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RAISSA ALVES C. PAZ
Preocupações artísticas: o caso do Atelier Coletivo da
Sociedade de Arte Moderna do Recife
Campinas
2014
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
RAISSA ALVES C. PAZ
Preocupações artísticas: o caso do Atelier Coletivo da
Sociedade de Arte Moderna do Recife
Orientadora: Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas para a
obtenção do Título de Mestre em História.
Este exemplar corresponde à VERSÃO PROVISÓRIA da
dissertação a ser defendida pela aluna Raissa Alves C. Paz, e
orientada pela Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino, em
31/03/2015.
Campinas
2014
v
Resumo
Frequentemente se considera que as décadas de 1940 e 1950 em Recife foram de
“efervescência cultural” e de “intenso movimento artístico”, tendo como base tanto a
grande quantidade de material sobre atividades artísticas que supostamente estariam
ocorrendo nessa cidade, quanto o conteúdo dele, o qual em parte advoga explicitamente
essa ideia. Contudo, esse procedimento utilizado para “constatar” determinadas
experiências deixaram de problematizar quais os sujeitos, grupos e instituições que
divulgaram essa ideia. Desse modo, este trabalho procura acompanhar as discussões
empreendidas naquele momento sobre as artes plásticas a partir do estudo da trajetória de
uma organização que reuniu alguns artistas, o Atelier Coletivo da Sociedade de Arte
Moderna do Recife. Nesse intento, alguns temas se mostraram fundamentais para o
entendimento daquele cenário: arte moderna, regionalismo nordestino, folclore, educação
artística, educação popular, práticas arquivísticas e memória.
Palavras-chave: Artes Plásticas; Educação Artística; Memória; Recife
vi
vii
Abstract
It’s frequently considered that the decade of 1940 and the decade of 1950 in Recife were
of “cultural effervescence” and “intense artistic movement”, based upon both the large
amount of material about artistic activities supposedly taking place in this city as well as
its content, which in part explicitly advocates this idea. However, this procedure utilized
to “verify” certain experiences failed to problematize which subjects, groups and
institutions disseminated this idea. Thus, this work seeks to follow the discussions
undertaken at that moment about the fine arts from the study of the trajectory of an
organization that brought together some artists, the Society of Modern Art of Recife’s
Collective Atelier. In this intent, some subjects proved fundamental to the understanding
of that scenario: modern art, northwestern regionalism, folklore, artistic education,
popular education, archival practices and memory.
Keywords: Fine Arts; Artistic Education, Memory; Recife
viii
Índice
Introdução......................................................................................................................15
Capítulo 1 - Sociedade de Arte Moderna do Recife e Atelier Coletivo entre memórias e
arquivos......................................................................................................31
1.1 José Cláudio e três obras, impressas.........................................................38
1.2 A construção de um grupo........................................................................58
1.3 O Atelier Coletivo, “um fato muito importante na vida artística do Recife
e do Nordeste” ............................................................................................78
Capítulo 2 - A escrita sobre artes plásticas em Recife...................................................91
2.1 Arte Moderna, SAMR e Atelier Coletivo...............................................103
2.2 A luta por reconhecimento e valorização das artes e dos “operários” que as
fazem.............................................................................................................120
Capítulo 3 - Motivos para as artes plásticas...................................................................141
3.1 Algumas propostas de Gilberto Freyre.....................................................163
3.2 Museu Popular ........................................................................................178
Considerações Finais - DDC: um projeto de educação cultural popular para
Recife.............................................................................................................................185
Referências...................................................................................................................201
Anexo............................................................................................................................209
xi
Agradecimentos
Não fiz o presente trabalho sozinha. Variados e inúmeros momentos e pessoas na
minha vida contribuíram para a conformação desta dissertação: valores construídos desde
a infância no ambiente familiar, professores admirados na adolescência e, principalmente,
o diálogo muito especial sobre estudos com Israel Ozanam, meu companheiro. Um
sentido para os meus estudos vem sendo erigido nesse diálogo.
Sou grata particularmente à minha orientadora Silvana Barbosa Rubino que me
deu a oportunidade de desenvolver esta pesquisa como aluna do mestrado no Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Agradeço também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), o qual me proporcionou dois anos sem a necessidade de exercer atividade extra
pesquisa para minha manutenção financeira.
Um agradecimento fundamental dedico ao artista plástico Wilton de Souza, foi
ele quem trouxe motivação para este estudo em particular. Sua vivacidade ao contar
experiências em artes plásticas no Recife nas décadas de 1940 e 1950 me encantaram e
me fizeram querer saber mais.
xii
xiii
Nada mais posso dizer, pois com palavras não chegarei a exprimir o que sinto
em escultura. Por mais que eu fale não conseguirei construir nem mesmo um simples
bloco de pedra, pois, as palavras não têm volume.
Abelardo da Hora em depoimento para “O escultor Abelardo da Hora”. Contraponto. Ano
II, N. 8, p. 17. Recife, 1948.
15
Introdução
1. Uma parcela da imprensa do Recife nas décadas de 1940 e 1950 esteve encarregada
de apresentar a cidade, ou a região Nordeste, como potencial artístico, ou de maneira mais
ampla, potencial cultural. Para isso, nela foram veiculados documentos considerados
oportunos para reforçar tal característica. Arquivos, por exemplo, foi uma revista publicada
no período pelo órgão municipal inicialmente nomeado Diretoria de Estatística Propaganda
e Turismo (DEPT) e depois Diretoria de Documentação e Cultura (DDC), e serviu de maneira
semelhante a um arquivo físico, como seu nome sugere, contando, segundo declarava em
suas páginas, com a colaboração “de autores dos mais distinguidos e documentação diversa,
antiga e atual”, através da qual se poderia, “sem dificuldades, recompor as atividades
culturais do Recife” nos anos os quais a revista era editada. Em seu conteúdo constam temas
de história local (de Recife, Pernambuco e Nordeste), arquitetura, poesia, literatura, artes
plásticas, entre outros, além de trazer fotografias e ilustrações, estas últimas, inclusive,
realizadas por um funcionário da própria DDC, Hélio Feijó.1
Nela há também uma espécie de catálogo com variados eventos, sobretudo
exposições, salões de arte e conferências, que naquele momento foram realizados, todos com
a colaboração da DDC. No volume referente aos anos 1952 a 1965 uma passagem diz: “é
1
A Arquivos foi publicada entre os anos 1942 e 1977, sempre vinculada à Prefeitura Municipal do Recife. As
edições analisadas nesta pesquisa estão no setor de periódicos do Centro de Documentação e Estudos de História
Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Para a citação direta ver: “Este número”. In: Arquivos.
