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O Instituto Votorantim
apóia essa causa.
E quer ver muitos jovens
fazendo sucesso na capa.
ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005
ARTE&CULTURAONDAJOVEMnúmero3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005
ARTE & CULTURAARTE & CULTURA
Como as manifestações artísticas e
culturais promovem o desenvolvimento
pessoal e social dos jovens brasileiros
Como as manifestações artísticas e
culturais promovem o desenvolvimento
pessoal e social dos jovens brasileiros
50% das escolas públicas não têm professores de arte
Cerca de 1% do PIB brasileiro
MAIS DE 80% DAS CIDADES BRASILEIRAS NÃO TÊM
Cada R$ 1 milhão investido na área cultural
é gerado pela cultura
MUSEUS, TEATRO, SALA DE CINEMA
gera 160 postos de trabalho
sonar
Platéia do Master Crews, no Centro Cultural Aiti-Ken (Brasil/Japão), em São Paulo
FOTOS:PENNAPREARO
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM2
Educadores usam teatro, artes plásticas e música em
O grupo Afro Reggae, do Rio, tira jovens do
A CULTURA HIP HOP SE ORGANIZA CADA VEZ MAIS NAS
As políticas públicas estão priorizando as ações coletivas e
São Paulo, João Pessoa e Manaus pág. 14
tráfico e já é quase auto-sustentável pág. 22
PERIFERIAS DAS CIDADES BRASILEIRAS PÁG. 60
profissionalizantes pág. 64
A B.Girl Wal, da equipe GBCR, do Rio de Janeiro, na festa King of the Circle, em Sorocaba (SP)
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM3
âncoras
“A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, é
um instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual.”
Ana Mae Barbosa,
professora da Universidade de São Paulo, especialista em ensino da arte
“A criatividade é uma habilidade de sobrevivência, um recurso precioso,
especialmente neste momento da história humana, marcado por
instabilidades.”
Eunice Soriano de Alencar,
professora da Universidade Católica de Brasília, autora do livro “Criatividades Múltiplas”
“A ligação com a cultura me transformou em
uma pessoa melhor, mais aberta aos problemas
do mundo.”
William da Silva Mota, 20 anos,
músico do Projeto Charanga, em São Paulo
“Nossa cultura tem valores que merecem ser
preservados.”
Délio Firmo Alves,
índio da etnia Desano, de São Gabriel da Cachoeira (AM)
“Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervo
cultural.”
Paulo César Rodrigues Carrano,
do Observatório da Juventude da Universidade Federal Fluminense
BRUNOGARCIA
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM4
“É incrível, mas o cinema e o teatro me
deram mais responsabilidade que o próprio
serviço militar.”
Leandro Firmino da Hora,
ator, vice-presidente da ONG Nós do Cinema
“Tem muita gente que não considera a arte uma
profissão e não topa pagar o valor que ela merece.
Pedem muitas apresentações gratuitas.”
Ana Lucia da Silva Campos,
16 anos, estuda artes circences no Circo Lahetô, em Goiânia (GO)
“O planejamento de um desenho cultural brasileiro deveria ter como
premissa a heterogeneidade e a diversidade culturais, que constituem a
marca de nossa nacionalidade.”
Tião Rocha,
antropólogo e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, em Minas Gerais
“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com
que elas conheçam outros mundos, aprendam a se
expressar e a reivindicar seus direitos.”
Nadia Barbosa Accioly, 19 anos,
estuda poesia no Cria, em Salvador
“A peça clássica “Opus 26”, de Max Bruch, é pura
adrenalina, igual à de pichar em cima do viaduto ou
no alto do prédio.”
L. F. A. C. , 17 anos,
ex-pichador, toca violino no Projeto Guri, em São Paulo
DEISELANELIMA
RISONALDOCRUZ
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM5
expediente
ano 1 – número 3
novembro 2005/fevereiro 2006
Um projeto de comunicação apoiado pelo
Instituto Votoratim
Projeto editorial e realização
Fátima Falcão e Marcelo Nonato
Olhar Cidadão – Estratégias para o
Desenvolvimento Humano
www.olharcidadao.com.br
Direção editorial
Josiane Lopes – MTb 2913/12/13
Secretaria editorial
Lélia Chacon
Projeto gráfico
Artur Lescher e Ricardo van Steen
(Tempo Design)
Colaboradores
texto: Ana Mae Barbosa, Aydano André Motta,
Cecília Dourado, Daniela Rocha, Ferreira Gullar,
Flávia Oliveira, Iara Biderman, Jane Soares,
Leonardo Brant, Karina Yamamoto, Katia Canton,
Leusa Araujo, Marco Roza, Ricardo Rizzo, Ruth
Cardoso, Tião Rocha, Yuri Vasconcelos
foto: Anderson Oliveira, Andréa Agraiz, Andréa de
Valentim,AntônioLima,ArnaldoCarv alho,Augusto
Pessoa, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, Celso
Pacheco,DavilymDourado,FranciscoAndradeNeto,
FranciscoCampos,GustavoLourenção,Gyancarlo
Braga, Henk Nieman, Isaiaz Medeiros, Kátia
Lombardi,MárciaZoet,MarcosFernandes,Mayko
Pereira, Paulo Gonçalves da Silva, Penna Prearo,
Ratão Diniz, Rodrigo Castro, Viviane Pereira
ilustração:FlávioCastellan,GrupoDragãodaGra-
vura, Gustavo Rates, Jotapê, Rodolfo Herrera
Capa: grafite de rua fotografado
por Henk Nieman
Apoio editorial: Vinicius Precioso
(Instituto Votorantim)
Revisão: Eugênio Vinci de Moraes
Diagramação
Silvina Gattone Liutkevicius
D’Lippi Editorial
Fotolito
D’Lippi Editorial
Impressão
Gráfica Sag
Como entrar em contato com Onda Jovem:
E-mail: ondajovem@olharcidadao.com.br
Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403,
São Paulo, CEP 04111 001.
Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464
www.ondajovem.com.br um portal para quem
quer saber de juventude
Agradecimentos: Andi – Agência de Notícias dos
Direitos da Infância e da Adolescência
ONDA JOVEM SUGERE PLANOS DE AULA
Os educadores que já usam o conteúdo de Onda Jovem para subsidiar seu trabalho com
jovens agoracontamtambémcomosPlanosdeAuladisponibilizadosnaseçãoSaladoPro-
fessor, no site da revista (www.ondajovem.com.br). Os Planos de Aula são sugestões – for-
muladas por pedagogos exclusivamente para o site – de como dinamizar com os jovens as
análises e discussões de reportagens e ensaios publicados pela revista. A primeira edição,
que abordou o tema Projeto de Vida – e cuja íntegra permanece acessível no site – gerou
dois Planos: um que explora a relação entre Mídia e Projeto
de Vida, a partir de texto do psiquiatra Jairo Bouer, e outro
sobre Trabalho e Projeto de Vida, baseado em ensaio de An-
tonio Carlos Gomes da Costa, discutindo os princípios do
empreendedorismo. Na segunda edição, que tem o Traba-
lho como tema, estarão disponíveis quatro Planos de Aula,
baseados em textos sobre vocação, valores do trabalho, as
novas formas de ocupação e a relação entre tempo e traba-
lho. Ainda na Sala do Professor, podem-se conhecer as pro-
postas de trabalho de educadores, na seção Mestres, e tam-
bém fazer contato e trocar informações, na seção Colegas.
08
18
14
DANIELLEJAIMESSADRAQUESANTOSMARCOSFERNANDES/AGÊNCIALUZBRUNOGARCIA
22
ARNALDOCARVALHO
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:42 PM6
8 - Navegantes
A relação juvenil com a arte e a cultura, segundo os jovens
14 - Mestres
Três educadores fazem da arte a sua ferramenta pedagógica
18 - Banco de Práticas
O futuro e o passado inspiram quatro iniciativas culturais
22 - Caminho das Pedras
Como o Grupo Cultural Afro Reggae, do Rio, disputa jovens
com o tráfico
26 - Horizonte Global
O MuseoVivo coloca jovens chilenos em contato com sua
cultura ancestral
28 - Sextante
Ferreira Gullar responde: para que serve a arte?
30 -90 Graus
Arte&Cultura e Sociedade: como se forma a identidade
cultural
34 - 180 Graus
Arte&Cultura e Educação: os desafios da escola formal para
o ensino da arte
38 - 270 Graus
Arte&Cultura e Mercado: as relações entre produção
cultural e desenvolvimento econômico
42 - 360 Graus
Arte&Cultura e Contexto: como entender a arte
contemporânea
46 - Sem Bússola
O poder de inclusão da arte passa pelas formas de
comunicação que ela oferece
52 - O Sujeito da Frase
O ator Leandro Firmino da Hora explica por que “a arte nos
torna responsáveis”
56 - Ciência
Criatividade: a juventude é mesmo um período de muita
criação e flexibilidade
60 - Luneta 1
Hip Hop: os elementos da forma de expressão que
conquistou a juventude brasileira
64 - Luneta 2
Artesanato: a força social e econômica da arte feita com as mãos
68 - .Gov.com
A tendência das políticas culturais juvenis é investir em
ações comunitárias
72 - Chat de Revista
Quatro jovens discutem o efeito da arte e das manifestações
em suas vidas
Sonar 02
Pistas do todo e de algumas
partes da situação do jovem
Âncoras 04
Uma coleção de conceitos
sobre arte&cultura
Links 76
Notícias sobre juventude e
sobre o terceiro setor
Fato Positivo 78
A mentalidade do ensino da arte
no Brasil está evoluindo
Cartas 80
A palavra do leitor
Navegando 82
A poesia de Ricardo Rizzo
28é o número de
projetos com jovens que você
verá nesta edição
Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:42 PM7
navegantes
OPÇÃO:
ARTE Etexto_ Jane Soares
MÁRCIAZOET
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM8
9
Jovens descobrem no envolvimento com as
manifestações artísticas e culturais uma forma de
ampliar horizontes e transformar a realidade
Guilherme é bailarino em Londrina
(PR). Délio e Márcio lutam para res-
gatar e preservar a cultura dos índios
do Amazonas e dos caboclos do Mato
Grosso do Sul. Márcia participa de um
grupo folclórico em Canoas (RS).
Nadia faz poemas em Salvador (BA)
e Tatiana grafita os muros abando-
nados de São Paulo (SP). Tiago é ator
no Rio de Janeiro e Kelly, agente cul-
tural em Belo Horizonte (MG). William
faz parte de uma banda que cultiva
ritmos brasileiros, em São Paulo. Re-
presentantes de realidades diversas,
esses jovens se envolveram com a
arte e as manifestações culturais por
diferentes motivos, mas experimen-
tam, todos, os efeitos transformado-
res das opções que fizeram e enca-
ram com otimismo as dificuldades de
exercê-las. Passaram de consumido-
res a produtores de bens culturais,
num movimento muito característi-
co da juventude, época de revelação
de tendências e interesses pessoais,
e também de descobertas do mun-
do e dos valores dos grupos, a rede
fundamental pela qual ecoam seus
gostos, gestos, atitudes.
A pesquisa Perfil da Juventude Bra-
sileira, realizada no fim de 2003 pelo
Projeto Juventude, com 3.500 entre-
vistados em 198 municípios, detecta
esse envolvimento dos jovens com a
cultura. Entre os assuntos que mais
interessam a esse público, a cultura e o lazer vêm em
terceiro lugar, com 27% das indicações, atrás apenas da
educação e o emprego. Dos assuntos que gostam de
discutir,46%dosentrevistadosindicaramasdrogas;45%,
a sexualidade; 43%, os esportes; e 34%, as artes. O le-
vantamento mostra ainda que 15% participam de gru-
pos de jovens. Entre as atividades desenvolvidas neles,
as mais importantes são as religiosas e as musicais.
A relação entre grupos e cultura é direta. O professor
Paulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Ju-
ventude da Universidade Federal Fluminense, explica
que os grupos permitem aos jovens realizar um exercí-
cio de mão dupla entre a cultura que herdaram e a que
constroem. “Hoje, os jovens têm mais autonomia para
construir seu acervo cultural”, diz. Para ele, é impor-
tante que as diferentes manifestações culturais sejam
valorizadas. “É preciso evitar o dualismo entre bom e
mau para que se possa entender essas manifestações.”
Transformação cidadã
“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com
que elas conheçam outros mundos, aprendam a se ex-
pressar e a reivindicar seus direitos”, diz Nadia Barbosa
Accioly, 19 anos, estudante do ensino médio, que faz
parte do grupo de poesia do Cria, Centro de Referência
IntegraldoAdolescente,deSalvador.Seuobjetivojáestá
definido: ser atriz e professora de teatro. Antes de che-
gar ao Cria, ela participou de um grupo de teatro de rua
no Liceu de Artes e Ofícios. Com uma irmã e outros
jovens do bairro de Nova Brasília, onde mora, Nadia está
estruturando também um trabalho social na escola es-
tadual, com foco na saúde. É uma forma de repassar
os conhecimentos obtidos.
“A necessidade de passar a experiência adquirida
adiante é um traço muito forte entre os jovens ligados
TATIANA GARRIDO,
24 ANOS
é artista visual e grafiteira
CULTURA
a movimentos culturais”, observa a
psicanalista e atriz Maria Eugênia
Milet, coordenadora do Projeto Cria.
Segundo ela, os integrantes das ca-
madas mais pobres, até por terem
pouco acesso aos bens culturais tra-
dicionais, criam sua própria cultura:
“Quando têm oportunidade de pas-
sar por um processo de aprendiza-
do, eles deixam de ser pessoas leva-
das pela maré e tornam-se cidadãos,
agentes de transformação de suas
comunidades”.PauloCarranoconcor-
da. “A cultura da escassez gera
criatividade até para superar a pró-
pria escassez, como acontece com o
rap e o hip hop, que podem ser en-
tendidos como uma forma de parti-
cipação política.”
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM9
rais. “Assim, eles começam a enxergar a vida de uma
perspectiva mais ampla, pois têm contato com outras
realidades, conseguem construir uma nova identida-
de, aumentar sua auto-estima e adquirir instrumentos
para mudar sua realidade”, diz.
O efeito é multiplicador. Tanto Kelly quanto Nadia ci-
tam seus próprios exemplos. Elas se transformaram em
referências positivas importantes em suas comunida-
des. “Outros jovens me procuram para saber como po-
dem participar de movimentos”, conta Nadia.
navegantes
KELLY CHRISTIAN
LOUIZE DA SILVA,
23 ANOS
é agente cultural em Belo
Horizonte e se envolveu com o
setor por causa do hip hop
DÉLIO FIRMO ALVES,
21 ANOS
índio da etnia amazônica
Desano, luta pela preservação
da memória indígena
Foi assim com Kelly Christian Loui-
ze da Silva, 23 anos, residente no
bairro de Teresópolis, em Betim, re-
gião metropolitana de Belo Horizon-
te. Ela trabalha com movimentos cul-
turais há cinco anos, desde que co-
meçou a freqüentar o hip hop e foi
convidada a integrar um projeto de
formação de agentes culturais. Kelly
destaca a importância de os jovens
participarem de movimentos cultu-
PROJETO CRIA
ÁREA DE ATUAÇÃO CAPITAL E TRÊS CIDADES DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 15 CIDADES NO INTERIOR
DO ESTADO, ALÉM DE CONVÊNIO COM PROJETOS DE PIPA (CE), NÁPOLES (ITÁLIA) E MOÇAMBIQUE
PROPOSTA Programa de educação para a cidadania centrado no teatro e na poesia
JOVENS ATENDIDOS 96
APOIO UNICEF, CESE, FUNDAÇÃO MACARTHUR, AVINA, COFIC, INSTITUTO CREDICARD, FUNDAÇÃO FORD, WORLD
CHILDHOOD FOUNDATION
CONTATO Rua Gregório de Matos, 21 – 40025-060 – Pelourinho – Salvador (BA) – tel.: 71/3322-1334 –
www.criando.org.br – e-mail: cria@criando.org.br
PARASABERMAIS
SOBRE
PROJETO CHARANGA, DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DESPERTAR
ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA SUL DE SÃO PAULO
PROPOSTA Oferecer cursos profissionalizantes, de capacitação e geração de renda
JOVENS ATENDIDOS 146
CONTATO Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n. – 04416-170 – Cidade Adhemar – São Paulo (SP) –
tel.: 11/5621-0901 – e-mail: asscomdespertar@uol.com.br
PARASABERMAIS
SOBRE
Vocação e sustento
A transformação pessoal diante da
descoberta de um talento artístico é
fato. E gera desafios. Guilherme
Floriano Silva, 15 anos, nunca tinha
visto um espetáculo de balé clássico
antes de conhecer a Fundação Cul-
tura Artística de Londrina. Morando
com a madrinha em Alexandre Urba-
no, bairro de classe média baixa da
cidade, o garoto fazia parte da Guar-
da Mirim. Sua expectativa era se pre-
parar para conseguir um emprego e
ajudar a família. Como gostava de
dançar,umdeseusprofessoresoen-
caminhouparaaFundação.Foiades-
coberta de um mundo inteiramente
novo. Com apenas quatro meses de
aula, fez sua estréia no palco. “Ape-
sar do medo de errar, foi uma emo-
ção muito forte”, conta. Deixou a
Guarda Mirim, certo de que seu des-
tino profissional está ligado à dança.
Cursando a 8ª série, treina sete ho-
ras por dia, na esperança de conquis-
tar uma vaga no Balé de Londrina e,
NADIA ACCIOLY,
19 ANOS
é aluna do ensino médio, estuda
poesia em Salvador e quer ser
atriz e professora de teatro
MÁRCIA ALMEIDA,
23 ANOS
é administradora de empresas e
integra um grupo de preservação
das tradições gaúchas,
em Canoas
PARASABERMAIS
SOBREPARASABERMAIS
SOBRE
FUNDAÇÃO CULTURA ARTÍSTICA DE LONDRINA
ÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR)
PROPOSTA Criação de um curso regular e profissionalizante de dança, com duração de oito anos. Nos últimos
cinco anos, em parceria com a Secretaria de Cultura, criou a Rede de Cidadania, que faz iniciação à dança em
cinco bairros da cidade para identificar talentos
JOVENS ATENDIDOS 600
APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA
CONTATO Rua Souza Naves, 2.380 – 86015-430 – Londrina (PR) – tel.: 43/3342-2362 – e-mail:
funcart@funcart.art.br
PROGRAMA NÓS DO MORRO
ÁREA DE ATUAÇÃO MORRO DO VIDIGAL, NO RIO DE JANEIRO
PROPOSTA Formar atores para o teatro e o cinema
JOVENS ATENDIDOS 300
APOIO PETROBRAS
CONTATO Rua Dr. Olinto de Magalhães, 54 – 22450-250 – Vidigal – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/3874-9411 –
www.nosdomorro.com.br – e-mail contato@nosdomorro.com.br
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM10
11
KÁTIALOMBARDI
ANDRÉAAGRAIZFRANCISCOANDRADENETO
RISONALDOCRUZ
Estudos apontam a grande
importância que os jovens conferem
aos temas culturais. Na relação com o
grupo, eles fazem um exercício de
mão dupla entre a cultura que
herdam e a que constroem
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM11
quem sabe, no futuro, ganhar uma
bolsa para estudar fora do país. “Que-
ro me profissionalizar, passar o que
aprendi para outras pessoas e ganhar
dinheiro para ajudar minha família
fazendo o que gosto”, sonha.
Meta semelhante tem o paulistano
WilliamdaSilvaMota,20anos.Elequer
ganhar a vida como músico, tocando
instrumentosdepercussãoeensinan-
do. Com o 2º grau concluído, ele en-
frenta, porém, a resistência da famí-
lia,queopressionaparaconseguirum
emprego formal. Mas não se dá por
vencido.Participadeumcoraledeum
grupo de dança do Projeto Charanga,
naAssociaçãoComunitáriaDespertar,
em Americanópolis, bairro periférico
na zona sul de São Paulo. Nos fins de
semana, trabalha como assistente de
discotecário e de palco. William afir-
ma ter se encontrado no Charanga,
idealizadopelomúsicoMaurícioAlves,
da banda Mestre Ambrósio, e que tra-
locando sua arte nos muros da cida-
de. “É uma forma de causar impacto,
de mudar a visão das pessoas em re-
lação ao ambiente em que vivem, de
alegrar a cidade”, diz Tatiana, que
criou, com o marido e um amigo, a
Grafiteria, uma galeria para expor as
obras dos artistas urbanos.
Memória e tradição
Mas o resgate das culturas tradicio-
naisdedeterminadasregiõestambém
é fator que tem motivado muitos jo-
vens. Foi o que aconteceu com Márcia
Almeida, uma administradora de em-
presas de 23 anos, residente em Por-
to Alegre (RS), e Márcio Roberto da Sil-
va Oliveira, 23 anos, professor de Físi-
ca que mora em Campo Grande (MS).
QuandosemudoudeSantaCatarina
para Porto Alegre para trabalhar em
uma empresa argentina de equipa-
mentos hidráulicos, Márcia ingressou
no Grupo Folclórico Tropeiros da Tra-
navegantes
balha com vários ritmos brasileiros. “A ligação com a cul-
turametransformouemumapessoamelhor,maisaber-
ta aos problemas do mundo”, conta.
Renovação democrática
A socióloga Maria Virgínia de Freitas, integrante do
Conselho Nacional da Juventude, destaca a importân-
cia dos movimentos populares culturais para definir a
identidade de seus participantes e o seu lugar no mun-
do. Ela defende a criação de espaços mais democráti-
cos para que os jovens possam se afirmar não só como
consumidores de cultura, mas como criadores de bens
culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a va-
lorização pessoal. Maria Virgínia destaca a grande re-
novação que está ocorrendo nas periferias, com a mul-
tiplicação de estações de rádios livres, dos grafiteiros e
da criação de fanzines.
Tatiana Garrido, 24 anos, faz parte desse grupo. Ela
sempre gostou de desenhar. Tanto que fez um curso
técnico de desenho para comunicação. Ainda na esco-
la, juntou-se a um grupo de grafiteiros do bairro do
Tatuapé, bairro de classe média na zona leste de São
Paulo. Não parou mais. Agora, mesmo pilotando sua
própria empresa de comunicação visual, continua co-
ISAIAZMEDEIROS
CELSOPACHECO
Faltam espaços mais democráticos
para que a juventude possa se afirmar
não só como consumidora, mas como
criadora de bens culturais, que
possibilitem o autoconhecimento e a
valorização pessoal
Faltam espaços mais democráticos
para que a juventude possa se afirmar
não só como consumidora, mas como
criadora de bens culturais, que
possibilitem o autoconhecimento e a
valorização pessoal
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM12
13
“Minha paixão pelo teatro começou quando fui assistir a
uma peça na qual meu irmão trabalhava, no grupo Nós
do Morro, do Vidigal, no Rio de Janeiro. Era um garoti-
nho. Fiquei deslumbrado com as luzes, o texto, a movi-
mentação dos atores e resolvi fazer parte do projeto. Na
primeira vez que subi em um palco, chorei de emoção com
os aplausos do público. Eles são o melhor prêmio que um
ator pode desejar. Depois de nove anos de dedicação, os
resultados começam a aparecer. Faço parte do elenco do
Nós do Morro e já atuei em peças como “Eles contra Eles”,
“Sonhos de uma Noite de Verão”. Também participei da
novela “Da Cor do Pecado”, da TV Globo, na qual fiz o
papel de um menino de rua que era engraxate. Agora,
estou escalado para atuar na novela “Belíssima”,
inclusive gravando cenas na Grécia. A cada trabalho, a
emoção se renova, reafirmando minha certeza de que,
sem arte, a vida não é nada. Quero fazer faculdade de
Cinema e ensinar a outros jovens, para que eles possam
ter as oportunidades que eu tive e para que possam fazer
um trabalho que não é apenas uma forma de ganhar
dinheiro, mas que é pura paixão.”
OFUTUROÉAGORA TIAGO MARTINS, 16 ANOS
é ator no Rio de Janeiro, do Grupo Nós do Morro
dição,deCanoas.“Conheceraculturadenossopovonos
faz entender o significado de nossos valores”, diz ela.
Márcio, por seu lado, se considera um grande consumi-
dor de cultura alternativa. Trabalhando em sua tese de
mestrado na área de eletroquímica, ele é também dan-
çarino do grupo Sarandi Pantaneiro, que tem por objeti-
voresgatarepreservaramúsicaeadançadoMatoGros-
so do Sul. Márcio participa ainda do movimento Negras
Raízes,querecentementeeditouumlivroreunindopoe-
mas de poetas negros. “Resgatar a cultura é vital para
não perdermos nossa identidade como povo”, diz.
EssetambéméoentendimentodejovensíndiosdeSão
Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, onde 90% dos 35 mil
habitantes são descendentes de várias etnias indígenas.
Délio Firmo Alves, de 21 anos, da etnia Desano, estudante
do curso técnico de Enfermagem, lembra que, ao entrar
em contato com os índios, os missionários brancos impu-
seram sua cultura. Assim, costumes, tradições, a própria
línguaforamesquecidos.“Comisso,osíndiostambémper-
deram seus valores, sua identidade.” A nova geração de-
senvolveesforçospararesgatarmitos,música,dança,cos-
tumes, linguagem das diferentes etnias e luta pela criação
de centros de cultura indígena. “Nossa cultura tem valores
que merecem ser preservados”, diz.
