial bem como em
reportagens veiculadas pela mídia conservadora brasileira, na divulgação e
manutenção da ideologia oficial (“voz” do estado nacional brasileiro),
associando-o à violência urbana bem como ao tráfico. Vale dizer que muito
embora as temáticas referentes à violência, ao tráfico e também à sexualidade
estejam presentes nas letras das canções de funk e rap, os sujeitos estéticos
destas letras não buscam incitar a violência, mas retratar e transformar o
cotidiano da favela e lutar para que suas vozes sejam ouvidas além de seus
domínios da favela.
É importante ressaltar que não se quer associar o desenvolvimento
dessas expressões culturais como consequência direta do contexto da violência
urbana, pois qualquer comunidade ou coletividade, perpassada pela
heterogeneidade ideológica na constituição de suas relações, é passível de atos
violentos, isto tanto nas favelas como em outros grupos sociais organizados.
Pode-se então dizer que no funk e rap a violência é direcionada na, pela
e para a força ambivalente da palavra, em oposição ao uso da força física. A
maioria dos jovens que se associam ao funk e ao rap adota uma postura que
seria a de não-violência. Eles se inspiram em líderes pacifistas como Luther
King e Gandhi. Nesse caso, faz-se relevante a reflexão de Lafer ao dizer que "a
não-violência é a única alternativa política adequada à violência do 'sistema'“
(1988, p.200). De um modo diferente das gangues e galeras, que se pautam pela
violência, o funk e rap tentam inverter este lema presente no cotidiano da favela
e nos discursos veiculados sobre ela, para o da consciência e interação.
Dessa forma, o que se pretende é mostrar como o sujeito estético de
algumas canções do rap e do funk foi/é constituído, por meio do embate entre a
ideologia cotidiana e a oficial que se dá na palavra, representada por meio deste
movimento social de cultura popular, e o Estado, entendido nas instâncias
municipal, estadual e nacional, como principal mola propulsora do discurso
oficial.
O Funk, o Rap e a construção de um estado (nacional) de alteridade
O que se conhece hoje como rap, hip-hop, funk pode ser incluído no que
os estudos antropológicos e sociológicos denominam tradições afrodiaspóricas
(Yúdice, 1994). Trata-se de uma postura que visa resgatar a dignidade de etnias
africanas que se situam à margem da sociedade em grandes centros urbanos, ou
mesmo menosprezar, debochar da organização social, como se acredita ser a
proposta de algumas músicas que integram o movimento funk.
Esses movimentos pregam a estética da diferença em que o ritmo e a
palavra constituem os elementos essenciais de uma forma de reinvenção de
“tradições comunitaristas”. A música por eles produzida surge como uma
articulação dos prazeres e problemas da vida urbana: o prazer da musicalidade
associado aos problemas do cotidiano de comunidades excluídas socialmente,
sujeitos vítimas da violência, da pobreza e de diversos tipos de discriminação
(cultural, social, racial, profissional).
O funk e o rap são, entre outras coisas, o uso disfarçado, dissimulado
da fala para contestar a desigualdade social, a marginalização de grupos étnicos
e, por meio de suas músicas, os grupos de rap e funk questionam a chamada
“dominação cultural branca” e as relações de poder que promovem a exclusão
de afrodescendentes.
O funk e o hip-hop (rap) encontrados no Brasil são originários do
movimento negro de protesto norteamericano e, ao longo dos últimos vinte
anos, tornaram-se os porta-vozes de uma camada de excluídos que, nesse
mesmo período, cresceu e revela um Brasil fragmentado e disperso que, muitas
vezes, dissimula, por meio de um discurso oficial com tendências
monologizantes, a construção de um Estado Nacional orientado pela ideologia
da identidade em detrimento de uma sociedade que contemple alteridade como
seu alicerce. Para Ponzio “o ponto de vista dominante impõe e reproduz a si
mesmo, automática e silenciosamente, por meio da lógica do desenvolvimento
capitalista” e que os estudos de Bakhtin sobre cultura, principalmente, sobre a
cultura popular, e em consequência dos signos e valores, colocam em discussão
a categoria da identidade em favor da alteridade (PONZIO, 2008, p.20-22).
Muito embora o hip hop e o funk brasileiros, conforme dito acima,
tenha se originado na música urbana de protesto norteamericana, é importante
dizer que essa música, ao entrar em contato com outros gêneros musicais
nacionais, ganhou novas cores e ritmos e, visto por esse ângulo, mostra-se como
um movimento antropofágico e transgressor, pois não aceita passivamente a
cultura do outro, e, ao “degluti-la”, refrata-a e anuncia não apenas um novo
gênero, mas um movimento cultural que permite voz àqueles que se encontram
à margem da sociedade.
Nos dizeres de Miotello (2001, p.107), é “provavelmente entre os executores do
rap e do funk que se encontram os filósofos do cotidiano dos excluídos” e pensar o
funk e o rap como meros reflexos de sons advindos de uma cultura estrangeira que
invadiram a periferia é um pensamento reducionista que tenta minimizar a riqueza
cultural-ideológica presente nesse movimento.
Apesar do funk e do rap nacionais terem a mesma origem e, muitas
vezes, tanto aqui no Brasil como nos Estados, ocorrer uma aproximação do rap
e do funk nas
letras das músicas ou mesmo no tipo de batida que determina o ritmo
executado, é preciso ressaltar que o rap e o funk possuem características
diversas. Assim, enquanto o rap é caracterizado por uma batida menos
melódica, e com músicas de maior teor de denúncia social, o funk é marcado
por maior sensualidade, apresentando temática mais despojada e de tom jocoso.
As diferenças que abarcam o rap e o funk não estão presentes somente na
questão do ritmo e da música, mas na forma de se dançar e de se vestir.