Anos IV/X, N.os
7 a 20. Recife: Diretoria de Documentação e Cultura/Imprensa Oficial, 1953, p. III. Em relação
à DDC, ela veio substituir a DEPT, Diretoria de Estatística e Propaganda que, segundo Dirceu Marroquim, fora
“criada pela Prefeitura com o intuito de ‘divulgar, de maneira regular e oportuna, a vida e as coisas do Recife’”,
dentro de um plano para o desenvolvimento do turismo na cidade, de alcance nacional e internacional, fazendo
com que “os visitantes conhecessem a cidade, suas feiras, suas peculiaridades e seus ares pitorescos”. Ver
MARROQUIM, Dirceu S. M. “Histórias de um navio holandês (1939): antecipações do turismo em
Pernambuco”. In: CASTRO, Celso, GUIMARÃES, Valeria Lima e MAGALHÃES, Aline Montenegro
(organizadores). História do Turismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 201. O objetivo da
prefeitura municipal com a mudança da DEPT pela DDC seria implantar “um departamento de cultura com
maior âmbito, prevendo a criação de múltiplos serviços e, sobretudo, a possibilidade de ser levado a bom termo
um eficiente plano de trabalho em favor das populações de menores recursos econômicos”. Bibliotecas
Populares no Recife. Recife: Diretoria de Documentação e Cultura/Imprensa Oficial, 1951, s/p. Para
informações sobre as diretrizes da Diretoria recorri ao documento supracitado, a revista Arquivos, e aos
relatórios municipais apresentados à Câmara Municipal do Recife que compreenderam o período da pesquisa,
1948 a 1957, sendo estes, inclusive, também elaborados pela DDC. Saliento que as citações diretas em todo
esse trabalho terão a ortografia atualizada, contudo, mantida a pontuação original.
16
nosso intuito (...) transformar a prestigiosa publicação numa revista de cultura da cidade do
Recife”, fazendo aparecer nela “todas as manifestações válidas no campo da história, da arte,
da sociologia, da literatura, da política, enfim, de tudo aquilo que revele uma inquietação,
uma busca, uma realização dos artistas e intelectuais da nossa cidade”.2
No que toca às artes em Pernambuco parece que a revista deixou para alguns de nós,
cidadãos de início do século XXI, uma compreensão coerente daqueles anos como de
“efervescência cultural”. Habitualmente, estudar a vida cultural (no que diz respeito ao teatro,
às artes plásticas, à fotografia, entre outras práticas que podem ser compreendidas, de forma
ampla e genérica, como do campo da arte) do local e período da Arquivos é partir dessa
premissa. No entanto, as análises que compartilham dessa ideia deixam de lado algumas
questões importantes, como, por exemplo, a posição da imprensa nesse quesito.3
Conceber as décadas de 1940 e 1950 no Recife como de “efervescência cultural”
baseando-se em informações veiculadas nas fontes daquela época que afirmavam isso não
deveria ser um procedimento automático. Várias razões podem ter levado um grande número
de documentos a afirmar algo. Então ao invés de transpor como verdades determinados
enunciados só pelo fato de terem sido produzidos no tempo em questão, pode ser mais
2
“Apresentação”. In: Arquivos. N.os
21 a 47. Recife: Secretaria de Educação e Cultura/Imprensa Universitária.
1952-1965, p.1.
3
Interpretações nesse sentido foram de certo modo realizadas em TEIXEIRA, Flávio Weinstein. O Movimento
e a Linha: Presença do Teatro do Estudante e d'O Gráfico Amador no Recife (1969-1964). Recife: Editora
Universitária UFPE, 2007. Na primeira página da introdução, p. 13, ele comenta: “O que este trabalho procura
evidenciar é que, também sob o ponto de vista cultural, as transformações que o Recife vivenciou nessas duas
décadas [1940/50] foram igualmente significativas e marcantes. A leitura dos jornais da época não deixa
dúvidas quanto a isso”, e, para reforçar seu argumento, prosseguiu citando uma fonte, Diário de Pernambuco
de 08/08/1948, 2º Caderno, p. 06: “Veja-se, por exemplo, o brado que Mauro Mota, do alto de sua condição de,
já àquela época, renomado poeta e diretor do suplemento literário do Diário de Pernambuco, lançava aos quatro
ventos: ‘quando tivemos e temos nomes exponenciais em todos os ramos da cultura e da sensibilidade humanas?
Quando no momento refletimos uma paisagem literária que não é do saudosismo ou estagnação e sim de vida
calorosa e ativa, de renovação de métodos e sistemas?’ (...) Constatar, portanto, a singularidade da época, em
termos de vigor cultural, não é tarefa que exija esforço desumano”. Apesar dessa perspectiva n’O movimento e
a linha – de não questionar mais profundamente a expressiva veiculação das artes por boa parte da imprensa
nos anos de 1940 e 1950 e considerar que havia uma efervescência cultural na cidade pelo fato das fontes do
período dizerem isso –, não posso deixar de expressar que ele vem sendo valioso diálogo para a pesquisa aqui
discorrida, possibilitando vislumbrar detalhadamente práticas relacionadas ao teatro, que naquele momento era
campo de compartilhamento de ideias sobre arte com as artes plásticas. Seu trabalho foi, com certeza, um grande
incentivo. Sobre jornais e periódicos que dedicavam muitas de suas páginas com assuntos sobre artes, entre
outras atividades ditas culturais, nas décadas de 1940 e 1950, aqui analisadas, se encontram: Boletim da Cidade
e do Porto do Recife, Contraponto, Nordeste, Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco e Revista do
Norte, além da seção sobre artes plásticas dirigida por Ladjane Bandeira, publicada inicialmente no Diário da
Noite e depois no Jornal do Commercio.
17
proveitoso examinar os indícios de que atividades consideradas culturais, entre elas as artes
plásticas, atraíram discussões e ampliavam seu alcance no período. Assim sendo, não
intenciono nesse trabalho fazer um estudo de comprovação da existência ou não existência
de uma ebulição na cultura em Recife dos anos 1940 e 1950, até porque isso demandaria uma
comparação com outros períodos ou lugares. Procurarei apenas entender porque naquele
momento alguns sujeitos, grupos e instituição afirmaram a existência de uma efervescência
cultural na cidade.