GUILHERME FLORIANO DA SILVA, 15 ANOS
estudante da 8ª série e aluno de balé em Londrina, treina sete horas
por dia para ser bailarino profissional
MÁRCIO ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, 23 ANOS
é professor de Física em Campo Grande, onde participa de um
grupo de música e dança típicas do Pantanal
WILLIAM MOTTA, 20 ANOS
é percussionista e quer viver de música em São Paulo, mas enfrenta
a resistência da família
BRUNOGARCIA
RATÃODINIZ/IMAGENSDOPOVO
Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM13
por_Marco RozaNa Amazônia, jovens ajudam a pre-
servar a floresta aprendendo música
e fabricando instrumentos musicais.
Na Paraíba, a estamparia e a serigra-
fia elevam a auto-estima de meninos
e meninas, e, em São Paulo, o teatro
reduz a discriminação entre estudan-
tes. Mestres nessas artes, três edu-
cadores usam seu talento para mos-
trar que a expressão artística ajuda a
transformar os jovens em cidadãos
capazes de reconhecer os outros, a
si mesmos e de assumir seus sonhos.
Mostram que a arte faz pensar, edu-
ca, inclui. E que não por acaso ela se
torna ferramenta cada vez mais va-
lorizada na educação.
Para o músico e luthier Rubens Go-
mes, que trabalha na região amazô-
nica desde a década de 80, só há sal-
vação para a floresta se salvarmos,
ao mesmo tempo, os jovens que lá
vivem. Motivado por essa idéia, há
sete anos ele criou a Oficina Escola
de Lutheria da Amazônia (Oela), no
bairro de Zumbi, em Manaus, unindo
a arte e a preservação ambiental.
“Transformei minhas habilidades ar-
tísticas em um meio para estimular o uso racional dos
recursos naturais”, diz.
Na Oela, ensina música e profissionaliza jovens inte-
grantes de uma população em que 60% estão desem-
pregados, 94% têm no máximo o primeiro grau e mais
de 15% dos que têm acima de 10 anos nunca estuda-
ram. “As populações vivem abandonadas à própria sor-
te. No Zumbi, os jovens se organizavam em galeras e
se matavam uns aos outros”, conta Gomes.
Sintonia com a floresta
A Oela oferece alternativa. Os jovens são capacita-
dos a transformar recursos naturais em bens. Além das
aulas de música, cursam informática e participam de
grupos de discussão sobre assuntos como sexualida-
de, violência e drogas. Recebem educação ambiental,
discutindo, por exemplo, o manejo indiscriminado das
espécies em extinção. Como o pau-brasil, insubstituível
para o arco de violino; o mogno, usado para a confec-
ção de braços de violões clássicos; e o jacarandá da
Bahia,a“Daubergianigra”,queéreferênciamundialpara
as laterais e fundos de violões e muito valorizado no
mestres
exterior. “A partir desse aprendizado,
os jovens são envolvidos com a arte
da manufatura de instrumentos mu-
sicais de alta qualidade e se abre para
eles uma alternativa de vida em
sintonia com a conservação da flores-
ta”, diz Gomes.
O projeto está indo além de
Manaus. “Nas regiões ribeirinhas, en-
sinamos aos jovens o processamen-
to da madeira e a marchetaria, que já
é uma tradição na região.” A principal
população beneficiada fica em Boa
Vista do Ramos, no baixo Amazonas,
a 18 horas de barco de Manaus. As
madeiras são todas certificadas e as
comunidades estão montando enti-
dades que permitam encaminhar a
produção até para o exterior. Comu-
nidades com jovens que, segundo
Gomes, antes “viviam de costas para
a floresta”.
PELA ARTE
A EDUCAÇÃO
mestres
Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM14
15
COM A MÚSICA, AS ARTES VISUAIS E O
TEATRO, TRÊS EDUCADORES INDICAM AOS
JOVENS NOVOS CAMINHOS PARA O
DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL
AUGUSTOPESSOA
A professora universitária Lívia Marques
implantou projetos de arte-educação na Casa
Pequeno Davi, em João Pessoa (PB)
Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM15
Foco na auto-estima
Em João Pessoa, o maior desafio de Lívia Marques
Carvalho é lidar com o sentimento de desvalia que toma
conta da juventude atendida na Casa Pequeno Davi e na
Casa Menina Mulher. Ela diz que só depois que os jovens
se integram é que se percebem como pessoas. Eles se
motivam e são devolvidos ao mercado, geralmente de-
sempregados, quando completam 18 anos. O que se
torna mais um desafio. “Ensinamos a pescar, mas para
dar certo o rio tem de ter peixe”, observa.
Lívia é professora de Artes Visuais na Universidade
da Paraíba, em João Pessoa. Nas proximidades do Ter-
minal Rodoviário da cidade fica o bairro Baixo Roger. A
população infantil e adolescente
vive espalhada pelas ruas. Em 1985,
os padres da Irmandade São
Vicente de Paulo criaram a Casa
Pequeno Davi. Em 1989, quando se
decidiu trabalhar com atividades ar-
tísticas, Lívia foi fisgada para o pro-
jeto. “Não consegui sair mais”, diz a
atual dirigente.
“Aproveitamosoenvolvimentocom
a arte, que não tem isso de certo ou
errado, para ajudar os jovens de baixa
renda a aprender o que é a auto-esti-
ma”, explica. Os jovens aprendem es-
tamparia,impressãodecamisetasem
serigrafia, fazer bijuterias e cangas,
queaentidadecolocaàvenda.“Ofoco
deles, na rua, é a subsistência. Pela
arte,percebemquepodemsecolocar
no que fazem, ganham confiança e
descobrem que são cidadãos.”
Ligado ao mesmo projeto está a
Casa Menina Mulher, inaugurada em
1998. “Queremos que as meninas
aprendam a gostar de si mesmas e
aentenderosriscosdoambienteem
que vivem”, diz a professora. Além
do aprendizado artístico, elas discu-
tem saúde e higiene, sexualidade,
drogas, violência e gravidez.
SegundoLívia,omaisanimadoréver
os garotos e garotas conseguirem
completar o ensino médio. “Trata-se
deumesforçoexcepcionaldoadoles-
cente da região, que enfrenta a falta
deestímuloeapressãodafamíliapara
a busca de renda no mercado infor-
mal”, orgulha-se a educadora.
Integração pelo teatro
A arte é poderosa também para
mudar visões de mundo e combater
a discriminação. Com essa certeza, a
paulistanaPatríciaTeixeira,professo-
ra do ensino médio, criou o Teatro da
Inclusão. Tudo começou em 1999, a
partir de contato que teve com alu-
nos com necessidades especiais, na
Escola Estadual Benjamin Constant.
“Eles viviam em pequenos guetos,
eram discriminados e discriminavam
os demais alunos”, diz. Formada em
Educação Artística e pós-graduanda
CASA DO PEQUENO DAVI E CASA MENINA MULHER
ÁREA DE ATUAÇÃO JOÃO PESSOA (PB)
PROPOSTA Contribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente em situação de risco social por meio de
ações de educação integral
JOVENS ATENDIDOS 300 crianças e jovens entre 7 e 17 anos
APOIO UNICEF, IRLAND AID, IRISH BANK (DA IRLANDA), EMPRESA SKN, FRANK DER LINDERE CORDAID, UNIVERSAL CONCERN (DA
HOLANDA), CSCF (DO GOVERNO DA GRÃ-BRETANHA), COMUNIDADE LUTHERANA (ALEMANHA), EUROPEAN COMMUNITY CONCERN
(UNIÃO EUROPÉIA), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL, SECRETARIA DO TRABALHO E DE PROMOÇÃO SOCIAL DE JOÃO PESSOA
CONTATO Rua João Ramalho, 195 – 58020-200 – João Pessoa (PB) – tel.: 83/3241-526 – www.pequenodavi.org.br
PARASABERMAIS
SOBRE
NEYMENDES
O músico Ruben Gomes criou a Oela,
uma oficina-escola de instrumentos
musicais que ensina a preservar a
floresta, em Manaus (AM)
Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM16
17
OFICINA ESCOLA DE LUTHERIA DA AMAZÔNIA
ÁREA DE ATUAÇÃO AMAZONAS, PARÁ, AMAPÁ, ACRE E RORAIMA
PROPOSTA Promoção do uso racional dos recursos naturais para a geração de ocupação e renda com o intuito de
combate à pobreza, por meio da lutheria e da machetaria
JOVENS ATENDIDOS EM MANAUS, 592 por semestre
APOIO ASHOKA EMPREENDORES SOCIAIS, UNESCO (CRIANÇA ESPERANÇA), ICCO (INSTITUIÇÃO ECLESIÁSTICA DA HOLANDA),
PRO-MANEJO/IBAMA/MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CORREIOS
CONTATO Rua 22, Quadra O, Casa número 8, conjunto São Cristóvão – 69084-580 – Bairro do Zumbi 2 – Manaus (AM) –
tels.: 92/3644-5449 e 92/3638-2667 – www.oela.org.br
TEATRO DA INCLUSÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO
PROPOSTA Trabalhar com jovens o tema das diferenças
JOVENS ATENDIDOS 100 estudantes de ensino médio
APOIO JFA ENGENHARIA (EVENTUAL). EM BUSCA DE APOIO PERMANENTE
CONTATO Rua Pelotas, 523, apto. 103 – 04012-002 – Vila Mariana – São Paulo (SP) – tel.: 11/9742-1553 –
e-mail: astropaty@ig.com.br.; Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano – tels.: 11/5549-6006 e 11/5082-2206
PARASABERMAIS
SOBREPARASABERMAIS
SOBRE
tato com seus personagens internos, percebem a si
mesmos e o outro como pessoas completas. O teatro
os faz responder, principalmente, com atitudes”, diz.
Patrícia já envolveu mais de 100 jovens em suas pe-
ças, apesar das dificuldades para manter o projeto. “Às
vezesensaiamosnoparquedoIbirapuera”,conta.Neste
semestre, o esforço é para apresentar a peça “Esconde-
rijo de Judeus”. Na preparação da turma, contou com
amigos voluntários. Um professor de história ajudou a
dar contexto às leituras que os alunos fizeram do “Diário
de Anne Frank”, garota judia que se escondeu com a
família durante a Segunda Guerra Mundial e que inspira
a peça. Outro amigo apresentou aos jovens um seminá-
rio sobre a cultura judaica. Patrícia fez um laboratório
cênico sobre as relações de poder. “Vivemos pequenos
holocaustos todos os dias e é importante discutir o res-
peito às diferenças, o direito à permanência das pes-
soas no mesmo mundo em que vivemos”, diz.
O tema tem especial pertinência para a adolescência
e a juventude, segundo a professora. É quando as dife-
renças entre gerações e entre os próprios companhei-
ros começam a ser mais notadas e os jovens precisam
de orientação para lidar com elas de forma positiva. “O
trunfo do teatro é levar os jovens a vivenciar experiên-
cias. O resultado é surpreendente”, diz Patrícia, referin-
do-se a uma de suas grandes recompensas, que veio na
forma de conclusão de uma estudante sem deficiência
visual,durantediscussõessobrepreconceito:“Euaprendi
a ver o que os olhos não podem ver”.
A professora de ensino médio Patrícia
Teixeira fundou o Teatro da Inclusão para
discutir preconceitos com os alunos de São
Paulo (SP)
DAVILYMDOURADO
em Psicologia Analítica, na PUC de
São Paulo, ela decidiu usar as artes
cênicas para incluir jovens cegos nas
atividades escolares.
A experiência deu tão certo que,
em 2000, Patrícia a levou, num tra-
balho voluntário, para a Escola Es-
tadual Caetano de Campos. Aprovei-
tou o teatro disponível na escola e
iniciou o projeto Teatro da Inclusão,
com a peça “Retratos de Gerações”,
que ela escreveu. “Discutir as dife-
renças promove a inclusão. Três jo-
vens cegos atuaram. O trabalho eli-
minou as diferenças de visão, pois,
no palco, os alunos entram em con-
Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM17
banco de práticas
por_Flávia Oliveira
QUATRO PROJETOS SE IDENTIFICAM
POR PERPETUAR O PASSADO E
DAR SENTIDO AO FUTURO
GUSTAVOLOURENÇÃOARNALDOCARVALHOAUGUSTOPESSOAANDRÉADEVALENTIM
ENCONTROS CULTURAIS
A cultura é o fim e o meio desses projetos sociais, seja
para perpetuar experiências seculares de lugarejos ou dar
sentido ao futuro de crianças e jovens de cidades grandes.
E foi quase por acaso que seus mentores embarcaram na
idéia de que tambores, brinquedos, jongo, histórias seriam
capazes de mudar a vida de jovens. O maestro Flávio Pi-
menta, por exemplo, tinha decidido trocar o Brasil por uma
vida no exterior. A três meses da partida, se flagrou obser-
vando adolescentes nadando em poças d’água sujas nos
arredores de sua casa, no bairro do Morumbi, em São Pau-
lo. Resolveu agir. Convidou os jovens à sua casa, apresen-
tou-os à música. Desistiu da viagem, convocou amigos,
estruturou e deu à luz a Associação Meninos do Morumbi,
que hoje envolve 4 mil crianças e jovens.
Macau Góes era colecionadora de brinquedos e encan-
tou-se com a obra de artesãos do Recife quando visitava
uma feira da Fundação Joaquim Nabuco. Consultora da
ONG Artesanato Solidário, aproximou jovens do programa,
dando o pontapé inicial para a fundação da Associação
BrinquedosPopularesdoRecife,quejáqualificouumacen-
tena de artesãos.
Noutro improviso do destino, Paulo Dias, da Associação
CulturalCachuera,deSãoPaulo,conheceuacomunidadede
jongueiros do bairro Jardim Tamandaré, na periferia de
Guaratinguetá. Em parceria com a TV Cultura, produziu o fil-
me “Feiticeiros da Palavra – O Jongo do Tamandaré” e apre-
sentou o grupo ao país. Daí veio a criação da Associação
JongueiradeGuaratinguetá,quelevaosjovensaseenvolve-
rem com a dança e a música deixadas pelos escravos.
O casal Alemberg Quindis e Rosiane Limaverde estava
determinado a preservar a herança cultural dos Kariri, tri-
bo indígena que batizou um pedaço do Ceará, o Vale do
Cariri. Em Nova Olinda, abrigaram os artefatos pré-históri-
cos recuperados na região. Apresentavam o tesouro a tu-
ristas, quando foram surpreendidos por meninos da vizi-
nhança com os textos na ponta da língua. Assim expan-
diu-se a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem
Kariri, que capacita jovens em várias áreas.
Conheça melhor os frutos desses encontros:
Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM18
19
Foi da aproximação com a Associação Cultural
Cachuera que Lúcia Maria de Oliveira, jongueira por nas-
cimento, enfermeira por profissão, deu início ao Proje-
to Bem-te-vi, no Jardim Tamandaré, na periferia de
Guaratinguetá, em São Paulo. A idéia é perpetuar o
jongo, uma tradição na comunidade, entre as crianças
e jovens, que recebem os ensinamentos dos adultos e
idosos. Lúcia gosta de dizer que tem o jongo no san-
gue, porque é neta do velho Antonio Henrique, que trou-
Guaratinguetá, SP
Projeto Bem-te-vi
da Associação de
Jongo
do Tamandaré
O projeto começou com meia dúzia de garotos, um
maestro e uma professora de dança. Quase uma déca-
da depois, são 4 mil, e uma lista de espera com 2 mil
nomes. A Associação Meninos do Morumbi atende a
crianças e adolescentes interessados em experimentar
o gosto de “poder ser o que quiserem”, como diz o fun-
dador Flávio Pimenta. “A música se mostrou uma exce-
lente armadilha para atrair os jovens”, brinca. O alvo ini-
cial do projeto eram comunidades populares, mas hoje
não é exclusivo de alunos pobres – eles ocupam 70%
Recife, PE
Formação de jovens
artesãos
no Projeto
Brinquedos
Populares do Recife
O projeto que inicialmente se restringia à preservação
antropológicadosíndiosKariritransformou-senumains-
tituição dedicada também à formação profissional dos
jovens da região. A Fundação Casa Grande oferece hoje
a 70 jovens qualificação em quatro áreas: memória, co-
municação, arte e turismo. O primeiro programa tem
como foco o resgate da memória da pré-história do ser-
tão, por meio da mitologia e da arqueologia: forma re-
cepcionistas, guias de campo e relações-públicas para
atuar na instituição e nos sítios arqueológicos da região.
Nova Olinda, CE
Fundação Casa
Grande
Memorial do
Homem Kariri
Desde os anos 80, a Fundação Joaquim Nabuco man-
tinha contato com um grupo de oito artesãos que fa-
ziam brinquedos populares na Região Metropolitana de
Recife. As peças acabaram descobertas pelo Artesanato
Solidário, que propôs a criação do projeto Brinquedos
Populares do Recife. Iniciado em março de 2004, o pro-
grama é multiplicativo: “Os mestres repassam seus co-
nhecimentos aos jovens e, com isso, é possível preser-
var técnicas populares de produção de brinquedos”, ex-
plica Julio Ledo, gerente regional do Artesanato Solidá-
São Paulo, SP
Associação
Meninos do
Morumbi
>>
>>
>>
>>
Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM19
A oficina de comunicação apresenta
aos alunos as técnicas de elaboração
de programas de rádio, TV e trabalhos
de editoração. A rádio comunitária já
protocolou no Ministério das Comuni-
cações um pedido para transformá-la
em emissora educativa. O braço das
artes tem laboratório de teatro, cine-
rio. O projeto capacitou primeiro oito
mestres, que aprenderam a melhorar
a apresentação e a qualidade de suas
criações,elaborarplanilhasdecustos,
entender o mercado consumidor, ao
lado de aulas de cidadania e relações
interpessoais. Em contrapartida, eles
deveriam destinar 10% da renda de
das vagas. Cumprida a condição de
cursar o ensino regular, eles podem
escolher entre artes (balé, dança, es-
cultura, fotografia, moda, teatro), mú-
sica (bateria, canto, percussão, cava-
co) e esportes (capoeira, futsal, jiu-
jitsu), mas são obrigatoriamente apre-
sentados ao inglês e à informática. A
xe a música e a dança dos negros es-
cravos para a região. Um filme, pro-
duzido por Paulo Dias e apresentado
Brasil afora, foi o estopim de uma sé-
rie de convites para apresentações
em São Paulo e no Rio de Janeiro e
alimentou a necessidade de profissio-
nalização do grupo e levou à criação
do Bem-te-vi, que hoje conta com 40
>>
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>>
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Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM20
21
ASSOCIAÇÃO JONGUEIRA DE GUARATINGUETÁ
ÁREA DE ATUAÇÃO GUARATINGUETÁ (SP)
PROPOSTA Repassar a crianças e jovens os ensinamentos
do jongo e reforçar neles a importância da educação
formal regular
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 40 pessoas, incluindo
também os idosos
APOIO SECRETARIA DE CULTURA DE GUARATINGUETÁ,
PREFEITURA MUNICIPAL E ASSOCIAÇÃO CACHUERA
DE SÃO PAULO
CONTATOS Rua Tamandaré, 661, Fundos – Jardim
Tamandaré – Guaratinguetá – SP – Tel.: 12/3133-3408
para fazer em suas casas suítes para
abrigar turistas. Por R$ 40 diários, o
visitante tem pernoite, café, almoço
e jantar. “Todo o projeto funciona com
pedagogia própria: os jovens mais ex-
perientes repassam os conhecimen-
tosaosmaisnovos”,ensinaAlemberg,
o mestre.
toda peça vendida a um fundo para
custearalegalizaçãodaassociaçãode
artesãos e compartilhar seus conhe-
cimentos em Oficinas do Saber, com
turmas de até 20 alunos escolhidos
entre os residentes na Vila Esperan-
ça, comunidade pobre do Recife. Os
artesãos foram remunerados pelas
entidade acaba influenciando na esco-
lha da carreira deles, como conta a ex-
aluna, agora monitora, Luciana Fernan-
des, de 20 anos: “Entrei com 14 anos.
Aprendi capoeira, jiu-jitsu e percussão.
Decidi seguir na música. Se não tivesse
passado por aqui, nem imaginaria essa
vida”. Das oficinas culturais foi criado o
participantes. “Queremos ensinar o
jongo às crianças e aos jovens, mas
também reforçar neles o quanto a
educação é importante. Vamos pre-
servar o passado e estimular o futu-
ro dos meninos”, planeja Lúcia, de 50
anos, mãe de Hebert e Erica, avó de
Cauê. Os jongueiros do Tamandaré
recebem apoio da prefeitura e da Se-
ma e escola de música, na qual se co-
meçacomabandadelataeseguecom
grupos cover e instrumental. O labora-
tório de turismo funciona em parceria
comacooperativadepaiseamigosda
Casa Grande. Os pais dos alunos man-
têm a loja de souvenirs da Fundação e
a cantina, além de serem orientados
horas de aula e, dentre os 100 jovens
quejáreceberamaqualificação,vários
já produzem brinquedos para vender
e três, de tão talentosos, integram a
Associação. Estão sendo orientados a
criar sua série de produtos, tal como
aconteceu com os mestres de quem
eles aprenderam.
grupo artístico Meninos do Morumbi.
Desde 1996, foram mais de 500 apre-
sentações.AbandajáseexibiucomIvete
Sangalo, Lulu Santos e os grupos Cida-
de Negra e Olodum. A ousadia de mis-
turaroeruditoeopopularnumespetá-
culo com o pianista clássico Marcelo
Bratke conquistou cidades européias.
cretaria de Cultura de Guaratinguetá.
No ano passado, participaram da or-
ganização de três oficinas de vídeo
dirigidas aos jovens da comunidade.
Durante boa parte deste 2005, dedi-
caram-seaorganizarlegalmenteaas-
sociação. Agora, buscam um terreno
para instalar a sede do projeto e sair
seduzindo futuros jongueiros.
FUNDAÇÃO CASA GRANDE – MEMORIAL DO HOMEM KARIRI
ÁREA DE ATUAÇÃO NOVA OLINDA (CE)
PROPOSTA Oferecer qualificação profissional a crianças
e jovens sertanejos por meio de atividades de resgate
da memória local, arte, comunicação e turismo
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 70
APOIO INTERAMERICAN FOUNDATION
CONTATOS Rua Jeremias Pereira, 444 – Centro – Nova
Olinda (CE) – Tel.: 85/3546-1333 –
casagrande@baydejc.com.br
BRINQUEDOS POPULARES DO RECIFE
ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE RECIFE (PE)
PROPOSTA Qualificar artesãos e incentivá-los a repassar
seus conhecimentos a jovens de comunidades pobres
por meio das Oficinas do Saber
NÚMERO DE JOVENS BENEFICIADOS 100
APOIO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, MINISTÉRIOS DA
EDUCAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, ARTESANATO
SOLIDÁRIO (ARTESOL) E SEBRAE
CONTATOS Rua Alves Guimarães, 436 – Pinheiros – São
Paulo (SP) – Tel.: 19/3246-2888 – www.artesol.org.br
ASSOCIAÇÃO MENINOS DO MORUMBI
ÁREA DE ATUAÇÃO BAIRROS DA REGIÃO SUDOESTE DA
CAPITAL PAULISTA E MUNICÍPIOS VIZINHOS, COMO
TABOÃO DA SERRA, ITAPECERICA DA SERRA E EMBU
PROPOSTA Oferecer cursos de artes, música, dança,
esportes, informática e língua estrangeira a crianças
e adolescentes, dos 5 aos 18 anos, reforçando a
importância da formação escolar regular
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 4 mil
APOIO PREFEITURA DE SÃO PAULO, CÂMARA DE
COMÉRCIO ELETRÔNICO, PÃO DE AÇÚCAR, CULTURA
INGLESA, BRITISH AIRWAYS, HP, LAUREUS SPORTS, BIT
COMPANY, SADIA, ENTRE OUTROS
CONTATOS Rua José Jamarelli, 485 – Morumbi – São
Paulo (SP) – Tel.: 11/3722-1664 –
www.meninosdomorumbi.org.br
PARASABERMAIS
SOBREPARASABERMAIS
SOBREPARASABERMAIS
SOBRE
PARASABERMAIS
SOBRE
Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM21
PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFRO
REGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DO
TRÁFICO CARIOCA
Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada de
José Junior, o coordenador-executivo do Grupo Cultural Afro Reggae, no Rio
de Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra dele
está superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemos
o currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no Afro
Reggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que ele
tem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleo
de Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, no
dialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico de
drogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte.
Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente tra-
balho que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro,
em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovens
decididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, na
formação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania.
As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Pa-
rada de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra há
inacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém nú-
cleos. Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em siste-
ma de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONG
que conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bem
perto de se tornar auto-sustentável.
Oalicercedetamanhosucessochama-secoerência.OAfroReggaetemcomo
fundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fá-
bricas de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues tam-
bém não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador.
Nascido na dor
A luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae.
Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante de
bailesfunk,quandooritmofoibanidodacidade,porcausa
do arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou o
conflitoentreganguesdeVigárioGeraleParadadeLucas,
que se enfrentaram na areia famosa do canto de
Ipanema). Ele trocou de ritmo e começou a promover
festas de reggae – “a contragosto”, como lembra.
Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior en-
xergou no gênero a possibilidade de promover a cultu-
ra afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, o
jornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e ou-
tras manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foi
sacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 mo-
radores da favela foram assassinados por um bando
de policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algo
por lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês de-
pois do massacre, eles entraram na favela, para “fazer
alguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como des-
creve o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, que
tomou as ruas da comunidade.
O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comu-
nitário de Cultura, com as primeiras oficinas: dança, per-
cussão, reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 ins-
trumentoslevadospelogrupoeramdisputadosatapapor
jovens que enxergavam horizonte onde a olho nu havia
apenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas
RESGATE
PELO REGGAE
caminho das pedras
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:50 PM22
23
por_Aydano André Motta
fotos_Rodrigo Castro
23
Jovem diante de cartaz com os
princípios do grupo Afro Reggae: a música
é o meio de atração para um
amplo trabalho de conscientização
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:50 PM23
apenas em ter perspectiva”, confirma Altair Martins, 24
anos, nascido em Vigário, formado na turma 01 e hoje co-
ordenador de operacionalização do Afro. Ele cresceu em
meio a paredes furadas à bala e vizinhos assassinados, e
agora é emblema – “puro-sangue”, ajuda a salvar outros,
ao som de funk, reggae, soul e hip hop.
Da salada de ritmos nasceu o filhote mais famoso, a
banda AfroReggae, aclamada Brasil afora e no exterior.
Os padrinhos, Junior lembra orgulhosamente, são Cae-
tanoVelosoeReginaCasé,queconheceramogrupodois
anos depois e foram os primeiros a incentivar os jovens
da favela a conquistar o mundo com sua música.
Em1997,foiinauguradonacomunidadeoCentroCultu-
ral Afro Reggae Vigário Legal, para melhorar, num espaço
bem estruturado, a formação cultural e artística dos jovens
moradores. “Uma fábrica de sonhos”, resume Junior. De lá,
eles escapam do tráfico e do subemprego e se transfor-
mamemmultiplicadoresdapazedaintegraçãosocial.Hoje,
existemoutrosoitogruposmusicais:BandaMakalaMúsica
e Dança, Afro Lata e Afro Samba, além dos subgrupos Afro
Mangue, Tribo Negra, Akoni, Kitôto e uma banda de rock
ainda sem nome, exclusivamente de meninas.
Na trilha da autonomia
O sucesso artístico deixa a ONG a um passo de se
sustentar, com a renda dos shows e da venda de pro-
RECUSAR PATROCÍNIO DE CIGARRO E
BEBIDA, MESMO ESTANDO SEM DINHEIRO,
FOI UMA DAS FORMAS DO AFRO REGGAE
TRADUZIR PARA AS COMUNIDADES A
FORÇA DE SEUS VALORES
Aprendizes descansam junto dos instrumentos;
abaixo, garota com tambor; na página oposta,
garotas ensaiam coreografia; um jovem
percussionista e rapazes durante ensaio de uma
das bandas: apresentações e venda de CDs são
fonte de renda do grupo
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM24
25tréguas em guerras a que a polícia apenas assiste, impotente e derrotada.
A interferência em batalhas sangrentas inspirou-se em outro projeto social,
o Rompendo Fronteiras, que desde 2001 busca levar o trabalho social onde
ele é necessário, independentemente de conflitos. Em Parada de Lucas, as
armas são cursos básicos de informática. No Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, a
isca é a linguagem do circo – malabares, trapézio, acrobacias. De lá saíram
dois meninos para o Ringling Bros., o maior circo de picadeiro do mundo.
O prestígio do Afro Reggae também se estende a endereços antes exclusi-
vos da elite. O Prêmio Orilaxé, entregue a personalidades que contribuíram
com a divulgação e promoção da cultura afro, teve como palco, em 2005, o
Canecão, a mais famosa casa de shows do Rio. Com a presença do ministro
da Cultura, Gilberto Gil, um público diferente ocupou a platéia para aplaudir
iniciativas incríveis, como o Juventude e Polícia, espetáculo de dança em par-
ceria com a Polícia Militar de Minas Gerais. Isso mesmo: PMs fardados dan-
çando com jovens do Afro, num espetáculo de inesperada harmonia.
As histórias do Afro Reggae chegam agora ao cinema, em cinco
documentários que devem ser lançados em breve. O primeiro a ficar pronto
foi o americano “Favela Rising”, premiado em três mostras. A produção conta
a história de Anderson Sá, sobrevivente da chacina de Vigário Geral, que per-
deu parentes na carnificina, tentou ser traficante, foi baleado, chegou a ficar
paraplégico mas se recuperou, e hoje é mais um “puro-sangue”.
“Temos a cultura do perdedor que deu certo. Sabemos como é o fracasso”,
diz Junior. “Queremos preparar as pessoas para ter poder. A sociedade brasilei-
ra tinha outro destino para elas. Isso precisa mudar.” E assim vai-se alterando a
triste ordem das coisas na desigualdade brasileira. No ritmo do Afro Reggae.
dutos como CDs e camisetas. Sem perder a coerência
mesmo nas tempestades mais pesadas. “Quatro anos
atrás, recusamos um cachê de R$ 40 mil para tocar em
um festival patrocinado por uma empresa de tabaco”,
relembra Junior, orgulhoso. “Estávamos com quatro
meses de salários atrasados, mas resistimos.”
Para sair do buraco financeiro, muita conversa em
busca de outros parceiros e todo o pragmatismo possí-
vel no dia-a-dia. O Afro Reggae hoje supera em prestí-
gio o tráfico de drogas, antigo sinônimo de poder e pros-
peridade nas comunidades populares. O fenômeno ex-
plica-se, entre outras razões, pelo trabalho junto à mídia.
“A TV Globo é muito importante para nós. Podemos apa-
recer lá sem ter o rosto desfocado. E nos shows faze-
mos saudações a favelas independentemente das fac-
ções que as dominam”, ensina ele.
Masnabatalhaquenuncatermina,popularidadeéape-
nasumaarma.“Nessemomento,nocaos,oqueresolveé
emprego. Educação só não basta”, diz Junior, citando o
exemplo de um gerente do tráfico que o abordou, meses
atrás. “Se tiver uma oportunidade, eu saio agora”, avisou.
Teve. Novo desfalque no exército das drogas.
Ultrapassando fronteiras
O prestígio levou Júnior e outros sete “puros-sangues”
a formar um comitê de mediação de conflitos que ator-
mentam os milhões de moradores honestos das favelas
do Rio. O acesso privilegiado permite a eles negociar
GRUPO CULTURAL AFRO REGGAE
ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POPULARES DO RIO DE JANEIRO, ENTRE ELAS VIGÁRIO GERAL, PARADA
DE LUCAS E CANTAGALO, EM PROJETOS PRÓPRIOS, E OUTRAS EM PARCERIA
PROPOSTA Desviar jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego por meio da inclusão e justiça
social. Como ferramentas, a arte, a cultura afro-brasileira e a educação
JOVENS ATENDIDOS 972
APOIO AVINA, FUNDAÇÃO FORD, FUNDAÇÃO KELLOG, HP, INSTITUTO CREDICARD, INSTITUTO DESIDERATA,
SUPERMERCADOS EXTRA, PREFEITURA DO RIO, REDE GLOBO E SESC-RIO
CONTATO Av. marechal Câmara, 350/703 – Centro – 20020-080 – Rio de Janeiro (RJ) –
Tel.: 21/2532-0171 – www.afroreggae.org.br
PARASABERMAIS
SOBRE
25
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM25
horizonte global
por_Cecília Dourado
ilustração_Jotapê
DIÁLOGOS
DE ERAS
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM26
27
O MuseoVivo promove conexões virtuais,
geográficas e de idéias para que os jovens
chilenos conheçam melhor sua cultura ancestral
O que um homem que viveu há 3
mil anos pode ter a dizer a um jovem
que mora numa cidade moderna? O
que um habitante das míticas e re-
motas ilhas de Chiloé, no sul do Chi-
le, tem a dar para um jovem que vive
na capital, Santiago? Para responder
a essas e outras indagações, a Fun-
dação MuseoVivo propõe o diálogo
social e cultural entre diversas gera-
ções, etnias, comunidades e culturas
do Chile. Essa fusão de elementos
culturais diversos já começa nos pró-
prios meios utilizados pela organiza-
ção para propagar seu trabalho: ou-
tros museus e espaços, da internet a
praças públicas e bibliotecas ao re-
dor de fogueiras indígenas.
A fundação desenvolve uma série
de atividades dinâmicas por meio de
conexões virtuais, geográficas e de
idéias, diz sua fundadora e diretora,
a psicóloga Margarita Ovalle. Inicial-
mente, ela pensava em fazer “um
museucomconteúdosvirtuaisvivos”,
mas logo se deu conta de que não
havia necessidade de mais um mu-
seu. “Os museus já existiam, mas fal-
tava ocupá-los com vida”, diz. Pres-
cindindo então de um espaço físico
fixo, ela decidiu reunir um acervo “da-
quilo que é importante para uma so-
ciedade” e levar “esses tesouros ao
conhecimento público de diversas formas”.
Pós-graduada em Antropologia, Ovalle parte do prin-
cípio de que o jovem, principalmente, deve ter contato
com culturas múltiplas, em particular com aquelas que
contribuíram para a formação da identidade de seu país
ou região. Na época da globalização, é preciso ter cons-
ciência da riqueza cultural local para avançar, rumo ao
futuro, munido de identidade, dignidade e auto-esti-
ma: “O conhecimento e a convivência com diversos
modos de vida resultam na tolerância e no enriqueci-
mento cultural”, observa.
Espaços de interação
A fundação promove exposições e conferências em
“museusaliados”emantématividadesemescolaseuni-
versidades, estações de metrô, praças e ruas. Os “proje-
tos artísticos e lúdicos”, por exemplo, buscam atrair jo-
vens para a diversidade cultural com a criação de jogos
em espaços públicos. É o caso da instalação, em par-
ques,de“quebra-cabeçasgigantes”–estruturasde1,80
m de altura formadas por quatro cubos de madeira so-
brepostos, que lembram totens, mas que são móveis.
As faces dos cubos são pintadas com figuras mitológi-
cas e históricas do Chile. A idéia é que, ao manipulá-los,
a população, sobretudo crianças e jovens, tenha uma
experiência lúdica com a sua própria história e mitos.
Outro projeto é o das “fogontecas”, iniciadas em
2003 nas ilhas de Chiloé. “Fogon” é uma construção
tradicional indígena: casa pequena, de madeira e, às
vezes, teto de palha, onde as pessoas se reúnem para
contar histórias ao redor de uma fogueira. A MuseoVivo
criou as “fogontecas” – mistura de “fogon” com bibli-
oteca. Nesses espaços – que já são cinco, alguns dos
FUNDAÇÃO MUSEOVIVO
REGIÃO DE ATUAÇÃO CHILE, ESPECIALMENTE EM CHILOÉ E SANTIAGO
PROPOSTA Enriquecer a identidade cultural por meio da interação de etnias, visões de mundo e modos de vida
diferentes, num ambiente de respeito; criar diálogo entre diferentes gerações e culturas
JOVENS ATENDIDOS 1.800 por ano, nas comunidades, e outros milhares pela internet
APOIO JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION, AVINA, DEPARTAMENTO DO LIVRO E CULTURA, EMPRESAS CHILENAS
CONTATO Tels.: 56 02/2286427 e 56 09/2272647 – www.museovivo.cl – info@museovivo.cl;
movallev@hotmail.com
PARASABERMAIS
SOBRE
S quais substituem fogueiras por
aquecedores –, as pessoas podem
retirar livros, e jovens e velhos fazem
rodas de conversas. A idéia é resga-
tar a bagagem ancestral chilena, não
no sentido de tentar inutilmente de-
ter o tempo, mas de perceber a “ri-
queza que existe numa cultura que
corre o risco de extinção e, assim,
chegar ao futuro com referências
multiculturais”, diz Ovalle.
Segundo a psicóloga, os resultados
têm sido animadores. Os jovens se in-
teressampeloqueosmaisvelhostêm
a dizer e descobrem uma grande ri-
queza cultural no meio de comunida-
des pobres. As gerações passaram a
se encontrar também em outros
eventos, como as festas populares.
Na comunidade de Coldita, em Chiloé,
osmoradoreseditamumboletim,que
é encartado na “Revista MuseoVivo”,
publicada com apoio do Departamen-
to do Livro e Cultura. “A postura dos
jovens que trabalham na publicação
mudou”, conta. “Eles se tornaram
mais seguros e confiantes.”
ParaOvalle,oencorajamentododiá-
logo entre culturas é útil e desejável
para toda a América Latina e seria fácil
repetiraexperiênciachilenaemoutros
países, “porque estamos trabalhando
com a essência do humano”.
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM27
SEXTANTE
A REFLEXÃO DO ARTISTA SOBRE A SERVENTIA DA
ARTE DESCREVE COM APARENTE SIMPLICIDADE O
ENCANTAMENTO DA MAIS ENIGMÁTICA PRODUÇÃO
HUMANA E SEU EFEITO SOBRE O MUNDO
Confesso que, espontaneamente,
nunca me coloquei esta questão:
para que serve a arte? Desde meni-
no, quando vi as primeiras estampas
coloridas no colégio (que estavam
muito longe de serem obras de arte)
deixei-me encantar por elas a ponto
de querer copiá-las ou fazer alguma
coisa parecida.
Não foi diferente minha reação
quando li o primeiro conto, o primeiro
poemaeviaprimeirapeçateatral.Não
se tratava de nenhum Shakespeare,
de nenhum Sófocles, mas fiquei en-
cantadocomaquilo.Possodeduzirdaí
que a arte me pareceu tacitamente
necessária. Por que iria eu indagar
para que serviria ela, se desde o pri-
meiro momento me tocou, me deu
prazer?
Mas se, pelo contrário, ao ver um
quadro ou ao ler um poema, eles me
deixassem indiferente, seria natural
que perguntasse para que serviam, por que razão os
haviam feito.
Então, se o que estou dizendo tem lógica, devo ad-
mitir que quem faz esse tipo de pergunta o faz por não
ser tocado pela obra de arte. E, se é este o caso, cabe
perguntar se a razão dessa incomunicabilidade se deve
à pessoa ou à obra. Por exemplo, se você entra numa
sala de exposições e o que vê são alguns fragmentos
de carvão colocados no chão formando círculos ou um
pedaço de papelão de dois metros de altura amarrotado
tendo ao lado uma garrafa vazia, pode você manter-se
indiferente àquilo e se perguntar o que levou alguém a
fazê-lo. E talvez conclua que aquilo não é arte ou, se é
arte, não tem razão de ser, ao menos para você.
Na verdade, a arte – em si – não serve para nada.
Claro, a arte dos vitrais servia para acentuar atmosfera
mística das igrejas e os afrescos as decoravam como
também aos palácios. Mas não residia nesta função a
razão fundamental dessas obras e, sim, na sua capaci-
dade de deslumbrar e comover as pessoas.
Portanto, se me perguntam para que serve a arte,
respondo: para tornar o mundo mais belo, mais
comovente e mais humano.
SEXTANTE
A BELEZA
DO HUMANO,
NADA MAIS
por_Ferreira Gullar
ilustração_Flávio Castellan
Ferreira Gullar, um dos maiores
poetas brasileiros, nascido no
Maranhão (1930), é também
cronista, ensaísta, teatrólogo e
crítico de arte. É autor de livros de
poesia como “Dentro da Noite Veloz”,
“Poema Sujo” e “Na Vertigem do
Dia”, e de ensaios como
“Vanguarda e Subdesenvolvimento”
e “Argumentação Contra a
Morte da Arte”
Flávio Castellan, 27 anos, é artista
plástico e integra o elenco do ateliê
paulistano Espaço Coringa
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM28
29
Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM29
TODOS TÊM
CULTURA E
TRATA-SE DE UM
BEM UNIVERSAL
PORQUE É A
REDE DE
RELAÇÕES
QUE DEFINE O
DESENHO
DE UMA
COMUNIDADE
por_Tião Rocha
ARTE&CULTURA E SOCIEDADE
AS TRAMAS
90º
entresi,constroemdesenhos,padrões,
símbolos e valores do grupo humano
que aí vive e que podemos conceituar
de Cultura.
Encontramos os indicadores so-
ciais em qualquer comunidade – rica
ou pobre, urbana ou rural. No entan-
to, eles só se tornam um indicador
cultural quando, em contato com ou-
tros indicadores, produzem um novo
desenho, uma teia de relações dinâ-
micas, novas tramas e padrões de
convivência, gerando novos valores
ou sendo influenciados pelos valores
universais presentes na comunidade.
A cultura, este desenho, trama ou
padrão dinâmico e interrelacional, é
algo humano e social, público e visível,
masàsvezesmicroscópico.Podemos,
dentro de uma macrotrama, perceber
microdesenhos simbólicos e repletos
de significantes, como nas festas po-
pulares e de rua ou nos “rituais da or-
dem”quesimbolizamemantêmosis-
tema político. E é nesse mar de tra-
DA IDENTIDADE
Todo e qualquer ser humano tem cultura. Esta é uma
das poucas “verdades” da Antropologia. Apesar disso,
muita gente ainda pensa que alguns seres humanos
não têm cultura. Uma minoria crê, firmemente, que sua
cultura é superior à dos outros. Outros, por se julgarem
superiores, resolveram eliminar e subjugar os diferen-
tes, tratando-os como inferiores. E uma grande maio-
ria acostumou-se a pensar que não tem cultura algu-
ma, ficando à mercê das elites ditas “cultas”.
Outro equívoco que rodeia a cultura é quanto ao uso
que se faz do conceito. As definições variam do extre-
mamente amplo (“cultura é tudo aquilo que o homem
acrescenta à natureza” ou “cultura é toda maneira de
pensar, agir e sentir dos homens”) ao extremamente
específico (“cultura é erudição”). Com o uso
indiscriminado ou interesseiro, a palavra cultura tornou-
se expressão esvaziada. Foi o que nos levou a construir
um novo conceito, que fosse ao mesmo tempo
operacional, palpável, mensurável, observável, ético e
correto.
Para isso, buscamos outra contribuição da Antropolo-
gia: em toda e qualquer comunidade humana existem e
interagem diversos componentes substantivos (que nós
denominamos“indicadoressociais”)quepodemseriden-
tificados,medidoseobservadoseque,quandointeragem
Nesta página, trançado de palha de
carnaúba, de Parnaíba, no Piauí; na
página oposta, uma aplicação
“Relógio”, renda feita em São
Sebastião, em Alagoas: a produção
de bens pode ser um indicador
cultural de uma comunidade
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM30
31
Tião Rocha é antropólogo, educador e
folclorista. Foi professor da PUC-MG,
da Universidade Federal de Ouro
Preto e membro do Conselho
Universitário da Universidade
Federal de Minas Gerais. É
presidente do CPCD – Centro Popular
de Cultura e Desenvolvimento, que
fundou em 1984, em Minas Gerais
mas, micro e macroscópicas, que na-
vegamos durante nossa vida.
A seguir, comentamos esses indi-
cadores.
As formas organizativas – Incluem a
família, a vizinhança, os amigos, o gru-
po de oração, os companheiros de fu-
tebol, o pessoal do pagode, as coma-
dresdaesquina,osmeninosdapelada,
a galera do funk etc. Esse indicador é
fundamental para o moderno conceito
de “capital social”. Estudos demons-
tram que quanto mais espaços ou
oportunidades de convivência social
forem oferecidos aos habitantes de
uma comunidade, mais formas e pos-
sibilidadesdeparticipaçãoestarãosen-
dogeradas,ampliandoosespaçoseos
momentos de protagonismo social e o
acúmulo de capital social.
Nossa experiência nos autoriza afir-
mar que onde não há oferta de for-
mas organizativas em quantidade (e
por isso há poucas oportunidades de
FOTOS:MARCELOGUARNIERI/ARTESANATOSOLIDÁRIO
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM31
90º
OS INDICADORES SOCIAIS SE TORNAM CULTURAIS QUANDO
AFETAM A TRAMA DE RELAÇÕES E VALORES DOS GRUPOS.
ONDE OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO SÃO POUCOS, O TEMPO DE
MUDANÇA TAMBÉM É LENTO
“O talento da periferia não pode ser
descartado. É isso que os jovens do
Jardim Rosana querem mostrar.
Fazemos parte do Jovens Urbanos,
um projeto em parceria com o Cenpec,
Itaú Cultural e organizações de base
das zonas Norte e Sul da capital de
São Paulo. Descobrimos, em ativida-
des com os moradores da região, que
tínhamos muita história para contar.
Nossa gente escreve livros, faz poesia,
jornalzinho, música, tem lembranças
ricas da vida no bairro que precisam
ser conhecidas e ficar registradas.
Tomamos então a iniciativa de criar a
Rádio Busão e uma biblioteca.
Estamos buscando a doação de um
ônibus para tornar esses projetos
itinerantes. Queremos divulgar nossa
produção cultural no próprio bairro e
também levar para outros bairros e
até outros estados. Queremos
promover novos talentos. Acredito
que valorizar a própria cultura cria
um caminho diferente de identidade
para os jovens, eleva a auto-estima,
cria reflexos para um futuro melhor.
O pessoal da periferia tem
criatividade e precisa ter esperança
nela, não pode ter vergonha de
mostrar o que sabe fazer.”
AMANDA VIEIRA
CAVALCANTI, 18 ANOS,
participante do projeto Rádio Busão,
que integra o programa Jovens Urbanos
MARCOSFERNANDES/AGÊNCIALUZ
participação e de protagonismo), o
tempo de resposta aos problemas é
muito lento. O tempo de rotinas au-
menta e o tempo de desejos e desa-
fios decresce. A lentidão é observada
na falta de vontade e ambição das
pessoas, principalmente dos jovens,
na baixa estima social da coletivida-
de, no comodismo e atraso em rela-
ção a outras comunidades.
Isso explica por que as jovens do
“sertão das gerais”, aos 17 ou 18
anos, começam a ficar “desespera-
das” porque ainda não se casaram,
“porque já passaram da época”. É
que, na percepção delas, o tempo de
juventude e de sonho já se realizou.
Elas vivem em cidades que não têm
cinema, grupo de teatro, biblioteca,
festas populares, locadora de vídeos,
grupos de jovens, coral ou banca de
jornais. Não acontece nada nos fins
de semana e muito menos no meio
da semana. O mundo externo entra
filtrado pela tela da TV ou pelas on-
das do rádio. Por isso a maioria tem
na própria TV (ou rádio) o seu instru-
mento de formação de “capital so-
cial”, ou seja, há um crescente pro-
cesso de terceirização do desejo e ali-
enação da vontade, gerando a não-
participação e o não-protagonismo.
Asformasdofazer –Sãoasrespos-
tas produzidas pelos homens às múl-
tiplas necessidades humanas. Uma
respostabem-sucedidasignificaincor-
poração de um resultado. Assim sur-
ge o “uso” que, de caráter pessoal,
passa a ser um “hábito” ao tornar-se
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM32
33
de domínio de um grupo maior. A prá-
tica de um hábito cria o “costume”,
uma das marcas de uma coletividade.
A permanência do costume no tempo
cria a “tradição”, marca registrada do
fazer e do saber fazer de uma comu-
nidade ou de um povo.
Esse processo de acumulações
sucessivas, sistemáticas e sempre
atualizadas (porque contemporâ-
neas), constitui a base da produção
do conhecimento, seja de cunho ci-
entífico (porque usa métodos para a
compreensão de variados objetos),
seja de caráter tecnológico (porque
produz materiais, soluções e técnicas
facilitadoras), seja de essência artís-
tica (porque atende a valores estéti-
cos, sentimentais e não-tangíveis da
humanidade, por meio de música,
teatro, poesia, pintura etc.).
Os sistemas de decisão – Referem-
seaopolítico,àautoridade,àliderança,
aos poderes de decisão – macro e
microinstitucionais e não instituciona-
lizados.Aparecemostensiva(comonos
caso das lideranças políticas, jurídicas,
militares etc.) ou subliminarmente,
comonoambientefamiliar,emquepai
e mãe têm poderes de decisão.
As relações de produção – Trata-
se do econômico, do mundo do tra-
balho, das forças produtivas – quem
produz o que e para quem – de um
grupo social. É observável nas formas
convencionais de relações de produ-
ção e de trabalho, assalariadas ou formais, e em todas
as esferas da rede produtiva e reprodutiva de bens e
serviços, remunerados ou não.
O meio ambiente – Ou o contexto, o entorno, o ecoló-
gico. O homem é produtor e produto, processo e resul-
tadodomeioondevive,parteintegrantedoecossistema.
Considerar o meio ambiente como um indicador social é
compreendê-lo além de sua face meramente física e
natural, como um elemento substantivo na constituição
das expressões simbólicas, relações e processos huma-
nos que serão o pano de fundo sobre o qual se construi-
rá o desenho cultural de uma comunidade.
A memória – Refere-se ao passado, à origem. Todos
nós recebemos, desde o nascimento, uma carga de in-
formações sobre o nosso passado recente ou remoto,
guardado pela história ou pelo inconsciente coletivo ou
pela tradição familiar. A memória de um grupo social se
expressa em seus rituais sacros e profanos, repletos
de elementos simbólicos perpetuadores dos vínculos e
das matrizes geradoras desta comunidade.
Avisãodemundo–Éoreligioso,ofilosófico,odepois,o
futuro, o sonho. É movido pela idéia do porvir que o ho-
mem investe seu tempo e energia para aprender, domi-
nar,transformareseapropriardomundoàsuavolta.Existe
uma ligação entre a memória e a visão de mundo: quanto
maispudermosvoltarnopassadoenamemória,maislon-
ge poderemos chegar em direção ao futuro, ao estabele-
cermos links e passagens de força, equilíbrio e coerência
entre o ontem e o amanhã. Mas é preciso cuidado para
nãoseficarpresoaopassado.Quemnãoconsegueligá-lo
de forma coerente ao seu presente, não consegue cons-
truir uma perspectiva de futuro de seu próprio mundo.