Porém, constata-se que não são movimentos excludentes e, embora o
funk esteja associado com mais força à cidade do Rio de Janeiro e o hip hop
(rap) a São Paulo, esses movimentos hoje são encontrados na maioria das
capitais brasileiras e em outras cidades também. A interconexão entre esses
movimentos pode ser claramente percebida no fato de que uma das maiores
vozes do rap nacional, o MV BILL seja carioca e morador da Cidade de Deus,
umas das mais perigosas favelas cariocas e também local de moradia de Tati
Quebra Barraco, um dos grandes nomes femininos no funk.
De acordo com Vianna (1988) e Herschmann (2003), o funk e o hip hop,
assim como o samba de outrora, conseguiram visibilidade num primeiro
momento não por sua música ou dança, mas pela associação de seus integrantes
a movimentos de criminalidade e tráfico; são, na sua grande maioria, jovens
negros ou pardos, pobres e moradores de favela. O funk, mais especificamente,
conseguiu repercussão nacional em decorrência dos arrastões ocorridos na
praia de Ipanema, em 1992, uma vez que tais episódios foram diretamente
associados aos frequentadores dos bailes funk.
Dessa forma, percebe-se que o percurso rumo à visibilidade não se deu
por meio da valorização deste movimento cultural enquanto forma de embate e
refração ideológica, mas a partir da associação do funk e do rap com a
violência, reafirmando uma generalização ideológica que procura delimitar as
características e o raio de atuação de uma expressão cultural.
Este processo de criminalização do movimento popular é mais uma
tentativa de se homogeneizar aquele que se encontra à margem da sociedade,
tanto por parte do estado como de outras esferas da sociedade civil, e de
imposição de uma ideologia oficial dominante.
Para Viana, a grande mídia, como veículo para disseminar e respaldar
a ideologia dominante na sociedade brasileira, foi responsável por esse processo
de criminalização, e seu procedimento pode ser explicado como uma tentativa
de se nomear o desconhecido (favelado), que, mesmo estando próximo, gera
insegurança e o meio mais rápido para enfrentá-la (a insegurança gerada pela
existência do OUTRO, daquele que é diferente de mim) seria a demonização
que considera o desconhecido como exótico. O grau de exotismo de um
fenômeno social é uma função quase direta da possibilidade de vê-lo
transformado em estereótipo por grupos para os quais esse fenômeno é
considerado exótico (Vianna, 2005:185). Para Soares, demonizar o exótico é
uma maneira fácil de explicar a situação e ainda identificar os culpados.
Demonizar nada mais é do que lançar um estigma que proporciona segurança
por achar que se sabe quem são os agentes da violência urbana, instaurando o
medo e a desconfiança perante o inimigo agora identificável (SOARES; BILL;
ATHAYDE, 2005).
Em contrapartida a esse processo de criminalização que ocorreu e que
ainda ocorre, surge no funk e no rap um movimento de cultura popular que
procurar ter visibilidade e reconhecimento além do espaço da favela e busca
também ser uma alternativa de resgate de cidadania e autoestima do favelado.
Dessa forma, o funk e o hip-hop apresentam-se como uma dupla possibilidade,
pois não só retratam o cotidiano da periferia, como mostram ao jovem pobre
uma possibilidade de evitar o caminho da marginalidade. Para Herschmann
(2003), é por meio da músicas do funk e do hip-hop, que os jovens atestam sua
descrença no sistema estatal e instauram uma identidade divergente daquela
que associa ao Brasil a imagem de um país sem violência e adversidades.
O discurso que valoriza a violência está balizado no distanciamento dos
poderes estatais em relação a essas comunidades e especialmente aos jovens
que nelas habitam. Inseridos num universo de poucas oportunidades de lazer,
educação, emprego, geralmente quem servirá de espelho, em muitos casos, será
o traficante que comanda a favela. E, é funcionando como uma forma de poder
hegemônico nessa relação cronotópica que baliza a constituição do morador da
favela, bem como a forma como ele é e quer ser visto em outras esferas da
sociedade civil de atuação do poder público que se encontra este movimento
cultural. Vale ressaltar que embora o funk e o rap sejam reconhecidos como
movimento da cultura popular urbana de periferia, não é o único ritmo ouvido
nas favelas e, dessa forma, coexiste com outros gêneros musicais,
principalmente os tocados nas grandes rádios.
Como exemplo cita-se o documentário “Sou feia, mas tô na moda”
(Denise Garcia, 2005), que expande a tematização do cotidiano da periferia para
além da criminalidade e da violência, e evidencia que no subúrbio há espaço
para o lazer e para o sexo, e acima de tudo, para que esses temas também
possam ser cantados, dançados e tocados em rádios não clandestinas que
tenham alcance além dos muros da favela.
Segundo Yúdice (2004, p. 157), “a música e a dança funk têm sido um
meio de se obter prazer, algo que muitas vezes falta aos movimentos sociais ou
aos relatos a seu respeito, escritos pela maioria dos cientistas sociais”. O prazer,
segundo o autor, constitui o elemento-chave de iniciativas para ações de
cidadania. Mais que um movimento musical, o funk e o rap têm em sua música
e em sua dança, uma expressão da identidade social de grupos periféricos. Os
grupos brasileiros de rap e funk procuram estabelecer, por meio de músicas que
tratam da “desarticulação da identidade nacional”, a “afirmação da cidadania
local”.
A música e a dança popular se constituem como a arena de embate
ideológico, na qual se procura construir o espaço da cidadania por meio da
inserção do jovem suburbano no meio cultural, em uma interação da música
com o prazer da dança, como uma nova “forma de ser e fazer”. Com isso, visa-
se acabar com a ideologia da exclusão que constantemente incita a violência
urbana e exclui muitos jovens do meio cultural.
Pode-se dizer que os sujeitos estéticos presentes no funk estabelecem, por meio
de suas vozes, um diálogo com as vozes que veiculam a ideologia dominante. Ao
mesmo tempo, essas vozes sociais se refletem e refratam discursos veiculados pelo
funk, discursos responsivos em que as vozes sociais se digladiam dialogicamente.
O dialogismo é entendido, no contexto bakhtiniano, como reação do eu e do
outro, como ‘reação da palavra à palavra outra, como ponto de tensão entre o eu e o
outro’, entre círculos de valores, entre forças sociais (BAKHTIN, 2006). Tal fato pode
ser evidenciado em alguns trechos da canção “Som de Preto”, composta por Amilcka e
Chocolate:
É som de preto, de favelado, mas quando toca niguém fica parado (tá ligado!) / O nosso
som não tem idade, não tem raça, e não tem cor / Mas a sociedade pra gente não dá valor
/ Só querem nos criticar pensam que somos animais / Se existia o lado ruim hoje não
existe mais / Porque o funkeiro de hoje em dia caiu na real / Essa história de porrada,
isso é coisa banal! / Agora, pare! e pense! se liga na responsa / Se ontem foi a tempestade
hoje vira abornança/ É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado
(tá ligado!)/ Porque a nossa união foi Deus quem consagrou/Amilke e Chocolate é new
funk demorô/ E as mulheres lindas de todo Brasil / Só na dança da bundinha pode crer
que é mais de mil/ Libere o seu corpo vem pro funk vem dançar nessa nova sensação que
você vai arrasa/ Então eu peço liberdade para todos os dj's / Porque no funk reina paz e
o justo é o nosso rei!!!
Nessa canção, o embate é percebido no movimento de reflexo e refração
ideológica verificado pelo reconhecimento por parte do sujeito estético de um processo
de exclusão e marginalização, bem como pela refração a essa exclusão quando este
mesmo sujeito afirma que, muito embora o funk seja “som de preto e favelado” esse
mesmo som rompe barreiras sociais, pois “quando toca ninguém fica parado”. Por meio
de uma linguagem simples, que muitas vezes transgride a norma culta ao privilegiar a
língua falada na favela e um tom jocoso, aparentemente descompromissado, que
enaltece a liberdade corporal ao mesmo tempo em que privilegia o baixo material e a
festa (elementos da carnavalização para Bakhtin, 1987), o sujeito busca desestabilizar a
ideologia dominante ao evidenciar o desejo de que sua voz seja ouvida e equipolente às
demais vozes ideológicas constituintes do estado nacional e da sociedade brasileira.
Em contrapartida ao ritmo alegre e dançante aparentemente descompromissado
do funk, as letras do rap geralmente possuem uma denúncia social mais explícita e, no
caso do trecho apresentado, uma crítica mais contundente ao Estado.
São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã. Aqui estou, mais um
dia. Sob o olhar sanguinário do vigia. Você não sabe como é caminhar com a cabeça na
mira de uma HK. Metralhadora alemã ou de Israel. Estraçalha ladrão que nem papel.
Na muralha em pé. Mais um cidadão José. Servindo o Estado, um PM bom. Passa fome,
metido a Charles Bronson. Ele sabe o que eu desejo, sabe o que eu penso. O dia tá
chuvoso, o clima tá tenso. Vários tentaram fugir, eu também quero. Mas de um a cem, a
minha chance é zero. Será que Deus ouviu minha oração? Será que o juiz aceitou minha
apelação?(...) Cada detento uma mãe, uma crença. Cada crime uma sentença. Cada
sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias. Abandono,
miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo. (Trecho da Letra do rap
“Diário de um Detento” do grupo Racionais Mc's).
A refração ao discurso oficial legitimado pelo poder do estado e a busca
por visibilidade também podem ser percebidas em uma outra letra dos
Racionais MC´S intitulada “Capítulo 4, versículo 3”.
No verso, violentamente pacífico, verídico. Vim pra sabotar seu raciocínio. Vim pra abalar o seu
sistema nervoso e sanguíneo. Pra mim ainda é pouco, Brown cachorro louco. Número 1 dia.
Terrorista da periferia. Uni-duni-tê. O que eu tenho pra você. Um rap venenoso ou uma rajada
de PT. (...) Um dia um PM negro veio embaçar. E disse pra eu me por no meu lugar. Eu vejo
um mano nessas condições: não dá. Será que é assim que eu deveria estar? Irmão, o demônio
fode tudo ao seu redor. Pelo rádio, jornal, revista e outdoor. Te oferece dinheiro, conversa com
calma. Contamina seu caráter, rouba sua alma. Depois te joga na merda sozinho. Transforma
um preto tipo A, num neguinho. Minha palavra alivia sua dor. Ilumina minha alma. Louvado
seja o meu senhor. Que não deixa o mano aqui desandar, ah. E nem sentar o dedo em nenhum
pilantra. Mas que nenhum filha da puta ignore a minha lei. Racionais capítulo 4 versículo 3.
(..).Quatro minutos se passaram e ninguém viu. O monstro que nasceu em algum lugar do
Brasil. Talvez o mano que trampa de baixo de um carro sujo de óleo. Que enquadra o carro forte
na febre com sangue nos olhos. Ou mano que entrega envelope o dia inteiro no sol. Ou o que
vende chocolate de farol em farol. Talvez o cara que defende o pobre no tribunal. Ou que procura
vida nova na condicional. Alguém num quarto de madeira lendo à luz de vela. Ouvindo um
rádio velho no fundo de uma cela. Ou da família real de negro como eu sou. Um príncipe
guerreiro que defende o gol. E eu não mudo, mas eu não me iludo. Os mano cu-de-burro têm, eu
sei de tudo. Em troca de dinheiro e um carro bom. Tem mano que rebola e usa até batom. Vários
patrícios falam merda pra todo mundo rir. Ah ah, pra ver Branquinho aplaudir. É, na sua área
tem fulano até pior. Cada um, cada um: você se sente só Tem mano que te aponta uma pistola e
fala sério. Explode sua cara por um toca-fita velho. Click plá plá pláu e acabou. Sem dó e sem
dor. Foda-se sua cor. Limpa o sangue com a camisa e manda se fuder. Você sabe por quê? pra
onde vai pra quê? Vai de bar em bar Esquina em esquina Pegar 50 conto. Trocar por cocaína.