Um artigo publicado em 1965, intitulado “Arte Regional e Arte Regionalista”, inicia
refletindo sobre “O crescente movimento artístico que se observa no Nordeste, a exemplo de
outras regiões do País (...)”.4
Nesse sentido, é pertinente compartilhar a ideia apresentada
pelo estudioso Eduardo Dimitrov de que alguns sujeitos naquela época empreenderam
esforços na imprensa para promover a arte pernambucana. Ele se refere particularmente a
Gilberto Freyre. Este último, que também fez tentativas na pintura, apesar de não ter sua
imagem associada a essa experiência, recorreu a diversas formulações para mostrar
singularidades que deveriam em sua opinião ser valorizadas nas produções de alguns pintores
pernambucanos, dentre eles, e especialmente, Lula Cardoso Ayres.5
Esforços também foram realizados na imprensa para instituir uma tradição artística
local. Não seria à toa um escrito de 1906, “Nossos quadros e nossos pintores”, ter sido
publicado na Arquivos em 1953. Em nota explicativa, a revista justificou que ao reproduzir
tal documento procurava apenas “trazer uma contribuição ao estudo” do “panorama
artístico”, de início do século, já que considerava ser esse texto de grande importância “como
documentário minucioso que é, elaborado com detalhes muito interessantes para o estudioso
que pretenda fixar a evolução da pintura no Recife”.6
Além de textos desse tipo, no periódico algumas páginas eram reservadas para
noticiar os eventos culturais organizados pela DDC. Ao fazer isso, os responsáveis pela
4
SANTOS, M. C. “Arte Regional e Arte Regionalista”. In: Arquivos. Op. cit., 1965, p.142-161.
5
DIMITROV, Eduardo. “Pintura e Identidade: formas de pintar Pernambuco por artistas locais e seus diálogos
com o Sudeste”. In: Anais do 34º Encontro Anual Anpocs, Caxambu/MG, 2010. Sobre Lula Cardoso Ayres em
especial as páginas 6 a 14. Disponível em
http://www.anpocs.org.br/portal/seminarios_tematicos/ST15/EDimitrov.pdf, acessado a 16 de abril de 2012.
6
Nota explicativa da revista para o texto de Bianor Medeiros: “Nossos quadros e nossos pintores”. In: Arquivos.
Op. cit., 1953, p. 257.
18
publicação acabavam associando determinadas ações no campo das artes a uma espécie de
predisposição local, a qual, para eles, poderia ser constatável em sua história. Arquivos, na
condição de um órgão oficial da prefeitura, acreditava haver um potencial artístico local, o
qual não seria por ele desperdiçado, pelo contrário. E para mostrar que tinha essa concepção
da cidade, procurou registrar e divulgar atividades por ele próprio desenvolvidas que estariam
levando isso em consideração.
Além do mais, outra questão estava em jogo: a crença na existência de uma disputa
com a produção cultural do Sul, mais especificamente de São Paulo. Nesse ponto o trecho
acima citado de “Arte Regional e Arte Regionalista” pode aparecer como indicativo.7
Ideias
que concebiam o Nordeste como área marginal, menos produtiva para o país, eram
prontamente rebatidas por intelectuais e artistas de Recife. Eles afirmavam que em termos
econômicos as coisas até podiam ser assim, mas no tocante às “atividades culturais”, não.8
Contudo, vale destacar que a disputa parece ter partido mais de alguns pernambucanos do
que dos paulistas, e, mesmo assim, os primeiros demonstravam sempre querer a aprovação
dos segundos. Em 1952 o jornalista Altamiro Cunha escreveu uma crônica sobre um
encontro tido com um “excelente crítico de repercussão nacional”, Sérgio Milliet. Em suas
7
Essa reflexão também foi elaborada por DIMITROV, op. Cit.
8
Sobre o fator econômico nesse período (década de 1940 e principalmente de 1950), encontrei no Diário da
Noite diversas matérias, inclusive de capa, mostrando a miséria que assolava as ruas de Recife, tendo como um
dos fatores a seca disseminada no Nordeste. Afirmava-se que planos em nível municipal e federal estavam em
andamento, mas apresentavam muitos problemas em suas execuções. Em agosto de 1955 a prefeitura do Recife
organizou o Congresso de Salvação do Nordeste, onde diversos setores da sociedade discutiram os principais
problemas socioeconômicos da região. “O Congresso contou com o apoio dos governadores do Nordeste, da
Bahia ao Maranhão, também de Minas Gerais, mobilizados pelo dinamismo de Clodomir Morais, a experiência
e senso prático de Sousa Barros”, este último responsável pela elaboração da Carta de Salvação que “analisa e
propõe intervenções nos setores de energia elétrica, indústria e comércio, trabalho, minérios, terra, migrações,
transporte, secas, saúde, educação e cultura e agricultura”. Após essa iniciativa surgiriam a Operação Nordeste
(OPENO) e a Comissão de desenvolvimento do Nordeste, e, finalmente, em 1959, a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Essas informações foram encontradas em NETO, Nagib Jorge.
Paulo Cavalcanti – Elogio da Resistência: Evocação a Paulo Cavalcanti. Coleção Perfil Parlamentar século XX
Recife: Assembleia Legislativa do estado de Pernambuco, 2001, p. 33-34. Disponível em
http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/01pdf/PauloCavalcanti.pdf, acessado a 05/11/2013.
Sobre o Congresso de Salvação do Nordeste ver também PONTUAL, Virgínia. “A utopia de um novo tempo:
reformas sociais e planejamento”. In: Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, p. 238,
disponível em
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&cad=rja&ved=0CE0QFjAE&ur
l=http%3A%2F%2Fwww.anpur.org.br%2Frevista%2Frbeur%2Findex.php%2Fshcu%2Farticle%2Fdownload
%2F440%2F416&ei=tyJ5UpObOIjtrQGzvYCwDg&usg=AFQjCNEEZmmQ_BEH0zKOkCzBtVXmc1yrVg
&sig2=CeGFfHPb-Bbx-vkt5GzV7Q.