Com esses indicadores construímos o “nosso” mo-
delo de Cultura: esta rede e trama de relações que for-
ma um padrão ou um desenho definidor da identidade
da comunidade ou grupo social. E podemos pensar em
processo cultural como a interação e
as dinâmicas que afetam o padrão ou
desenho. Assim, entendemos que um
“projeto de desenvolvimento” (de
qualquer natureza) é uma ação-inter-
venção planejada no desenho cultu-
ral (e suas relações) de uma comuni-
dade. O planejamento de um desenho
cultural brasileiro – seja local, regio-
nal ou nacional –, que constitui o
cerne das propostas e políticas de de-
senvolvimento, deveria ter então
como premissa e ênfase a heteroge-
neidade e a diversidade culturais, que
de fato constituem a marca de nossa
nacionalidade, o caráter de nosso país
e sua verdade histórica.
Percebê-las em seus microcosmos
– escola, família e comunidade – tor-
na-se uma das tarefas dos educado-
res. Canalizá-las para construções
pedagógicas que favoreçam novos
processos de apropriação de conhe-
cimentos, geradores de “oportunida-
des-e-de-opções”, pode ser o princi-
pal trabalho da escola.
Esta é, cremos nós, a finalidade da
cultura: ser instrumento eficaz do co-
nhecimento,possibilitandoleiturasmais
densas, mais ricas, mais sábias, mais
abrangentes e mais humanas da nos-
sa “travessia”, nessa busca permanen-
te e vocação natural para ser feliz.
Aplicação “Espinha de Peixe”, renda
feita em São Sebastião (AL)
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM33
180º
ARTE&CULTURA E EDUCAÇÃO
A ARTE-EDUCAÇÃO ESTIMULA O
DESENVOLVIMENTO CULTURAL E COGNITIVO,
MAS AS AMARRAS DA ESCOLA FORMAL LIMITAM
O PRAZER NECESSÁRIO À APRENDIZAGEM
por_Ana Mae Barbosa
fotos_Henk Nieman
No Brasil, muitas das ONGs que têm obtido sucesso
naaçãocomosexcluídos,esquecidosoudesprivilegiados
da sociedade estão trabalhando com arte e até vêm en-
sinando às escolas formais a lição da arte como cami-
nho para recuperar o que há de humano no ser humano.
Entretanto, um problema está se criando. As ONGs,
sem compromisso com a camisa-de-força representa-
dapelocurrículo,desenvolvemnosparticipantesforado
sistema escolar a capacidade de aprender, levando-os a
descobrir suas habilidades e a ter alegria com as desco-
bertas.Enfim,recuperamcriançasejovensparadevolvê-
las a uma escola cujo maior valor é hoje a obediência a
um currículo nacional e aos instrumentos de controle do
Estado – os testes e exames –, como manda o credo
neoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender.
As chances de essas crianças e esses jovens serem
rejeitados pela escola e voltar à rua, que é muito mais
atraente, são muitas.
O desejo de aprender é análogo ao desejo ficcional.
Por meio da arte, o sujeito, tanto nas relações com o
inconsciente como nas relações com o outro, põe em
jogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside o
prazer da arte. Sem a experiência do prazer da arte,
por parte de professores (ou mediadores) e alunos,
nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora.
LIÇÕES
DE LIBERDADE
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM34
35
Desenvolvimento cognitivo
No Modernismo, falava-se em arte na educação para
o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos ten-
taram conceituar esta sensibilidade, deixando-se do-
minar pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimenta-
lismo. Hoje, principalmente, se aspira influir positiva-
mente no desenvolvimento cultural e cognitivo dos es-
tudantespormeiodoensino/aprendizagemdaarte.Não
podemos entender a cultura de um país sem conhecer
sua produção artística. A arte, como uma linguagem
aguçadora dos sentidos, transmite significados que não
podem ser veiculados por nenhuma outra linguagem,
como a discursiva ou a científica. Dentre os gêneros
artísticos, os visuais, tendo a imagem como matéria-
prima, tornam possível também a visualização de quem
somos, onde estamos e como sentimos.
A arte na educação, como expressão pessoal e como
produção cultural, é um importante instrumento para a
identificação social e o desenvolvimento individual. Por
meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a
imaginação para apreender a realidade do meio am-
biente,desenvolveracapacidadecrítica,permitindoana-
lisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade
de maneira a mudar a realidade que foi analisada.
O conceito de criatividade também se ampliou. Para a
educação modernista, dentre os processos mentais en-
volvidos na criação, a originalidade era o mais valorizado
– daí o apego do Modernismo à idéia de vanguarda. Nos
dias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatores
da criatividade mais ambicionados pela educação.
Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com de-
linqüentes juvenis concluiu que eles tinham a capaci-
dade de elaboração muito pouco desenvolvida. Era,
dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre os
jovens em conflito com a lei. Tinham muita dificulda-
de em reelaborar o seu meio ambiente para melhor
adaptá-lo aos seus desejos e necessidades. Essa in-
capacidade freqüentemente gerava violência. Envol-
vida em projetos artísticos, a grande maioria deles foi
capaz de sobrepujar suas limitações conjunturais e
reconstruir suas vidas.
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM35
180º
Desafios na escola
Desconstruir para reconstruir, se-
lecionar, reelaborar, partir do conhe-
cido e modificá-lo de acordo com o
contexto e a necessidade, são pro-
cessos criadores desenvolvidos pelo
fazer e ver arte, fundamentais para
a sobrevivência no mundo cotidiano.
E muitos projetos com crianças e jo-
vens, no Brasil, estão mostrando
esse poder da “ordem oculta da
arte”. Há muito educador, herói anô-
nimo no Brasil, se dedicando às suas
comunidades.
O trabalho de arte nas comunida-
des vem confirmando que arte não é
apenas uma mercadoria, como que-
rem os capitalistas, nem quadro para
pendurar na parede, como dizem com
menosprezo os preconceituosos que
acham que arte é um luxo sem o qual
um país endividado como o nosso
pode passar. Essa é a desculpa que
escolas estão dando para retirar as
disciplinas de Arte do ensino médio
no Estado de São Paulo. A idéia é co-
locar Computação no lugar da Arte.
Por que não, em vez disso, arte por
meio do computador?
Outra estratégia para burlar a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
(que exige arte no currículo) é deixar
Arte para os professores de Litera-
tura ensinarem, com a manipuladora
desculpa da interdisciplinaridade.
Sim, literatura é arte, mas não de-
senvolve as linguagens visuais, so-
noras e gestuais.
“Participo há pouco mais de dois
anos do projeto Dança Comunidade,
desenvolvido pelo coreógrafo Ivaldo
Bertazzo, em São Paulo. Não
aprendo só a arte da dança, mas
coisas que vou usar para o resto da
vida. O trabalho com o corpo inclui,
por exemplo, aulas de fisioterapia,
música, percussão rítmica, artes
circences e de origami - que é
importante pois é uma arte
introspectiva, que faz surgir o que
está dentro de você assim como na
dança. A gente também participa de
reuniões com médicos, que falam
sobre saúde, e de grupos de reflexão,
com psicólogo, assistente social e
pedagogo, onde se conversa sobre a
vida pessoal e as atividades do
projeto. Isso deixa a cabeça mais
aberta para se expressar e receber
críticas. Enfim, o que ganho no
projeto é ouro em pó, e procuro
agarrar tudo. Estou sempre
aprendendo sobre culturas diferentes
e percebo que isso torna a gente mais
versátil. A gente se dá conta de que a
arte não está só no palco, mas em
tudo. Ela é importante para sentir o
conhecimento. Se tivesse mais arte
na escola, seria mais legal. Do jeito
que é o ensino hoje, você só vê aluno
com sono e professor desestimulado.
A arte devia fazer parte de todo
aprendizado.”
CESAR DIAS CIQUEIRA,
16 ANOS,
é bailarino, estudante do 2º ano do
ensino médio e integrante do projeto
Dança Comunidade
(www.ivaldobertazzo.com.br)
MAYKOPEREIRA
POR MEIO DA ARTE É POSSÍVEL
DESENVOLVER A PERCEPÇÃO, A
IMAGINAÇÃO, A CAPACIDADE CRÍTICA E A
CRIATIVIDADE, PARA MUDAR A REALIDADE
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM36
37
Democracia e marketing
É por essas e outras que as ONGs, com muito menos
dinheiro do que os governos vêm gastando em Educação,
conseguem educar melhor e combater muito mais eficien-
tementeaexclusãoeaviolência.Sobretudoquandonãose
trata de marketing empresarial, mas de projeto comunitá-
rio mesmo, em que os participantes têm poder de decisão.
É muito importante democratizar o poder nos proje-
tos sociais. Que direito temos nós de decidir o que é mais
importante para uma comunidade, se não fazemos par-
te dela? Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiro
mandamento dos projetos ditos sociais. Decidir sem
ouvir, o governo já faz continuamente. Para compensar,
o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal.
Há também artistas ditos voluntários (mas algumas
vezes com gordas verbas de terceiros), que apenas ex-
ploram os participantes, fazendo-os trabalharem de gra-
ça em projetos totalmente definidos e controlados pe-
los próprios artistas. Muitas vezes, apesar das boas in-
tenções, porque não sabem lidar com comunidade ou
com aprendizagem de arte, voluntários e artistas acres-
centam mais um nível de exploração aos já tão explora-
dos. É necessário conhecer e analisar o processo de tra-
balho em comunidade para avaliar e julgar sua proprie-
dade. Nos trabalhos desenvolvidos por Rachel Mason na
Inglaterra e no programa Quietude da Terra, do Projeto
Axé, de Salvador, por exemplo, os artistas trabalharam
assistidos por arte-educadores, o que garantiu um pro-
cesso realmente educacional a favor da inclusão.
Lidar com os excluídos, levando-os a se verem como
pessoas plenas, apesar da exclusão, não é tarefa fácil.
Qualquer deslize potencializa a exclusão.
O cineasta Sergio Bianchi, em entrevista acerca de seu
último filme, “Quanto Vale ou É por Quilo?”, que enfoca o
“marketing social”, lembrava que está se criando uma
nova escravidão: a escravidão comandada pelo chama-
do terceiro setor que só quer propaganda. Realmente,
para muitas organizações que desen-
volvem “trabalho social”, o marketing
da empresa vem em primeiro lugar.
Outrasinstituiçõessóapóiamecono-
micamente projetos que possam se
auto-sustentaremdeterminadoprazo.
Mas há práticas sociais, como o Majê
Molê, grupo de dança da periferia po-
bredoRecife,quenuncapoderãosefi-
nanciar,anãoserquesecomercializem,
o que resulta sempre em exclusão dos
menos dotados e talentosos, que tam-
bém muito necessitam do contato
reconstrutor com a arte.
Mas, apesar de algumas vezes sub-
metidoaumcertomarketingsangues-
suga, o movimento de arte para a re-
construção social vem demonstrando
a necessidade da arte para todos os
seres humanos, por mais inumanas
que tenham sido as condições que a
vida lhes impôs.
Ana Mae Barbosa é professora da
Universidade de São Paulo, pioneira
dos estudos de arte-educação no
Brasil e autora de vários livros
sobre o tema. Dirigiu o Museu de
Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo em 1987 e
elaborou a proposta de arte-
educação apoiada no tripé: ver arte,
contextualizar o que se vê, e fazer
Sem a experiência
do prazer da arte,
por parte de
educadores e
alunos, nenhuma
teoria de
arte-educação
será reconstrutora
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM37
270º
ARTE&CULTURA E MERCADO
A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS DA ECONOMIA DE MERCADO
PARA ALAVANCAR AS CULTURAS LOCAIS É LEGÍTIMA. OS RISCOS
SÃO A MERCANTILIZAÇÃO E O PODER CONCENTRADOR DAS
GRANDES INDÚSTRIAS CULTURAIS
por_Leonardo Brant
fotos_Henk Nieman
É válido pensar que a atividade cultural é essencial-
mente econômica. Ou até imaginar que o pensamento
econômico, em si, parte de processos culturais. Discor-
do da dicotomia entre cultura e economia. Contesto,
porém, qualquer argumento que insira a cultura numa
dinâmica meramente mercadológica e economicista,
avaliando-a pelo número, pelo indicador, pelos empre-
gos e pela pujança da sua cadeia produtiva.
A globalização tem nos mostrado que o crescimento
desenfreado da atividade cultural traz efeitos nem sem-
prefavoráveisparaasculturaslocais.ORelatóriodoPNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
de 2004, intitulado “A Liberdade Cultural no Mundo Di-
versificado”trazoseguinte:“Ocomérciomundialdebens
culturais – cinema, fotografia, rádio e televisão, material
impresso, literatura, música e artes visuais - quadrupli-
cou, passando de 95 bilhões de dólares em 1980 para
mais de 380 bilhões em 1998”. Mas faz a ressalva: “na
indústriacinematográfica,asproduçõesdosEstadosUni-
dos representam, normalmente, cer-
ca de 85% das audiências de cinema
em todo o mundo”.
O documento da ONU também nos
alerta para a excessiva concentração
do dinheiro provindo das indústrias
culturais. Se, por um lado, tememos
seu efeito nas culturas locais, por ou-
tro, observamos um enorme poten-
cial alavancador dessas culturas. Daí
a minha empolgação com o desafio,
também de origem, de acreditar que
os elementos da economia de mer-
cado são passíveis de incorporação
por toda uma gama de produtores
culturais e artistas, trazendo possi-
bilidades reais de auto-sustenta-
bilidade. E, por que não dizer, de
transformação social.
O NEGÓCIO
DA CULTURA
Peças da exposição 100 latas,
com intervenções de vários
artistas em latas de spray e que
inaugurou a Grafiteria, espaço
dedicado à arte de rua, em São
Paulo: há novidades nas
prateleiras do mercado cultural
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM38
39
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM39
270º
Estava prevista para o mês de ou-
tubro a 33ª Conferência Geral da
Unesco, ocasião em que seria pro-
mulgada uma Convenção Internacio-
nal sobre diversidade cultural. Costu-
mo apelidá-la de “Protocolo de Kyoto
da Cultura”, dada a sua importância
nesse cenário de riqueza e desigual-
dade. O documento traz uma série de
recomendações aos países-mem-
bros, no sentido da adoção de políti-
cas próprias para a cultura, bem
como a outros organismos interna-
cionais, como Organização Mundial
do Comércio e demais órgãos das Na-
ções Unidas.
Não podemos nos esquivar diante
da mais evidente – e trágica – cone-
xão entre cultura e economia, senão
a da intencional transformação de
hábitos e costumes culturais em di-
nâmicasmeramentemercadológicas.
“Pesquisas de mercado identificaram
uma ‘elite mundial’, uma classe mé-
dia mundial que segue o mesmo esti-
lodeconsumoeprefere‘marcasmun-
diais’. O mais impressionante são os
‘adolescentesmundiais’,quehabitam
um ‘espaço mundial’, com uma única
cultura pop mundial, absorvendo os
mesmos vídeos e a mesma música e
proporcionando um mercado enorme
para tênis, t-shirts e jeans de marca”,
reflete ainda o relatório do PNUD.
E esse não é um único viés da
“mercantilização” da cultura. Naomi
Klein, autora do excelente “No Logo”,
trazalgumasindagaçõesarespeitode
processo de apropriação da cultura
pelomundocorporativo.Ofocoéopa-
trocínio. “Embora nem sempre seja a
PESQUISAS MOSTRAM QUE NO BRASIL A
RELAÇÃO ENTRE INVESTIMENTO E VAGAS
GERADAS NA ÁREA É MUITO GRANDE E A
OFERTA CULTURAL, MUITO PEQUENA
“Sempre gostei de música e um
professor me encaminhou ao
Instituto Criar de TV e Cinema,
em São Paulo, para fazer uma
oficina de audiovisual. Foi um ano
de curso, que terminou em junho, e
uma superexperiência, porque me
envolvi com as outras oficinas,
aprendendo um pouco de câmera,
computação gráfica, iluminação,
edição. Além do aprendizado
técnico, tive aulas de inglês,
história do cinema, criatividade e
expressão e sobre os meios de
comunicação. Eu era leigo em tudo
isso, hoje tenho conhecimentos e
uma visão bem mais crítica. Quero
unir música e cinema. A participa-
ção nesse projeto está me abrindo
as portas para o mercado de
trabalho, mas principalmente
abrindo minha cabeça para
valorizar a produção cultural
brasileira. Virei monitor de áudio
no projeto e, com os monitores de
outras oficinas, estamos criando
uma produtora do Instituto Criar
e também um núcleo jovem para
levar nossas experiências para
outras instituições sociais. Serão
novas idéias, novos olhares, novos
talentos e cabeças pensando, e tudo
isso só pode enriquecer a arte e ser
bom para o Brasil.”
GUILHERME RAMOS DE SOUZA,
18 ANOS,
é estudante do 3º ano do ensino médio e monitor
no Instituto Criar de TV e Cinema
(www.institutocriar.org)
BEATRIZASSUMPÇÃO
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM40
41
intenção original, o efeito do
“branding”avançadoéempurraracul-
tura que a hospeda para o fundo do
palco e fazer da marca a estrela. Isso
não é patrocinar cultura, é ser cultura.
E por que não deveria ser assim? Se
asmarcasnãosãoprodutos,mascon-
ceitos,atitudes,valoreseexperiências,
por que também não podem ser cul-
tura? Esse projeto tem sido tão bem-
sucedido que os limites entre patroci-
nadores corporativos e a cultura pa-
trocinada desaparecem completa-
mente.” Esse processo consolida a
“coisificação do ser e a humanização
das coisas”, segundo o antropólogo
italiano Massimo Canevacci, autor do
livro “Culturas Extremas”.
A International Network for Cultural
Diversity(www.incd.net)promoveessa
pauta junto aos associados em mais
de 50 países. Trabalha pelo desenvol-
vimento cultural local em face do pro-
cesso de homogeneização da cultura,
impetrado sobretudo pela voracidade
dos conglomerados globais da indús-
tria cultural. Fruto desse trabalho de
pesquisa e discussão e pressão junto
a organismos internacionais como
Unesco, OMC e demais células do sis-
tema ONU, está a criação no Brasil do
Instituto Diversidade Cultural (www.
diversidadecultural.org.br)eapublica-
çãodolivro“DiversidadeCultural”,lan-
çadorecentementepelaeditoraEscri-
turas, em parceria com o Instituto
Pensarte.Atônicageraldapublicação,
que traz 17 textos de especialistas
internacionais, volta-se para a análise
e a proposição de mecanismos inter-
nacionais que auxiliem a salvaguarda
dessas culturas, tanto quanto sua promoção nos am-
bientes internos.
Pesquisa da Fundação João Pinheiro, publicada em
1998 pelo Ministério da Cultura, aponta que 1% do PIB
brasileiro seria gerado pela cultura. A cada 1 milhão de
reais investido, teríamos 160 postos de trabalho. A re-
lação emprego/investimento seria a melhor do Brasil,
mesmo em comparação com a indústria automotiva e
de tecnologia. Num país em que o desafio de geração
de trabalho e renda para os jovens em idade de ingres-
sar no mercado de trabalho é enorme, isso poderia sig-
nificar um grande potencial.
Dados de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999
demonstram, por outro lado, a ausência da oferta cul-
tural no Brasil: 82% dos municípios brasileiros não pos-
suíam museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não ti-
nham sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não
tinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípios
que contavam com bibliotecas, 69% deles possuíam
apenas uma e, nos municípios com até 20 mil habitan-
tes, 935 não tinham nenhuma.
Nos municípios com até 5 mil habitantes, a presença
de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs era
muito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respec-
tivamente. E em termos de território brasileiro, dos
5.506 municípios pesquisados, 65% não possuíam esse
comércio. Nos municípios com mais de 50 mil habitan-
tes, 90% tinham esse tipo de loja e, como já era de se
esperar, todos os grandes centros urbanos possuíam
esse gênero de comércio, com destaque para a Região
Sul, onde em 60% dos municípios se identificaram li-
vrarias e em 40% lojas de discos, fitas e CDs.
Esses dados apontam para um estrangulamento da
capacidade econômica, com uma grande concentração
nos grandes centros, que obviamente não é capaz de
absorver a grande miríade criativa da cultura brasileira.
Por outro lado, mostra a oportunidade de se investir
num mercado promissor e necessário para a própria
valorização das manifestações culturais locais e para o
desenvolvimento de nossas crianças e jovens. Nesse
caso, bom negócio para o Brasil.
Leonardo Brant é presidente da Brant
Associados e do Instituto Diversidade
Cultural, autor dos livros “Mercado
Cultural, Políticas Culturais”, vol.1
(org.) e “Diversidade Cultural” (org.)
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM41
360º
ARTE&CULTURA E CONTEXTO
A PULSAÇÃO DO
NOSSO TEMPO
por_Katia Canton Já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que “arte é o
exercício experimental da liberdade”. Eis uma ótima de-
finição, sobretudo se entendermos que o conceito de
liberdadedependedeumcontextoparasedefinir.Oque
é considerado um ato ou um pensamento de liberdade
em um determinado momento histórico não o é neces-
sariamente em outro. Em se tratando de arte, então, é
importante que prestemos atenção nos sinais dos tem-
pos e em seus significados.
Bem, e qual é o significado da arte? Para começar, po-
demosdizerqueelaprovoca,instiga,estimulanossossen-
tidos, de forma a descondicioná-los, isto é, a retirá-los de
umaordempreestabelecida,sugerindoampliadaspossibi-
lidadesdeviveredeseorganizarnomundo.Comoescreve
o poeta Manoel de Barros: “Para apalpar as intimidades do
mundoéprecisosaber:/a)queoesplendordamanhãnão
se abre com faca / b) o modo como as violetas preparam o
dia para morrer / c) por que é que as borboletas de tarjas
vermelha têm devoção por túmulos / d) se o homem que
toca de tarde sua existência num fagote tem salvação (...)
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios (...) / As
A ARTE CONTEMPORÂNEA SUPERA AS DIVISÕES DO
MODERNISMO E REFLETE O ESPÍRITO DE NOSSA ÉPOCA,
OCUPADA COM AS QUESTÕES DA IDENTIDADE: O CORPO, O
AFETO, A MEMÓRIA
Katia Canton é PhD em Artes pela
Universidade de Nova York, docente e
curadora de arte do Museu de Arte
Contemporânea, da Universidade de
São Paulo, autora de vários livros,
entre eles “Retrato da Arte Moderna”
coisas não querem mais ser vistas por /
pessoas razoáveis:/ Elas desejam ser
olhadasdeazul—/quenemumacrian-
ça que você olha de ave”.
Aarteensinajustamenteadesapren-
derosprincípiosdoóbvioqueéatribuí-
doaosobjetos,àscoisas.Elaparecees-
miuçar o funcionamento das coisas da
vida, desafiando-as, criando para elas
novaspossibilidades.Elapedeumolhar
curioso, livre de “pré-conceitos”, mas
cheiodeatenção.Osjovensjátêmessa
disponibilidade, mas é preciso estimu-
larseuconvíviocomarteparafacilitare
aprimorar essa percepção.
Agora, ao mesmo tempo em que se
nutre da subjetividade, há outra im-
portante parcela da compreensão da
arte que é constituída de conheci-
mento objetivo, envolvendo a histó-
ria - da arte e dos homens -, para que,
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM42
43
com esse material, se possa estabe-
lecer um grande número de relações.
Para contar essa história, a arte pre-
cisa ser plena de verdade, refletindo
o espírito do tempo, com a visão, o
pensamento e o sentimento das pes-
soas em seus momentos.
Parece complicado? Pois pensar na
arte como um conhecimento vivo, um
tecido onde se costuram diariamente
fios que compõem a vida, é uma forma
deentenderporquerazãoamaneirade
encará-la também se modifica no de-
correr dos contextos sócio-históricos. É
maisquedesejável,então,queosjovens
seacostumemapensartambémsobre
a arte de seu próprio tempo.
Arte moderna e vanguardas
De modo geral, podemos afirmar que a arte moderna,
que se iniciou a partir da segunda metade do século 19
e abarcou todo o século 20, teve como mola propulsora
o conceito de vanguarda. E o que isso significa?
O termo vem do francês “avant-garde”, que quer di-
zer “à frente da guarda”. É um termo de guerra, que
pressupõe duas idéias básicas: a de se estar “à fren-
te”, isto é, de fazer algo novo, e a de “guarda”, que se
liga à luta, à ruptura. Eram esses os desejos dos artis-
tas modernos. As bases de todos os movimentos que
eles criaram, independente de suas singularidades,
estão ligadas às noções de novo e de ruptura.
Buscando criar obras cada vez mais inovadoras e que
pudessem romper com a ordem vigente é que os artistas
modernos elaboraram seus movimentos. Afinal de con-
tas,essesartistaspertenceramaumaeratremendamente
Espécimes da Flora, um óleo sobre
tela e napa, obra da artista plástica
brasileira Adriana Varejão
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM43
intensa,que,norastrodaRevoluçãoIn-
dustrial, urbanizou cidades, promoveu
espantosas inovações tecnológicas,
mas também produziu duas guerras
mundiais, além da Revolução Russa,
queacabaramporsepararomundoem
blocos capitalista e socialista. Era pre-
ciso que a arte se tornasse tão inova-
dora e radical quanto a própria vida.
Uma das invenções do século 19 e
queteveumimpactofenomenalsobre
a arte foi a fotografia. Ela liberou os ar-
tistas, até então incumbidos de regis-
trar em suas telas pessoas, paisagens
efatoshistóricosparaaposteridade.A
fotografiapoderiacumpriressafunção,
dando ao artista mais liberdade para
criar, pesquisas e experimentar.