Enfim, o filme acabou pra você. A bala não é de festim. Aqui não tem dublê. Para os manos da
Baixada Fluminense à Ceilândia. Eu sei, as ruas não são como Disneylândia. De Guaianazes ao
extremo sul de Santo Amaro. Ser um preto tipo A, custa caro. É foda, foda é assistir a
propaganda e ver. Não dá pra ter aquilo pra você . Playboy forgado de brinco: cu, trouxa.
Roubado dentro do carro na avenida Rebouças. Correntinha das moça. As madame de
bolsa.Dinheiro: não tive pai não sou herdeiro. Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal.
Por menos de um real. Minha chance era pouca. Mas se eu fosse aquele moleque de toca. Que
engatilha e enfia o cano dentro da sua boca. De quebrada sem roupa, você e sua mina. Um, dois.
Nem me viu: já sumi na neblina. Mas não, permaneço vivo. Prossigo a mística. Vinte e sete
anos contrariando a estatística. Seu comercial de tv não me engana. Eu não preciso de status
nem fama
Seu carro e sua grana já não me seduz. E nem a sua puta de olhos azuis. Eu sou apenas um
rapaz latino-americano. Apoiado por mais de 50 mil manos. Efeito colateral que o seu sistema
fez. Racionais capítulo 4 versículo 3.
Nesse trecho, é nítida a revolta e a necessidade do sujeito de mostrar, para a
sua comunidade e para as outras esferas da sociedade, as mazelas da vida na periferia,
bem como o poder de sedução de uma sociedade capitalista respaldada pela ótica do
consumo, que, muitas vezes, ajuda a desencaminhar o favelado, que ao ter seu desejo
de consumo negado, ou também ao se ver desrespeitado por um PM negro, sente a
opressão de todo um discurso oficial excludente. Outro ponto a ser elencado é a
heterogeneidade de ideologias que perpassam a constituição da vida cotidiana da
favela; assim, num mesmo local, há aqueles que não se deixam seduzir por um
discurso consumista, excludente e opressor; há os que roubam pela necessidade do ter,
e aqueles que roubam e matam (banalização da vida) até mesmo seus semelhantes
(favelados), para manterem seus vícios. Assim, num tom denunciativo, o sujeito
estético dessa canção, por meio da utilização de uma linguagem cotidiana, verificada
por algumas transgressões à chamada variante culta ou normativa da língua, e com
uma linguagem repleta de termos ideologicamente constituídos como palavrões ou
palavras de baixo calão (fuder, puta, cu de ferro), denuncia a opressão sofrida pela
ação do sistema vigente e mostra algumas maneiras de se enfrentar as adversidades da
vida da favela.
Dessa forma, como exemplares das vozes contradiscursivas que constituem os
discursos veiculados pelo universo do funk e do rap, ecoam a presença de vozes outras,
daquela que é diferente de mim, a quem o “eu” se dirige, com quem embate e em quem
se “reflete” e “refrata”, seu espelho. Assim, o outro, a quem o contradiscurso presente
no funk e no rap responde é o cerne da questão porque o diálogo existente na relação
Eu/Outro está em não anular o outro, mas em constituir-se por meio do outro, dialogar
com ele e colocar-se como parte constituinte e constituída por ele, mas diferente dele.
Considerações finais
O que se pretendeu mostrar é que o funk e o rap, enquanto movimento
representativo da cultura popular urbana de periferia busca tanto ser uma voz forte não
só dentro da favela, proporcionando outras formas de se ver e agir no mundo por parte
do morador da favela, mas também que sua voz tenha força igual à que possuem outras
esferas de organização social, e, dessa forma, ter-se uma sociedade que seja balizada
pelo respeito ao que é diferente de mim. Assim, o fortalecimento de um sentimento de
pertencimento em relação à identidade de favelado ajuda a constituir a alteridade.
Ao buscar que a voz da favela seja audível, tenha visibilidade e equipolência
seja por meio de políticas públicas que garantam a liberdade de expressão e da liberdade
de ir e vir destas comunidades, bem como por meio de melhores condições de vida
compreendidas aqui como direito à moradia, alimentação, vestuário, educação e saúde,
ou pelo reconhecimento de movimento de cultura popular, como aconteceu no Rio de
Janeiro, com uma lei promulgada em 2008, ainda que a intenção destes movimentos não
seja a derrubada do poder hegemônico veiculado pelo discurso oficial, é inevitável que,
por meio dos embates ideológicos, não se tenha uma desestabilização em alguns vieses
ideológicos que servem de base para a tentativa de manutenção de um discurso com
tendências monológicas e homogeneizantes, defendidas e ratificadas por um Estado
Nacional regido pelas diretrizes políticas de um regime neoliberal.
Assim, a busca por voz e visibilidade do funk e do rap bem como a de vozes
representativas de outras minorias também abafadas ou enfraquecidas procura, por meio
de um fortalecimento das vozes de um grupo, a possibilidade de construção de um
estado em que se possa experenciar uma sociedade construída sob os valores da
alteridade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Amilcka e Chocolate: Som de preto. letras.terra.com.br/amilcar-e-chocolate/162677/
AMORIN, M. Cronotopo e exotopia. In BRAIT,B.(org).Bakhtin: Outros
Conceitos- Chave. São Paulo: Contexto, 2006,p. 95- 114.
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Hucitec, 2006.
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MIOTELLO, V. A construção turbulenta das hegemonias discursivas: O
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PONZIO, A. A Revolução Bakhtiniana: O pensamento de Bakhtin e a ideologia
contemporânea. São Paulo: Contexto, 2008.
RACIONAIS MC´S. Capítulo 4, versículo 3.
http://letras.terra.com.br/racionais-mcs/66643/
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SOARES, Luiz Eduardo; BILL, MV & ATHAYDE, Celso. Cabeça de porco. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global.