19
conversas haveria a indagação sobre quais “impressões” o crítico tinha da “nossa terra”, o
qual responderia: “Estou encantado com o progresso do Recife. Contente e orgulhoso. Porque
vejo no Recife uma imagem de S. Paulo, com as vantagens da civilização e as tristezas da
perda de substância regional e tradicional”. O jornalista após tal resposta endereçou duas
perguntas mais específicas a propósito de “sua opinião sobre o movimento intelectual e
artístico de Pernambuco” e da “possibilidade de deslocamento da ficção brasileira do norte
para o sul”.9
As respostas de Milliet provavelmente não tinham o propósito de contrariar Altamiro
Cunha, o qual lhe destinava calorosa receptividade e veementes elogios. Em relação à
primeira ele disse que Pernambuco, e o Nordeste como um todo, “é e sempre foi importante
para o Brasil. Uma terra que deu no ensaio sociológico um Gilberto Freyre e, na pintura, Lula
Cardoso Aires, e na poesia um Joaquim Cardoso, no romance um paraibano José Lins do
Rego não é apenas respeitável, é admirado (...)”. Para a segunda, concluiu: “um bom romance
do sul não destrói os bons romances do nordeste”.10
2. Os sujeitos, os espaços e o tempo alvos de investigação dessa pesquisa se
apresentaram inicialmente como eco das fontes do período que eu supunha delimitar a minha
pesquisa, os anos entre 1948 e 1957, mas esse eco acabou por se tornar uma das próprias
problemáticas dela: em que termos chegou a 2010 uma experiência ocorrida há mais de meio
século? Quais os esforços empreendidos para que algumas vozes em lugares e circunstâncias
específicas fizessem atualmente referências a uma organização considerada de artes plásticas
que existiu em meados do século XX? Diante dessas questões uma alternativa para resolvê-
las foi tratar da memória, no sentido que era concebida e reforçada por iniciativas de
instituições e sujeitos do próprio período, preocupadas em registrar realizações nas artes com
determinadas finalidades, dentre elas, a de construir uma história desse campo com base
empírica, promovendo a percepção de que nessa área Pernambuco àquela época era
proeminente no Brasil.
9
CUNHA, Altamiro. “Os dias da cidade - Encontro com Sérgio Milliet”. In: Diário da Noite, 31/01/1952, p. 4.
10
Ibidem.
20
Se essa maneira de proceder a pesquisa não fosse necessária, eu não deveria ter dado
atenção ao sugestivo nome da revista Arquivos, que se propunha a tratar das “atividades
culturais do Recife”, assim como ao órgão municipal responsável por sua elaboração, de
nome igualmente sugestivo: Diretoria de Documentação e Cultura (DDC)11
. Mas vamos a
alguns dados do meu percurso de pesquisa, para não tornar tudo confuso desde o início.
Estudar artes plásticas por meios historiográficos em algum momento passou a ser
um interesse que eu alegava ter, mesmo desconhecendo de onde e quando haveria surgido.
Provavelmente não foi na minha experiência nas disciplinas do curso de graduação em
História da Universidade Federal de Pernambuco, pois dela não me recordo de nenhuma
discussão significativa baseada em artefatos que não fossem escritos, seja charges,
fotografias, filmes, vestuário, arquitetura, mobiliário, etc. Também não houve momentos
para refletir sobre desenhos, pinturas, esculturas, ou qualquer produção das artes plásticas. O
contrário parece ocorrer no curso de História da Universidade Estadual de Campinas, como
percebi na produtiva vivência como participante do Programa de Estágio Docência na
disciplina Laboratório de História II ministrada pela professora Silvana Rubino. O que ressoa
em minha memória dos meus tempos de graduação é que quis em 2009 cursar uma disciplina
intitulada História e Imagem durante um intercâmbio, ainda na graduação, na Université
Lumière Lyon 2 (França).
A disciplina, ministrada pelo professor M. Christian Sorrel, propunha a análise de
algumas obras de arte do gênero histórica – onde há a ideia ou intenção de representar um
acontecimento passado, como fez, por exemplo, Eugène Delacroix na pintura La liberte
guidant le peuple, sobre a Revolução Francesa. Pautadas a maior parte das aulas em
seminários a cargo dos alunos, as explanações, por vezes, abordavam, para decepção do
professor, basicamente o episódio representado, mas não as condições da obra: quem a fez,
onde, por qual razão, em quais condições, quem comprou, onde ela está, etc. O tratamento
de produções artísticas, ou outro registro visual, como fonte valiosa para a compreensão de
determinada sociedade foi bastante incipiente na minha formação enquanto aluna de
graduação em história, e percebi em diálogos com colegas da pós-graduação advindos de
11
Arquivos, 1º e 2º números, 1945-1951, Recife: DDC, 1953, p. 3.
21
outras instituições de ensino que essa experiência foi também compartilhada pela maioria
deles, a não ser por aqueles que cursavam disciplinas de história da arte.
Em 2010, quando estava a reunir documentos para outro trabalho, conheci um senhor
de quase 80 anos que me entregou uma publicação composta por desenhos elaborados por
ele ilustrando poesias de Carlos Pena Filho12
. Esse senhor, Wilton de Souza, passou algumas
poucas horas conversando sobre sua trajetória profissional, em especial sobre uma iniciativa
realizada por artistas plásticos da qual participou, o Atelier Coletivo da Sociedade de Arte
Moderna do Recife, que haveria existido na década de 1950 em Recife. Mostrava-se
empolgado ao relatar, mas ao mesmo tempo lamentava a pouca valorização e a consequente
desinformação das pessoas sobre algo considerado por ele muito importante para a
construção do atual cenário pernambucano das artes plásticas. Essa conversa se deu
justamente quando eu estava avaliando a possibilidade de elaborar um projeto de pesquisa
para o mestrado. Passados alguns meses eu já estava com uma quantidade de fontes e
questões suficientes para me fazerem optar por estudar e querer saber mais sobre o Atelier
Coletivo.
Tal empreendimento teria surgido como proposta da Sociedade de Arte Moderna do
Recife (SAMR). Essa sociedade, segundo alguns documentos e relatos, fora pensada no
momento da 1ª exposição de Abelardo da Hora por artistas e intelectuais locais. O pintor
Hélio Feijó foi quem assinou seu registro em cartório como “sociedade civil” no ano de
1949.13
Contudo, o Atelier Coletivo é atualmente representado de forma mais autônoma, não
apenas como uma espécie de oficina da sociedade, visto que alguns de seus integrantes não
estiveram envolvidos em outras atividades dela e, mesmo assim, até hoje suas biografias
sempre lembram o período de participação no Atelier, sem necessariamente mencionar que
ele era da SAMR.