No Modernismo, diversos projetos
uniamartistasemdiferentesmovimen-
tos, muitas vezes endossados por ma-
nifestos – textos que os explicavam e
validavam.Aopçãopelonovomanifes-
tou-se de maneiras muito diversas e
particulares, ampliando enormemente
aspossibilidadesartísticasqueosécu-
lo 20 trouxe para o mundo ocidental.
No Impressionismo, por exemplo,
os artistas queriam se liberar da re-
presentaçãorealistaecheiaderegras
impostas pelas academias de belas-
artes. No Cubismo, a fragmentação
das imagens projetava simbolica-
mente a própria fragmentação do
mundo da industrialização. Na arte
abstrata, procurava-se uma síntese
que transcendesse uma realidade de
guerras,destruiçõesedesigualdades.
Oqueosuniaeraumposicionamen-
to diante das mudanças trazidas pela
sociedade industrial. Impressionismo,
Pós-Impressionismo, Fauvismo, Ex-
pressionismo, Simbolismo, Cubismo,
Futurismo,Surrealismo,Minimalismo...
todos buscavam liberdade e autono-
mia para a obra de arte.
“Com 15 anos, eu não sabia nada de
música. Gostava só de rock e tinha
vontade de tocar violão. Aí minha
mãe me falou de um curso de
música. Era o projeto Acordes Pão de
Açúcar. Como o curso era de
instrumentos de corda, me interessei,
mas não tinha violão, só violino,
viola, violoncelo e contrabaixo. Para
começar, eu tinha de ver uma
apresentação da orquestra do
projeto. Por ser orquestra, a minha
expectativa era que o programa
seria chato, coisa erudita. Mas gostei
e vi que com aqueles instrumentos
eles também tocavam música
popular. Comecei aí a aprender que
segregar música, ou qualquer outra
arte, é uma bobagem. Escolhi
aprender violino e não deixei de
gostar de rock, agora entendo mais.
Hoje toco na orquestra do Acordes,
formada por 40 músicos, e também
dou aula no projeto. O Acordes me
abriu um horizonte cultural, não só
na música. A gente tem contato com
história, outras línguas e culturas.
Encontrei também um horizonte
profissional. Estudo música na
Faculdade Santa Marcelina, em São
Paulo, e estou em vias de acertar um
intercâmbio cultural para estudar
em uma universidade na Polônia.”
MATHEUS FRANZ CANADA,
21 ANOS,
estudante de música e integrante do
projeto Acordes, do Instituto Pão de
Açúcar (www.paodeacucar.com.br)
CESARCIQUEIRA
A ARTE DESAFIA O ÓBVIO E SUA COMPREENSÃO EXIGE UM
OLHAR CURIOSO, ATENTO E SEM PRECONCEITOS. OS
JOVENS JÁ TÊM ESSA DISPONIBILIDADE, MAS PRECISAM
DE CONHECIMENTO PARA APRIMORÁ-LA
Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM44
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Revista onda jovem_arte_e_cultura

  • 1. O Instituto Votorantim apóia essa causa. E quer ver muitos jovens fazendo sucesso na capa. ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005 ARTE&CULTURAONDAJOVEMnúmero3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005número3–novembro2005 ARTE & CULTURAARTE & CULTURA Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros
  • 2. 50% das escolas públicas não têm professores de arte Cerca de 1% do PIB brasileiro MAIS DE 80% DAS CIDADES BRASILEIRAS NÃO TÊM Cada R$ 1 milhão investido na área cultural é gerado pela cultura MUSEUS, TEATRO, SALA DE CINEMA gera 160 postos de trabalho sonar Platéia do Master Crews, no Centro Cultural Aiti-Ken (Brasil/Japão), em São Paulo FOTOS:PENNAPREARO Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM2
  • 3. Educadores usam teatro, artes plásticas e música em O grupo Afro Reggae, do Rio, tira jovens do A CULTURA HIP HOP SE ORGANIZA CADA VEZ MAIS NAS As políticas públicas estão priorizando as ações coletivas e São Paulo, João Pessoa e Manaus pág. 14 tráfico e já é quase auto-sustentável pág. 22 PERIFERIAS DAS CIDADES BRASILEIRAS PÁG. 60 profissionalizantes pág. 64 A B.Girl Wal, da equipe GBCR, do Rio de Janeiro, na festa King of the Circle, em Sorocaba (SP) Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM3
  • 4. âncoras “A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, é um instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual.” Ana Mae Barbosa, professora da Universidade de São Paulo, especialista em ensino da arte “A criatividade é uma habilidade de sobrevivência, um recurso precioso, especialmente neste momento da história humana, marcado por instabilidades.” Eunice Soriano de Alencar, professora da Universidade Católica de Brasília, autora do livro “Criatividades Múltiplas” “A ligação com a cultura me transformou em uma pessoa melhor, mais aberta aos problemas do mundo.” William da Silva Mota, 20 anos, músico do Projeto Charanga, em São Paulo “Nossa cultura tem valores que merecem ser preservados.” Délio Firmo Alves, índio da etnia Desano, de São Gabriel da Cachoeira (AM) “Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervo cultural.” Paulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Juventude da Universidade Federal Fluminense BRUNOGARCIA Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM4
  • 5. “É incrível, mas o cinema e o teatro me deram mais responsabilidade que o próprio serviço militar.” Leandro Firmino da Hora, ator, vice-presidente da ONG Nós do Cinema “Tem muita gente que não considera a arte uma profissão e não topa pagar o valor que ela merece. Pedem muitas apresentações gratuitas.” Ana Lucia da Silva Campos, 16 anos, estuda artes circences no Circo Lahetô, em Goiânia (GO) “O planejamento de um desenho cultural brasileiro deveria ter como premissa a heterogeneidade e a diversidade culturais, que constituem a marca de nossa nacionalidade.” Tião Rocha, antropólogo e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, em Minas Gerais “A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com que elas conheçam outros mundos, aprendam a se expressar e a reivindicar seus direitos.” Nadia Barbosa Accioly, 19 anos, estuda poesia no Cria, em Salvador “A peça clássica “Opus 26”, de Max Bruch, é pura adrenalina, igual à de pichar em cima do viaduto ou no alto do prédio.” L. F. A. C. , 17 anos, ex-pichador, toca violino no Projeto Guri, em São Paulo DEISELANELIMA RISONALDOCRUZ Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:41 PM5
  • 6. expediente ano 1 – número 3 novembro 2005/fevereiro 2006 Um projeto de comunicação apoiado pelo Instituto Votoratim Projeto editorial e realização Fátima Falcão e Marcelo Nonato Olhar Cidadão – Estratégias para o Desenvolvimento Humano www.olharcidadao.com.br Direção editorial Josiane Lopes – MTb 2913/12/13 Secretaria editorial Lélia Chacon Projeto gráfico Artur Lescher e Ricardo van Steen (Tempo Design) Colaboradores texto: Ana Mae Barbosa, Aydano André Motta, Cecília Dourado, Daniela Rocha, Ferreira Gullar, Flávia Oliveira, Iara Biderman, Jane Soares, Leonardo Brant, Karina Yamamoto, Katia Canton, Leusa Araujo, Marco Roza, Ricardo Rizzo, Ruth Cardoso, Tião Rocha, Yuri Vasconcelos foto: Anderson Oliveira, Andréa Agraiz, Andréa de Valentim,AntônioLima,ArnaldoCarv alho,Augusto Pessoa, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, Celso Pacheco,DavilymDourado,FranciscoAndradeNeto, FranciscoCampos,GustavoLourenção,Gyancarlo Braga, Henk Nieman, Isaiaz Medeiros, Kátia Lombardi,MárciaZoet,MarcosFernandes,Mayko Pereira, Paulo Gonçalves da Silva, Penna Prearo, Ratão Diniz, Rodrigo Castro, Viviane Pereira ilustração:FlávioCastellan,GrupoDragãodaGra- vura, Gustavo Rates, Jotapê, Rodolfo Herrera Capa: grafite de rua fotografado por Henk Nieman Apoio editorial: Vinicius Precioso (Instituto Votorantim) Revisão: Eugênio Vinci de Moraes Diagramação Silvina Gattone Liutkevicius D’Lippi Editorial Fotolito D’Lippi Editorial Impressão Gráfica Sag Como entrar em contato com Onda Jovem: E-mail: ondajovem@olharcidadao.com.br Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403, São Paulo, CEP 04111 001. Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464 www.ondajovem.com.br um portal para quem quer saber de juventude Agradecimentos: Andi – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e da Adolescência ONDA JOVEM SUGERE PLANOS DE AULA Os educadores que já usam o conteúdo de Onda Jovem para subsidiar seu trabalho com jovens agoracontamtambémcomosPlanosdeAuladisponibilizadosnaseçãoSaladoPro- fessor, no site da revista (www.ondajovem.com.br). Os Planos de Aula são sugestões – for- muladas por pedagogos exclusivamente para o site – de como dinamizar com os jovens as análises e discussões de reportagens e ensaios publicados pela revista. A primeira edição, que abordou o tema Projeto de Vida – e cuja íntegra permanece acessível no site – gerou dois Planos: um que explora a relação entre Mídia e Projeto de Vida, a partir de texto do psiquiatra Jairo Bouer, e outro sobre Trabalho e Projeto de Vida, baseado em ensaio de An- tonio Carlos Gomes da Costa, discutindo os princípios do empreendedorismo. Na segunda edição, que tem o Traba- lho como tema, estarão disponíveis quatro Planos de Aula, baseados em textos sobre vocação, valores do trabalho, as novas formas de ocupação e a relação entre tempo e traba- lho. Ainda na Sala do Professor, podem-se conhecer as pro- postas de trabalho de educadores, na seção Mestres, e tam- bém fazer contato e trocar informações, na seção Colegas. 08 18 14 DANIELLEJAIMESSADRAQUESANTOSMARCOSFERNANDES/AGÊNCIALUZBRUNOGARCIA 22 ARNALDOCARVALHO Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:42 PM6
  • 7. 8 - Navegantes A relação juvenil com a arte e a cultura, segundo os jovens 14 - Mestres Três educadores fazem da arte a sua ferramenta pedagógica 18 - Banco de Práticas O futuro e o passado inspiram quatro iniciativas culturais 22 - Caminho das Pedras Como o Grupo Cultural Afro Reggae, do Rio, disputa jovens com o tráfico 26 - Horizonte Global O MuseoVivo coloca jovens chilenos em contato com sua cultura ancestral 28 - Sextante Ferreira Gullar responde: para que serve a arte? 30 -90 Graus Arte&Cultura e Sociedade: como se forma a identidade cultural 34 - 180 Graus Arte&Cultura e Educação: os desafios da escola formal para o ensino da arte 38 - 270 Graus Arte&Cultura e Mercado: as relações entre produção cultural e desenvolvimento econômico 42 - 360 Graus Arte&Cultura e Contexto: como entender a arte contemporânea 46 - Sem Bússola O poder de inclusão da arte passa pelas formas de comunicação que ela oferece 52 - O Sujeito da Frase O ator Leandro Firmino da Hora explica por que “a arte nos torna responsáveis” 56 - Ciência Criatividade: a juventude é mesmo um período de muita criação e flexibilidade 60 - Luneta 1 Hip Hop: os elementos da forma de expressão que conquistou a juventude brasileira 64 - Luneta 2 Artesanato: a força social e econômica da arte feita com as mãos 68 - .Gov.com A tendência das políticas culturais juvenis é investir em ações comunitárias 72 - Chat de Revista Quatro jovens discutem o efeito da arte e das manifestações em suas vidas Sonar 02 Pistas do todo e de algumas partes da situação do jovem Âncoras 04 Uma coleção de conceitos sobre arte&cultura Links 76 Notícias sobre juventude e sobre o terceiro setor Fato Positivo 78 A mentalidade do ensino da arte no Brasil está evoluindo Cartas 80 A palavra do leitor Navegando 82 A poesia de Ricardo Rizzo 28é o número de projetos com jovens que você verá nesta edição Onda Jovem 02-07(nº3) OK 10/20/05, 8:42 PM7
  • 8. navegantes OPÇÃO: ARTE Etexto_ Jane Soares MÁRCIAZOET Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM8
  • 9. 9 Jovens descobrem no envolvimento com as manifestações artísticas e culturais uma forma de ampliar horizontes e transformar a realidade Guilherme é bailarino em Londrina (PR). Délio e Márcio lutam para res- gatar e preservar a cultura dos índios do Amazonas e dos caboclos do Mato Grosso do Sul. Márcia participa de um grupo folclórico em Canoas (RS). Nadia faz poemas em Salvador (BA) e Tatiana grafita os muros abando- nados de São Paulo (SP). Tiago é ator no Rio de Janeiro e Kelly, agente cul- tural em Belo Horizonte (MG). William faz parte de uma banda que cultiva ritmos brasileiros, em São Paulo. Re- presentantes de realidades diversas, esses jovens se envolveram com a arte e as manifestações culturais por diferentes motivos, mas experimen- tam, todos, os efeitos transformado- res das opções que fizeram e enca- ram com otimismo as dificuldades de exercê-las. Passaram de consumido- res a produtores de bens culturais, num movimento muito característi- co da juventude, época de revelação de tendências e interesses pessoais, e também de descobertas do mun- do e dos valores dos grupos, a rede fundamental pela qual ecoam seus gostos, gestos, atitudes. A pesquisa Perfil da Juventude Bra- sileira, realizada no fim de 2003 pelo Projeto Juventude, com 3.500 entre- vistados em 198 municípios, detecta esse envolvimento dos jovens com a cultura. Entre os assuntos que mais interessam a esse público, a cultura e o lazer vêm em terceiro lugar, com 27% das indicações, atrás apenas da educação e o emprego. Dos assuntos que gostam de discutir,46%dosentrevistadosindicaramasdrogas;45%, a sexualidade; 43%, os esportes; e 34%, as artes. O le- vantamento mostra ainda que 15% participam de gru- pos de jovens. Entre as atividades desenvolvidas neles, as mais importantes são as religiosas e as musicais. A relação entre grupos e cultura é direta. O professor Paulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Ju- ventude da Universidade Federal Fluminense, explica que os grupos permitem aos jovens realizar um exercí- cio de mão dupla entre a cultura que herdaram e a que constroem. “Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervo cultural”, diz. Para ele, é impor- tante que as diferentes manifestações culturais sejam valorizadas. “É preciso evitar o dualismo entre bom e mau para que se possa entender essas manifestações.” Transformação cidadã “A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com que elas conheçam outros mundos, aprendam a se ex- pressar e a reivindicar seus direitos”, diz Nadia Barbosa Accioly, 19 anos, estudante do ensino médio, que faz parte do grupo de poesia do Cria, Centro de Referência IntegraldoAdolescente,deSalvador.Seuobjetivojáestá definido: ser atriz e professora de teatro. Antes de che- gar ao Cria, ela participou de um grupo de teatro de rua no Liceu de Artes e Ofícios. Com uma irmã e outros jovens do bairro de Nova Brasília, onde mora, Nadia está estruturando também um trabalho social na escola es- tadual, com foco na saúde. É uma forma de repassar os conhecimentos obtidos. “A necessidade de passar a experiência adquirida adiante é um traço muito forte entre os jovens ligados TATIANA GARRIDO, 24 ANOS é artista visual e grafiteira CULTURA a movimentos culturais”, observa a psicanalista e atriz Maria Eugênia Milet, coordenadora do Projeto Cria. Segundo ela, os integrantes das ca- madas mais pobres, até por terem pouco acesso aos bens culturais tra- dicionais, criam sua própria cultura: “Quando têm oportunidade de pas- sar por um processo de aprendiza- do, eles deixam de ser pessoas leva- das pela maré e tornam-se cidadãos, agentes de transformação de suas comunidades”.PauloCarranoconcor- da. “A cultura da escassez gera criatividade até para superar a pró- pria escassez, como acontece com o rap e o hip hop, que podem ser en- tendidos como uma forma de parti- cipação política.” Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM9
  • 10. rais. “Assim, eles começam a enxergar a vida de uma perspectiva mais ampla, pois têm contato com outras realidades, conseguem construir uma nova identida- de, aumentar sua auto-estima e adquirir instrumentos para mudar sua realidade”, diz. O efeito é multiplicador. Tanto Kelly quanto Nadia ci- tam seus próprios exemplos. Elas se transformaram em referências positivas importantes em suas comunida- des. “Outros jovens me procuram para saber como po- dem participar de movimentos”, conta Nadia. navegantes KELLY CHRISTIAN LOUIZE DA SILVA, 23 ANOS é agente cultural em Belo Horizonte e se envolveu com o setor por causa do hip hop DÉLIO FIRMO ALVES, 21 ANOS índio da etnia amazônica Desano, luta pela preservação da memória indígena Foi assim com Kelly Christian Loui- ze da Silva, 23 anos, residente no bairro de Teresópolis, em Betim, re- gião metropolitana de Belo Horizon- te. Ela trabalha com movimentos cul- turais há cinco anos, desde que co- meçou a freqüentar o hip hop e foi convidada a integrar um projeto de formação de agentes culturais. Kelly destaca a importância de os jovens participarem de movimentos cultu- PROJETO CRIA ÁREA DE ATUAÇÃO CAPITAL E TRÊS CIDADES DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 15 CIDADES NO INTERIOR DO ESTADO, ALÉM DE CONVÊNIO COM PROJETOS DE PIPA (CE), NÁPOLES (ITÁLIA) E MOÇAMBIQUE PROPOSTA Programa de educação para a cidadania centrado no teatro e na poesia JOVENS ATENDIDOS 96 APOIO UNICEF, CESE, FUNDAÇÃO MACARTHUR, AVINA, COFIC, INSTITUTO CREDICARD, FUNDAÇÃO FORD, WORLD CHILDHOOD FOUNDATION CONTATO Rua Gregório de Matos, 21 – 40025-060 – Pelourinho – Salvador (BA) – tel.: 71/3322-1334 – www.criando.org.br – e-mail: cria@criando.org.br PARASABERMAIS SOBRE PROJETO CHARANGA, DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DESPERTAR ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA SUL DE SÃO PAULO PROPOSTA Oferecer cursos profissionalizantes, de capacitação e geração de renda JOVENS ATENDIDOS 146 CONTATO Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n. – 04416-170 – Cidade Adhemar – São Paulo (SP) – tel.: 11/5621-0901 – e-mail: asscomdespertar@uol.com.br PARASABERMAIS SOBRE Vocação e sustento A transformação pessoal diante da descoberta de um talento artístico é fato. E gera desafios. Guilherme Floriano Silva, 15 anos, nunca tinha visto um espetáculo de balé clássico antes de conhecer a Fundação Cul- tura Artística de Londrina. Morando com a madrinha em Alexandre Urba- no, bairro de classe média baixa da cidade, o garoto fazia parte da Guar- da Mirim. Sua expectativa era se pre- parar para conseguir um emprego e ajudar a família. Como gostava de dançar,umdeseusprofessoresoen- caminhouparaaFundação.Foiades- coberta de um mundo inteiramente novo. Com apenas quatro meses de aula, fez sua estréia no palco. “Ape- sar do medo de errar, foi uma emo- ção muito forte”, conta. Deixou a Guarda Mirim, certo de que seu des- tino profissional está ligado à dança. Cursando a 8ª série, treina sete ho- ras por dia, na esperança de conquis- tar uma vaga no Balé de Londrina e, NADIA ACCIOLY, 19 ANOS é aluna do ensino médio, estuda poesia em Salvador e quer ser atriz e professora de teatro MÁRCIA ALMEIDA, 23 ANOS é administradora de empresas e integra um grupo de preservação das tradições gaúchas, em Canoas PARASABERMAIS SOBREPARASABERMAIS SOBRE FUNDAÇÃO CULTURA ARTÍSTICA DE LONDRINA ÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR) PROPOSTA Criação de um curso regular e profissionalizante de dança, com duração de oito anos. Nos últimos cinco anos, em parceria com a Secretaria de Cultura, criou a Rede de Cidadania, que faz iniciação à dança em cinco bairros da cidade para identificar talentos JOVENS ATENDIDOS 600 APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA CONTATO Rua Souza Naves, 2.380 – 86015-430 – Londrina (PR) – tel.: 43/3342-2362 – e-mail: funcart@funcart.art.br PROGRAMA NÓS DO MORRO ÁREA DE ATUAÇÃO MORRO DO VIDIGAL, NO RIO DE JANEIRO PROPOSTA Formar atores para o teatro e o cinema JOVENS ATENDIDOS 300 APOIO PETROBRAS CONTATO Rua Dr. Olinto de Magalhães, 54 – 22450-250 – Vidigal – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/3874-9411 – www.nosdomorro.com.br – e-mail contato@nosdomorro.com.br Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM10
  • 11. 11 KÁTIALOMBARDI ANDRÉAAGRAIZFRANCISCOANDRADENETO RISONALDOCRUZ Estudos apontam a grande importância que os jovens conferem aos temas culturais. Na relação com o grupo, eles fazem um exercício de mão dupla entre a cultura que herdam e a que constroem Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:46 PM11
  • 12. quem sabe, no futuro, ganhar uma bolsa para estudar fora do país. “Que- ro me profissionalizar, passar o que aprendi para outras pessoas e ganhar dinheiro para ajudar minha família fazendo o que gosto”, sonha. Meta semelhante tem o paulistano WilliamdaSilvaMota,20anos.Elequer ganhar a vida como músico, tocando instrumentosdepercussãoeensinan- do. Com o 2º grau concluído, ele en- frenta, porém, a resistência da famí- lia,queopressionaparaconseguirum emprego formal. Mas não se dá por vencido.Participadeumcoraledeum grupo de dança do Projeto Charanga, naAssociaçãoComunitáriaDespertar, em Americanópolis, bairro periférico na zona sul de São Paulo. Nos fins de semana, trabalha como assistente de discotecário e de palco. William afir- ma ter se encontrado no Charanga, idealizadopelomúsicoMaurícioAlves, da banda Mestre Ambrósio, e que tra- locando sua arte nos muros da cida- de. “É uma forma de causar impacto, de mudar a visão das pessoas em re- lação ao ambiente em que vivem, de alegrar a cidade”, diz Tatiana, que criou, com o marido e um amigo, a Grafiteria, uma galeria para expor as obras dos artistas urbanos. Memória e tradição Mas o resgate das culturas tradicio- naisdedeterminadasregiõestambém é fator que tem motivado muitos jo- vens. Foi o que aconteceu com Márcia Almeida, uma administradora de em- presas de 23 anos, residente em Por- to Alegre (RS), e Márcio Roberto da Sil- va Oliveira, 23 anos, professor de Físi- ca que mora em Campo Grande (MS). QuandosemudoudeSantaCatarina para Porto Alegre para trabalhar em uma empresa argentina de equipa- mentos hidráulicos, Márcia ingressou no Grupo Folclórico Tropeiros da Tra- navegantes balha com vários ritmos brasileiros. “A ligação com a cul- turametransformouemumapessoamelhor,maisaber- ta aos problemas do mundo”, conta. Renovação democrática A socióloga Maria Virgínia de Freitas, integrante do Conselho Nacional da Juventude, destaca a importân- cia dos movimentos populares culturais para definir a identidade de seus participantes e o seu lugar no mun- do. Ela defende a criação de espaços mais democráti- cos para que os jovens possam se afirmar não só como consumidores de cultura, mas como criadores de bens culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a va- lorização pessoal. Maria Virgínia destaca a grande re- novação que está ocorrendo nas periferias, com a mul- tiplicação de estações de rádios livres, dos grafiteiros e da criação de fanzines. Tatiana Garrido, 24 anos, faz parte desse grupo. Ela sempre gostou de desenhar. Tanto que fez um curso técnico de desenho para comunicação. Ainda na esco- la, juntou-se a um grupo de grafiteiros do bairro do Tatuapé, bairro de classe média na zona leste de São Paulo. Não parou mais. Agora, mesmo pilotando sua própria empresa de comunicação visual, continua co- ISAIAZMEDEIROS CELSOPACHECO Faltam espaços mais democráticos para que a juventude possa se afirmar não só como consumidora, mas como criadora de bens culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a valorização pessoal Faltam espaços mais democráticos para que a juventude possa se afirmar não só como consumidora, mas como criadora de bens culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a valorização pessoal Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM12
  • 13. 13 “Minha paixão pelo teatro começou quando fui assistir a uma peça na qual meu irmão trabalhava, no grupo Nós do Morro, do Vidigal, no Rio de Janeiro. Era um garoti- nho. Fiquei deslumbrado com as luzes, o texto, a movi- mentação dos atores e resolvi fazer parte do projeto. Na primeira vez que subi em um palco, chorei de emoção com os aplausos do público. Eles são o melhor prêmio que um ator pode desejar. Depois de nove anos de dedicação, os resultados começam a aparecer. Faço parte do elenco do Nós do Morro e já atuei em peças como “Eles contra Eles”, “Sonhos de uma Noite de Verão”. Também participei da novela “Da Cor do Pecado”, da TV Globo, na qual fiz o papel de um menino de rua que era engraxate. Agora, estou escalado para atuar na novela “Belíssima”, inclusive gravando cenas na Grécia. A cada trabalho, a emoção se renova, reafirmando minha certeza de que, sem arte, a vida não é nada. Quero fazer faculdade de Cinema e ensinar a outros jovens, para que eles possam ter as oportunidades que eu tive e para que possam fazer um trabalho que não é apenas uma forma de ganhar dinheiro, mas que é pura paixão.” OFUTUROÉAGORA TIAGO MARTINS, 16 ANOS é ator no Rio de Janeiro, do Grupo Nós do Morro dição,deCanoas.“Conheceraculturadenossopovonos faz entender o significado de nossos valores”, diz ela. Márcio, por seu lado, se considera um grande consumi- dor de cultura alternativa. Trabalhando em sua tese de mestrado na área de eletroquímica, ele é também dan- çarino do grupo Sarandi Pantaneiro, que tem por objeti- voresgatarepreservaramúsicaeadançadoMatoGros- so do Sul. Márcio participa ainda do movimento Negras Raízes,querecentementeeditouumlivroreunindopoe- mas de poetas negros. “Resgatar a cultura é vital para não perdermos nossa identidade como povo”, diz. EssetambéméoentendimentodejovensíndiosdeSão Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, onde 90% dos 35 mil habitantes são descendentes de várias etnias indígenas. Délio Firmo Alves, de 21 anos, da etnia Desano, estudante do curso técnico de Enfermagem, lembra que, ao entrar em contato com os índios, os missionários brancos impu- seram sua cultura. Assim, costumes, tradições, a própria línguaforamesquecidos.“Comisso,osíndiostambémper- deram seus valores, sua identidade.” A nova geração de- senvolveesforçospararesgatarmitos,música,dança,cos- tumes, linguagem das diferentes etnias e luta pela criação de centros de cultura indígena. “Nossa cultura tem valores que merecem ser preservados”, diz. GUILHERME FLORIANO DA SILVA, 15 ANOS estudante da 8ª série e aluno de balé em Londrina, treina sete horas por dia para ser bailarino profissional MÁRCIO ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, 23 ANOS é professor de Física em Campo Grande, onde participa de um grupo de música e dança típicas do Pantanal WILLIAM MOTTA, 20 ANOS é percussionista e quer viver de música em São Paulo, mas enfrenta a resistência da família BRUNOGARCIA RATÃODINIZ/IMAGENSDOPOVO Onda Jovem 08-13 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM13