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Cultura popular urbana o funk e o rap como a voz da favela

  • 1. Cultura popular urbana: o funk e o rap como a voz da favela Marina Haber de Figueiredo Introdução O rap e o funk brasileiros, entendidos como movimento de cultura popular urbana, buscam fazer com que a “favela” (compreendida aqui como o local de moradia, de vida, de constituição de sujeitos éticos daqueles que, na sua grande maioria, possuem menor poder aquisitivo perante outras esferas sociais), tenha voz e visibilidade não só nessa relação espaço-temporal, mas também que esta voz possa circular, ser vista e ouvidas além da suas cercanias. Parece haver um movimento de “criminalização ou demonização” desse movimento, percebido por meio da ação repressiva policial bem como em reportagens veiculadas pela mídia conservadora brasileira, na divulgação e manutenção da ideologia oficial (“voz” do estado nacional brasileiro), associando-o à violência urbana bem como ao tráfico. Vale dizer que muito embora as temáticas referentes à violência, ao tráfico e também à sexualidade estejam presentes nas letras das canções de funk e rap, os sujeitos estéticos destas letras não buscam incitar a violência, mas retratar e transformar o cotidiano da favela e lutar para que suas vozes sejam ouvidas além de seus domínios da favela. É importante ressaltar que não se quer associar o desenvolvimento dessas expressões culturais como consequência direta do contexto da violência urbana, pois qualquer comunidade ou coletividade, perpassada pela heterogeneidade ideológica na constituição de suas relações, é passível de atos violentos, isto tanto nas favelas como em outros grupos sociais organizados. Pode-se então dizer que no funk e rap a violência é direcionada na, pela e para a força ambivalente da palavra, em oposição ao uso da força física. A maioria dos jovens que se associam ao funk e ao rap adota uma postura que seria a de não-violência. Eles se inspiram em líderes pacifistas como Luther King e Gandhi. Nesse caso, faz-se relevante a reflexão de Lafer ao dizer que "a não-violência é a única alternativa política adequada à violência do 'sistema'“
  • 2. (1988, p.200). De um modo diferente das gangues e galeras, que se pautam pela violência, o funk e rap tentam inverter este lema presente no cotidiano da favela e nos discursos veiculados sobre ela, para o da consciência e interação. Dessa forma, o que se pretende é mostrar como o sujeito estético de algumas canções do rap e do funk foi/é constituído, por meio do embate entre a ideologia cotidiana e a oficial que se dá na palavra, representada por meio deste movimento social de cultura popular, e o Estado, entendido nas instâncias municipal, estadual e nacional, como principal mola propulsora do discurso oficial. O Funk, o Rap e a construção de um estado (nacional) de alteridade O que se conhece hoje como rap, hip-hop, funk pode ser incluído no que os estudos antropológicos e sociológicos denominam tradições afrodiaspóricas (Yúdice, 1994). Trata-se de uma postura que visa resgatar a dignidade de etnias africanas que se situam à margem da sociedade em grandes centros urbanos, ou mesmo menosprezar, debochar da organização social, como se acredita ser a proposta de algumas músicas que integram o movimento funk. Esses movimentos pregam a estética da diferença em que o ritmo e a palavra constituem os elementos essenciais de uma forma de reinvenção de “tradições comunitaristas”. A música por eles produzida surge como uma articulação dos prazeres e problemas da vida urbana: o prazer da musicalidade associado aos problemas do cotidiano de comunidades excluídas socialmente, sujeitos vítimas da violência, da pobreza e de diversos tipos de discriminação (cultural, social, racial, profissional). O funk e o rap são, entre outras coisas, o uso disfarçado, dissimulado da fala para contestar a desigualdade social, a marginalização de grupos étnicos e, por meio de suas músicas, os grupos de rap e funk questionam a chamada “dominação cultural branca” e as relações de poder que promovem a exclusão de afrodescendentes.
  • 3. O funk e o hip-hop (rap) encontrados no Brasil são originários do movimento negro de protesto norteamericano e, ao longo dos últimos vinte anos, tornaram-se os porta-vozes de uma camada de excluídos que, nesse mesmo período, cresceu e revela um Brasil fragmentado e disperso que, muitas vezes, dissimula, por meio de um discurso oficial com tendências monologizantes, a construção de um Estado Nacional orientado pela ideologia da identidade em detrimento de uma sociedade que contemple alteridade como seu alicerce. Para Ponzio “o ponto de vista dominante impõe e reproduz a si mesmo, automática e silenciosamente, por meio da lógica do desenvolvimento capitalista” e que os estudos de Bakhtin sobre cultura, principalmente, sobre a cultura popular, e em consequência dos signos e valores, colocam em discussão a categoria da identidade em favor da alteridade (PONZIO, 2008, p.20-22). Muito embora o hip hop e o funk brasileiros, conforme dito acima, tenha se originado na música urbana de protesto norteamericana, é importante dizer que essa música, ao entrar em contato com outros gêneros musicais nacionais, ganhou novas cores e ritmos e, visto por esse ângulo, mostra-se como um movimento antropofágico e transgressor, pois não aceita passivamente a cultura do outro, e, ao “degluti-la”, refrata-a e anuncia não apenas um novo gênero, mas um movimento cultural que permite voz àqueles que se encontram à margem da sociedade. Nos dizeres de Miotello (2001, p.107), é “provavelmente entre os executores do rap e do funk que se encontram os filósofos do cotidiano dos excluídos” e pensar o funk e o rap como meros reflexos de sons advindos de uma cultura estrangeira que invadiram a periferia é um pensamento reducionista que tenta minimizar a riqueza cultural-ideológica presente nesse movimento. Apesar do funk e do rap nacionais terem a mesma origem e, muitas vezes, tanto aqui no Brasil como nos Estados, ocorrer uma aproximação do rap e do funk nas letras das músicas ou mesmo no tipo de batida que determina o ritmo executado, é preciso ressaltar que o rap e o funk possuem características diversas. Assim, enquanto o rap é caracterizado por uma batida menos