Abelardo da Hora viria a tornar-se o mais atuante incentivador do Atelier. A sua
exposição de 1948 contou com o patrocínio da DDC, a qual, como foi dito, tinha entre seus
12
Poeta recifense vivido entre os anos de 1928 a 1960. O trabalho ao qual faço referência é Episódio Sinistro
de Virgulino Ferreira, publicado em 1985.
13
Ver Estatutos da Sociedade de Arte Moderna do Recife. Recife, 1950 e Certidão. 1º Cartório de Titulos e
Documentos, Registro Nº 392, Livro A Nº 5, Fl. 82. Recife, 21/11/1949. “Pintor” como categoria profissional
de Hélio Feijó é expresso no próprio registro da sociedade.
22
funcionários Hélio Feijó, que veio a ser o primeiro presidente da SAMR. A DDC, dirigida
em seu início, 1946, por Manoel de Souza Barros e posteriormente por José Césio Regueira,
funcionava como um canal pelo qual o poder público se envolvia com atividades
consideradas culturais14
. Como relatado no início desta introdução, através da revista
Arquivos esse órgão divulgava eventos e atividades que realizou ou apoiou, como exposições
e salões de pinturas e fotografias, conferências, etc.
Alguns dos propósitos da DDC são apresentados em outra publicação de sua
responsabilidade – organizada para a conferência latino-americana de bibliotecários em
setembro de 1951 –, dos quais os que associam cultura, educação e população pobre (ou
populares, pois no texto esses dois termos se afiguram sinônimos) parecem combinar-se com
uma das diretrizes da SAMR, preponderantemente incorporadas pelo Atelier Coletivo. Nela
foi informado que o órgão municipal propunha a execução de um “plano de trabalho (...) em
favor das populações de menores recursos econômicos”, melhorando seu “índice cultural”,
devido as suas “condições ainda precárias”, impossibilitadas de manter contato com “formas,
mesmo elementares, da cultura”.15
No Art. 1º de seu estatuto a Sociedade expôs sua finalidade: “independente de raça e
de credo político ou religioso, contribuir para o desenvolvimento cultural e artístico do
Recife, e pugnar pela expansão de uma arte bem orientada, educando o público e instruindo-
o na relação de valores”.16
Abelardo da Hora escreveu um dos textos que compõe o catálogo
da primeira exposição do Atelier Coletivo, em 1954 – o qual fora dedicado “Ao povo de
Pernambuco cuja vida e espírito criadores, são as fontes de nossas realizações” –,
expressando que as exposições da SAMR deveriam ter objetivo “que viesse a contribuir para
a elevação do nível artístico do povo e dos próprios expositores”.17
Essas três entidades, DDC, SAMR e Atelier Coletivo, elaboraram documentos
registrando suas propostas e realizações. Esses materiais são alguns dos inúmeros sobre artes
(artes plásticas, literatura, teatro, música, etc.) do período. Os documentos produzidos pela
diretoria e pela sociedade não foram encontrados nos arquivos públicos existentes, os quais
14
“Este número”. In: Arquivos, Anos IV/X, Números 7 a 20, 1953, p. III.
15
Bibliotecas Populares do Recife. Op. Cit., s/p.
16
Estatutos da Sociedade de Arte Moderna do Recife. Op. Cit., p. 3.
17
Catálogo para Exposição do Atelier Coletivo. Recife: DDC, 1954.
23
de maneira geral se constituem com periódicos de publicação mais regulares (como jornais
diários e algumas revistas).18
Eles fazem parte de um acervo particular construído por um
dos artistas que integrou essas organizações, Wilton de Souza, o qual os compreende como
fontes importantes para o entendimento dessas experiências, e, também, da trajetória das artes
plásticas em Pernambuco e no Brasil.
Nos arquivos públicos, contudo, há muito material oportuno para esta pesquisa. Sua
presença nesses espaços provavelmente se dá por temas como arte nos anos de 1940 e 1950
terem sido veiculados em revistas de maior visibilidade e jornais diários. O teatro e as artes
dramáticas de modo geral, por exemplo, foram bastante discutidas e divulgadas por Valdemar
de Oliveira na revista Contraponto. Ele era diretor da publicação e fundador do Teatro de
Amadores de Pernambuco (TAP) e não poupava inúmeras matérias sobre teatro nela. O
periódico teve 13 números lançados entre os anos 1946 a 1951, ou seja, pelo menos 2 por
ano, contava com artigos de nomes como Gilberto Freyre e era permeado por ilustrações e
fotografias.19
A historiadora Isabel Guillen comentou que a revista Contraponto foi, “em larga
medida”, responsável pela “difusão do traço” do artista Lula Cardoso Ayres nos anos em que
era editada, e continua: “Nela, ele publicou muitas gravuras que tinham como tema a cultura
popular, principalmente o carnaval e, em especial, o maracatu”.20
Em outra publicação,
Nordeste, iniciada em 1945 e divulgada como “mensário de cultura”, várias páginas foram
dedicadas a reproduzir pinturas de Lula, mas também obras dos artistas plásticos Elezier
Xavier, Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias, Hélio Feijó, entre outros, inclusive a então
“arte popular do Nordeste”, composta por esculturas em cerâmica.21
A característica mais
18
Mas esse não é o perfil de todos os arquivos. A Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) tem uma Diretoria de
Documentação que conta com “objetos” (para usar o termo empregado pela própria instituição) diversos, mas,
por exemplo, não tem o jornal Diário da Noite, utilizado nesta pesquisa. Já em outros acervos, como o do
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, há muitos jornais diários, porém grande parte em péssima
condição, fazendo com que sejam “interditados” para consulta pelo pesquisador. Essas duas instituições se
localizam em Recife.
19
Esse periódico pode ser encontrado no Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira da
Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), setor de periódicos, caixa 960.
20
GUILLEN, Isabel. “Guerra Peixe e os maracatus no Recife: trânsitos entre gêneros musicais (1930–1950)”.
In: ArtCultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 235-251, jan.-jun. 2007, p. 235-251. Disponível em
http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF14/Isabel%20Cristina.pdf, acessado a 30/09/2013.
21
Sobre os artistas mencionados ver as matérias da revista Nordeste: “‘Revelação’ de Lula Cardoso Ayres”,
por Mauro Mota, Número III, Ano II, Recife, 26-I-1946, p.6, além de outras páginas com reproduções de suas
24
acentuada, ou divulgada, dessas obras é a abordagem de temas regionais personificados no
tipo social denominado homem do povo ou popular.