  • 14. por_Marco RozaNa Amazônia, jovens ajudam a pre- servar a floresta aprendendo música e fabricando instrumentos musicais. Na Paraíba, a estamparia e a serigra- fia elevam a auto-estima de meninos e meninas, e, em São Paulo, o teatro reduz a discriminação entre estudan- tes. Mestres nessas artes, três edu- cadores usam seu talento para mos- trar que a expressão artística ajuda a transformar os jovens em cidadãos capazes de reconhecer os outros, a si mesmos e de assumir seus sonhos. Mostram que a arte faz pensar, edu- ca, inclui. E que não por acaso ela se torna ferramenta cada vez mais va- lorizada na educação. Para o músico e luthier Rubens Go- mes, que trabalha na região amazô- nica desde a década de 80, só há sal- vação para a floresta se salvarmos, ao mesmo tempo, os jovens que lá vivem. Motivado por essa idéia, há sete anos ele criou a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), no bairro de Zumbi, em Manaus, unindo a arte e a preservação ambiental. “Transformei minhas habilidades ar- tísticas em um meio para estimular o uso racional dos recursos naturais”, diz. Na Oela, ensina música e profissionaliza jovens inte- grantes de uma população em que 60% estão desem- pregados, 94% têm no máximo o primeiro grau e mais de 15% dos que têm acima de 10 anos nunca estuda- ram. “As populações vivem abandonadas à própria sor- te. No Zumbi, os jovens se organizavam em galeras e se matavam uns aos outros”, conta Gomes. Sintonia com a floresta A Oela oferece alternativa. Os jovens são capacita- dos a transformar recursos naturais em bens. Além das aulas de música, cursam informática e participam de grupos de discussão sobre assuntos como sexualida- de, violência e drogas. Recebem educação ambiental, discutindo, por exemplo, o manejo indiscriminado das espécies em extinção. Como o pau-brasil, insubstituível para o arco de violino; o mogno, usado para a confec- ção de braços de violões clássicos; e o jacarandá da Bahia,a“Daubergianigra”,queéreferênciamundialpara as laterais e fundos de violões e muito valorizado no mestres exterior. “A partir desse aprendizado, os jovens são envolvidos com a arte da manufatura de instrumentos mu- sicais de alta qualidade e se abre para eles uma alternativa de vida em sintonia com a conservação da flores- ta”, diz Gomes. O projeto está indo além de Manaus. “Nas regiões ribeirinhas, en- sinamos aos jovens o processamen- to da madeira e a marchetaria, que já é uma tradição na região.” A principal população beneficiada fica em Boa Vista do Ramos, no baixo Amazonas, a 18 horas de barco de Manaus. As madeiras são todas certificadas e as comunidades estão montando enti- dades que permitam encaminhar a produção até para o exterior. Comu- nidades com jovens que, segundo Gomes, antes “viviam de costas para a floresta”. PELA ARTE A EDUCAÇÃO mestres Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:47 PM14
  • 15. 15 COM A MÚSICA, AS ARTES VISUAIS E O TEATRO, TRÊS EDUCADORES INDICAM AOS JOVENS NOVOS CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL AUGUSTOPESSOA A professora universitária Lívia Marques implantou projetos de arte-educação na Casa Pequeno Davi, em João Pessoa (PB) Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM15
  • 16. Foco na auto-estima Em João Pessoa, o maior desafio de Lívia Marques Carvalho é lidar com o sentimento de desvalia que toma conta da juventude atendida na Casa Pequeno Davi e na Casa Menina Mulher. Ela diz que só depois que os jovens se integram é que se percebem como pessoas. Eles se motivam e são devolvidos ao mercado, geralmente de- sempregados, quando completam 18 anos. O que se torna mais um desafio. “Ensinamos a pescar, mas para dar certo o rio tem de ter peixe”, observa. Lívia é professora de Artes Visuais na Universidade da Paraíba, em João Pessoa. Nas proximidades do Ter- minal Rodoviário da cidade fica o bairro Baixo Roger. A população infantil e adolescente vive espalhada pelas ruas. Em 1985, os padres da Irmandade São Vicente de Paulo criaram a Casa Pequeno Davi. Em 1989, quando se decidiu trabalhar com atividades ar- tísticas, Lívia foi fisgada para o pro- jeto. “Não consegui sair mais”, diz a atual dirigente. “Aproveitamosoenvolvimentocom a arte, que não tem isso de certo ou errado, para ajudar os jovens de baixa renda a aprender o que é a auto-esti- ma”, explica. Os jovens aprendem es- tamparia,impressãodecamisetasem serigrafia, fazer bijuterias e cangas, queaentidadecolocaàvenda.“Ofoco deles, na rua, é a subsistência. Pela arte,percebemquepodemsecolocar no que fazem, ganham confiança e descobrem que são cidadãos.” Ligado ao mesmo projeto está a Casa Menina Mulher, inaugurada em 1998. “Queremos que as meninas aprendam a gostar de si mesmas e aentenderosriscosdoambienteem que vivem”, diz a professora. Além do aprendizado artístico, elas discu- tem saúde e higiene, sexualidade, drogas, violência e gravidez. SegundoLívia,omaisanimadoréver os garotos e garotas conseguirem completar o ensino médio. “Trata-se deumesforçoexcepcionaldoadoles- cente da região, que enfrenta a falta deestímuloeapressãodafamíliapara a busca de renda no mercado infor- mal”, orgulha-se a educadora. Integração pelo teatro A arte é poderosa também para mudar visões de mundo e combater a discriminação. Com essa certeza, a paulistanaPatríciaTeixeira,professo- ra do ensino médio, criou o Teatro da Inclusão. Tudo começou em 1999, a partir de contato que teve com alu- nos com necessidades especiais, na Escola Estadual Benjamin Constant. “Eles viviam em pequenos guetos, eram discriminados e discriminavam os demais alunos”, diz. Formada em Educação Artística e pós-graduanda CASA DO PEQUENO DAVI E CASA MENINA MULHER ÁREA DE ATUAÇÃO JOÃO PESSOA (PB) PROPOSTA Contribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente em situação de risco social por meio de ações de educação integral JOVENS ATENDIDOS 300 crianças e jovens entre 7 e 17 anos APOIO UNICEF, IRLAND AID, IRISH BANK (DA IRLANDA), EMPRESA SKN, FRANK DER LINDERE CORDAID, UNIVERSAL CONCERN (DA HOLANDA), CSCF (DO GOVERNO DA GRÃ-BRETANHA), COMUNIDADE LUTHERANA (ALEMANHA), EUROPEAN COMMUNITY CONCERN (UNIÃO EUROPÉIA), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL, SECRETARIA DO TRABALHO E DE PROMOÇÃO SOCIAL DE JOÃO PESSOA CONTATO Rua João Ramalho, 195 – 58020-200 – João Pessoa (PB) – tel.: 83/3241-526 – www.pequenodavi.org.br PARASABERMAIS SOBRE NEYMENDES O músico Ruben Gomes criou a Oela, uma oficina-escola de instrumentos musicais que ensina a preservar a floresta, em Manaus (AM) Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM16
  • 17. 17 OFICINA ESCOLA DE LUTHERIA DA AMAZÔNIA ÁREA DE ATUAÇÃO AMAZONAS, PARÁ, AMAPÁ, ACRE E RORAIMA PROPOSTA Promoção do uso racional dos recursos naturais para a geração de ocupação e renda com o intuito de combate à pobreza, por meio da lutheria e da machetaria JOVENS ATENDIDOS EM MANAUS, 592 por semestre APOIO ASHOKA EMPREENDORES SOCIAIS, UNESCO (CRIANÇA ESPERANÇA), ICCO (INSTITUIÇÃO ECLESIÁSTICA DA HOLANDA), PRO-MANEJO/IBAMA/MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CORREIOS CONTATO Rua 22, Quadra O, Casa número 8, conjunto São Cristóvão – 69084-580 – Bairro do Zumbi 2 – Manaus (AM) – tels.: 92/3644-5449 e 92/3638-2667 – www.oela.org.br TEATRO DA INCLUSÃO ÁREA DE ATUAÇÃO ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO PROPOSTA Trabalhar com jovens o tema das diferenças JOVENS ATENDIDOS 100 estudantes de ensino médio APOIO JFA ENGENHARIA (EVENTUAL). EM BUSCA DE APOIO PERMANENTE CONTATO Rua Pelotas, 523, apto. 103 – 04012-002 – Vila Mariana – São Paulo (SP) – tel.: 11/9742-1553 – e-mail: astropaty@ig.com.br.; Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano – tels.: 11/5549-6006 e 11/5082-2206 PARASABERMAIS SOBREPARASABERMAIS SOBRE tato com seus personagens internos, percebem a si mesmos e o outro como pessoas completas. O teatro os faz responder, principalmente, com atitudes”, diz. Patrícia já envolveu mais de 100 jovens em suas pe- ças, apesar das dificuldades para manter o projeto. “Às vezesensaiamosnoparquedoIbirapuera”,conta.Neste semestre, o esforço é para apresentar a peça “Esconde- rijo de Judeus”. Na preparação da turma, contou com amigos voluntários. Um professor de história ajudou a dar contexto às leituras que os alunos fizeram do “Diário de Anne Frank”, garota judia que se escondeu com a família durante a Segunda Guerra Mundial e que inspira a peça. Outro amigo apresentou aos jovens um seminá- rio sobre a cultura judaica. Patrícia fez um laboratório cênico sobre as relações de poder. “Vivemos pequenos holocaustos todos os dias e é importante discutir o res- peito às diferenças, o direito à permanência das pes- soas no mesmo mundo em que vivemos”, diz. O tema tem especial pertinência para a adolescência e a juventude, segundo a professora. É quando as dife- renças entre gerações e entre os próprios companhei- ros começam a ser mais notadas e os jovens precisam de orientação para lidar com elas de forma positiva. “O trunfo do teatro é levar os jovens a vivenciar experiên- cias. O resultado é surpreendente”, diz Patrícia, referin- do-se a uma de suas grandes recompensas, que veio na forma de conclusão de uma estudante sem deficiência visual,durantediscussõessobrepreconceito:“Euaprendi a ver o que os olhos não podem ver”. A professora de ensino médio Patrícia Teixeira fundou o Teatro da Inclusão para discutir preconceitos com os alunos de São Paulo (SP) DAVILYMDOURADO em Psicologia Analítica, na PUC de São Paulo, ela decidiu usar as artes cênicas para incluir jovens cegos nas atividades escolares. A experiência deu tão certo que, em 2000, Patrícia a levou, num tra- balho voluntário, para a Escola Es- tadual Caetano de Campos. Aprovei- tou o teatro disponível na escola e iniciou o projeto Teatro da Inclusão, com a peça “Retratos de Gerações”, que ela escreveu. “Discutir as dife- renças promove a inclusão. Três jo- vens cegos atuaram. O trabalho eli- minou as diferenças de visão, pois, no palco, os alunos entram em con- Onda Jovem 14-17 (nº3) 10/20/05, 8:48 PM17
  • 18. banco de práticas por_Flávia Oliveira QUATRO PROJETOS SE IDENTIFICAM POR PERPETUAR O PASSADO E DAR SENTIDO AO FUTURO GUSTAVOLOURENÇÃOARNALDOCARVALHOAUGUSTOPESSOAANDRÉADEVALENTIM ENCONTROS CULTURAIS A cultura é o fim e o meio desses projetos sociais, seja para perpetuar experiências seculares de lugarejos ou dar sentido ao futuro de crianças e jovens de cidades grandes. E foi quase por acaso que seus mentores embarcaram na idéia de que tambores, brinquedos, jongo, histórias seriam capazes de mudar a vida de jovens. O maestro Flávio Pi- menta, por exemplo, tinha decidido trocar o Brasil por uma vida no exterior. A três meses da partida, se flagrou obser- vando adolescentes nadando em poças d’água sujas nos arredores de sua casa, no bairro do Morumbi, em São Pau- lo. Resolveu agir. Convidou os jovens à sua casa, apresen- tou-os à música. Desistiu da viagem, convocou amigos, estruturou e deu à luz a Associação Meninos do Morumbi, que hoje envolve 4 mil crianças e jovens. Macau Góes era colecionadora de brinquedos e encan- tou-se com a obra de artesãos do Recife quando visitava uma feira da Fundação Joaquim Nabuco. Consultora da ONG Artesanato Solidário, aproximou jovens do programa, dando o pontapé inicial para a fundação da Associação BrinquedosPopularesdoRecife,quejáqualificouumacen- tena de artesãos. Noutro improviso do destino, Paulo Dias, da Associação CulturalCachuera,deSãoPaulo,conheceuacomunidadede jongueiros do bairro Jardim Tamandaré, na periferia de Guaratinguetá. Em parceria com a TV Cultura, produziu o fil- me “Feiticeiros da Palavra – O Jongo do Tamandaré” e apre- sentou o grupo ao país. Daí veio a criação da Associação JongueiradeGuaratinguetá,quelevaosjovensaseenvolve- rem com a dança e a música deixadas pelos escravos. O casal Alemberg Quindis e Rosiane Limaverde estava determinado a preservar a herança cultural dos Kariri, tri- bo indígena que batizou um pedaço do Ceará, o Vale do Cariri. Em Nova Olinda, abrigaram os artefatos pré-históri- cos recuperados na região. Apresentavam o tesouro a tu- ristas, quando foram surpreendidos por meninos da vizi- nhança com os textos na ponta da língua. Assim expan- diu-se a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, que capacita jovens em várias áreas. Conheça melhor os frutos desses encontros: Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM18
  • 19. 19 Foi da aproximação com a Associação Cultural Cachuera que Lúcia Maria de Oliveira, jongueira por nas- cimento, enfermeira por profissão, deu início ao Proje- to Bem-te-vi, no Jardim Tamandaré, na periferia de Guaratinguetá, em São Paulo. A idéia é perpetuar o jongo, uma tradição na comunidade, entre as crianças e jovens, que recebem os ensinamentos dos adultos e idosos. Lúcia gosta de dizer que tem o jongo no san- gue, porque é neta do velho Antonio Henrique, que trou- Guaratinguetá, SP Projeto Bem-te-vi da Associação de Jongo do Tamandaré O projeto começou com meia dúzia de garotos, um maestro e uma professora de dança. Quase uma déca- da depois, são 4 mil, e uma lista de espera com 2 mil nomes. A Associação Meninos do Morumbi atende a crianças e adolescentes interessados em experimentar o gosto de “poder ser o que quiserem”, como diz o fun- dador Flávio Pimenta. “A música se mostrou uma exce- lente armadilha para atrair os jovens”, brinca. O alvo ini- cial do projeto eram comunidades populares, mas hoje não é exclusivo de alunos pobres – eles ocupam 70% Recife, PE Formação de jovens artesãos no Projeto Brinquedos Populares do Recife O projeto que inicialmente se restringia à preservação antropológicadosíndiosKariritransformou-senumains- tituição dedicada também à formação profissional dos jovens da região. A Fundação Casa Grande oferece hoje a 70 jovens qualificação em quatro áreas: memória, co- municação, arte e turismo. O primeiro programa tem como foco o resgate da memória da pré-história do ser- tão, por meio da mitologia e da arqueologia: forma re- cepcionistas, guias de campo e relações-públicas para atuar na instituição e nos sítios arqueológicos da região. Nova Olinda, CE Fundação Casa Grande Memorial do Homem Kariri Desde os anos 80, a Fundação Joaquim Nabuco man- tinha contato com um grupo de oito artesãos que fa- ziam brinquedos populares na Região Metropolitana de Recife. As peças acabaram descobertas pelo Artesanato Solidário, que propôs a criação do projeto Brinquedos Populares do Recife. Iniciado em março de 2004, o pro- grama é multiplicativo: “Os mestres repassam seus co- nhecimentos aos jovens e, com isso, é possível preser- var técnicas populares de produção de brinquedos”, ex- plica Julio Ledo, gerente regional do Artesanato Solidá- São Paulo, SP Associação Meninos do Morumbi >> >> >> >> Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM19
  • 20. A oficina de comunicação apresenta aos alunos as técnicas de elaboração de programas de rádio, TV e trabalhos de editoração. A rádio comunitária já protocolou no Ministério das Comuni- cações um pedido para transformá-la em emissora educativa. O braço das artes tem laboratório de teatro, cine- rio. O projeto capacitou primeiro oito mestres, que aprenderam a melhorar a apresentação e a qualidade de suas criações,elaborarplanilhasdecustos, entender o mercado consumidor, ao lado de aulas de cidadania e relações interpessoais. Em contrapartida, eles deveriam destinar 10% da renda de das vagas. Cumprida a condição de cursar o ensino regular, eles podem escolher entre artes (balé, dança, es- cultura, fotografia, moda, teatro), mú- sica (bateria, canto, percussão, cava- co) e esportes (capoeira, futsal, jiu- jitsu), mas são obrigatoriamente apre- sentados ao inglês e à informática. A xe a música e a dança dos negros es- cravos para a região. Um filme, pro- duzido por Paulo Dias e apresentado Brasil afora, foi o estopim de uma sé- rie de convites para apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro e alimentou a necessidade de profissio- nalização do grupo e levou à criação do Bem-te-vi, que hoje conta com 40 >> >> >> >> Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM20
  • 21. 21 ASSOCIAÇÃO JONGUEIRA DE GUARATINGUETÁ ÁREA DE ATUAÇÃO GUARATINGUETÁ (SP) PROPOSTA Repassar a crianças e jovens os ensinamentos do jongo e reforçar neles a importância da educação formal regular NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 40 pessoas, incluindo também os idosos APOIO SECRETARIA DE CULTURA DE GUARATINGUETÁ, PREFEITURA MUNICIPAL E ASSOCIAÇÃO CACHUERA DE SÃO PAULO CONTATOS Rua Tamandaré, 661, Fundos – Jardim Tamandaré – Guaratinguetá – SP – Tel.: 12/3133-3408 para fazer em suas casas suítes para abrigar turistas. Por R$ 40 diários, o visitante tem pernoite, café, almoço e jantar. “Todo o projeto funciona com pedagogia própria: os jovens mais ex- perientes repassam os conhecimen- tosaosmaisnovos”,ensinaAlemberg, o mestre. toda peça vendida a um fundo para custearalegalizaçãodaassociaçãode artesãos e compartilhar seus conhe- cimentos em Oficinas do Saber, com turmas de até 20 alunos escolhidos entre os residentes na Vila Esperan- ça, comunidade pobre do Recife. Os artesãos foram remunerados pelas entidade acaba influenciando na esco- lha da carreira deles, como conta a ex- aluna, agora monitora, Luciana Fernan- des, de 20 anos: “Entrei com 14 anos. Aprendi capoeira, jiu-jitsu e percussão. Decidi seguir na música. Se não tivesse passado por aqui, nem imaginaria essa vida”. Das oficinas culturais foi criado o participantes. “Queremos ensinar o jongo às crianças e aos jovens, mas também reforçar neles o quanto a educação é importante. Vamos pre- servar o passado e estimular o futu- ro dos meninos”, planeja Lúcia, de 50 anos, mãe de Hebert e Erica, avó de Cauê. Os jongueiros do Tamandaré recebem apoio da prefeitura e da Se- ma e escola de música, na qual se co- meçacomabandadelataeseguecom grupos cover e instrumental. O labora- tório de turismo funciona em parceria comacooperativadepaiseamigosda Casa Grande. Os pais dos alunos man- têm a loja de souvenirs da Fundação e a cantina, além de serem orientados horas de aula e, dentre os 100 jovens quejáreceberamaqualificação,vários já produzem brinquedos para vender e três, de tão talentosos, integram a Associação. Estão sendo orientados a criar sua série de produtos, tal como aconteceu com os mestres de quem eles aprenderam. grupo artístico Meninos do Morumbi. Desde 1996, foram mais de 500 apre- sentações.AbandajáseexibiucomIvete Sangalo, Lulu Santos e os grupos Cida- de Negra e Olodum. A ousadia de mis- turaroeruditoeopopularnumespetá- culo com o pianista clássico Marcelo Bratke conquistou cidades européias. cretaria de Cultura de Guaratinguetá. No ano passado, participaram da or- ganização de três oficinas de vídeo dirigidas aos jovens da comunidade. Durante boa parte deste 2005, dedi- caram-seaorganizarlegalmenteaas- sociação. Agora, buscam um terreno para instalar a sede do projeto e sair seduzindo futuros jongueiros. FUNDAÇÃO CASA GRANDE – MEMORIAL DO HOMEM KARIRI ÁREA DE ATUAÇÃO NOVA OLINDA (CE) PROPOSTA Oferecer qualificação profissional a crianças e jovens sertanejos por meio de atividades de resgate da memória local, arte, comunicação e turismo NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 70 APOIO INTERAMERICAN FOUNDATION CONTATOS Rua Jeremias Pereira, 444 – Centro – Nova Olinda (CE) – Tel.: 85/3546-1333 – casagrande@baydejc.com.br BRINQUEDOS POPULARES DO RECIFE ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE RECIFE (PE) PROPOSTA Qualificar artesãos e incentivá-los a repassar seus conhecimentos a jovens de comunidades pobres por meio das Oficinas do Saber NÚMERO DE JOVENS BENEFICIADOS 100 APOIO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, MINISTÉRIOS DA EDUCAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, ARTESANATO SOLIDÁRIO (ARTESOL) E SEBRAE CONTATOS Rua Alves Guimarães, 436 – Pinheiros – São Paulo (SP) – Tel.: 19/3246-2888 – www.artesol.org.br ASSOCIAÇÃO MENINOS DO MORUMBI ÁREA DE ATUAÇÃO BAIRROS DA REGIÃO SUDOESTE DA CAPITAL PAULISTA E MUNICÍPIOS VIZINHOS, COMO TABOÃO DA SERRA, ITAPECERICA DA SERRA E EMBU PROPOSTA Oferecer cursos de artes, música, dança, esportes, informática e língua estrangeira a crianças e adolescentes, dos 5 aos 18 anos, reforçando a importância da formação escolar regular NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 4 mil APOIO PREFEITURA DE SÃO PAULO, CÂMARA DE COMÉRCIO ELETRÔNICO, PÃO DE AÇÚCAR, CULTURA INGLESA, BRITISH AIRWAYS, HP, LAUREUS SPORTS, BIT COMPANY, SADIA, ENTRE OUTROS CONTATOS Rua José Jamarelli, 485 – Morumbi – São Paulo (SP) – Tel.: 11/3722-1664 – www.meninosdomorumbi.org.br PARASABERMAIS SOBREPARASABERMAIS SOBREPARASABERMAIS SOBRE PARASABERMAIS SOBRE Onda Jovem 18 -21 (nº3) 10/20/05, 8:49 PM21
  • 22. PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFRO REGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DO TRÁFICO CARIOCA Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada de José Junior, o coordenador-executivo do Grupo Cultural Afro Reggae, no Rio de Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra dele está superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemos o currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no Afro Reggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que ele tem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleo de Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, no dialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico de drogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte. Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente tra- balho que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro, em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovens decididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, na formação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania. As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Pa- rada de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra há inacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém nú- cleos. Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em siste- ma de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONG que conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bem perto de se tornar auto-sustentável. Oalicercedetamanhosucessochama-secoerência.OAfroReggaetemcomo fundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fá- bricas de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues tam- bém não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador. Nascido na dor A luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae. Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante de bailesfunk,quandooritmofoibanidodacidade,porcausa do arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou o conflitoentreganguesdeVigárioGeraleParadadeLucas, que se enfrentaram na areia famosa do canto de Ipanema). Ele trocou de ritmo e começou a promover festas de reggae – “a contragosto”, como lembra. Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior en- xergou no gênero a possibilidade de promover a cultu- ra afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, o jornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e ou- tras manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foi sacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 mo- radores da favela foram assassinados por um bando de policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algo por lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês de- pois do massacre, eles entraram na favela, para “fazer alguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como des- creve o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, que tomou as ruas da comunidade. O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comu- nitário de Cultura, com as primeiras oficinas: dança, per- cussão, reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 ins- trumentoslevadospelogrupoeramdisputadosatapapor jovens que enxergavam horizonte onde a olho nu havia apenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas RESGATE PELO REGGAE caminho das pedras Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:50 PM22