  • 4. melódica, e com músicas de maior teor de denúncia social, o funk é marcado por maior sensualidade, apresentando temática mais despojada e de tom jocoso. As diferenças que abarcam o rap e o funk não estão presentes somente na questão do ritmo e da música, mas na forma de se dançar e de se vestir. Porém, constata-se que não são movimentos excludentes e, embora o funk esteja associado com mais força à cidade do Rio de Janeiro e o hip hop (rap) a São Paulo, esses movimentos hoje são encontrados na maioria das capitais brasileiras e em outras cidades também. A interconexão entre esses movimentos pode ser claramente percebida no fato de que uma das maiores vozes do rap nacional, o MV BILL seja carioca e morador da Cidade de Deus, umas das mais perigosas favelas cariocas e também local de moradia de Tati Quebra Barraco, um dos grandes nomes femininos no funk. De acordo com Vianna (1988) e Herschmann (2003), o funk e o hip hop, assim como o samba de outrora, conseguiram visibilidade num primeiro momento não por sua música ou dança, mas pela associação de seus integrantes a movimentos de criminalidade e tráfico; são, na sua grande maioria, jovens negros ou pardos, pobres e moradores de favela. O funk, mais especificamente, conseguiu repercussão nacional em decorrência dos arrastões ocorridos na praia de Ipanema, em 1992, uma vez que tais episódios foram diretamente associados aos frequentadores dos bailes funk. Dessa forma, percebe-se que o percurso rumo à visibilidade não se deu por meio da valorização deste movimento cultural enquanto forma de embate e refração ideológica, mas a partir da associação do funk e do rap com a violência, reafirmando uma generalização ideológica que procura delimitar as características e o raio de atuação de uma expressão cultural. Este processo de criminalização do movimento popular é mais uma tentativa de se homogeneizar aquele que se encontra à margem da sociedade, tanto por parte do estado como de outras esferas da sociedade civil, e de imposição de uma ideologia oficial dominante. Para Viana, a grande mídia, como veículo para disseminar e respaldar a ideologia dominante na sociedade brasileira, foi responsável por esse processo
  • 5. de criminalização, e seu procedimento pode ser explicado como uma tentativa de se nomear o desconhecido (favelado), que, mesmo estando próximo, gera insegurança e o meio mais rápido para enfrentá-la (a insegurança gerada pela existência do OUTRO, daquele que é diferente de mim) seria a demonização que considera o desconhecido como exótico. O grau de exotismo de um fenômeno social é uma função quase direta da possibilidade de vê-lo transformado em estereótipo por grupos para os quais esse fenômeno é considerado exótico (Vianna, 2005:185). Para Soares, demonizar o exótico é uma maneira fácil de explicar a situação e ainda identificar os culpados. Demonizar nada mais é do que lançar um estigma que proporciona segurança por achar que se sabe quem são os agentes da violência urbana, instaurando o medo e a desconfiança perante o inimigo agora identificável (SOARES; BILL; ATHAYDE, 2005). Em contrapartida a esse processo de criminalização que ocorreu e que ainda ocorre, surge no funk e no rap um movimento de cultura popular que procurar ter visibilidade e reconhecimento além do espaço da favela e busca também ser uma alternativa de resgate de cidadania e autoestima do favelado. Dessa forma, o funk e o hip-hop apresentam-se como uma dupla possibilidade, pois não só retratam o cotidiano da periferia, como mostram ao jovem pobre uma possibilidade de evitar o caminho da marginalidade. Para Herschmann (2003), é por meio da músicas do funk e do hip-hop, que os jovens atestam sua descrença no sistema estatal e instauram uma identidade divergente daquela que associa ao Brasil a imagem de um país sem violência e adversidades. O discurso que valoriza a violência está balizado no distanciamento dos poderes estatais em relação a essas comunidades e especialmente aos jovens que nelas habitam. Inseridos num universo de poucas oportunidades de lazer, educação, emprego, geralmente quem servirá de espelho, em muitos casos, será o traficante que comanda a favela. E, é funcionando como uma forma de poder hegemônico nessa relação cronotópica que baliza a constituição do morador da favela, bem como a forma como ele é e quer ser visto em outras esferas da sociedade civil de atuação do poder público que se encontra este movimento
  • 6. cultural. Vale ressaltar que embora o funk e o rap sejam reconhecidos como movimento da cultura popular urbana de periferia, não é o único ritmo ouvido nas favelas e, dessa forma, coexiste com outros gêneros musicais, principalmente os tocados nas grandes rádios. Como exemplo cita-se o documentário “Sou feia, mas tô na moda” (Denise Garcia, 2005), que expande a tematização do cotidiano da periferia para além da criminalidade e da violência, e evidencia que no subúrbio há espaço para o lazer e para o sexo, e acima de tudo, para que esses temas também possam ser cantados, dançados e tocados em rádios não clandestinas que tenham alcance além dos muros da favela. Segundo Yúdice (2004, p. 157), “a música e a dança funk têm sido um meio de se obter prazer, algo que muitas vezes falta aos movimentos sociais ou aos relatos a seu respeito, escritos pela maioria dos cientistas sociais”. O prazer, segundo o autor, constitui o elemento-chave de iniciativas para ações de cidadania. Mais que um movimento musical, o funk e o rap têm em sua música e em sua dança, uma expressão da identidade social de grupos periféricos. Os grupos brasileiros de rap e funk procuram estabelecer, por meio de músicas que tratam da “desarticulação da identidade nacional”, a “afirmação da cidadania local”. A música e a dança popular se constituem como a arena de embate ideológico, na qual se procura construir o espaço da cidadania por meio da inserção do jovem suburbano no meio cultural, em uma interação da música com o prazer da dança, como uma nova “forma de ser e fazer”. Com isso, visa- se acabar com a ideologia da exclusão que constantemente incita a violência urbana e exclui muitos jovens do meio cultural. Pode-se dizer que os sujeitos estéticos presentes no funk estabelecem, por meio de suas vozes, um diálogo com as vozes que veiculam a ideologia dominante. Ao mesmo tempo, essas vozes sociais se refletem e refratam discursos veiculados pelo funk, discursos responsivos em que as vozes sociais se digladiam dialogicamente. O dialogismo é entendido, no contexto bakhtiniano, como reação do eu e do outro, como ‘reação da palavra à palavra outra, como ponto de tensão entre o eu e o outro’, entre círculos de valores, entre forças sociais (BAKHTIN, 2006). Tal fato pode