Entender as dimensões narrativas dessas fontes assim como as práticas arquivísticas
vinculadas a elas no transcorrer de mais de 60 anos, desde a criação da SAMR, vem se
mostrando nesta pesquisa fundamental para o entendimento de como essas experiências
chegam a nós. Sejam realizadas pelo setor público ou por particulares, elas subsidiam
memórias e pesquisas acadêmicas que na maioria das vezes não as problematizam.
Outro fator a considerar é o de indivíduos pitorescos, populares terem sido em
abundância representados em muitas produções do período alvo desta pesquisa. Os registros
desses, contudo, os traduziam como elementos próprios do Recife, ligados a espaços públicos
como ruas, praças e mercados, por vezes em ocupação profissional: vendedor de bolos,
pescadores, lavadeiras, e/ou em hábitos considerados folclóricos, associados a tradições
religiosas e étnicas. A percepção de tipos locais se dava simultaneamente à percepção do que
seria a cidade.
Em Gente, Coisas e Cantos do Nordeste, publicado no Recife em 1954, por exemplo,
o autor Jaime Griz pretendia tratar, como explícito no título do livro, de gente, mas dessa
gente sem seus nomes próprios. Jaime Griz interpreta praeiros, pescadores, catimbeiros,
vaqueiros, entre outros, ou seja, em grupos mais especificamente relacionados à sua
ocupação profissional ou ao local onde moravam. Ele trata de forma individualizante apenas
o “preto Mestre Chico”, comentando ser ele “um ex-escravo carregado de anos, cheio de
recordações dos antigos senhores de muitas posses e muitos escravos” que contava histórias
de “Trâncoso”. Sua preocupação era observar indivíduos os quais denominou de “gentes
simples do povo”, e fez isso em larga faixa geográfica, os caracterizando conforme perfis
amplos e generalizadores que, para ele, podiam ser associadas ao local onde estavam, as sub-
obras. Ver igualmente outro texto sobre Lula: “Um pintor do Nordeste”, por Hermilo Borba Filho, Número 5,
Ano II, Recife, 27-4-1946, p. 3. Referente a Telles Júnior: “O Pintor Teles Júnior conta sua vida”, Número V,
Ano II, Recife, 27-4-1946, p. 7 e 14, e “I Centenário do nascimento do pintor Teles Júnior”, N. I, A. VI, Recife,
08/01951, p. 20. Sobre Vicente do Rego Monteiro: “Vicente”, por Tomás Seixas no Número 6, Ano II, Recife,
07/1946. Elezier Xavier: “Um Técnico na Técnica da Água”, Número I, Ano III, Recife, 01/1948, p. 17. Cícero
Dias: “Minha Exposição no Recife”, Número IV, Ano III, Recife, 08 e 09/1948, p. 20. Hélio Feijó: “Conversa
com Hélio Feijó”, por Perminio Asfora, Número I, Ano V Recife 01 e 02/1950, p.11. Para “arte popular” em
cerâmica ver capa do Número II, Ano I Recife, 25-XII-1945.
25
regiões do Nordeste: Litoral, Zona da Mata, Agreste e Sertão, mesclando cultura e paisagem
natural.22
Segundo Israel Ozanam, Jaime Griz “se dedicou durante décadas a estudar o folclore
como campo de conhecimento e meio de alcançar um substrato de tradições nacionais que,
conforme afirmou no artigo Folclore, história, região e poesia, seriam a fonte tanto da poesia
culta, quanto da popular”.23
Contudo, valorizar os populares, os tipos locais, não foi uma
característica exclusiva dos escritos de Jaime Griz, nem dos artistas há pouco mencionados
– havia uma linhagem de folcloristas brasileiros se desenvolvendo desde pelo menos meados
do século XIX. Até hoje tal caráter é indissociável do Atelier Coletivo.
Esta pesquisa, assim como suas fontes, não adentrará nos percursos de gente pobre
no Recife de meados do século XX, se limitará a uma breve incursão, na medida em que
propõe investigar o porquê desse tema ter estado tão em voga nas artes do período: o que
levou homens a empreenderem estudos sobre outros homens considerados socialmente
menos favorecidos? Por que Abelardo da Hora e seus colegas do Atelier Coletivo desenharam
trabalhadores das camadas mais pobres da cidade, como lavadeiras, engomadeiras, operário,
calceteiros, pescadores, feirantes, camponeses, sertanejos, flagelados da seca, figuras de
xangô, entre outros, de maneira diferente de quando representava seus próprios colegas
artistas, sempre com a identificação do modelo pelo nome? Ainda que não tenham pintado
só dessa maneira, produções com esse caráter foram as evocadas nas narrativas que falam
sobre os artistas do Atelier Coletivo durante o tempo em que fizeram parte da organização.
3. A título de sistematização, direi em linhas gerais o que será abordado nas próximas
páginas. Contudo, previamente, já explicito que o percurso metodológico da pesquisa acabou
por privilegiar mais o estudo dos discursos envolvendo o Atelier Coletivo e a Sociedade de
Arte Moderna do Recife, do que a “leitura” mais aprofundada da produção artística dos
integrantes dessas organizações. Isso não significa, porém, que a última opção não pudesse
22
GRIZ, Jaime. Gente, Coisas e Cantos do Nordeste. Pernambuco: Arquivo Público Estadual, 1948. Para a as
citações diretas ver respectivamente as páginas 40 e 27.
23
OZANAM, Israel. Folclore e Política: Palmares em memórias de liberdade. Estudo escrito em 2013, mas
ainda não publicado. Fonte do autor: “GRIZ, Jayme. Folclore, história, região e poesia. Pasta Produção
Intelectual (PI), a-2, g-3. AJBG, CEHIBRA, Fundaj. O documento está sem data, mas pelas citações parece ter
sido escrito nos anos 1960”.
26
suscitar questões de grande interesse para entender inclusive os próprios discursos sobre as
artes daquele período.
A memória que foi se instituindo durante 60 anos como a história legítima, ou mais
divulgada, do Atelier Coletivo é o alvo da investigação do primeiro capítulo. Ele inicia com
a análise de uma organização homônima de artistas plásticos vivenciada a partir de 1989, a
qual foi qualificada por seus membros e pela imprensa jornalística como retomando
propostas do Atelier da década de 1950. Esse novo agrupamento foi se constituindo, então,
a partir da construção de uma identificação com o anterior. Nessa relação, algumas
características do primeiro foram assinaladas pelo segundo, como a de que os artistas
trabalhavam juntos, em um mesmo espaço físico, compartilhando questões e
posicionamentos no cenário das artes plásticas, entre outras. Por serem respaldadas muitas
vezes pelos artistas que integraram os dois Ateliês, sejam eles próprios publicando ou
prestando informações a jornalistas, esse ato de caracterização do grupo de 1950 obteve
reconhecimento.