  • 23. 23 por_Aydano André Motta fotos_Rodrigo Castro 23 Jovem diante de cartaz com os princípios do grupo Afro Reggae: a música é o meio de atração para um amplo trabalho de conscientização Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:50 PM23
  • 24. apenas em ter perspectiva”, confirma Altair Martins, 24 anos, nascido em Vigário, formado na turma 01 e hoje co- ordenador de operacionalização do Afro. Ele cresceu em meio a paredes furadas à bala e vizinhos assassinados, e agora é emblema – “puro-sangue”, ajuda a salvar outros, ao som de funk, reggae, soul e hip hop. Da salada de ritmos nasceu o filhote mais famoso, a banda AfroReggae, aclamada Brasil afora e no exterior. Os padrinhos, Junior lembra orgulhosamente, são Cae- tanoVelosoeReginaCasé,queconheceramogrupodois anos depois e foram os primeiros a incentivar os jovens da favela a conquistar o mundo com sua música. Em1997,foiinauguradonacomunidadeoCentroCultu- ral Afro Reggae Vigário Legal, para melhorar, num espaço bem estruturado, a formação cultural e artística dos jovens moradores. “Uma fábrica de sonhos”, resume Junior. De lá, eles escapam do tráfico e do subemprego e se transfor- mamemmultiplicadoresdapazedaintegraçãosocial.Hoje, existemoutrosoitogruposmusicais:BandaMakalaMúsica e Dança, Afro Lata e Afro Samba, além dos subgrupos Afro Mangue, Tribo Negra, Akoni, Kitôto e uma banda de rock ainda sem nome, exclusivamente de meninas. Na trilha da autonomia O sucesso artístico deixa a ONG a um passo de se sustentar, com a renda dos shows e da venda de pro- RECUSAR PATROCÍNIO DE CIGARRO E BEBIDA, MESMO ESTANDO SEM DINHEIRO, FOI UMA DAS FORMAS DO AFRO REGGAE TRADUZIR PARA AS COMUNIDADES A FORÇA DE SEUS VALORES Aprendizes descansam junto dos instrumentos; abaixo, garota com tambor; na página oposta, garotas ensaiam coreografia; um jovem percussionista e rapazes durante ensaio de uma das bandas: apresentações e venda de CDs são fonte de renda do grupo Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM24
  • 25. 25tréguas em guerras a que a polícia apenas assiste, impotente e derrotada. A interferência em batalhas sangrentas inspirou-se em outro projeto social, o Rompendo Fronteiras, que desde 2001 busca levar o trabalho social onde ele é necessário, independentemente de conflitos. Em Parada de Lucas, as armas são cursos básicos de informática. No Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, a isca é a linguagem do circo – malabares, trapézio, acrobacias. De lá saíram dois meninos para o Ringling Bros., o maior circo de picadeiro do mundo. O prestígio do Afro Reggae também se estende a endereços antes exclusi- vos da elite. O Prêmio Orilaxé, entregue a personalidades que contribuíram com a divulgação e promoção da cultura afro, teve como palco, em 2005, o Canecão, a mais famosa casa de shows do Rio. Com a presença do ministro da Cultura, Gilberto Gil, um público diferente ocupou a platéia para aplaudir iniciativas incríveis, como o Juventude e Polícia, espetáculo de dança em par- ceria com a Polícia Militar de Minas Gerais. Isso mesmo: PMs fardados dan- çando com jovens do Afro, num espetáculo de inesperada harmonia. As histórias do Afro Reggae chegam agora ao cinema, em cinco documentários que devem ser lançados em breve. O primeiro a ficar pronto foi o americano “Favela Rising”, premiado em três mostras. A produção conta a história de Anderson Sá, sobrevivente da chacina de Vigário Geral, que per- deu parentes na carnificina, tentou ser traficante, foi baleado, chegou a ficar paraplégico mas se recuperou, e hoje é mais um “puro-sangue”. “Temos a cultura do perdedor que deu certo. Sabemos como é o fracasso”, diz Junior. “Queremos preparar as pessoas para ter poder. A sociedade brasilei- ra tinha outro destino para elas. Isso precisa mudar.” E assim vai-se alterando a triste ordem das coisas na desigualdade brasileira. No ritmo do Afro Reggae. dutos como CDs e camisetas. Sem perder a coerência mesmo nas tempestades mais pesadas. “Quatro anos atrás, recusamos um cachê de R$ 40 mil para tocar em um festival patrocinado por uma empresa de tabaco”, relembra Junior, orgulhoso. “Estávamos com quatro meses de salários atrasados, mas resistimos.” Para sair do buraco financeiro, muita conversa em busca de outros parceiros e todo o pragmatismo possí- vel no dia-a-dia. O Afro Reggae hoje supera em prestí- gio o tráfico de drogas, antigo sinônimo de poder e pros- peridade nas comunidades populares. O fenômeno ex- plica-se, entre outras razões, pelo trabalho junto à mídia. “A TV Globo é muito importante para nós. Podemos apa- recer lá sem ter o rosto desfocado. E nos shows faze- mos saudações a favelas independentemente das fac- ções que as dominam”, ensina ele. Masnabatalhaquenuncatermina,popularidadeéape- nasumaarma.“Nessemomento,nocaos,oqueresolveé emprego. Educação só não basta”, diz Junior, citando o exemplo de um gerente do tráfico que o abordou, meses atrás. “Se tiver uma oportunidade, eu saio agora”, avisou. Teve. Novo desfalque no exército das drogas. Ultrapassando fronteiras O prestígio levou Júnior e outros sete “puros-sangues” a formar um comitê de mediação de conflitos que ator- mentam os milhões de moradores honestos das favelas do Rio. O acesso privilegiado permite a eles negociar GRUPO CULTURAL AFRO REGGAE ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POPULARES DO RIO DE JANEIRO, ENTRE ELAS VIGÁRIO GERAL, PARADA DE LUCAS E CANTAGALO, EM PROJETOS PRÓPRIOS, E OUTRAS EM PARCERIA PROPOSTA Desviar jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego por meio da inclusão e justiça social. Como ferramentas, a arte, a cultura afro-brasileira e a educação JOVENS ATENDIDOS 972 APOIO AVINA, FUNDAÇÃO FORD, FUNDAÇÃO KELLOG, HP, INSTITUTO CREDICARD, INSTITUTO DESIDERATA, SUPERMERCADOS EXTRA, PREFEITURA DO RIO, REDE GLOBO E SESC-RIO CONTATO Av. marechal Câmara, 350/703 – Centro – 20020-080 – Rio de Janeiro (RJ) – Tel.: 21/2532-0171 – www.afroreggae.org.br PARASABERMAIS SOBRE 25 Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM25
  • 26. horizonte global por_Cecília Dourado ilustração_Jotapê DIÁLOGOS DE ERAS Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM26
  • 27. 27 O MuseoVivo promove conexões virtuais, geográficas e de idéias para que os jovens chilenos conheçam melhor sua cultura ancestral O que um homem que viveu há 3 mil anos pode ter a dizer a um jovem que mora numa cidade moderna? O que um habitante das míticas e re- motas ilhas de Chiloé, no sul do Chi- le, tem a dar para um jovem que vive na capital, Santiago? Para responder a essas e outras indagações, a Fun- dação MuseoVivo propõe o diálogo social e cultural entre diversas gera- ções, etnias, comunidades e culturas do Chile. Essa fusão de elementos culturais diversos já começa nos pró- prios meios utilizados pela organiza- ção para propagar seu trabalho: ou- tros museus e espaços, da internet a praças públicas e bibliotecas ao re- dor de fogueiras indígenas. A fundação desenvolve uma série de atividades dinâmicas por meio de conexões virtuais, geográficas e de idéias, diz sua fundadora e diretora, a psicóloga Margarita Ovalle. Inicial- mente, ela pensava em fazer “um museucomconteúdosvirtuaisvivos”, mas logo se deu conta de que não havia necessidade de mais um mu- seu. “Os museus já existiam, mas fal- tava ocupá-los com vida”, diz. Pres- cindindo então de um espaço físico fixo, ela decidiu reunir um acervo “da- quilo que é importante para uma so- ciedade” e levar “esses tesouros ao conhecimento público de diversas formas”. Pós-graduada em Antropologia, Ovalle parte do prin- cípio de que o jovem, principalmente, deve ter contato com culturas múltiplas, em particular com aquelas que contribuíram para a formação da identidade de seu país ou região. Na época da globalização, é preciso ter cons- ciência da riqueza cultural local para avançar, rumo ao futuro, munido de identidade, dignidade e auto-esti- ma: “O conhecimento e a convivência com diversos modos de vida resultam na tolerância e no enriqueci- mento cultural”, observa. Espaços de interação A fundação promove exposições e conferências em “museusaliados”emantématividadesemescolaseuni- versidades, estações de metrô, praças e ruas. Os “proje- tos artísticos e lúdicos”, por exemplo, buscam atrair jo- vens para a diversidade cultural com a criação de jogos em espaços públicos. É o caso da instalação, em par- ques,de“quebra-cabeçasgigantes”–estruturasde1,80 m de altura formadas por quatro cubos de madeira so- brepostos, que lembram totens, mas que são móveis. As faces dos cubos são pintadas com figuras mitológi- cas e históricas do Chile. A idéia é que, ao manipulá-los, a população, sobretudo crianças e jovens, tenha uma experiência lúdica com a sua própria história e mitos. Outro projeto é o das “fogontecas”, iniciadas em 2003 nas ilhas de Chiloé. “Fogon” é uma construção tradicional indígena: casa pequena, de madeira e, às vezes, teto de palha, onde as pessoas se reúnem para contar histórias ao redor de uma fogueira. A MuseoVivo criou as “fogontecas” – mistura de “fogon” com bibli- oteca. Nesses espaços – que já são cinco, alguns dos FUNDAÇÃO MUSEOVIVO REGIÃO DE ATUAÇÃO CHILE, ESPECIALMENTE EM CHILOÉ E SANTIAGO PROPOSTA Enriquecer a identidade cultural por meio da interação de etnias, visões de mundo e modos de vida diferentes, num ambiente de respeito; criar diálogo entre diferentes gerações e culturas JOVENS ATENDIDOS 1.800 por ano, nas comunidades, e outros milhares pela internet APOIO JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION, AVINA, DEPARTAMENTO DO LIVRO E CULTURA, EMPRESAS CHILENAS CONTATO Tels.: 56 02/2286427 e 56 09/2272647 – www.museovivo.cl – info@museovivo.cl; movallev@hotmail.com PARASABERMAIS SOBRE S quais substituem fogueiras por aquecedores –, as pessoas podem retirar livros, e jovens e velhos fazem rodas de conversas. A idéia é resga- tar a bagagem ancestral chilena, não no sentido de tentar inutilmente de- ter o tempo, mas de perceber a “ri- queza que existe numa cultura que corre o risco de extinção e, assim, chegar ao futuro com referências multiculturais”, diz Ovalle. Segundo a psicóloga, os resultados têm sido animadores. Os jovens se in- teressampeloqueosmaisvelhostêm a dizer e descobrem uma grande ri- queza cultural no meio de comunida- des pobres. As gerações passaram a se encontrar também em outros eventos, como as festas populares. Na comunidade de Coldita, em Chiloé, osmoradoreseditamumboletim,que é encartado na “Revista MuseoVivo”, publicada com apoio do Departamen- to do Livro e Cultura. “A postura dos jovens que trabalham na publicação mudou”, conta. “Eles se tornaram mais seguros e confiantes.” ParaOvalle,oencorajamentododiá- logo entre culturas é útil e desejável para toda a América Latina e seria fácil repetiraexperiênciachilenaemoutros países, “porque estamos trabalhando com a essência do humano”. Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM27
  • 28. SEXTANTE A REFLEXÃO DO ARTISTA SOBRE A SERVENTIA DA ARTE DESCREVE COM APARENTE SIMPLICIDADE O ENCANTAMENTO DA MAIS ENIGMÁTICA PRODUÇÃO HUMANA E SEU EFEITO SOBRE O MUNDO Confesso que, espontaneamente, nunca me coloquei esta questão: para que serve a arte? Desde meni- no, quando vi as primeiras estampas coloridas no colégio (que estavam muito longe de serem obras de arte) deixei-me encantar por elas a ponto de querer copiá-las ou fazer alguma coisa parecida. Não foi diferente minha reação quando li o primeiro conto, o primeiro poemaeviaprimeirapeçateatral.Não se tratava de nenhum Shakespeare, de nenhum Sófocles, mas fiquei en- cantadocomaquilo.Possodeduzirdaí que a arte me pareceu tacitamente necessária. Por que iria eu indagar para que serviria ela, se desde o pri- meiro momento me tocou, me deu prazer? Mas se, pelo contrário, ao ver um quadro ou ao ler um poema, eles me deixassem indiferente, seria natural que perguntasse para que serviam, por que razão os haviam feito. Então, se o que estou dizendo tem lógica, devo ad- mitir que quem faz esse tipo de pergunta o faz por não ser tocado pela obra de arte. E, se é este o caso, cabe perguntar se a razão dessa incomunicabilidade se deve à pessoa ou à obra. Por exemplo, se você entra numa sala de exposições e o que vê são alguns fragmentos de carvão colocados no chão formando círculos ou um pedaço de papelão de dois metros de altura amarrotado tendo ao lado uma garrafa vazia, pode você manter-se indiferente àquilo e se perguntar o que levou alguém a fazê-lo. E talvez conclua que aquilo não é arte ou, se é arte, não tem razão de ser, ao menos para você. Na verdade, a arte – em si – não serve para nada. Claro, a arte dos vitrais servia para acentuar atmosfera mística das igrejas e os afrescos as decoravam como também aos palácios. Mas não residia nesta função a razão fundamental dessas obras e, sim, na sua capaci- dade de deslumbrar e comover as pessoas. Portanto, se me perguntam para que serve a arte, respondo: para tornar o mundo mais belo, mais comovente e mais humano. SEXTANTE A BELEZA DO HUMANO, NADA MAIS por_Ferreira Gullar ilustração_Flávio Castellan Ferreira Gullar, um dos maiores poetas brasileiros, nascido no Maranhão (1930), é também cronista, ensaísta, teatrólogo e crítico de arte. É autor de livros de poesia como “Dentro da Noite Veloz”, “Poema Sujo” e “Na Vertigem do Dia”, e de ensaios como “Vanguarda e Subdesenvolvimento” e “Argumentação Contra a Morte da Arte” Flávio Castellan, 27 anos, é artista plástico e integra o elenco do ateliê paulistano Espaço Coringa Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM28
  • 29. 29 Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM29
  • 30. TODOS TÊM CULTURA E TRATA-SE DE UM BEM UNIVERSAL PORQUE É A REDE DE RELAÇÕES QUE DEFINE O DESENHO DE UMA COMUNIDADE por_Tião Rocha ARTE&CULTURA E SOCIEDADE AS TRAMAS 90º entresi,constroemdesenhos,padrões, símbolos e valores do grupo humano que aí vive e que podemos conceituar de Cultura. Encontramos os indicadores so- ciais em qualquer comunidade – rica ou pobre, urbana ou rural. No entan- to, eles só se tornam um indicador cultural quando, em contato com ou- tros indicadores, produzem um novo desenho, uma teia de relações dinâ- micas, novas tramas e padrões de convivência, gerando novos valores ou sendo influenciados pelos valores universais presentes na comunidade. A cultura, este desenho, trama ou padrão dinâmico e interrelacional, é algo humano e social, público e visível, masàsvezesmicroscópico.Podemos, dentro de uma macrotrama, perceber microdesenhos simbólicos e repletos de significantes, como nas festas po- pulares e de rua ou nos “rituais da or- dem”quesimbolizamemantêmosis- tema político. E é nesse mar de tra- DA IDENTIDADE Todo e qualquer ser humano tem cultura. Esta é uma das poucas “verdades” da Antropologia. Apesar disso, muita gente ainda pensa que alguns seres humanos não têm cultura. Uma minoria crê, firmemente, que sua cultura é superior à dos outros. Outros, por se julgarem superiores, resolveram eliminar e subjugar os diferen- tes, tratando-os como inferiores. E uma grande maio- ria acostumou-se a pensar que não tem cultura algu- ma, ficando à mercê das elites ditas “cultas”. Outro equívoco que rodeia a cultura é quanto ao uso que se faz do conceito. As definições variam do extre- mamente amplo (“cultura é tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza” ou “cultura é toda maneira de pensar, agir e sentir dos homens”) ao extremamente específico (“cultura é erudição”). Com o uso indiscriminado ou interesseiro, a palavra cultura tornou- se expressão esvaziada. Foi o que nos levou a construir um novo conceito, que fosse ao mesmo tempo operacional, palpável, mensurável, observável, ético e correto. Para isso, buscamos outra contribuição da Antropolo- gia: em toda e qualquer comunidade humana existem e interagem diversos componentes substantivos (que nós denominamos“indicadoressociais”)quepodemseriden- tificados,medidoseobservadoseque,quandointeragem Nesta página, trançado de palha de carnaúba, de Parnaíba, no Piauí; na página oposta, uma aplicação “Relógio”, renda feita em São Sebastião, em Alagoas: a produção de bens pode ser um indicador cultural de uma comunidade Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM30
  • 31. 31 Tião Rocha é antropólogo, educador e folclorista. Foi professor da PUC-MG, da Universidade Federal de Ouro Preto e membro do Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais. É presidente do CPCD – Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, que fundou em 1984, em Minas Gerais mas, micro e macroscópicas, que na- vegamos durante nossa vida. A seguir, comentamos esses indi- cadores. As formas organizativas – Incluem a família, a vizinhança, os amigos, o gru- po de oração, os companheiros de fu- tebol, o pessoal do pagode, as coma- dresdaesquina,osmeninosdapelada, a galera do funk etc. Esse indicador é fundamental para o moderno conceito de “capital social”. Estudos demons- tram que quanto mais espaços ou oportunidades de convivência social forem oferecidos aos habitantes de uma comunidade, mais formas e pos- sibilidadesdeparticipaçãoestarãosen- dogeradas,ampliandoosespaçoseos momentos de protagonismo social e o acúmulo de capital social. Nossa experiência nos autoriza afir- mar que onde não há oferta de for- mas organizativas em quantidade (e por isso há poucas oportunidades de FOTOS:MARCELOGUARNIERI/ARTESANATOSOLIDÁRIO Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM31
  • 32. 90º OS INDICADORES SOCIAIS SE TORNAM CULTURAIS QUANDO AFETAM A TRAMA DE RELAÇÕES E VALORES DOS GRUPOS. ONDE OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO SÃO POUCOS, O TEMPO DE MUDANÇA TAMBÉM É LENTO “O talento da periferia não pode ser descartado. É isso que os jovens do Jardim Rosana querem mostrar. Fazemos parte do Jovens Urbanos, um projeto em parceria com o Cenpec, Itaú Cultural e organizações de base das zonas Norte e Sul da capital de São Paulo. Descobrimos, em ativida- des com os moradores da região, que tínhamos muita história para contar. Nossa gente escreve livros, faz poesia, jornalzinho, música, tem lembranças ricas da vida no bairro que precisam ser conhecidas e ficar registradas. Tomamos então a iniciativa de criar a Rádio Busão e uma biblioteca. Estamos buscando a doação de um ônibus para tornar esses projetos itinerantes. Queremos divulgar nossa produção cultural no próprio bairro e também levar para outros bairros e até outros estados. Queremos promover novos talentos. Acredito que valorizar a própria cultura cria um caminho diferente de identidade para os jovens, eleva a auto-estima, cria reflexos para um futuro melhor. O pessoal da periferia tem criatividade e precisa ter esperança nela, não pode ter vergonha de mostrar o que sabe fazer.” AMANDA VIEIRA CAVALCANTI, 18 ANOS, participante do projeto Rádio Busão, que integra o programa Jovens Urbanos MARCOSFERNANDES/AGÊNCIALUZ participação e de protagonismo), o tempo de resposta aos problemas é muito lento. O tempo de rotinas au- menta e o tempo de desejos e desa- fios decresce. A lentidão é observada na falta de vontade e ambição das pessoas, principalmente dos jovens, na baixa estima social da coletivida- de, no comodismo e atraso em rela- ção a outras comunidades. Isso explica por que as jovens do “sertão das gerais”, aos 17 ou 18 anos, começam a ficar “desespera- das” porque ainda não se casaram, “porque já passaram da época”. É que, na percepção delas, o tempo de juventude e de sonho já se realizou. Elas vivem em cidades que não têm cinema, grupo de teatro, biblioteca, festas populares, locadora de vídeos, grupos de jovens, coral ou banca de jornais. Não acontece nada nos fins de semana e muito menos no meio da semana. O mundo externo entra filtrado pela tela da TV ou pelas on- das do rádio. Por isso a maioria tem na própria TV (ou rádio) o seu instru- mento de formação de “capital so- cial”, ou seja, há um crescente pro- cesso de terceirização do desejo e ali- enação da vontade, gerando a não- participação e o não-protagonismo. Asformasdofazer –Sãoasrespos- tas produzidas pelos homens às múl- tiplas necessidades humanas. Uma respostabem-sucedidasignificaincor- poração de um resultado. Assim sur- ge o “uso” que, de caráter pessoal, passa a ser um “hábito” ao tornar-se Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM32
  • 33. 33 de domínio de um grupo maior. A prá- tica de um hábito cria o “costume”, uma das marcas de uma coletividade. A permanência do costume no tempo cria a “tradição”, marca registrada do fazer e do saber fazer de uma comu- nidade ou de um povo. Esse processo de acumulações sucessivas, sistemáticas e sempre atualizadas (porque contemporâ- neas), constitui a base da produção do conhecimento, seja de cunho ci- entífico (porque usa métodos para a compreensão de variados objetos), seja de caráter tecnológico (porque produz materiais, soluções e técnicas facilitadoras), seja de essência artís- tica (porque atende a valores estéti- cos, sentimentais e não-tangíveis da humanidade, por meio de música, teatro, poesia, pintura etc.). Os sistemas de decisão – Referem- seaopolítico,àautoridade,àliderança, aos poderes de decisão – macro e microinstitucionais e não instituciona- lizados.Aparecemostensiva(comonos caso das lideranças políticas, jurídicas, militares etc.) ou subliminarmente, comonoambientefamiliar,emquepai e mãe têm poderes de decisão. As relações de produção – Trata- se do econômico, do mundo do tra- balho, das forças produtivas – quem produz o que e para quem – de um grupo social. É observável nas formas convencionais de relações de produ- ção e de trabalho, assalariadas ou formais, e em todas as esferas da rede produtiva e reprodutiva de bens e serviços, remunerados ou não. O meio ambiente – Ou o contexto, o entorno, o ecoló- gico. O homem é produtor e produto, processo e resul- tadodomeioondevive,parteintegrantedoecossistema. Considerar o meio ambiente como um indicador social é compreendê-lo além de sua face meramente física e natural, como um elemento substantivo na constituição das expressões simbólicas, relações e processos huma- nos que serão o pano de fundo sobre o qual se construi- rá o desenho cultural de uma comunidade. A memória – Refere-se ao passado, à origem. Todos nós recebemos, desde o nascimento, uma carga de in- formações sobre o nosso passado recente ou remoto, guardado pela história ou pelo inconsciente coletivo ou pela tradição familiar. A memória de um grupo social se expressa em seus rituais sacros e profanos, repletos de elementos simbólicos perpetuadores dos vínculos e das matrizes geradoras desta comunidade. Avisãodemundo–Éoreligioso,ofilosófico,odepois,o futuro, o sonho. É movido pela idéia do porvir que o ho- mem investe seu tempo e energia para aprender, domi- nar,transformareseapropriardomundoàsuavolta.Existe uma ligação entre a memória e a visão de mundo: quanto maispudermosvoltarnopassadoenamemória,maislon- ge poderemos chegar em direção ao futuro, ao estabele- cermos links e passagens de força, equilíbrio e coerência entre o ontem e o amanhã. Mas é preciso cuidado para nãoseficarpresoaopassado.Quemnãoconsegueligá-lo de forma coerente ao seu presente, não consegue cons- truir uma perspectiva de futuro de seu próprio mundo. Com esses indicadores construímos o “nosso” mo- delo de Cultura: esta rede e trama de relações que for- ma um padrão ou um desenho definidor da identidade da comunidade ou grupo social. E podemos pensar em processo cultural como a interação e as dinâmicas que afetam o padrão ou desenho. Assim, entendemos que um “projeto de desenvolvimento” (de qualquer natureza) é uma ação-inter- venção planejada no desenho cultu- ral (e suas relações) de uma comuni- dade. O planejamento de um desenho cultural brasileiro – seja local, regio- nal ou nacional –, que constitui o cerne das propostas e políticas de de- senvolvimento, deveria ter então como premissa e ênfase a heteroge- neidade e a diversidade culturais, que de fato constituem a marca de nossa nacionalidade, o caráter de nosso país e sua verdade histórica. Percebê-las em seus microcosmos – escola, família e comunidade – tor- na-se uma das tarefas dos educado- res. Canalizá-las para construções pedagógicas que favoreçam novos processos de apropriação de conhe- cimentos, geradores de “oportunida- des-e-de-opções”, pode ser o princi- pal trabalho da escola. Esta é, cremos nós, a finalidade da cultura: ser instrumento eficaz do co- nhecimento,possibilitandoleiturasmais densas, mais ricas, mais sábias, mais abrangentes e mais humanas da nos- sa “travessia”, nessa busca permanen- te e vocação natural para ser feliz. Aplicação “Espinha de Peixe”, renda feita em São Sebastião (AL) Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:52 PM33