  • 7. ser evidenciado em alguns trechos da canção “Som de Preto”, composta por Amilcka e Chocolate: É som de preto, de favelado, mas quando toca niguém fica parado (tá ligado!) / O nosso som não tem idade, não tem raça, e não tem cor / Mas a sociedade pra gente não dá valor / Só querem nos criticar pensam que somos animais / Se existia o lado ruim hoje não existe mais / Porque o funkeiro de hoje em dia caiu na real / Essa história de porrada, isso é coisa banal! / Agora, pare! e pense! se liga na responsa / Se ontem foi a tempestade hoje vira abornança/ É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado (tá ligado!)/ Porque a nossa união foi Deus quem consagrou/Amilke e Chocolate é new funk demorô/ E as mulheres lindas de todo Brasil / Só na dança da bundinha pode crer que é mais de mil/ Libere o seu corpo vem pro funk vem dançar nessa nova sensação que você vai arrasa/ Então eu peço liberdade para todos os dj's / Porque no funk reina paz e o justo é o nosso rei!!! Nessa canção, o embate é percebido no movimento de reflexo e refração ideológica verificado pelo reconhecimento por parte do sujeito estético de um processo de exclusão e marginalização, bem como pela refração a essa exclusão quando este mesmo sujeito afirma que, muito embora o funk seja “som de preto e favelado” esse mesmo som rompe barreiras sociais, pois “quando toca ninguém fica parado”. Por meio de uma linguagem simples, que muitas vezes transgride a norma culta ao privilegiar a língua falada na favela e um tom jocoso, aparentemente descompromissado, que enaltece a liberdade corporal ao mesmo tempo em que privilegia o baixo material e a festa (elementos da carnavalização para Bakhtin, 1987), o sujeito busca desestabilizar a ideologia dominante ao evidenciar o desejo de que sua voz seja ouvida e equipolente às demais vozes ideológicas constituintes do estado nacional e da sociedade brasileira. Em contrapartida ao ritmo alegre e dançante aparentemente descompromissado do funk, as letras do rap geralmente possuem uma denúncia social mais explícita e, no caso do trecho apresentado, uma crítica mais contundente ao Estado. São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã. Aqui estou, mais um dia. Sob o olhar sanguinário do vigia. Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK. Metralhadora alemã ou de Israel. Estraçalha ladrão que nem papel. Na muralha em pé. Mais um cidadão José. Servindo o Estado, um PM bom. Passa fome, metido a Charles Bronson. Ele sabe o que eu desejo, sabe o que eu penso. O dia tá chuvoso, o clima tá tenso. Vários tentaram fugir, eu também quero. Mas de um a cem, a minha chance é zero. Será que Deus ouviu minha oração? Será que o juiz aceitou minha apelação?(...) Cada detento uma mãe, uma crença. Cada crime uma sentença. Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias. Abandono, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo. (Trecho da Letra do rap “Diário de um Detento” do grupo Racionais Mc's).
  • 8. A refração ao discurso oficial legitimado pelo poder do estado e a busca por visibilidade também podem ser percebidas em uma outra letra dos Racionais MC´S intitulada “Capítulo 4, versículo 3”. No verso, violentamente pacífico, verídico. Vim pra sabotar seu raciocínio. Vim pra abalar o seu sistema nervoso e sanguíneo. Pra mim ainda é pouco, Brown cachorro louco. Número 1 dia. Terrorista da periferia. Uni-duni-tê. O que eu tenho pra você. Um rap venenoso ou uma rajada de PT. (...) Um dia um PM negro veio embaçar. E disse pra eu me por no meu lugar. Eu vejo um mano nessas condições: não dá. Será que é assim que eu deveria estar? Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor. Pelo rádio, jornal, revista e outdoor. Te oferece dinheiro, conversa com calma. Contamina seu caráter, rouba sua alma. Depois te joga na merda sozinho. Transforma um preto tipo A, num neguinho. Minha palavra alivia sua dor. Ilumina minha alma. Louvado seja o meu senhor. Que não deixa o mano aqui desandar, ah. E nem sentar o dedo em nenhum pilantra. Mas que nenhum filha da puta ignore a minha lei. Racionais capítulo 4 versículo 3. (..).Quatro minutos se passaram e ninguém viu. O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil. Talvez o mano que trampa de baixo de um carro sujo de óleo. Que enquadra o carro forte na febre com sangue nos olhos. Ou mano que entrega envelope o dia inteiro no sol. Ou o que vende chocolate de farol em farol. Talvez o cara que defende o pobre no tribunal. Ou que procura vida nova na condicional. Alguém num quarto de madeira lendo à luz de vela. Ouvindo um rádio velho no fundo de uma cela. Ou da família real de negro como eu sou. Um príncipe guerreiro que defende o gol. E eu não mudo, mas eu não me iludo. Os mano cu-de-burro têm, eu sei de tudo. Em troca de dinheiro e um carro bom. Tem mano que rebola e usa até batom. Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir. Ah ah, pra ver Branquinho aplaudir. É, na sua área tem fulano até pior. Cada um, cada um: você se sente só Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério. Explode sua cara por um toca-fita velho. Click plá plá pláu e acabou. Sem dó e sem dor. Foda-se sua cor. Limpa o sangue com a camisa e manda se fuder. Você sabe por quê? pra onde vai pra quê? Vai de bar em bar Esquina em esquina Pegar 50 conto. Trocar por cocaína. Enfim, o filme acabou pra você. A bala não é de festim. Aqui não tem dublê. Para os manos da Baixada Fluminense à Ceilândia. Eu sei, as ruas não são como Disneylândia. De Guaianazes ao extremo sul de Santo Amaro. Ser um preto tipo A, custa caro. É foda, foda é assistir a propaganda e ver. Não dá pra ter aquilo pra você . Playboy forgado de brinco: cu, trouxa. Roubado dentro do carro na avenida Rebouças. Correntinha das moça. As madame de bolsa.Dinheiro: não tive pai não sou herdeiro. Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal. Por menos de um real. Minha chance era pouca. Mas se eu fosse aquele moleque de toca. Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca. De quebrada sem roupa, você e sua mina. Um, dois. Nem me viu: já sumi na neblina. Mas não, permaneço vivo. Prossigo a mística. Vinte e sete anos contrariando a estatística. Seu comercial de tv não me engana. Eu não preciso de status nem fama Seu carro e sua grana já não me seduz. E nem a sua puta de olhos azuis. Eu sou apenas um rapaz latino-americano. Apoiado por mais de 50 mil manos. Efeito colateral que o seu sistema fez. Racionais capítulo 4 versículo 3. Nesse trecho, é nítida a revolta e a necessidade do sujeito de mostrar, para a sua comunidade e para as outras esferas da sociedade, as mazelas da vida na periferia, bem como o poder de sedução de uma sociedade capitalista respaldada pela ótica do consumo, que, muitas vezes, ajuda a desencaminhar o favelado, que ao ter seu desejo de consumo negado, ou também ao se ver desrespeitado por um PM negro, sente a opressão de todo um discurso oficial excludente. Outro ponto a ser elencado é a heterogeneidade de ideologias que perpassam a constituição da vida cotidiana da
  • 9. favela; assim, num mesmo local, há aqueles que não se deixam seduzir por um discurso consumista, excludente e opressor; há os que roubam pela necessidade do ter, e aqueles que roubam e matam (banalização da vida) até mesmo seus semelhantes (favelados), para manterem seus vícios. Assim, num tom denunciativo, o sujeito estético dessa canção, por meio da utilização de uma linguagem cotidiana, verificada por algumas transgressões à chamada variante culta ou normativa da língua, e com uma linguagem repleta de termos ideologicamente constituídos como palavrões ou palavras de baixo calão (fuder, puta, cu de ferro), denuncia a opressão sofrida pela ação do sistema vigente e mostra algumas maneiras de se enfrentar as adversidades da vida da favela. Dessa forma, como exemplares das vozes contradiscursivas que constituem os discursos veiculados pelo universo do funk e do rap, ecoam a presença de vozes outras, daquela que é diferente de mim, a quem o “eu” se dirige, com quem embate e em quem se “reflete” e “refrata”, seu espelho. Assim, o outro, a quem o contradiscurso presente no funk e no rap responde é o cerne da questão porque o diálogo existente na relação Eu/Outro está em não anular o outro, mas em constituir-se por meio do outro, dialogar com ele e colocar-se como parte constituinte e constituída por ele, mas diferente dele. Considerações finais O que se pretendeu mostrar é que o funk e o rap, enquanto movimento representativo da cultura popular urbana de periferia busca tanto ser uma voz forte não só dentro da favela, proporcionando outras formas de se ver e agir no mundo por parte do morador da favela, mas também que sua voz tenha força igual à que possuem outras esferas de organização social, e, dessa forma, ter-se uma sociedade que seja balizada pelo respeito ao que é diferente de mim. Assim, o fortalecimento de um sentimento de pertencimento em relação à identidade de favelado ajuda a constituir a alteridade. Ao buscar que a voz da favela seja audível, tenha visibilidade e equipolência seja por meio de políticas públicas que garantam a liberdade de expressão e da liberdade de ir e vir destas comunidades, bem como por meio de melhores condições de vida compreendidas aqui como direito à moradia, alimentação, vestuário, educação e saúde, ou pelo reconhecimento de movimento de cultura popular, como aconteceu no Rio de Janeiro, com uma lei promulgada em 2008, ainda que a intenção destes movimentos não
  • 10. seja a derrubada do poder hegemônico veiculado pelo discurso oficial, é inevitável que, por meio dos embates ideológicos, não se tenha uma desestabilização em alguns vieses ideológicos que servem de base para a tentativa de manutenção de um discurso com tendências monológicas e homogeneizantes, defendidas e ratificadas por um Estado Nacional regido pelas diretrizes políticas de um regime neoliberal. Assim, a busca por voz e visibilidade do funk e do rap bem como a de vozes representativas de outras minorias também abafadas ou enfraquecidas procura, por meio de um fortalecimento das vozes de um grupo, a possibilidade de construção de um estado em que se possa experenciar uma sociedade construída sob os valores da alteridade. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Amilcka e Chocolate: Som de preto. letras.terra.com.br/amilcar-e-chocolate/162677/ AMORIN, M. Cronotopo e exotopia. In BRAIT,B.(org).Bakhtin: Outros Conceitos- Chave. São Paulo: Contexto, 2006,p. 95- 114. BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. BAKHTIN, M. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira, São Paulo/ Brasília: Hucitec/UnB, 1987. ___. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro e João, 2010. ___. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro e João, 2010. HERSCHMANN, M. O Funk e o Hip-Hop invadem a cena. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. MIOTELLO, V. A construção turbulenta das hegemonias discursivas: O discurso neoliberal e seus confrontos. Tese de doutorado. IEL/UNICAMP, 2001. VIANNA, H. O mundo funk carioca, Rio de Janeiro: Zahar, 1988 PONZIO, A. A Revolução Bakhtiniana: O pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea. São Paulo: Contexto, 2008. RACIONAIS MC´S. Capítulo 4, versículo 3. http://letras.terra.com.br/racionais-mcs/66643/ ___Diário de um detento. http://letras.terra.com.br/racionais-mcs/63369/ SOARES, Luiz Eduardo; BILL, MV & ATHAYDE, Celso. Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global.
  • 11. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.