Um dos artistas que fez isso foi José Cláudio, ainda hoje atuante na constituição do
perfil do Atelier Coletivo. Seu nome é particularmente significativo pois em 1978 publicou
o livro Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957) e posteriormente, 1982 e 1984,
respectivamente, Artistas Pernambucanos e Tratos da Arte de Pernambuco.24
O primeiro é
o único trabalho que versa exclusivamente sobre essa experiência.25
Os outros dois são
estudos que buscam contar uma história cronológica das artes plásticas em Pernambuco até
os anos 1980. Neles o autor procurou apontar alguns elementos das artes plásticas feitas no
estado que distinguissem das realizadas em outros, principalmente em São Paulo. Nessas
narrativas foi incluído o Atelier Coletivo dos anos 1950. Mas aqui importou saber tanto o
24
As referências bibliográficas da primeira edição de cada um desses livros de José Cláudio Silva são: Memória
do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957). Recife: Artespaço, 1978; Artistas de Pernambuco. Recife: Governo
de Pernambuco, 1982; Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Governo de Pernambuco, 1984. Há uma nova
edição, com os três reunidos em um único volume: Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco Tratos
da Arte de Pernambuco. Acervo Pernambuco, V. 2 – Arte Pernambucana. Recife: CEPE, 2002. Há ainda cinco
outros trabalhos publicados pelo artista: Viagem de um jovem pintor à Bahia. Recife: 1965; Ipojuca de Santo
Cristo. Recife: 1965; Bem dentro. Recife: 1968; Meu pai não viu minha glória. Recife: Companhia Editora de
Pernambuco, 1995 e Os Dias de Uidá. Recife: Inojosa Editores, 1995.
25
Fiquei sabendo que recentemente, em 2014, foi defendida uma dissertação de mestrado sobre o Atelier
Coletivo pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais UFPE, porém ainda não tive acesso a ela.
27
conteúdo dessa história, quanto o porquê de sua escrita: qual espaço de discussão o autor
estava inserido que o fez publicar esses três trabalhos.
Wilton de Souza e Abelardo da Hora foram sujeitos igualmente importantes para
divulgar a história do Atelier Coletivo e da SAMR. Wilton, assim como José Cláudio, teve o
Atelier como a primeira experiência profissional nas artes plásticas. Ele participou de todo o
período de existência dessas duas organizações. Quando o Atelier acabou, continuou
integrante da SAMR, que perdurou até 1964, quando era seu diretor.26
Wilton tem o cuidado
de preservar documentos produzidos por eles naquele período. Como mencionei no início da
introdução, os documentos desse tipo utilizados na presente pesquisa foram concessões suas.
Atualmente Wilton exerce cargo público como diretor do MAMAM – Museu de Arte
Moderna Aluízio Magalhães – e é tido por seus colegas de trabalho como memória viva das
artes de Pernambuco, e, assim, do Atelier Coletivo. Em 2009 escreveu um livro sobre a
trajetória profissional de seu irmão, Wellington Virgolino, artista plástico que também
participou da SAMR e do Atelier.27
Em conversas comigo, vez ou outra compartilhava que
tinha sido procurado por pesquisadores para dar informações sobre esses assuntos. Ele é
bastante receptivo para com quem por essas questões demonstre interesse, dando a entender
que não quer ver tais vivências serem esquecidas.
Abelardo da Hora é considerado o criador da proposta do Atelier Coletivo e
estimulador de sua continuidade, atuando nela como um guia ou orientador. Ele também
esteve entre os formuladores da SAMR, sendo seu diretor na maior parte de sua duração.
Escreveu para essas organizações estatuto, relatórios e catálogos de exposição. No início da
década de 1960 participou do Movimento de Cultura Popular (MCP), que atualmente é
bastante lembrado por pesquisadores, principalmente por associar arte, educação e
engajamento político. Esses são alguns dos atributos que o tornaram referência para prestar
depoimentos e palestras sobre experiências de arte engajada no Recife, onde o Atelier
26
O termo “associação” foi usado por Abelardo da Hora no texto do catálogo de exposição de 1954. Sobre em
1964 Wilton de Souza ser o responsável por ela, ver entrevista concedida para esta pesquisa: SOUZA, Wilton
de. Entrevista gravada em audiovisual (2h30m40s). Recife, MAMAM, maio de 2011, concedida a Israel
Ozanam e Raissa Paz. Contudo na pesquisa ainda não ficou claro como foi o fim da SAMR e em que ano.
27
SOUZA, Wilton de. Virgolino: o cangaceiro das flores. Recife: Editora Grupo Paés, 2009.
28
Coletivo surge como o primeiro grupo de artistas plásticos com tal preocupação na cidade.28
Abelardo da Hora também não poupava tempo nem disposição para narrar suas histórias.29
Seja pelas declarações de José Cláudio, Wilton de Souza e Abelardo da Hora, seja em
matérias de jornais, catálogos de exposição, dicionários de artes plásticas, ou outros meios
que falem sobre e o Atelier Coletivo ou sobre quem o integrou, comumente é repassada a
ideia de que tal iniciativa foi bem sucedida, propulsora de uma geração de artistas. Devido a
isso, ele vem sendo compreendido como participante da história das artes plásticas de
Pernambuco e, subsequentemente, do Brasil, e os seus integrantes como nomes importantes
na área. Também os antecessores da organização foram assinalados e seus continuadores.
Sobre essa questão uma aproximação pode ser feita com as conjecturas realizadas
pelo historiador Michael Baxandall quando percebeu em outro cenário artístico, o de Pablo
Picasso de início do século XX, que os artistas faziam “afirmação de uma história pessoal
ligada a uma linha de hereditariedade artística”.30
Igualmente fizeram as vozes que falaram,
e ainda falam, sobre o Atelier Coletivo, em sua maioria a de seus ex-integrantes.