  • 34. 180º ARTE&CULTURA E EDUCAÇÃO A ARTE-EDUCAÇÃO ESTIMULA O DESENVOLVIMENTO CULTURAL E COGNITIVO, MAS AS AMARRAS DA ESCOLA FORMAL LIMITAM O PRAZER NECESSÁRIO À APRENDIZAGEM por_Ana Mae Barbosa fotos_Henk Nieman No Brasil, muitas das ONGs que têm obtido sucesso naaçãocomosexcluídos,esquecidosoudesprivilegiados da sociedade estão trabalhando com arte e até vêm en- sinando às escolas formais a lição da arte como cami- nho para recuperar o que há de humano no ser humano. Entretanto, um problema está se criando. As ONGs, sem compromisso com a camisa-de-força representa- dapelocurrículo,desenvolvemnosparticipantesforado sistema escolar a capacidade de aprender, levando-os a descobrir suas habilidades e a ter alegria com as desco- bertas.Enfim,recuperamcriançasejovensparadevolvê- las a uma escola cujo maior valor é hoje a obediência a um currículo nacional e aos instrumentos de controle do Estado – os testes e exames –, como manda o credo neoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender. As chances de essas crianças e esses jovens serem rejeitados pela escola e voltar à rua, que é muito mais atraente, são muitas. O desejo de aprender é análogo ao desejo ficcional. Por meio da arte, o sujeito, tanto nas relações com o inconsciente como nas relações com o outro, põe em jogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside o prazer da arte. Sem a experiência do prazer da arte, por parte de professores (ou mediadores) e alunos, nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora. LIÇÕES DE LIBERDADE Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM34
  • 35. 35 Desenvolvimento cognitivo No Modernismo, falava-se em arte na educação para o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos ten- taram conceituar esta sensibilidade, deixando-se do- minar pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimenta- lismo. Hoje, principalmente, se aspira influir positiva- mente no desenvolvimento cultural e cognitivo dos es- tudantespormeiodoensino/aprendizagemdaarte.Não podemos entender a cultura de um país sem conhecer sua produção artística. A arte, como uma linguagem aguçadora dos sentidos, transmite significados que não podem ser veiculados por nenhuma outra linguagem, como a discursiva ou a científica. Dentre os gêneros artísticos, os visuais, tendo a imagem como matéria- prima, tornam possível também a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos. A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, é um importante instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual. Por meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender a realidade do meio am- biente,desenvolveracapacidadecrítica,permitindoana- lisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. O conceito de criatividade também se ampliou. Para a educação modernista, dentre os processos mentais en- volvidos na criação, a originalidade era o mais valorizado – daí o apego do Modernismo à idéia de vanguarda. Nos dias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatores da criatividade mais ambicionados pela educação. Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com de- linqüentes juvenis concluiu que eles tinham a capaci- dade de elaboração muito pouco desenvolvida. Era, dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre os jovens em conflito com a lei. Tinham muita dificulda- de em reelaborar o seu meio ambiente para melhor adaptá-lo aos seus desejos e necessidades. Essa in- capacidade freqüentemente gerava violência. Envol- vida em projetos artísticos, a grande maioria deles foi capaz de sobrepujar suas limitações conjunturais e reconstruir suas vidas. Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM35
  • 36. 180º Desafios na escola Desconstruir para reconstruir, se- lecionar, reelaborar, partir do conhe- cido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade, são pro- cessos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver arte, fundamentais para a sobrevivência no mundo cotidiano. E muitos projetos com crianças e jo- vens, no Brasil, estão mostrando esse poder da “ordem oculta da arte”. Há muito educador, herói anô- nimo no Brasil, se dedicando às suas comunidades. O trabalho de arte nas comunida- des vem confirmando que arte não é apenas uma mercadoria, como que- rem os capitalistas, nem quadro para pendurar na parede, como dizem com menosprezo os preconceituosos que acham que arte é um luxo sem o qual um país endividado como o nosso pode passar. Essa é a desculpa que escolas estão dando para retirar as disciplinas de Arte do ensino médio no Estado de São Paulo. A idéia é co- locar Computação no lugar da Arte. Por que não, em vez disso, arte por meio do computador? Outra estratégia para burlar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (que exige arte no currículo) é deixar Arte para os professores de Litera- tura ensinarem, com a manipuladora desculpa da interdisciplinaridade. Sim, literatura é arte, mas não de- senvolve as linguagens visuais, so- noras e gestuais. “Participo há pouco mais de dois anos do projeto Dança Comunidade, desenvolvido pelo coreógrafo Ivaldo Bertazzo, em São Paulo. Não aprendo só a arte da dança, mas coisas que vou usar para o resto da vida. O trabalho com o corpo inclui, por exemplo, aulas de fisioterapia, música, percussão rítmica, artes circences e de origami - que é importante pois é uma arte introspectiva, que faz surgir o que está dentro de você assim como na dança. A gente também participa de reuniões com médicos, que falam sobre saúde, e de grupos de reflexão, com psicólogo, assistente social e pedagogo, onde se conversa sobre a vida pessoal e as atividades do projeto. Isso deixa a cabeça mais aberta para se expressar e receber críticas. Enfim, o que ganho no projeto é ouro em pó, e procuro agarrar tudo. Estou sempre aprendendo sobre culturas diferentes e percebo que isso torna a gente mais versátil. A gente se dá conta de que a arte não está só no palco, mas em tudo. Ela é importante para sentir o conhecimento. Se tivesse mais arte na escola, seria mais legal. Do jeito que é o ensino hoje, você só vê aluno com sono e professor desestimulado. A arte devia fazer parte de todo aprendizado.” CESAR DIAS CIQUEIRA, 16 ANOS, é bailarino, estudante do 2º ano do ensino médio e integrante do projeto Dança Comunidade (www.ivaldobertazzo.com.br) MAYKOPEREIRA POR MEIO DA ARTE É POSSÍVEL DESENVOLVER A PERCEPÇÃO, A IMAGINAÇÃO, A CAPACIDADE CRÍTICA E A CRIATIVIDADE, PARA MUDAR A REALIDADE Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM36
  • 37. 37 Democracia e marketing É por essas e outras que as ONGs, com muito menos dinheiro do que os governos vêm gastando em Educação, conseguem educar melhor e combater muito mais eficien- tementeaexclusãoeaviolência.Sobretudoquandonãose trata de marketing empresarial, mas de projeto comunitá- rio mesmo, em que os participantes têm poder de decisão. É muito importante democratizar o poder nos proje- tos sociais. Que direito temos nós de decidir o que é mais importante para uma comunidade, se não fazemos par- te dela? Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiro mandamento dos projetos ditos sociais. Decidir sem ouvir, o governo já faz continuamente. Para compensar, o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal. Há também artistas ditos voluntários (mas algumas vezes com gordas verbas de terceiros), que apenas ex- ploram os participantes, fazendo-os trabalharem de gra- ça em projetos totalmente definidos e controlados pe- los próprios artistas. Muitas vezes, apesar das boas in- tenções, porque não sabem lidar com comunidade ou com aprendizagem de arte, voluntários e artistas acres- centam mais um nível de exploração aos já tão explora- dos. É necessário conhecer e analisar o processo de tra- balho em comunidade para avaliar e julgar sua proprie- dade. Nos trabalhos desenvolvidos por Rachel Mason na Inglaterra e no programa Quietude da Terra, do Projeto Axé, de Salvador, por exemplo, os artistas trabalharam assistidos por arte-educadores, o que garantiu um pro- cesso realmente educacional a favor da inclusão. Lidar com os excluídos, levando-os a se verem como pessoas plenas, apesar da exclusão, não é tarefa fácil. Qualquer deslize potencializa a exclusão. O cineasta Sergio Bianchi, em entrevista acerca de seu último filme, “Quanto Vale ou É por Quilo?”, que enfoca o “marketing social”, lembrava que está se criando uma nova escravidão: a escravidão comandada pelo chama- do terceiro setor que só quer propaganda. Realmente, para muitas organizações que desen- volvem “trabalho social”, o marketing da empresa vem em primeiro lugar. Outrasinstituiçõessóapóiamecono- micamente projetos que possam se auto-sustentaremdeterminadoprazo. Mas há práticas sociais, como o Majê Molê, grupo de dança da periferia po- bredoRecife,quenuncapoderãosefi- nanciar,anãoserquesecomercializem, o que resulta sempre em exclusão dos menos dotados e talentosos, que tam- bém muito necessitam do contato reconstrutor com a arte. Mas, apesar de algumas vezes sub- metidoaumcertomarketingsangues- suga, o movimento de arte para a re- construção social vem demonstrando a necessidade da arte para todos os seres humanos, por mais inumanas que tenham sido as condições que a vida lhes impôs. Ana Mae Barbosa é professora da Universidade de São Paulo, pioneira dos estudos de arte-educação no Brasil e autora de vários livros sobre o tema. Dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo em 1987 e elaborou a proposta de arte- educação apoiada no tripé: ver arte, contextualizar o que se vê, e fazer Sem a experiência do prazer da arte, por parte de educadores e alunos, nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM37
  • 38. 270º ARTE&CULTURA E MERCADO A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS DA ECONOMIA DE MERCADO PARA ALAVANCAR AS CULTURAS LOCAIS É LEGÍTIMA. OS RISCOS SÃO A MERCANTILIZAÇÃO E O PODER CONCENTRADOR DAS GRANDES INDÚSTRIAS CULTURAIS por_Leonardo Brant fotos_Henk Nieman É válido pensar que a atividade cultural é essencial- mente econômica. Ou até imaginar que o pensamento econômico, em si, parte de processos culturais. Discor- do da dicotomia entre cultura e economia. Contesto, porém, qualquer argumento que insira a cultura numa dinâmica meramente mercadológica e economicista, avaliando-a pelo número, pelo indicador, pelos empre- gos e pela pujança da sua cadeia produtiva. A globalização tem nos mostrado que o crescimento desenfreado da atividade cultural traz efeitos nem sem- prefavoráveisparaasculturaslocais.ORelatóriodoPNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 2004, intitulado “A Liberdade Cultural no Mundo Di- versificado”trazoseguinte:“Ocomérciomundialdebens culturais – cinema, fotografia, rádio e televisão, material impresso, literatura, música e artes visuais - quadrupli- cou, passando de 95 bilhões de dólares em 1980 para mais de 380 bilhões em 1998”. Mas faz a ressalva: “na indústriacinematográfica,asproduçõesdosEstadosUni- dos representam, normalmente, cer- ca de 85% das audiências de cinema em todo o mundo”. O documento da ONU também nos alerta para a excessiva concentração do dinheiro provindo das indústrias culturais. Se, por um lado, tememos seu efeito nas culturas locais, por ou- tro, observamos um enorme poten- cial alavancador dessas culturas. Daí a minha empolgação com o desafio, também de origem, de acreditar que os elementos da economia de mer- cado são passíveis de incorporação por toda uma gama de produtores culturais e artistas, trazendo possi- bilidades reais de auto-sustenta- bilidade. E, por que não dizer, de transformação social. O NEGÓCIO DA CULTURA Peças da exposição 100 latas, com intervenções de vários artistas em latas de spray e que inaugurou a Grafiteria, espaço dedicado à arte de rua, em São Paulo: há novidades nas prateleiras do mercado cultural Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM38
  • 39. 39 Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM39
  • 40. 270º Estava prevista para o mês de ou- tubro a 33ª Conferência Geral da Unesco, ocasião em que seria pro- mulgada uma Convenção Internacio- nal sobre diversidade cultural. Costu- mo apelidá-la de “Protocolo de Kyoto da Cultura”, dada a sua importância nesse cenário de riqueza e desigual- dade. O documento traz uma série de recomendações aos países-mem- bros, no sentido da adoção de políti- cas próprias para a cultura, bem como a outros organismos interna- cionais, como Organização Mundial do Comércio e demais órgãos das Na- ções Unidas. Não podemos nos esquivar diante da mais evidente – e trágica – cone- xão entre cultura e economia, senão a da intencional transformação de hábitos e costumes culturais em di- nâmicasmeramentemercadológicas. “Pesquisas de mercado identificaram uma ‘elite mundial’, uma classe mé- dia mundial que segue o mesmo esti- lodeconsumoeprefere‘marcasmun- diais’. O mais impressionante são os ‘adolescentesmundiais’,quehabitam um ‘espaço mundial’, com uma única cultura pop mundial, absorvendo os mesmos vídeos e a mesma música e proporcionando um mercado enorme para tênis, t-shirts e jeans de marca”, reflete ainda o relatório do PNUD. E esse não é um único viés da “mercantilização” da cultura. Naomi Klein, autora do excelente “No Logo”, trazalgumasindagaçõesarespeitode processo de apropriação da cultura pelomundocorporativo.Ofocoéopa- trocínio. “Embora nem sempre seja a PESQUISAS MOSTRAM QUE NO BRASIL A RELAÇÃO ENTRE INVESTIMENTO E VAGAS GERADAS NA ÁREA É MUITO GRANDE E A OFERTA CULTURAL, MUITO PEQUENA “Sempre gostei de música e um professor me encaminhou ao Instituto Criar de TV e Cinema, em São Paulo, para fazer uma oficina de audiovisual. Foi um ano de curso, que terminou em junho, e uma superexperiência, porque me envolvi com as outras oficinas, aprendendo um pouco de câmera, computação gráfica, iluminação, edição. Além do aprendizado técnico, tive aulas de inglês, história do cinema, criatividade e expressão e sobre os meios de comunicação. Eu era leigo em tudo isso, hoje tenho conhecimentos e uma visão bem mais crítica. Quero unir música e cinema. A participa- ção nesse projeto está me abrindo as portas para o mercado de trabalho, mas principalmente abrindo minha cabeça para valorizar a produção cultural brasileira. Virei monitor de áudio no projeto e, com os monitores de outras oficinas, estamos criando uma produtora do Instituto Criar e também um núcleo jovem para levar nossas experiências para outras instituições sociais. Serão novas idéias, novos olhares, novos talentos e cabeças pensando, e tudo isso só pode enriquecer a arte e ser bom para o Brasil.” GUILHERME RAMOS DE SOUZA, 18 ANOS, é estudante do 3º ano do ensino médio e monitor no Instituto Criar de TV e Cinema (www.institutocriar.org) BEATRIZASSUMPÇÃO Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM40
  • 41. 41 intenção original, o efeito do “branding”avançadoéempurraracul- tura que a hospeda para o fundo do palco e fazer da marca a estrela. Isso não é patrocinar cultura, é ser cultura. E por que não deveria ser assim? Se asmarcasnãosãoprodutos,mascon- ceitos,atitudes,valoreseexperiências, por que também não podem ser cul- tura? Esse projeto tem sido tão bem- sucedido que os limites entre patroci- nadores corporativos e a cultura pa- trocinada desaparecem completa- mente.” Esse processo consolida a “coisificação do ser e a humanização das coisas”, segundo o antropólogo italiano Massimo Canevacci, autor do livro “Culturas Extremas”. A International Network for Cultural Diversity(www.incd.net)promoveessa pauta junto aos associados em mais de 50 países. Trabalha pelo desenvol- vimento cultural local em face do pro- cesso de homogeneização da cultura, impetrado sobretudo pela voracidade dos conglomerados globais da indús- tria cultural. Fruto desse trabalho de pesquisa e discussão e pressão junto a organismos internacionais como Unesco, OMC e demais células do sis- tema ONU, está a criação no Brasil do Instituto Diversidade Cultural (www. diversidadecultural.org.br)eapublica- çãodolivro“DiversidadeCultural”,lan- çadorecentementepelaeditoraEscri- turas, em parceria com o Instituto Pensarte.Atônicageraldapublicação, que traz 17 textos de especialistas internacionais, volta-se para a análise e a proposição de mecanismos inter- nacionais que auxiliem a salvaguarda dessas culturas, tanto quanto sua promoção nos am- bientes internos. Pesquisa da Fundação João Pinheiro, publicada em 1998 pelo Ministério da Cultura, aponta que 1% do PIB brasileiro seria gerado pela cultura. A cada 1 milhão de reais investido, teríamos 160 postos de trabalho. A re- lação emprego/investimento seria a melhor do Brasil, mesmo em comparação com a indústria automotiva e de tecnologia. Num país em que o desafio de geração de trabalho e renda para os jovens em idade de ingres- sar no mercado de trabalho é enorme, isso poderia sig- nificar um grande potencial. Dados de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999 demonstram, por outro lado, a ausência da oferta cul- tural no Brasil: 82% dos municípios brasileiros não pos- suíam museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não ti- nham sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não tinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípios que contavam com bibliotecas, 69% deles possuíam apenas uma e, nos municípios com até 20 mil habitan- tes, 935 não tinham nenhuma. Nos municípios com até 5 mil habitantes, a presença de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs era muito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respec- tivamente. E em termos de território brasileiro, dos 5.506 municípios pesquisados, 65% não possuíam esse comércio. Nos municípios com mais de 50 mil habitan- tes, 90% tinham esse tipo de loja e, como já era de se esperar, todos os grandes centros urbanos possuíam esse gênero de comércio, com destaque para a Região Sul, onde em 60% dos municípios se identificaram li- vrarias e em 40% lojas de discos, fitas e CDs. Esses dados apontam para um estrangulamento da capacidade econômica, com uma grande concentração nos grandes centros, que obviamente não é capaz de absorver a grande miríade criativa da cultura brasileira. Por outro lado, mostra a oportunidade de se investir num mercado promissor e necessário para a própria valorização das manifestações culturais locais e para o desenvolvimento de nossas crianças e jovens. Nesse caso, bom negócio para o Brasil. Leonardo Brant é presidente da Brant Associados e do Instituto Diversidade Cultural, autor dos livros “Mercado Cultural, Políticas Culturais”, vol.1 (org.) e “Diversidade Cultural” (org.) Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM41
  • 42. 360º ARTE&CULTURA E CONTEXTO A PULSAÇÃO DO NOSSO TEMPO por_Katia Canton Já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que “arte é o exercício experimental da liberdade”. Eis uma ótima de- finição, sobretudo se entendermos que o conceito de liberdadedependedeumcontextoparasedefinir.Oque é considerado um ato ou um pensamento de liberdade em um determinado momento histórico não o é neces- sariamente em outro. Em se tratando de arte, então, é importante que prestemos atenção nos sinais dos tem- pos e em seus significados. Bem, e qual é o significado da arte? Para começar, po- demosdizerqueelaprovoca,instiga,estimulanossossen- tidos, de forma a descondicioná-los, isto é, a retirá-los de umaordempreestabelecida,sugerindoampliadaspossibi- lidadesdeviveredeseorganizarnomundo.Comoescreve o poeta Manoel de Barros: “Para apalpar as intimidades do mundoéprecisosaber:/a)queoesplendordamanhãnão se abre com faca / b) o modo como as violetas preparam o dia para morrer / c) por que é que as borboletas de tarjas vermelha têm devoção por túmulos / d) se o homem que toca de tarde sua existência num fagote tem salvação (...) Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios (...) / As A ARTE CONTEMPORÂNEA SUPERA AS DIVISÕES DO MODERNISMO E REFLETE O ESPÍRITO DE NOSSA ÉPOCA, OCUPADA COM AS QUESTÕES DA IDENTIDADE: O CORPO, O AFETO, A MEMÓRIA Katia Canton é PhD em Artes pela Universidade de Nova York, docente e curadora de arte do Museu de Arte Contemporânea, da Universidade de São Paulo, autora de vários livros, entre eles “Retrato da Arte Moderna” coisas não querem mais ser vistas por / pessoas razoáveis:/ Elas desejam ser olhadasdeazul—/quenemumacrian- ça que você olha de ave”. Aarteensinajustamenteadesapren- derosprincípiosdoóbvioqueéatribuí- doaosobjetos,àscoisas.Elaparecees- miuçar o funcionamento das coisas da vida, desafiando-as, criando para elas novaspossibilidades.Elapedeumolhar curioso, livre de “pré-conceitos”, mas cheiodeatenção.Osjovensjátêmessa disponibilidade, mas é preciso estimu- larseuconvíviocomarteparafacilitare aprimorar essa percepção. Agora, ao mesmo tempo em que se nutre da subjetividade, há outra im- portante parcela da compreensão da arte que é constituída de conheci- mento objetivo, envolvendo a histó- ria - da arte e dos homens -, para que, Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM42
  • 43. 43 com esse material, se possa estabe- lecer um grande número de relações. Para contar essa história, a arte pre- cisa ser plena de verdade, refletindo o espírito do tempo, com a visão, o pensamento e o sentimento das pes- soas em seus momentos. Parece complicado? Pois pensar na arte como um conhecimento vivo, um tecido onde se costuram diariamente fios que compõem a vida, é uma forma deentenderporquerazãoamaneirade encará-la também se modifica no de- correr dos contextos sócio-históricos. É maisquedesejável,então,queosjovens seacostumemapensartambémsobre a arte de seu próprio tempo. Arte moderna e vanguardas De modo geral, podemos afirmar que a arte moderna, que se iniciou a partir da segunda metade do século 19 e abarcou todo o século 20, teve como mola propulsora o conceito de vanguarda. E o que isso significa? O termo vem do francês “avant-garde”, que quer di- zer “à frente da guarda”. É um termo de guerra, que pressupõe duas idéias básicas: a de se estar “à fren- te”, isto é, de fazer algo novo, e a de “guarda”, que se liga à luta, à ruptura. Eram esses os desejos dos artis- tas modernos. As bases de todos os movimentos que eles criaram, independente de suas singularidades, estão ligadas às noções de novo e de ruptura. Buscando criar obras cada vez mais inovadoras e que pudessem romper com a ordem vigente é que os artistas modernos elaboraram seus movimentos. Afinal de con- tas,essesartistaspertenceramaumaeratremendamente Espécimes da Flora, um óleo sobre tela e napa, obra da artista plástica brasileira Adriana Varejão Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM43
  • 44. intensa,que,norastrodaRevoluçãoIn- dustrial, urbanizou cidades, promoveu espantosas inovações tecnológicas, mas também produziu duas guerras mundiais, além da Revolução Russa, queacabaramporsepararomundoem blocos capitalista e socialista. Era pre- ciso que a arte se tornasse tão inova- dora e radical quanto a própria vida. Uma das invenções do século 19 e queteveumimpactofenomenalsobre a arte foi a fotografia. Ela liberou os ar- tistas, até então incumbidos de regis- trar em suas telas pessoas, paisagens efatoshistóricosparaaposteridade.A fotografiapoderiacumpriressafunção, dando ao artista mais liberdade para criar, pesquisas e experimentar. No Modernismo, diversos projetos uniamartistasemdiferentesmovimen- tos, muitas vezes endossados por ma- nifestos – textos que os explicavam e validavam.Aopçãopelonovomanifes- tou-se de maneiras muito diversas e particulares, ampliando enormemente aspossibilidadesartísticasqueosécu- lo 20 trouxe para o mundo ocidental. No Impressionismo, por exemplo, os artistas queriam se liberar da re- presentaçãorealistaecheiaderegras impostas pelas academias de belas- artes. No Cubismo, a fragmentação das imagens projetava simbolica- mente a própria fragmentação do mundo da industrialização. Na arte abstrata, procurava-se uma síntese que transcendesse uma realidade de guerras,destruiçõesedesigualdades. Oqueosuniaeraumposicionamen- to diante das mudanças trazidas pela sociedade industrial. Impressionismo, Pós-Impressionismo, Fauvismo, Ex- pressionismo, Simbolismo, Cubismo, Futurismo,Surrealismo,Minimalismo... todos buscavam liberdade e autono- mia para a obra de arte. “Com 15 anos, eu não sabia nada de música. Gostava só de rock e tinha vontade de tocar violão. Aí minha mãe me falou de um curso de música. Era o projeto Acordes Pão de Açúcar. Como o curso era de instrumentos de corda, me interessei, mas não tinha violão, só violino, viola, violoncelo e contrabaixo. Para começar, eu tinha de ver uma apresentação da orquestra do projeto. Por ser orquestra, a minha expectativa era que o programa seria chato, coisa erudita. Mas gostei e vi que com aqueles instrumentos eles também tocavam música popular. Comecei aí a aprender que segregar música, ou qualquer outra arte, é uma bobagem. Escolhi aprender violino e não deixei de gostar de rock, agora entendo mais. Hoje toco na orquestra do Acordes, formada por 40 músicos, e também dou aula no projeto. O Acordes me abriu um horizonte cultural, não só na música. A gente tem contato com história, outras línguas e culturas. Encontrei também um horizonte profissional. Estudo música na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, e estou em vias de acertar um intercâmbio cultural para estudar em uma universidade na Polônia.” MATHEUS FRANZ CANADA, 21 ANOS, estudante de música e integrante do projeto Acordes, do Instituto Pão de Açúcar (www.paodeacucar.com.br) CESARCIQUEIRA A ARTE DESAFIA O ÓBVIO E SUA COMPREENSÃO EXIGE UM OLHAR CURIOSO, ATENTO E SEM PRECONCEITOS. OS JOVENS JÁ TÊM ESSA DISPONIBILIDADE, MAS PRECISAM DE CONHECIMENTO PARA APRIMORÁ-LA Onda Jovem 30-45 (nº3) 10/20/05, 8:53 PM44