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A Educação e o Culto da Pobreza


Episódio 1. Quando a Editora Cortez começou a modificar suas capas,
transformando-as para melhor, o professor Dermeval Saviani comentou
comigo: “as publicações estão estranhas, inclusive com capas
sofisticadas, que não são propriamente de livros para o professor”. O
que Saviani queria dizer é que os livros já não estavam mais na linha do
marxismo ou, ao menos, dentro do projeto que ele havia imaginado
como sendo o que deveria seguir uma editora “para professores”. As
capas estavam deixando de ser padronizadas, e tal melhoria não
chamaria a atenção do professor, dado que este estaria acostumado a
algo mais simples. Esta conversa ocorreu em final dos anos oitenta.

Episódio 2. Alguns anos mais tarde fiz um trabalho para uma prefeitura
governada pelo PFL e, logo em seguida, na mesma semana, para uma
outra do PT. O trabalho era duplo, em ambos os casos, para as
secretarias de Educação e para as secretarias de Cultura. Para a
Educação o trabalho – texto e palestra – foi pago por um valor 9 vezes
mais barato do que para Cultura. Todavia, o público da Educação girava
em torno de dois mil professores, o da Cultura, em ambos os casos, não
passava de 25 pessoas.

Episódio 3. Antes disso, ainda nos anos oitenta, conheci José Carlos
Libâneo, que insistia que era necessário “dar o mínimo” para o
professor, em termos de conteúdo, de modo que este garantisse “o
mínimo” para os alunos. Isso chegou a virar uma regra nos cursos de
pedagogia, que logo depois se tornaram os cursos de formação do
professor de primeira à quarta série do Ensino Fundamental.

Em meados dos anos noventa saí do Brasil e fui trabalhar na Nova
Zelândia. Voltei. Saí da Universidade Pública. Saí do Brasil e fui
trabalhar nos Estados Unidos. Voltei para o Brasil. Lecionei em mais
algumas outras universidades, saí novamente do Brasil. Voltei e resolvi
não pisar mais em universidades. O império da desvalorização do que é
um professor, estampado em 1, 2 e 3, havia se tornado regra. A Igreja
do culto à pobreza na educação parecia estar ganhando terreno.

Episódio 4. Convidado para fazer uma crítica ao Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) pelo ministro Fernando Haddad,
tive algumas conversas com ele no sentido de mostrar que o Brasil fazia
boa educação pública – a rede federal pública de ensino universitário
mostrava isso. Professores ganhando bem e educação bem equipada era
a diferença que fazia a diferença. Não obtive resposta. Não era para
tocar no assunto. Era para continuar dizendo que temos de educar
muita gente com pouco – este era o desafio. Fernando Haddad havia
sido mordido pelo “mínimo”, pelo “simples”, e pelo “pouco”.

Episódio 5. A esquerda em educação perdeu espaço. A direita cresceu.
Isso não mudou muito as coisas. A revista Veja, com Claudio Moura
Castro e outros pupilos à frente, continua o discurso padrão: pouco,
simples, mínimo. Para Castro a escola é algo “simples” – um professor e
alunos. Ele chegou a definir a educação e a escola nesses termos! Outro
jornalista da Veja acompanha: salário não melhora a condição de
trabalho do professor e não melhora o ensino. Eles até inventam
estatísticas para bancar essa idéia maluca.

Esses episódios são diferentes, é claro. E estou longe de dizer que um
Claudio Moura Castro é igual a um Saviani. Todavia, em todos esses
episódios há uma mesma ou quase a mesma mentalidade: para o
professor é necessário pouco, ou em termos financeiros ou em termos
de sofisticação cultural. E a educação, como Libâneo dizia e Guiomar
Namo de Melo confirmava e praticava, é a dos “mínimos”. Como filósofo
há anos, e tendo como um dos objetos de preferência temática a
educação, não me lembro de ter visto alguém não defender, em alguma
medida, a idéia que carrega a herança de nosso passado colonial: a
educação é algo do missionário religioso e, portanto, algo do âmbito
daquele que é pobre para aquele que é pobre com tudo que há de
pobre. Pode haver rico nisso? Pode, mas na hora que ele se veste de
professor, ele tem de ficar pobre – em algum sentido.

Pobre: às vezes de material e dinheiro, às vezes de elementos
espirituais. Simples, pobre, pouco, mínimo – eis aí tudo que autoridades
e educadores tendem a colocar em deslocamento para a educação
brasileira. Não são todos os discursos iguais, é claro. Mas há algo de
semelhante neles. Há algo de não liberal e de não capitalista, algo que
não os integra na idéia de sociedade de mercado – livre, desenvolvida,
rica e poderosa. Ou pela via do socialismo ou pela via de um capitalismo
tímido ou, ainda, pela via de um tipo de comunitarismo feudal, todos
chegam ao ponto comum em suas utopias da pobreza: o professor faz
um serviço popular, portanto, para pobres, e então ele deve ser pobre
ou viver na pobreza. Caso não seja pobre, então, que seja simples. Caso
não possa ser simples, que não passe do mínimo. Salários, conteúdo e
material didático – tudo tem de ser carente. Sim, a palavra “carente”
deixou de ser algo a ser superado para ser um adjetivo final. Há no
Brasil os “carentes” e os “menos privilegiados”. Eles não devem
desaparecer. Devem ser mantidos de alguma forma. Com o simples, o
mínimo, o pouco e ... de preferência com programas de “bolsa” ou “pro”
alguma coisa.

Episódio 6. Maria Helena de Castro é secretária de Educação do Estado
de São Paulo. Ela apostilou a educação fundamental. Livros? Não, nem
os simples. A idéia original – originalíssima! – que ela trouxe para São
Paulo é a de entregar apostilas nas mãos dos professores, e fazê-los
seguir aquilo. Apostilas como a dos “cursinhos para vestibulares”? Não!
Isso já seria luxo demais. Apenas coisas escritas em algo como um
jornaleco. Afinal, é para professor e aluno da rede pública mesmo! O
simples, o pouco e o mínimo viram, na gestão da Educação do Estado
de São Paulo, no governo de Serra, o “simplório”, o “irrisório” e o
“mínimo do mínimo”. Como se vê, pioramos. Passamos de uma
mentalidade da pobreza para a pobreza de fato. Sempre é possível dar
um passo a mais em direção ao fundo do posso na Igreja do Culto à
Pobreza.



Paulo Ghiraldelli Jr. , o filósofo da cidade de São Paulo

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  • 1. A Educação e o Culto da Pobreza Episódio 1. Quando a Editora Cortez começou a modificar suas capas, transformando-as para melhor, o professor Dermeval Saviani comentou comigo: “as publicações estão estranhas, inclusive com capas sofisticadas, que não são propriamente de livros para o professor”. O que Saviani queria dizer é que os livros já não estavam mais na linha do marxismo ou, ao menos, dentro do projeto que ele havia imaginado como sendo o que deveria seguir uma editora “para professores”. As capas estavam deixando de ser padronizadas, e tal melhoria não chamaria a atenção do professor, dado que este estaria acostumado a algo mais simples. Esta conversa ocorreu em final dos anos oitenta. Episódio 2. Alguns anos mais tarde fiz um trabalho para uma prefeitura governada pelo PFL e, logo em seguida, na mesma semana, para uma outra do PT. O trabalho era duplo, em ambos os casos, para as secretarias de Educação e para as secretarias de Cultura. Para a Educação o trabalho – texto e palestra – foi pago por um valor 9 vezes mais barato do que para Cultura. Todavia, o público da Educação girava em torno de dois mil professores, o da Cultura, em ambos os casos, não passava de 25 pessoas. Episódio 3. Antes disso, ainda nos anos oitenta, conheci José Carlos Libâneo, que insistia que era necessário “dar o mínimo” para o professor, em termos de conteúdo, de modo que este garantisse “o mínimo” para os alunos. Isso chegou a virar uma regra nos cursos de pedagogia, que logo depois se tornaram os cursos de formação do professor de primeira à quarta série do Ensino Fundamental. Em meados dos anos noventa saí do Brasil e fui trabalhar na Nova Zelândia. Voltei. Saí da Universidade Pública. Saí do Brasil e fui trabalhar nos Estados Unidos. Voltei para o Brasil. Lecionei em mais algumas outras universidades, saí novamente do Brasil. Voltei e resolvi não pisar mais em universidades. O império da desvalorização do que é um professor, estampado em 1, 2 e 3, havia se tornado regra. A Igreja do culto à pobreza na educação parecia estar ganhando terreno. Episódio 4. Convidado para fazer uma crítica ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pelo ministro Fernando Haddad, tive algumas conversas com ele no sentido de mostrar que o Brasil fazia boa educação pública – a rede federal pública de ensino universitário
  • 2. mostrava isso. Professores ganhando bem e educação bem equipada era a diferença que fazia a diferença. Não obtive resposta. Não era para tocar no assunto. Era para continuar dizendo que temos de educar muita gente com pouco – este era o desafio. Fernando Haddad havia sido mordido pelo “mínimo”, pelo “simples”, e pelo “pouco”. Episódio 5. A esquerda em educação perdeu espaço. A direita cresceu. Isso não mudou muito as coisas. A revista Veja, com Claudio Moura Castro e outros pupilos à frente, continua o discurso padrão: pouco, simples, mínimo. Para Castro a escola é algo “simples” – um professor e alunos. Ele chegou a definir a educação e a escola nesses termos! Outro jornalista da Veja acompanha: salário não melhora a condição de trabalho do professor e não melhora o ensino. Eles até inventam estatísticas para bancar essa idéia maluca. Esses episódios são diferentes, é claro. E estou longe de dizer que um Claudio Moura Castro é igual a um Saviani. Todavia, em todos esses episódios há uma mesma ou quase a mesma mentalidade: para o professor é necessário pouco, ou em termos financeiros ou em termos de sofisticação cultural. E a educação, como Libâneo dizia e Guiomar Namo de Melo confirmava e praticava, é a dos “mínimos”. Como filósofo há anos, e tendo como um dos objetos de preferência temática a educação, não me lembro de ter visto alguém não defender, em alguma medida, a idéia que carrega a herança de nosso passado colonial: a educação é algo do missionário religioso e, portanto, algo do âmbito daquele que é pobre para aquele que é pobre com tudo que há de pobre. Pode haver rico nisso? Pode, mas na hora que ele se veste de professor, ele tem de ficar pobre – em algum sentido. Pobre: às vezes de material e dinheiro, às vezes de elementos espirituais. Simples, pobre, pouco, mínimo – eis aí tudo que autoridades e educadores tendem a colocar em deslocamento para a educação brasileira. Não são todos os discursos iguais, é claro. Mas há algo de semelhante neles. Há algo de não liberal e de não capitalista, algo que não os integra na idéia de sociedade de mercado – livre, desenvolvida, rica e poderosa. Ou pela via do socialismo ou pela via de um capitalismo tímido ou, ainda, pela via de um tipo de comunitarismo feudal, todos chegam ao ponto comum em suas utopias da pobreza: o professor faz um serviço popular, portanto, para pobres, e então ele deve ser pobre ou viver na pobreza. Caso não seja pobre, então, que seja simples. Caso não possa ser simples, que não passe do mínimo. Salários, conteúdo e material didático – tudo tem de ser carente. Sim, a palavra “carente” deixou de ser algo a ser superado para ser um adjetivo final. Há no Brasil os “carentes” e os “menos privilegiados”. Eles não devem
  • 3. desaparecer. Devem ser mantidos de alguma forma. Com o simples, o mínimo, o pouco e ... de preferência com programas de “bolsa” ou “pro” alguma coisa. Episódio 6. Maria Helena de Castro é secretária de Educação do Estado de São Paulo. Ela apostilou a educação fundamental. Livros? Não, nem os simples. A idéia original – originalíssima! – que ela trouxe para São Paulo é a de entregar apostilas nas mãos dos professores, e fazê-los seguir aquilo. Apostilas como a dos “cursinhos para vestibulares”? Não! Isso já seria luxo demais. Apenas coisas escritas em algo como um jornaleco. Afinal, é para professor e aluno da rede pública mesmo! O simples, o pouco e o mínimo viram, na gestão da Educação do Estado de São Paulo, no governo de Serra, o “simplório”, o “irrisório” e o “mínimo do mínimo”. Como se vê, pioramos. Passamos de uma mentalidade da pobreza para a pobreza de fato. Sempre é possível dar um passo a mais em direção ao fundo do posso na Igreja do Culto à Pobreza. Paulo Ghiraldelli Jr. , o filósofo da cidade de São Paulo