2. “– […] [o Amor] está a meio caminho entre a
sabedoria e a ignorância. A verdade é esta: nenhum
deus se ocupa a filosofar ou deseja ser sábio (pois já
o é), e ninguém que seja sábio se vai ocupar a
filosofar.
3. Mas, por outro lado, também não são os ignorantes
que se ocupam a filosofar e não têm desejo de se
tornarem sábios; pois este é o fardo da ignorância:
que aquele que não é nem belo, nem bom, nem
inteligente, imagina que o é o suficiente. Aquele que
não julga que lhe falta não tem, por consequência,
desejo daquilo de que crê estar provido.
4. – Nessas condições, quem são, Diotima, aqueles que
se ocupam a filosofar, dado que não são nem os
sábios nem os ignorantes?
5. – Eis o que é claro – respondeu ela –, mesmo uma
criança o veria: são os que estão a meio caminho
entre ambos os extremos, e o Amor é um deles. Pois
a sabedoria é, sem dúvida, uma das coisas mais
belas, e o Amor visa o que é belo; assim, é forçoso
que o Amor seja filósofo e, enquanto filósofo,
intermediário entre o sábio e o ignorante.”
Platão, Banquete, 203 e – 204 b
6. Caracterização da Filosofia
Actividade intelectual: Atitude reflexiva e problematizadora; atitude crítica e anti-dogmática;
exercício da dúvida e desejo de conhecer
a) Actividade intelectual (ter curiosidade, desejar
conhecer e ter capacidade de problematizar) – passar
de um ponto de vista passivo para um ponto de vista
activo: “[…] e que queira tomar como primário escopo a singela
façanha de compreender os problemas: de compreendê-los bem, de os
compreender a fundo, habituando-se a ver as dificuldades reais que se
deparam nas coisas que se afiguram fáceis ao simplismo e à
superficialidade do que se chame «senso comum» (a filosofia é, em
não pequena parte, a luta do bom senso contra o «senso
comum»).
7. Caracterização da Filosofia- Reflexão crítica:
autonomia, radicalidade, historicidade e
universalidade
b) Reflexão crítica sobre o conhecimento e o
mundo, isto é, como o conjunto das teorias originais
elaboradas pelos filósofos sobre o mundo, o ser
humano e o sentido da própria vida, por isso: “[…]
rogo que se não apresse a adoptar soluções, que
não leia obras de uma só escola ou tendência, que
procure conhecer as argumentações de todas”.
8. Caracterização da Filosofia
c) Actividade prática de procura de sabedoria que
visa encontrar novas maneiras de conceber o mundo
e a vida, definir o projecto da nossa existência,
decidir o que queremos ser e buscar o
autoaperfeiçoamento.
9. A especificidade da Filosofia
Autonomia
Auto – própria
Nomia – lei
Os filósofos fazem um uso próprio da razão,
independentemente de preconceitos e ideias feitas:
“[…] rogo que se não apresse a adoptar soluções, que não leia obras de uma só escola ou tendência,
que procure conhecer as argumentações de todas, e que queira tomar como primário escopo a singela
façanha de compreender os problemas: de compreendê-los bem, de os compreender a fundo,
habituando-se a ver as dificuldades reais que se deparam nas coisas que se afiguram fáceis ao
simplismo e à superficialidade do que se chame «senso comum» (a filosofia é, em não pequena
parte, a luta do bom senso contra o «senso comum»)”
.
10. A especificidade da Filosofia
Radicalidade – Exigência de uma justificação fundamental
Procura os fundamentos ou a origem e o fim
último de todas as coisas.
11. A especificidade da Filosofia
A historicidade
Embora os filósofos desenvolvam uma reflexão
pessoal inserida na história do pensamento,
respondem aos problemas do seu tempo (mesmo que
as suas respostas possam perdurar para além da sua
época).
12. A especificidade da Filosofia
A universalidade
Apesar da historicidade as reflexões dos filósofos
abordam problemas que dizem respeito a toda a
humanidade.
13. A especificidade da Filosofia
Assim sendo, as principais características da
Filosofia expressam a exigência de uma justificação
fundamental (radicalidade) e de compreensão
globalizante (universalidade). Deste modo, a
inserção no contexto problemático de uma época e
da história (historicidade) tem de conjugar-se
com a originalidade e a capacidade de pensar por
si próprio (autonomia).
14. Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões