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PEDE ATREVIDO OU O BRILHANTE
       ESCONDIDO
 Princípios de uma comedia
PERSONAGENS

   Ernesto
   Uma Preta
   Jorge, marido de
   Eulália.
   Alberto
   Romualdo
   Paulo
   León, criado.
   Soldados.
ATO PRIMEIRO


            Cena Primeira

_           (passeando e conversando consigo mesmo;
            batem à porta) — Quem bate? (virando a
            cabeça) Quem? stá aí?. . . não ouve?
UMA PRETA   (vigiando) — Sou eu, meu Senhor!
ERNESTO     E o que quer?
A PRETA     Minha Sra. manda dizer se dá licença que o
            Sr. Soares venha ver esta casa.
ERNESTO     Qual Soares? Diz à tua Sra. que eu lá hei-de
            ir, ou mandar.
A PRETA     Não é isso; isso ela sabe!
ERNESTO     Pois então o que é?!
A PRETA     É para ele ver a casa.
ERNESTO     Não pode ser! Diz à tua Sra. que enquanto
            eu aqui morar, só terão licença de entrar nesta
            casa pessoas de muito minha amizade e con-
            fiança; que não pode ser varejada por esse ou
            outro indivíduo; que eu não posso pôr à dis-
            posição de pessoa alguma salas, quarto, livros.
            o mais que nela tenho! Andas com pressa?
A PRETA     Não senhor.
ERNESTO     Pois então pega dinheiro e compra-me charu-
            tos dos melhores que encontrares.
A PRETA     Sim Sr. (sai) .
ERNESTO     (só e passeando) — Que lhes parece o Sr.
    •
            Soares? Acabo de me ir limpando, e talvez sua
278   JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


               mercê, a quem não conheço, quisesse vir su-
               jando! (Rindo-se.) Hoje estou com a barriga
               do ex-chefe de Polícia Andrade (por engano
               muitas vezes tomei por um globo geográfico) .
               Tomaremos um banho (pega uma bacia, uma
               chaleira e água de uma talha; e levando para
               um quarto). Já que passeia a minha criada,
               não tenho remédio senão fazer estes serviços
               que tão impróprios me são, mas toleráveis,
               visto que gente pior, e talvez melhor, tenha
               feito iguais, inferiores; quero dizer, a gente da
               mais alta sociedade pratica atos ou há prati-
               cado atos idênticos, ou mais impróprios que
               estes, de sua altura; assim como às vezes gente
               da mais baixa — pratica atos próprios dos da
               mais alta sociedade. E como o não faço, por
               gosto, regra ou costume, nada me pode pegar
               (entra no quarto e logo depois sai, abotoando
               as calças, ou a vestir a sobrecasaca nota que
               está suja pegando na escova): Ainda mais
               esta! Não sei como se encheu de pó este fac-
               t o . . . Ah! fui lá embaixo, e servi-me d e . . .
               p a r a . . . já se sabe o para que. Servi-me de
               certa sujidade, a que chamam — bacio ou
               bacia, etc. e etc. e tal. Em compensação, su-
               jou-se a sobrecasaca. Mulheres! que em tudo
               se metem! até nos urinóis... servidores, ou
               bacias! Se se metessem em outras cousas, se-
               riam dignas de louvor; mas nestas, só o são
               de censura! e de que me havia eu lembrar
               agora!... De certa pergunta que me fez um
               judas escariotes; e é: Que é, ou será melhor?
               ser servido ou servir? Respondo: seja melhor;
               seja pior; prefiro ser servido a servir. Note-se:
               falo do que é próprio da classe dos criados,
               etc. . visto que todos servem. Serve o Impe-
               rador ao Estado no Conselho de Estado, diri-
               gindo os negócios públicos. Servem os Minis-
               tros, executando as Leis e apresentando pro-
               jetos de reforma e outros melhoramentos, eco-
               nomizando os dinheiros públicos e praticando
               outros.. . milhares de atos, de utilidade geral.
               Servem os Senadores e Deputados e mesmo
               Vereadores das câmaras, legislando. Servem
               os membros do Supremo Tribunal de Justiça
O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


            ou das Relações, Conselheiros de Estado, Juí-
            zes de Direito, e municipais, e outros, os pre-
            sidentes de Província, secretários, chefes e
            delegados de Polícia, e outros; finalmente —
            todos os Empregados públicos, seja qual for
            a sua classe — executando as Leis de outros
            modos; quanto maior é ou for sua capacidade
            — mais valiosos e importantes são seus servi-
            ços. As espécies de serviço, pois, é que são
            diversas, e mais ou menos nobres e convenien-
            tes. As mais agradáveis e dignas, em minha opi-
            nião — são as que se exercitam com a pena,
            com a espada e com a palavra. Que mais alto
            pode subir o homem que de seu palácio dirige
           uma infinidade de entes seus iguais — escre-
           vendo, e mesmo em seu gabinete!? A que
           maior altura pode subir — o que com a espada
           dirige os exércitos? Ou, que profissão mais
           nobre e elevada que aquela que, com a pala-
           vra — convence, persuade e ata à cauda de
           seu carro de progresso, e logo depois de tri-
           unfo — milhares e mesmo milhões de indi-
           víduos?! Quem subiu mais alto por sua pala-
           vra que Jesus Cristo; que os Demóstenes, que
           os Cíceros!? Quem, mais que os Napoleões,
           que os Alexandres, que os Césares, por sua
           espada!? E quais, mais que os Palmerstons, os
           Paranás, os Pombais, e tantos outros, por sua
           política ou administração!? Assim, pois —
           procuremos sempre ser úteis (expressão mais
           própria que servir) aos nossos similhantes, por
           algum, e pelos três modos, se ocasiões para
           tal nos oferecerem; isto é — pela pena, pela
           palavra e pela espada. Assim se distinguem os
           homens. Quanto às mulheres, se elevam e bri-
           lham por sua conduta moral, pela obediência,
           respeito e afeto para com seus Pais; pelo
           recato e honestidade em suas maneiras e em
           seus vestidos pela brandura, suavidade e en-
           canto de sua palavra; pela escolha dos tra-
           balhos mais delicados — e dos prazeres ino-
           centes; pelo gosto e perseverança no estudo
           das belas-artes, belas-letras, e de tudo o mais
           que lhes é próprio, e que pode concorrer para
           que sejam sociais; inteligentes; boas filhas;
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


                   boas mães; boas esposas; e respeitáveis senho-
                   ras. As que tanto conseguem — são mulhe-
                   res distintas, e por isso mesmo as Rainhas
                   do Mundo, como Aquelas — os diretores dos
                   outros homens e das sociedades em geral.
                   E pode-se dizer: que esses e outros serviços
                   seriam capazes de metamorfosear o. . . não!
                   porque não pode haver mundo, nem haveria
                   distinções — se tudo fosse igual. Parece que
                   as diversidades constituem a harmonia na
                   espécie humana; como as das pessoas de uma
                   máquina a tornam perfeita e capaz de traba-
                   lhar. . . (Sai.)

                   Cena Segunda

JORGE              (entrando por uma porta e Eulália por outra)
                   — Como vai, minha querida Eulália? Já sei
                   que está muito zangada comigo. Andei pas-
                   seando hoje; fui ao Riacho, à r u a . . . d e . . .
EULÁLIA            (como zangada) — Já sei: já sei onde o
                   Sr. foi; não precisa mais nada!
JORGE              Não se zangue; não se zangue, minha queri-
                   ridinha! Sabe que sou todo s e u . . . que por
                   mais que a roda do mundo ande e desande
                   sempre a Sra. é e será a menina de meus
                   olhos. E quando assim não fosse, por simpatia
                   o seria, porque a Sra. tem inspirações, a Sra.
                   tem sugestões, que transformam os corações!
E.                 Bravos! veio poeta! Agradeço-lhe muito a
                   comparação.
J.                 Eulália, és capaz?
E.                 De quê?
J.                 Ora de quê?! de me lembrar os versinhos que
                   produzi hoje antes de sair. Que revolução se
                   opera, minha querida Eulália!
E.                 Onde?
J.                 Na minha imaginação.
E.                 Essas revoluções nada valem.
J.                 Para mim, muito. Transformam-me às vezes
                   as ideias, perturbam-me, interrompem-me, e
o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


                      fazem-me muitas outras — mudar de pensar
                      e de parecer.
E.                — Pois tenha mais firmeza em si: não seja tão
                    volúvel.
J.                — Eu, volúvel! Isso é privativo das mulheres. . .
                    os homens em geral são estáveis. Durante a
                    minha ausência de hoje, dizei-me: que fizeste?
                    Bordaste? Picaste? Coseste?. . . Já sei; basta.
E.                — Graças a Deus que adivinhaste o que eu fiz
                    hoje: li durante as longas horas que o Sr.
                    passeou; e o Sr. que fez? Deixou-me só, triste,
                    aborrecida, e não sei de que modo mais! É
                    um cruel; um homem sem alma; não tem pena
                    de mim. Vê-me melancólica e foge; pensativa,
                    e não me fala. Não parece bom amigo, mas
                    sim um algoz! Hei-de fazer ao Sr. outro tanto,
                    e então serei vingada. O Sr. há-de arrepen-
                    der-se e talvez que assim possamos um dia
                    sermos felizes!
ALBERTO              (entrando e batendo palmas, muito alegre)
                     — Bravos! bravos! bravíssimos! Pensei (diri-
                     gindo-se para Jorge e Eulália) não encontrar
                     pessoa alguma nesta casa. Felicito-os; ve-
                     jo-os casados. . . que felicidade!1
E.                — Sente-se, Sr. Alberto (sorrindo-se); aqui tem
                    cadeira.
ROMUALDO             (vai entrar, jalseia um degrau, quase cai por
                     estar a casa algum tanto às escuras) — Fiz
                     uma genuflexão sem querer! O que vale é que
                     pode ter aplicação à sra. . . . mulher; moça,
                     que diante de mim vejo. Como vai? É boa
                     esta casa? Tem cômodos?
E.                — Tem os precisos, e é quanto basta! e assim
                    mesmo eu não estou satisfeita.
R.                — As mulheres são sempre assim. Não há cousa
                    que as satisfaça!

E.                — O Sr. é bem satírico! Deus queira não seja,
                    ou seja satirizado.
R.                — Já o tem sido, e muito. Por isso mesmo é
                    que as não poupo.
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO

E.            — Somos forçados a pedir-lhe licença, Sr. Ro-
                mualdo, porque temos de fazer um passeio.
R.            — Pois não (levantando-se). Passe bem! passe
                bem! (Retira-se.)
E.            — Este Sr. Romualdo é muito aborrecido. Já
                vivo enjoada dele. Deus permita que não con-
                tinue a me fazer visitas. Anda sempre com a
                cabeça cheia de casamentos, como o Lopes do
                Paraguai com a dele cheia de mulheres. Aber-
                núncio!- (benze-se) . . . mas o que mais me
                aborrece são as suas sátiras, que são piores
                que as de Gregório de Matos. Deus queira
                não lhe suceda o mesmo que a este, que depois
                de mil processos e quinhentas prisões teve a
                desgraça de ser executado na província do
                Pará, vila do Crato.' 1 (Para Ernesto:) Vamos
                passear, Ernesto?
E.            — Vamos. Vou pôr o chapéu: vê tu a bengala e
                saiamos. . . (Prepara-se; e saindo — para
                Alberto:) Fique, Sr. Alberto, governando a
                casa por alguns minutos, enquanto visito a
                minha cara amiga D. Fernanda, que teve on-
                tem um menino macho com quatro olhos, seis
                narizes, duas bocas, cinco pernas e. . . não
                digo o mais para que o Sr. não se espante.
                Até logo; até logo. Cuidado, Sr. Alberto.
                com aqueles larápios que nós conhecemos!
                Ouve? Sabe? Sim; pois bem: descanso em sua
                pessoa.    (Retiram-se.)
                 Entra um criado e outro indivíduo amigo da
                 casa. A este chamaremos Paulo; àquele, León.
PAULO            (para Alberto) — Como está, Sr. Alberto?
                 Então, está só?
A.            — É verdade. As pessoas desta casa foram pas-
                sear; e eu fiquei sendo hóspede — qual dono!
                Sr. Paulo, preciso que me mande vir um carro
                para passeio; pode ser?
P.            — Pois não.
A.            — Mas eu não tenho dinheiro.
P.            — Então como quer carro?
o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


A.              — Tenho um brilhante que depositarei em suas
                  mãos até receber certa quantia com que paga-
                  rei todas as despesas. . . Olhe, quer vê-lo?
                  (Tirando-o de uma caixinha.) Ei-lo.
p.              — Oh! é magnífico; e de grande peso.
A.              — Pois guarde; e vá me fornecendo tudo o que
                  eu precisar.
p.              — Far-lhe-ei a vontade. (Guarda o brilhante na
                  algibeira. Ã parte, e apontando para Alberto,
                  de lado): Ainda é tolo, dá brilhante por pas-
                  seios de carro. Hei-de pegar-lhe um formidá-
                  vel carão (sai).
LEÓN            — Precisa de mim para alguma cousa, Sr. Al-
                  berto?
A.              — Preciso, sim; quero que me escoves esta calça;
                  e que me limpes estes sapatos. . . Ah! ia-me
                  esquecendo: hoje é dia de visitas: quero que
                  me apares também estas unhas; e me cortes
                  estes calos (tirando as meias). Vê um cani-
                  vete que está em cima dessa mesa. (apon-
                  tando) .
L.              — É este?
A.              — É, sim; traz.
L.                 (aproximando-se) — Vamos a esta operação.
                   Com efeito; o Sr. cortou as unhas, quando
                   se casou, e quando ouviu a primeira missa!?
                   isto é — duas vezes no longo espaço de cin-
                   quenta e dois anos. . . e assim mesmo c assea-
                   do (cortando). Irra! tem cada unha, que
                   parece a de uma âncora! E os calos. . . que
                   grossura, meu Deus! Podem-se bem comparar
                   ao couro do cachaço de um boi de mais de
                   vinte e cinco anos. (Para Alberto): Pronto,
                   Sr. Alberto (levanta-se) .
A.              — Ah! que alívio! Que alívio! Estou com um
                  peso menor de vinte arrobas! Parecia que tra-
                  zia nos pés uma esquadra! Cada unha um
                  navio de alto bordo! Em cada calo — uma
                  arroba de couro (calçando as meias). Prepa-
                  ra-me aquela calça preta.
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


L.         — Sim, Sr. (pegando a escovar): Stá bem suja!
             tem nódoas de tudo — graxa; sebo; azeite;
             vinho, cachaça. Senhores, este homem será
             taberneiro. . . graxeiro; sebeiro. . . que diabo
             de porcarias. Não; não sujarei a escova de
             meu amo. (Faz que escova e apresenta-lhe
             por escovar.) Stá limpa, Sr. Dr. Alberto!
             (à parte): tratá-lo-emos de Dr. para que mais
             pague o favor! Ensinou-me meu Pai que aos
             tolos sempre louvor; Senhoria e até Excelên-
             cias para que melhor paguem quaisquer incum-
             bências. Irei pondo em prática; e estou certo
             de que, se não ganhar, também não hei-de
             perder!. ..
A.         — Oh! está ótima! És um criado de primeira
             classe. És a flor da criadagem (À parte):
             Quero pagar-lhe também com alegria os pa-
             lanfrórios, a fim de que a paga em dinheiro
             seja igual ao trabalho. O patife nem tocou na
             calça; a escova apenas soprou a pele! Nem
             ao menos a sacudiu... Que maroto! (Vol-
             tando-se para L.): está muito limpa! Falta
             agora limpar os sapatos.
L.         — Onde estão? Vejo ali chinelos; acolá tamancos,
             aqui, botas. . . (apontando) .
A.         — És cego, homem! Não vês pendurados naquele
             cabide!?
L.            (à parte) — Que tal o Sr. Alberto! Pendura
              sapatos em cabides. É célebre o homem (pe-
              gando-os, enojando-se) — fum!. . . fum!. . .
              que porco! Como estão enlameados! Ih!. . .
              Ora ora. . . que lhes parece? Nem lhes toco
              (esfrega um no outro e põe-lh'os diante).
              Aqui estão, Sr. Alberto; é o melhor que os
              pude preparar.
A.         — Estão bons, filho! Estão bons! (Â parte.) É
             o criado mais ordinário que tenho conhecido
             (Vestindo-se.) Já está bem velho este casa-
             c o . . . serviu para meu casamento há quinze
             anos e o colete está tão curto que parece o
             de um menino. Não há remédio; não tenho
             dinheiro para outro; e o crédito é pouco; vis-
O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


                      tamo-lo. Também as visitas não são de grande
                      cerimônia. Vou agora a um velho Marechal;
                      depois a certo Barão; logo ao Dr. Rabecão;
                      e. . . não sei se irei ao Exmº Sr. Marquês
                      de Ratazana! Pronto, Sr. León! (à parte)
                      Não me lembrava que este aldragante4 é cria-
                      do! Fui dar-lhe Sr. (pega o chapéu, a bengala;
                      e com passos muito firmes e extensos, pernas
                      muito tesas, sai).
L.                    (benzendo-o pelas costas) —     Deus     o leve a
                      bom caminho; e se cá não        tornar    mais, é
                      especial favor que me faz —     e até    meu amo
                      há-de ficar com isso muito e    muito    satisfeito!
A.                    (voltando) — Esquecia-me dizer-te — que
                      antes de. . . de mudar-me desta enxovia —
                      hei-de trazer-te um ótimo presente pelo bem
                      que me tens servido (Ã parte): Em vez de
                      limpar sujou-me os vestidos! (Sai.)

L.                  — Ainda faz promessas! Como se eu viva, ou
                      creia, de suas promessas!

                      Cena Terceira

ERNESTO e EULÁLIA     (entrando) — Estás aqui, León? Que destino
                      tomou o Sr. Alberto?
L.                  — Deixou-me depois de haver dado grande ma-
                      çada, dizendo-me que ia visitar quantos Con-
                      des e Marqueses há nesta cidade; e saiu!
ERNESTO               (sentando-se e dando cadeira a Eulália) — E
                      que te parece, Eulália? o Sr. Alberto, que
                      devia estar no Exército, visitando Condes e
                      Marqueses! As nossas tropas marchando con-
                      tra o Paraguai, para libertar famílias para-
                      guaias e brasileiras, famílias de Brasileiros dis-
                      tintas — escravizadas dentro de nossa própria
                      Pátria; e por seus próprios patrícios! Que
                      amarga verdade; quase incrível!
                    — Meu Deus! Por isso é que os Paraguais"' pren-
                      deram, mataram, destriparam milhares de fa-
                      mílias! Como Deus vinga os inocentes! Como
                      ensina os homens a respeitar a religião que
                      pregou, e devia estar gravada em nossos cora-
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


                   ções, e ser o regulador de todas as nossas
                   ações! E se não fôssemos à casa de nossa
                   amiga, nada sabíamos!
ERNESTO            (com jogo) — Ah! minha querida Eulália! se
                   tu soubesses quanto me magoam os fatos reve-
                   lados por tua amiga! Não; não falarei mais
                   nisso. (Com um movimento de transporte):
                   Sim! se alguém ousasse ofender-te. . . roubar-
                   te. . . oh! nem nisso devo pensar! O ódio, a
                   vingança, a fúria em mim seria tanta, que me
                   parece que destruiria o edifício social desde o
                   seu cimo, até a sua base! Não ficaria pedra
                   sobre pedra. Poria esta cidade tão plana, co-
                   mo é a superfície das águas em dia calmo do
                   nosso largo e majestoso Guaíba.
EULÁLIA         — E eu? Pensas que não faria nada? Olha (pu-
                  xando uma unha), vê? É para o malvado que
                  ousar contra a honra tua e a honestidade mi-
                  nha. É para o assassino que se abalançar a
                  querer dar-te a morte, quer física, quer moral;
                  e a mim, física e moral. Banhá-lo-ia nesse
                  sangue de serpente, como o nosso criado no
                  das aves que prepara para os nossos jantares.
ERNESTO         — Estás me banhando, minha querida (abraçan-
                  çando-a com grande expressão de prazer)
                  em ondas de perfumes! Tens sentimentos de
                  amor. . . se mais é preciso tributar-te! És
                  verdadeira mulher; esposa; amiga. És o que
                  deviam ser todas as mulheres para consigo
                  mesmas, para com seus maridos, e para com
                  seus similhantes! Caridosas, quando o mere-
                  cem! Punidoras, quando criminosos! (Abra-
                  çando-a outra vez.) Não podia o Céu fazer-me
                  mais rico presente! (Ainda com mais ternura
                  e afeto.) És a rainha, e deves ser o modelo
                  das mulheres (pegando-lhe na mão). Vamos
                  até o jardim? Apraze-te?
EULÁLIA         — Vamos! o que não aprazerá contigo! (Saem.)
                  (Entram Alberto, Paulo e León)
A.                 (muito zangado, para Paulo) — O Sr. sabe?
                   não sabe? Pois eu lhe digo: Este criado é o
                   diabo! Incomodou-me hoje o mais que é pos-
O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


                 sível! Já fui à Polícia duas vezes para meter
                 este cachorro na cadeia! (Ameaçando-o com
                 o punho.)

P.           — Oh! Sr. Alberto. Que lhe fez ele? Admiro
               muito; pois que sempre foi muito humilde e
               respeitador de minhas ordens.
A.               (dando com as mãos) — É um cachorro! É
                 um atrevido! Malcriado, que só metendo-lhe
                 as mãos na cara eu me satisfaria (ameaça-o).
P.               (para o criado) — Que fizeste, León? Ousaste
                 insultar o Sr. Alberto? Não sabes que é muito
                 meu amigo, e a quem muito estimo e respeito!?
L.            — O Sr. Alberto está enganado! Isso não foi
                comigo.
A.               (aproximando-se e ameaçando-o) — Foi, foi
                 sim; és tu mesmo!
L.           — O Sr. está l o u c o . . . sonhando. . . ou bêbado!
               (Ao proferir esta última palavra, Alberto ati-
               rou-lhe uma bofetada, que foi estorvada por
               Paulo.)
P.               (estorvando) — Que é isso, Sr. Alberto? V.
                 Sª não está bem. Eu não posso consentir que
                 em minha presença este criado seja castigado
                 por pessoa alguma.
A.               (querendo sair) — Pois então, vou-lhe man-
                 dar sentar praça na Marinha, e o calabrote
                 lá me vingará.
P.               (atacando-o) — Nada! O Sr. não sai daqui
                 hoje sem que eu o veja calmo e contente!
                 (Para o criado): León, sai! (Para Alberto):
                 Sentemo-nos.
A.            — Não posso; não quero. Hei-de vingar-me.
P-               (levantando-se) — Pois eu também não quero
                 (puxa rapidamente a porta, põe ele do lado
                 de fora e fecha-a).
A.               (grita que lhe abram a porta, esforça-se por
                 arrombá-la, pragueja e deita-se) — Ao menos
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


              esperaremos deitados que me queiram soltar
              estes malvados! (Dorme.)
P.            (para o criado, entrando) — Que fizeste tu a
              este beberrão?
L.         — Ora, que fiz? Nada! Só se é por certa cousa
             que eu não posso dizer.
P.         — Que cousa é esta que tu não podes dizer?
L.         — Ora o que há-de-ser? O Sr. Paulo não conhece
             este bandalho; não sabe que é tão porcalhão
             que despreza o que é próprio e procura o que
             é impróprio?
P.         — Não te compreendo! Que queres tu dizer com
             isso?
L.         — Quero dizer que este nojento quis servir-se de
             mim para atos de sensualidade.
P.         — Deveras! isso é verdade?!
L.         — Se é! Falou-me duas vezes, eu não quis; e na
             terceira que o encontrei, apertou-me, como
             uma prensa um couro!
P.         — Que ente abjeto e indigno! Muito desejo ver-
             me livre dele!
A.            (levantando-se aos saltos e cheio de espanto)
              — Oh! Os Senhores aqui, muito me admiram.
              (Esfregando os olhos.) Quero limpar bem a
              vista para enxergar bem um carcereiro e um
              soldado! (Para Paulo): Faz-me o favor de
              dar-me o meu brilhante?
P.         — Já se esqueceu que me deu em penhor de pa-
             gar as suas dívidas?!
A.         — Qual penhor, Sr.! Pelo que vejo pretende rou-
             bar-me, não?
P.         — O Sr. me insultou; e comigo a uma família;
             tenho tido em meu poder milhares de objetos
             de superior valor; e jamais tentei ficar com
             algum.
A.         — Pois não parece; visto que agora nega entregar
             o que lhe dei para guardar.
o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


p.                 O Sr. continua a insultar-me — eu lhe vou
                   trazer (dá uma volta e tira de uma gaveta o
                   brilhante); e mostrando-lhes — está aqui;
                   não o entrego, sem que o Sr. pague o que
                   me deve.
A.                 (gritando) — O Sr. é um ladrão! E o seu
                   criado é um tratante! Hei-de metê-los todos
                   na cadeia.
P.                 Em vindo o Sr. Ernesto e a Sra. D. Eulália,
                   hei-de contar-lhe tudo; e o Sr. há-de mu-
                   da r-se!
A.                 Isso queriam vocês "arrumando a cama" para
                   ficarem com as minhas jóias.
 P                 Para que queremos nós as suas jóias, Senhor!
                   Era melhor que o Sr. estivesse dormindo;
                   visto que ainda não cozinhou a bebedeira.
A.                 Patifão! ainda me trata de bêbado! Esperem!
                   eu lhes respondo (Levanta o travesseiro e pu-
                   xando um punhal): Ou vocês hão de entregar-
                   me o que depositei em suas mãos, ou hei-de
                   vará-los com este punhal.
P.                 O Sr. cada minuto fica mais imprudente! Já
                   lhe disse que (recuando-se e aproximando-se
                   de uma gaveta) que não lhe posso devolver
                   o que me entregou, sem que me pague o que
                   me deve. (Puxa a gaveta, tira um revólver
                   e engatilha-o.) E se se atrever a tentar fe-
                   rir-me com esse punhal, lançá-lo-ei por terra
                   com uma bala. E veja onde quer; escolha:
                   no coração ou na cabeça?
O CRIADO           (entretanto, arma-se de um cabo que tira
                   muito cheio de medo de uma vassoura que
                   estava a um canto — à parte) — Hei-de me-
                   ter-lhe este cabo de vassoura pelos olhos, para
                   dar-lhe vista; e fazê-lo passar pelos ouvidos,
                   a fim de ouvir melhor! E se não bastar, me-
                   ter-lhe-ei na boca a vassoura, para fazê-lo
                   calar!
A.                 (gritando) — Assassino! ladrões! querem me
                   matar! Querem me roubar! Aqui, soldados!
                   oficiais! polícia! (Fazendo milhares de movi-
JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO


                    mentos, ora para um lado, ora para outro,
                    querendo sair.)
P.                  (querendo tranquilizá-lo) — Está doido, Se-
                    nhor! . Que é isto? Acalme-se!... O Senhor
                    está fora do seu juízo!
SOLDADOS            (arrombando a porta, entrando e desembai-
                    nhando as espadas) — Presos! Estão presos,
                    à ordem do Ilmoº Sr. Chefe de Polícia!
p.               — Só este louco é que deve ir preso (apontando
                   para Alberto).
A.               — Não, camarada! Ele é que deve ir, porque que-
                   ria matar-me com aquele revólver para rou-
                   bar-me um brilhante!
I.               — E a mim quis me fazer de mulher!
P.               — (para o criado) — Cala-te! Não é preciso fa-
                   lares! (Para os soldados): Este home, Senho-
                   res, está fora de sua razão. Ele, e só ele precisa
                   correção!
SOLDADOS         — Não queremos saber disso! Os Senhores estão
                   armados; ouvimos gritar pela polícia; temos
                   de cumprir nosso dever. Estão portanto todos
                   presos; e têm de acompanhar-nos à presença
                   de nosso Chefe.
ELES                Não! não! Nós, não, camaradas!
SOLDADOS         — Lá se acomodarão! E se não querem por bem,
                   irão à força. Escolham!
ELES             — (muito aflitos) — Que vergonha! Que opró-
                   brio! Nós presos! Temos de ir à polícia acom-
                   panhados de soldados! Que dirá o Sr. Ernesto
                   e a Senhora D. Eulália, quando souberem,
                   camaradas (puxando da algibeira dinheiro e
                   querendo meter nas mãos dos soldados). Aqui
                   tem dinheiro! Deixem-nos!
SOLDADOS         — É muito atrevimento! Pensam que somos mi-
                   seráveis ganhadores? — que!. . . somos capa-
                   zes de trair nossos deveres!? de manchar esta
                   farda que nos foi dada por nosso Monarca?!
                   Não; somos livres, Srs.! e não nos vendemos
                   por dinheiro! Não deixaríamos de cumprir
o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO


                      nossa missão, por considerações ou amizades,
                      quanto mais por prata ou ouro!
UM DELES           — É uma infâmia! Companheiro, agarrem aque-
                     les que eu seguro este! (Lançam mãos cada
                     soldado a cada indivíduo, trançam-lhe os bra-
                     ços, há puxões, socos, diligência para saírem,
                     gritos, lamentos e até choros, mas afinal são
                     arrastados pelos soldados e conduzidos à Po-
                     lícia .)

                      Desce o pano, terminando assim a comédia.

Esta comédia é apenas um borrão que deve passar pelas correções
necessárias antes de ser impressa, tanto mais que foi escrita das 11
horas da noite de 30, às 3 quando muito da madrugada de 3 1 .

                    Por José Joaquim de Campos Leão
                           Qorpo-Santo

                 Porto Alegre, janeiro 31 de 1866


NOTAS

1.   Assim no texto
2.   Forma popular de abrenúncio.
3.   Gregório de Matos Guerra, o poeta baiano (1633-1696), fale-
     ceu no Recife, de morte natural. A intenção do texto é levar
     ao riso, ou à época em que foi redigida esta peça era corrente
     a versão aqui consignada?
4.   Aldragante = tratante, vagabundo, segundo Luiz Carlos de
     Moraes, Vocabulário Sul-Rio-Grandense. Em Laudelino Freire,
     Dic. da Língua Portuguesa, consta: aldagrante.
5.   Assim no texto. A forma paraguaio ainda não se generalizara.
     Hoje, o periquito psittacula passarina é denominado paraguai.
     V. Laudelino Freire, Dic. da Língua Portuguesa.

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  • 1. PEDE ATREVIDO OU O BRILHANTE ESCONDIDO Princípios de uma comedia
  • 2. PERSONAGENS Ernesto Uma Preta Jorge, marido de Eulália. Alberto Romualdo Paulo León, criado. Soldados.
  • 3. ATO PRIMEIRO Cena Primeira _ (passeando e conversando consigo mesmo; batem à porta) — Quem bate? (virando a cabeça) Quem? stá aí?. . . não ouve? UMA PRETA (vigiando) — Sou eu, meu Senhor! ERNESTO E o que quer? A PRETA Minha Sra. manda dizer se dá licença que o Sr. Soares venha ver esta casa. ERNESTO Qual Soares? Diz à tua Sra. que eu lá hei-de ir, ou mandar. A PRETA Não é isso; isso ela sabe! ERNESTO Pois então o que é?! A PRETA É para ele ver a casa. ERNESTO Não pode ser! Diz à tua Sra. que enquanto eu aqui morar, só terão licença de entrar nesta casa pessoas de muito minha amizade e con- fiança; que não pode ser varejada por esse ou outro indivíduo; que eu não posso pôr à dis- posição de pessoa alguma salas, quarto, livros. o mais que nela tenho! Andas com pressa? A PRETA Não senhor. ERNESTO Pois então pega dinheiro e compra-me charu- tos dos melhores que encontrares. A PRETA Sim Sr. (sai) . ERNESTO (só e passeando) — Que lhes parece o Sr. • Soares? Acabo de me ir limpando, e talvez sua
  • 4. 278 JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO mercê, a quem não conheço, quisesse vir su- jando! (Rindo-se.) Hoje estou com a barriga do ex-chefe de Polícia Andrade (por engano muitas vezes tomei por um globo geográfico) . Tomaremos um banho (pega uma bacia, uma chaleira e água de uma talha; e levando para um quarto). Já que passeia a minha criada, não tenho remédio senão fazer estes serviços que tão impróprios me são, mas toleráveis, visto que gente pior, e talvez melhor, tenha feito iguais, inferiores; quero dizer, a gente da mais alta sociedade pratica atos ou há prati- cado atos idênticos, ou mais impróprios que estes, de sua altura; assim como às vezes gente da mais baixa — pratica atos próprios dos da mais alta sociedade. E como o não faço, por gosto, regra ou costume, nada me pode pegar (entra no quarto e logo depois sai, abotoando as calças, ou a vestir a sobrecasaca nota que está suja pegando na escova): Ainda mais esta! Não sei como se encheu de pó este fac- t o . . . Ah! fui lá embaixo, e servi-me d e . . . p a r a . . . já se sabe o para que. Servi-me de certa sujidade, a que chamam — bacio ou bacia, etc. e etc. e tal. Em compensação, su- jou-se a sobrecasaca. Mulheres! que em tudo se metem! até nos urinóis... servidores, ou bacias! Se se metessem em outras cousas, se- riam dignas de louvor; mas nestas, só o são de censura! e de que me havia eu lembrar agora!... De certa pergunta que me fez um judas escariotes; e é: Que é, ou será melhor? ser servido ou servir? Respondo: seja melhor; seja pior; prefiro ser servido a servir. Note-se: falo do que é próprio da classe dos criados, etc. . visto que todos servem. Serve o Impe- rador ao Estado no Conselho de Estado, diri- gindo os negócios públicos. Servem os Minis- tros, executando as Leis e apresentando pro- jetos de reforma e outros melhoramentos, eco- nomizando os dinheiros públicos e praticando outros.. . milhares de atos, de utilidade geral. Servem os Senadores e Deputados e mesmo Vereadores das câmaras, legislando. Servem os membros do Supremo Tribunal de Justiça
  • 5. O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO ou das Relações, Conselheiros de Estado, Juí- zes de Direito, e municipais, e outros, os pre- sidentes de Província, secretários, chefes e delegados de Polícia, e outros; finalmente — todos os Empregados públicos, seja qual for a sua classe — executando as Leis de outros modos; quanto maior é ou for sua capacidade — mais valiosos e importantes são seus servi- ços. As espécies de serviço, pois, é que são diversas, e mais ou menos nobres e convenien- tes. As mais agradáveis e dignas, em minha opi- nião — são as que se exercitam com a pena, com a espada e com a palavra. Que mais alto pode subir o homem que de seu palácio dirige uma infinidade de entes seus iguais — escre- vendo, e mesmo em seu gabinete!? A que maior altura pode subir — o que com a espada dirige os exércitos? Ou, que profissão mais nobre e elevada que aquela que, com a pala- vra — convence, persuade e ata à cauda de seu carro de progresso, e logo depois de tri- unfo — milhares e mesmo milhões de indi- víduos?! Quem subiu mais alto por sua pala- vra que Jesus Cristo; que os Demóstenes, que os Cíceros!? Quem, mais que os Napoleões, que os Alexandres, que os Césares, por sua espada!? E quais, mais que os Palmerstons, os Paranás, os Pombais, e tantos outros, por sua política ou administração!? Assim, pois — procuremos sempre ser úteis (expressão mais própria que servir) aos nossos similhantes, por algum, e pelos três modos, se ocasiões para tal nos oferecerem; isto é — pela pena, pela palavra e pela espada. Assim se distinguem os homens. Quanto às mulheres, se elevam e bri- lham por sua conduta moral, pela obediência, respeito e afeto para com seus Pais; pelo recato e honestidade em suas maneiras e em seus vestidos pela brandura, suavidade e en- canto de sua palavra; pela escolha dos tra- balhos mais delicados — e dos prazeres ino- centes; pelo gosto e perseverança no estudo das belas-artes, belas-letras, e de tudo o mais que lhes é próprio, e que pode concorrer para que sejam sociais; inteligentes; boas filhas;
  • 6. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO boas mães; boas esposas; e respeitáveis senho- ras. As que tanto conseguem — são mulhe- res distintas, e por isso mesmo as Rainhas do Mundo, como Aquelas — os diretores dos outros homens e das sociedades em geral. E pode-se dizer: que esses e outros serviços seriam capazes de metamorfosear o. . . não! porque não pode haver mundo, nem haveria distinções — se tudo fosse igual. Parece que as diversidades constituem a harmonia na espécie humana; como as das pessoas de uma máquina a tornam perfeita e capaz de traba- lhar. . . (Sai.) Cena Segunda JORGE (entrando por uma porta e Eulália por outra) — Como vai, minha querida Eulália? Já sei que está muito zangada comigo. Andei pas- seando hoje; fui ao Riacho, à r u a . . . d e . . . EULÁLIA (como zangada) — Já sei: já sei onde o Sr. foi; não precisa mais nada! JORGE Não se zangue; não se zangue, minha queri- ridinha! Sabe que sou todo s e u . . . que por mais que a roda do mundo ande e desande sempre a Sra. é e será a menina de meus olhos. E quando assim não fosse, por simpatia o seria, porque a Sra. tem inspirações, a Sra. tem sugestões, que transformam os corações! E. Bravos! veio poeta! Agradeço-lhe muito a comparação. J. Eulália, és capaz? E. De quê? J. Ora de quê?! de me lembrar os versinhos que produzi hoje antes de sair. Que revolução se opera, minha querida Eulália! E. Onde? J. Na minha imaginação. E. Essas revoluções nada valem. J. Para mim, muito. Transformam-me às vezes as ideias, perturbam-me, interrompem-me, e
  • 7. o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO fazem-me muitas outras — mudar de pensar e de parecer. E. — Pois tenha mais firmeza em si: não seja tão volúvel. J. — Eu, volúvel! Isso é privativo das mulheres. . . os homens em geral são estáveis. Durante a minha ausência de hoje, dizei-me: que fizeste? Bordaste? Picaste? Coseste?. . . Já sei; basta. E. — Graças a Deus que adivinhaste o que eu fiz hoje: li durante as longas horas que o Sr. passeou; e o Sr. que fez? Deixou-me só, triste, aborrecida, e não sei de que modo mais! É um cruel; um homem sem alma; não tem pena de mim. Vê-me melancólica e foge; pensativa, e não me fala. Não parece bom amigo, mas sim um algoz! Hei-de fazer ao Sr. outro tanto, e então serei vingada. O Sr. há-de arrepen- der-se e talvez que assim possamos um dia sermos felizes! ALBERTO (entrando e batendo palmas, muito alegre) — Bravos! bravos! bravíssimos! Pensei (diri- gindo-se para Jorge e Eulália) não encontrar pessoa alguma nesta casa. Felicito-os; ve- jo-os casados. . . que felicidade!1 E. — Sente-se, Sr. Alberto (sorrindo-se); aqui tem cadeira. ROMUALDO (vai entrar, jalseia um degrau, quase cai por estar a casa algum tanto às escuras) — Fiz uma genuflexão sem querer! O que vale é que pode ter aplicação à sra. . . . mulher; moça, que diante de mim vejo. Como vai? É boa esta casa? Tem cômodos? E. — Tem os precisos, e é quanto basta! e assim mesmo eu não estou satisfeita. R. — As mulheres são sempre assim. Não há cousa que as satisfaça! E. — O Sr. é bem satírico! Deus queira não seja, ou seja satirizado. R. — Já o tem sido, e muito. Por isso mesmo é que as não poupo.
  • 8. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO E. — Somos forçados a pedir-lhe licença, Sr. Ro- mualdo, porque temos de fazer um passeio. R. — Pois não (levantando-se). Passe bem! passe bem! (Retira-se.) E. — Este Sr. Romualdo é muito aborrecido. Já vivo enjoada dele. Deus permita que não con- tinue a me fazer visitas. Anda sempre com a cabeça cheia de casamentos, como o Lopes do Paraguai com a dele cheia de mulheres. Aber- núncio!- (benze-se) . . . mas o que mais me aborrece são as suas sátiras, que são piores que as de Gregório de Matos. Deus queira não lhe suceda o mesmo que a este, que depois de mil processos e quinhentas prisões teve a desgraça de ser executado na província do Pará, vila do Crato.' 1 (Para Ernesto:) Vamos passear, Ernesto? E. — Vamos. Vou pôr o chapéu: vê tu a bengala e saiamos. . . (Prepara-se; e saindo — para Alberto:) Fique, Sr. Alberto, governando a casa por alguns minutos, enquanto visito a minha cara amiga D. Fernanda, que teve on- tem um menino macho com quatro olhos, seis narizes, duas bocas, cinco pernas e. . . não digo o mais para que o Sr. não se espante. Até logo; até logo. Cuidado, Sr. Alberto. com aqueles larápios que nós conhecemos! Ouve? Sabe? Sim; pois bem: descanso em sua pessoa. (Retiram-se.) Entra um criado e outro indivíduo amigo da casa. A este chamaremos Paulo; àquele, León. PAULO (para Alberto) — Como está, Sr. Alberto? Então, está só? A. — É verdade. As pessoas desta casa foram pas- sear; e eu fiquei sendo hóspede — qual dono! Sr. Paulo, preciso que me mande vir um carro para passeio; pode ser? P. — Pois não. A. — Mas eu não tenho dinheiro. P. — Então como quer carro?
  • 9. o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO A. — Tenho um brilhante que depositarei em suas mãos até receber certa quantia com que paga- rei todas as despesas. . . Olhe, quer vê-lo? (Tirando-o de uma caixinha.) Ei-lo. p. — Oh! é magnífico; e de grande peso. A. — Pois guarde; e vá me fornecendo tudo o que eu precisar. p. — Far-lhe-ei a vontade. (Guarda o brilhante na algibeira. Ã parte, e apontando para Alberto, de lado): Ainda é tolo, dá brilhante por pas- seios de carro. Hei-de pegar-lhe um formidá- vel carão (sai). LEÓN — Precisa de mim para alguma cousa, Sr. Al- berto? A. — Preciso, sim; quero que me escoves esta calça; e que me limpes estes sapatos. . . Ah! ia-me esquecendo: hoje é dia de visitas: quero que me apares também estas unhas; e me cortes estes calos (tirando as meias). Vê um cani- vete que está em cima dessa mesa. (apon- tando) . L. — É este? A. — É, sim; traz. L. (aproximando-se) — Vamos a esta operação. Com efeito; o Sr. cortou as unhas, quando se casou, e quando ouviu a primeira missa!? isto é — duas vezes no longo espaço de cin- quenta e dois anos. . . e assim mesmo c assea- do (cortando). Irra! tem cada unha, que parece a de uma âncora! E os calos. . . que grossura, meu Deus! Podem-se bem comparar ao couro do cachaço de um boi de mais de vinte e cinco anos. (Para Alberto): Pronto, Sr. Alberto (levanta-se) . A. — Ah! que alívio! Que alívio! Estou com um peso menor de vinte arrobas! Parecia que tra- zia nos pés uma esquadra! Cada unha um navio de alto bordo! Em cada calo — uma arroba de couro (calçando as meias). Prepa- ra-me aquela calça preta.
  • 10. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO L. — Sim, Sr. (pegando a escovar): Stá bem suja! tem nódoas de tudo — graxa; sebo; azeite; vinho, cachaça. Senhores, este homem será taberneiro. . . graxeiro; sebeiro. . . que diabo de porcarias. Não; não sujarei a escova de meu amo. (Faz que escova e apresenta-lhe por escovar.) Stá limpa, Sr. Dr. Alberto! (à parte): tratá-lo-emos de Dr. para que mais pague o favor! Ensinou-me meu Pai que aos tolos sempre louvor; Senhoria e até Excelên- cias para que melhor paguem quaisquer incum- bências. Irei pondo em prática; e estou certo de que, se não ganhar, também não hei-de perder!. .. A. — Oh! está ótima! És um criado de primeira classe. És a flor da criadagem (À parte): Quero pagar-lhe também com alegria os pa- lanfrórios, a fim de que a paga em dinheiro seja igual ao trabalho. O patife nem tocou na calça; a escova apenas soprou a pele! Nem ao menos a sacudiu... Que maroto! (Vol- tando-se para L.): está muito limpa! Falta agora limpar os sapatos. L. — Onde estão? Vejo ali chinelos; acolá tamancos, aqui, botas. . . (apontando) . A. — És cego, homem! Não vês pendurados naquele cabide!? L. (à parte) — Que tal o Sr. Alberto! Pendura sapatos em cabides. É célebre o homem (pe- gando-os, enojando-se) — fum!. . . fum!. . . que porco! Como estão enlameados! Ih!. . . Ora ora. . . que lhes parece? Nem lhes toco (esfrega um no outro e põe-lh'os diante). Aqui estão, Sr. Alberto; é o melhor que os pude preparar. A. — Estão bons, filho! Estão bons! (Â parte.) É o criado mais ordinário que tenho conhecido (Vestindo-se.) Já está bem velho este casa- c o . . . serviu para meu casamento há quinze anos e o colete está tão curto que parece o de um menino. Não há remédio; não tenho dinheiro para outro; e o crédito é pouco; vis-
  • 11. O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO tamo-lo. Também as visitas não são de grande cerimônia. Vou agora a um velho Marechal; depois a certo Barão; logo ao Dr. Rabecão; e. . . não sei se irei ao Exmº Sr. Marquês de Ratazana! Pronto, Sr. León! (à parte) Não me lembrava que este aldragante4 é cria- do! Fui dar-lhe Sr. (pega o chapéu, a bengala; e com passos muito firmes e extensos, pernas muito tesas, sai). L. (benzendo-o pelas costas) — Deus o leve a bom caminho; e se cá não tornar mais, é especial favor que me faz — e até meu amo há-de ficar com isso muito e muito satisfeito! A. (voltando) — Esquecia-me dizer-te — que antes de. . . de mudar-me desta enxovia — hei-de trazer-te um ótimo presente pelo bem que me tens servido (Ã parte): Em vez de limpar sujou-me os vestidos! (Sai.) L. — Ainda faz promessas! Como se eu viva, ou creia, de suas promessas! Cena Terceira ERNESTO e EULÁLIA (entrando) — Estás aqui, León? Que destino tomou o Sr. Alberto? L. — Deixou-me depois de haver dado grande ma- çada, dizendo-me que ia visitar quantos Con- des e Marqueses há nesta cidade; e saiu! ERNESTO (sentando-se e dando cadeira a Eulália) — E que te parece, Eulália? o Sr. Alberto, que devia estar no Exército, visitando Condes e Marqueses! As nossas tropas marchando con- tra o Paraguai, para libertar famílias para- guaias e brasileiras, famílias de Brasileiros dis- tintas — escravizadas dentro de nossa própria Pátria; e por seus próprios patrícios! Que amarga verdade; quase incrível! — Meu Deus! Por isso é que os Paraguais"' pren- deram, mataram, destriparam milhares de fa- mílias! Como Deus vinga os inocentes! Como ensina os homens a respeitar a religião que pregou, e devia estar gravada em nossos cora-
  • 12. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO ções, e ser o regulador de todas as nossas ações! E se não fôssemos à casa de nossa amiga, nada sabíamos! ERNESTO (com jogo) — Ah! minha querida Eulália! se tu soubesses quanto me magoam os fatos reve- lados por tua amiga! Não; não falarei mais nisso. (Com um movimento de transporte): Sim! se alguém ousasse ofender-te. . . roubar- te. . . oh! nem nisso devo pensar! O ódio, a vingança, a fúria em mim seria tanta, que me parece que destruiria o edifício social desde o seu cimo, até a sua base! Não ficaria pedra sobre pedra. Poria esta cidade tão plana, co- mo é a superfície das águas em dia calmo do nosso largo e majestoso Guaíba. EULÁLIA — E eu? Pensas que não faria nada? Olha (pu- xando uma unha), vê? É para o malvado que ousar contra a honra tua e a honestidade mi- nha. É para o assassino que se abalançar a querer dar-te a morte, quer física, quer moral; e a mim, física e moral. Banhá-lo-ia nesse sangue de serpente, como o nosso criado no das aves que prepara para os nossos jantares. ERNESTO — Estás me banhando, minha querida (abraçan- çando-a com grande expressão de prazer) em ondas de perfumes! Tens sentimentos de amor. . . se mais é preciso tributar-te! És verdadeira mulher; esposa; amiga. És o que deviam ser todas as mulheres para consigo mesmas, para com seus maridos, e para com seus similhantes! Caridosas, quando o mere- cem! Punidoras, quando criminosos! (Abra- çando-a outra vez.) Não podia o Céu fazer-me mais rico presente! (Ainda com mais ternura e afeto.) És a rainha, e deves ser o modelo das mulheres (pegando-lhe na mão). Vamos até o jardim? Apraze-te? EULÁLIA — Vamos! o que não aprazerá contigo! (Saem.) (Entram Alberto, Paulo e León) A. (muito zangado, para Paulo) — O Sr. sabe? não sabe? Pois eu lhe digo: Este criado é o diabo! Incomodou-me hoje o mais que é pos-
  • 13. O HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO sível! Já fui à Polícia duas vezes para meter este cachorro na cadeia! (Ameaçando-o com o punho.) P. — Oh! Sr. Alberto. Que lhe fez ele? Admiro muito; pois que sempre foi muito humilde e respeitador de minhas ordens. A. (dando com as mãos) — É um cachorro! É um atrevido! Malcriado, que só metendo-lhe as mãos na cara eu me satisfaria (ameaça-o). P. (para o criado) — Que fizeste, León? Ousaste insultar o Sr. Alberto? Não sabes que é muito meu amigo, e a quem muito estimo e respeito!? L. — O Sr. Alberto está enganado! Isso não foi comigo. A. (aproximando-se e ameaçando-o) — Foi, foi sim; és tu mesmo! L. — O Sr. está l o u c o . . . sonhando. . . ou bêbado! (Ao proferir esta última palavra, Alberto ati- rou-lhe uma bofetada, que foi estorvada por Paulo.) P. (estorvando) — Que é isso, Sr. Alberto? V. Sª não está bem. Eu não posso consentir que em minha presença este criado seja castigado por pessoa alguma. A. (querendo sair) — Pois então, vou-lhe man- dar sentar praça na Marinha, e o calabrote lá me vingará. P. (atacando-o) — Nada! O Sr. não sai daqui hoje sem que eu o veja calmo e contente! (Para o criado): León, sai! (Para Alberto): Sentemo-nos. A. — Não posso; não quero. Hei-de vingar-me. P- (levantando-se) — Pois eu também não quero (puxa rapidamente a porta, põe ele do lado de fora e fecha-a). A. (grita que lhe abram a porta, esforça-se por arrombá-la, pragueja e deita-se) — Ao menos
  • 14. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO esperaremos deitados que me queiram soltar estes malvados! (Dorme.) P. (para o criado, entrando) — Que fizeste tu a este beberrão? L. — Ora, que fiz? Nada! Só se é por certa cousa que eu não posso dizer. P. — Que cousa é esta que tu não podes dizer? L. — Ora o que há-de-ser? O Sr. Paulo não conhece este bandalho; não sabe que é tão porcalhão que despreza o que é próprio e procura o que é impróprio? P. — Não te compreendo! Que queres tu dizer com isso? L. — Quero dizer que este nojento quis servir-se de mim para atos de sensualidade. P. — Deveras! isso é verdade?! L. — Se é! Falou-me duas vezes, eu não quis; e na terceira que o encontrei, apertou-me, como uma prensa um couro! P. — Que ente abjeto e indigno! Muito desejo ver- me livre dele! A. (levantando-se aos saltos e cheio de espanto) — Oh! Os Senhores aqui, muito me admiram. (Esfregando os olhos.) Quero limpar bem a vista para enxergar bem um carcereiro e um soldado! (Para Paulo): Faz-me o favor de dar-me o meu brilhante? P. — Já se esqueceu que me deu em penhor de pa- gar as suas dívidas?! A. — Qual penhor, Sr.! Pelo que vejo pretende rou- bar-me, não? P. — O Sr. me insultou; e comigo a uma família; tenho tido em meu poder milhares de objetos de superior valor; e jamais tentei ficar com algum. A. — Pois não parece; visto que agora nega entregar o que lhe dei para guardar.
  • 15. o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO p. O Sr. continua a insultar-me — eu lhe vou trazer (dá uma volta e tira de uma gaveta o brilhante); e mostrando-lhes — está aqui; não o entrego, sem que o Sr. pague o que me deve. A. (gritando) — O Sr. é um ladrão! E o seu criado é um tratante! Hei-de metê-los todos na cadeia. P. Em vindo o Sr. Ernesto e a Sra. D. Eulália, hei-de contar-lhe tudo; e o Sr. há-de mu- da r-se! A. Isso queriam vocês "arrumando a cama" para ficarem com as minhas jóias. P Para que queremos nós as suas jóias, Senhor! Era melhor que o Sr. estivesse dormindo; visto que ainda não cozinhou a bebedeira. A. Patifão! ainda me trata de bêbado! Esperem! eu lhes respondo (Levanta o travesseiro e pu- xando um punhal): Ou vocês hão de entregar- me o que depositei em suas mãos, ou hei-de vará-los com este punhal. P. O Sr. cada minuto fica mais imprudente! Já lhe disse que (recuando-se e aproximando-se de uma gaveta) que não lhe posso devolver o que me entregou, sem que me pague o que me deve. (Puxa a gaveta, tira um revólver e engatilha-o.) E se se atrever a tentar fe- rir-me com esse punhal, lançá-lo-ei por terra com uma bala. E veja onde quer; escolha: no coração ou na cabeça? O CRIADO (entretanto, arma-se de um cabo que tira muito cheio de medo de uma vassoura que estava a um canto — à parte) — Hei-de me- ter-lhe este cabo de vassoura pelos olhos, para dar-lhe vista; e fazê-lo passar pelos ouvidos, a fim de ouvir melhor! E se não bastar, me- ter-lhe-ei na boca a vassoura, para fazê-lo calar! A. (gritando) — Assassino! ladrões! querem me matar! Querem me roubar! Aqui, soldados! oficiais! polícia! (Fazendo milhares de movi-
  • 16. JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO mentos, ora para um lado, ora para outro, querendo sair.) P. (querendo tranquilizá-lo) — Está doido, Se- nhor! . Que é isto? Acalme-se!... O Senhor está fora do seu juízo! SOLDADOS (arrombando a porta, entrando e desembai- nhando as espadas) — Presos! Estão presos, à ordem do Ilmoº Sr. Chefe de Polícia! p. — Só este louco é que deve ir preso (apontando para Alberto). A. — Não, camarada! Ele é que deve ir, porque que- ria matar-me com aquele revólver para rou- bar-me um brilhante! I. — E a mim quis me fazer de mulher! P. — (para o criado) — Cala-te! Não é preciso fa- lares! (Para os soldados): Este home, Senho- res, está fora de sua razão. Ele, e só ele precisa correção! SOLDADOS — Não queremos saber disso! Os Senhores estão armados; ouvimos gritar pela polícia; temos de cumprir nosso dever. Estão portanto todos presos; e têm de acompanhar-nos à presença de nosso Chefe. ELES Não! não! Nós, não, camaradas! SOLDADOS — Lá se acomodarão! E se não querem por bem, irão à força. Escolham! ELES — (muito aflitos) — Que vergonha! Que opró- brio! Nós presos! Temos de ir à polícia acom- panhados de soldados! Que dirá o Sr. Ernesto e a Senhora D. Eulália, quando souberem, camaradas (puxando da algibeira dinheiro e querendo meter nas mãos dos soldados). Aqui tem dinheiro! Deixem-nos! SOLDADOS — É muito atrevimento! Pensam que somos mi- seráveis ganhadores? — que!. . . somos capa- zes de trair nossos deveres!? de manchar esta farda que nos foi dada por nosso Monarca?! Não; somos livres, Srs.! e não nos vendemos por dinheiro! Não deixaríamos de cumprir
  • 17. o HÓSPEDE ATREVIDO; OU O BRILHANTE ESCONDIDO nossa missão, por considerações ou amizades, quanto mais por prata ou ouro! UM DELES — É uma infâmia! Companheiro, agarrem aque- les que eu seguro este! (Lançam mãos cada soldado a cada indivíduo, trançam-lhe os bra- ços, há puxões, socos, diligência para saírem, gritos, lamentos e até choros, mas afinal são arrastados pelos soldados e conduzidos à Po- lícia .) Desce o pano, terminando assim a comédia. Esta comédia é apenas um borrão que deve passar pelas correções necessárias antes de ser impressa, tanto mais que foi escrita das 11 horas da noite de 30, às 3 quando muito da madrugada de 3 1 . Por José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo Porto Alegre, janeiro 31 de 1866 NOTAS 1. Assim no texto 2. Forma popular de abrenúncio. 3. Gregório de Matos Guerra, o poeta baiano (1633-1696), fale- ceu no Recife, de morte natural. A intenção do texto é levar ao riso, ou à época em que foi redigida esta peça era corrente a versão aqui consignada? 4. Aldragante = tratante, vagabundo, segundo Luiz Carlos de Moraes, Vocabulário Sul-Rio-Grandense. Em Laudelino Freire, Dic. da Língua Portuguesa, consta: aldagrante. 5. Assim no texto. A forma paraguaio ainda não se generalizara. Hoje, o periquito psittacula passarina é denominado paraguai. V. Laudelino Freire, Dic. da Língua Portuguesa.