O segundo capítulo analisará a escrita produzida entre os anos de 1948 a 1957 sobre
artes plásticas no Recife, mais especificamente sobre a Sociedade de Arte Moderna do Recife
e o seu Atelier Coletivo, procurando identificar sujeitos, instituições e articulações que
criaram discursos sobre as práticas dos artistas ligados as essas duas organizações, bem como
a orientação artística que defendiam: a arte moderna. Da SAMR constam estatuto, relatórios,
atas de reuniões e catálogos de exposições, e do Atelier Coletivo consta apenas um catálogo
de exposição. Contudo, as ações da SAMR, pós 1952, eram quase exclusivamente as do
Atelier, fazendo com que a documentação por ela produzida tratasse sobretudo das atividades
28
Aracy Amaral faz essa associação quando inclui o Clube da Gravura de Recife, que foi implantado no Atelier
Coletivo, em Arte para quê?: A preocupação social na arte, 1930-1970. São Paulo: Nobel, 1984, p. 188-190.
Júlio Cavani, em matéria publicada no Diário de Pernambuco, identifica tanto nas obras de Abelardo, como
em suas vinculações políticas, “preocupações sociais”. Segundo o jornalista, ao “retratar danças e manifestações
populares (...) ele garantiu que tradições seculares – antes vistas com preconceito – passassem a ser valorizadas
com a merecida nobreza. (...) também ficariam famosas em suas obras as denúncias contra as injustiças sociais”.
Na política teria ocupado “diversos cargos públicos, principalmente ao lado de Miguel Arraes. Ele criou parques
e centros culturais, sempre com uma visão que associava cultura e educação, pois encarava a arte como
instrumento de inclusão social”. Diário de Pernambuco, 20/01/2008, Seção Viver, p. D1.
29
Ele faleceu há menos de um ano, em 23/09/2014, quando a escrita desta dissertação já tinha sido iniciada.
30
BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção – A explicação histórica dos quadros. Trad. Vera Maria
Pereira. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
29
relacionadas a ele. A DDC também produziu muitas publicações que buscavam divulgar as
atividades culturais da cidade, entre elas as artísticas.
Naquele período, a quantidade de textos sobre arte, seja como registro, divulgação ou
mesmo debate, é muito grande, e se não nos diz necessariamente que o momento era de
intenso “movimento artístico” e/ou de “efervescência cultural”, pelo menos indica que havia
interesses por tal tema. A imprensa, por exemplo, era um dos espaços para discussões das
artes plásticas, seja na qualidade de jornais diários ou em revistas especializadas em assuntos
culturais, tornando-se vozes de determinados sujeitos e dos seus círculos. Ela contribuiu para
construir perfis do campo artístico de então que serviram de base para quem procurava
entender as artes do período, seja os próprios contemporâneos daquele momento, seja os
estudiosos e artistas posteriores.
Nesse sentido, a seção designada “ARTE” publicada uma vez por semana em jornal
local de circulação diária se mostrou especialmente importante. Sob direção de Ladjane
Bandeira, artista plástica associada à SAMR, ela consistia em uma página inteira destinada
exclusivamente a tratar de assuntos pertinentes às artes, principalmente às artes plásticas, e
muitas de suas matérias e notícias eram sobre a SAMR, o Atelier Coletivo e os artistas que
circulavam nos dois ambientes.31
Ainda nesse segundo capítulo, tendo como subsídio a documentação já mencionada,
será levada em consideração a preocupação visível, principalmente de Abelardo da Hora e
Ladjane Bandeira, de legitimar as atuações dos artistas próximos à arte moderna, e, assim,
conseguir por parte da sociedade e dos poderes públicos apoio, inclusive financeiro, para que
eles pudessem conseguir trabalhar somente com arte e alcançassem o status de indivíduos
que enxergavam a sociedade de maneira diferenciada da maioria da população, mais
sensíveis e preocupados com os autênticos problemas da humanidade.
Acompanhando esse percurso, encontra-se o interesse que tais artistas tinham com a
educação do povo, seja pessoas pobres, sem instrução, seja um possível público para suas
produções artísticas. O artista também deveria ser educado, mas, diferentemente, para ter
uma formação que lhe habilitasse a ser um verdadeiro artista, visto que essa própria categoria
31
Entre 1952 e 1954 a página de arte dirigida por Ladjane Bandeira era publicada no Diário da Noite, depois
desse período esteve no Jornal do Commercio até a década de 1960.
30
era alvo de discussão, e, atrelada a ela, a busca por construir uma história da arte em
Pernambuco.
No terceiro capítulo se procurará compreender o caráter mais divulgado das obras: a
representação dos populares. A arte do grupo teria sido sobre o povo e para o povo, já dizia
o catálogo da exposição de 1954. O povo, ou os populares, era tipos específicos de
indivíduos, dotados de práticas distintas de quem os desenhava ou os pintava, por exemplo.
Eles seriam homens e mulheres trabalhadores, pobres, folclóricos.
Representar o povo em suas práticas era algo extremamente estimado para alguns
círculos de artistas plásticos. Mas a questão não era só desenhar ou pintar o povo e/ou
populares, mas valorizar o que seria próprio deles, pois estava em jogo uma caracterização
de um estilo de arte realizada em Pernambuco que coadunava com uma suposta cultura
Nordestina. Digo Nordestina por Pernambuco e Recife terem sido por alguns sujeitos
entendidos como representantes da região Nordeste. Nessa perspectiva, inclusive a chamada
“arte popular” estava ganhando relevância, já que seria a expressão da sabedoria do povo.
Mas se formos pensar em termos mais amplos, era a própria definição/caracterização de povo
e populares que estava ganhando espaço. Quem eram eles?
Wilton de Souza afirmou que era pobre, mas não que era popular; não afirmou que
pintava pessoas como ele, mas as que via. Seu Wilton não era o único que estabelecia essa
diferença naquele momento. O popular estava na imprensa e em discussões de letrados, como
Gilberto Freyre, e vários artistas. Projetos do governo municipal e estadual, como a proposta
de criação do Museu de Arte Popular e as promovidas pela DDC, também tentavam abarcar
a parcela da população assim denominada ao indicar o que eram as práticas dos populares e,
também, ao construir uma série de serviços públicos com o intuito de educá-la: Bibliotecas
Populares e Biblioteca Ambulante, Discoteca Pública, Cinema Popular, parques,
promovendo exposições, concertos e apresentações teatrais gratuitas, por vezes ao ar livre.
31
Capítulo 1 - Sociedade de Arte Moderna do Recife e Atelier Coletivo entre
memórias e arquivos
Em fins da década de 1980 alguns artistas plásticos se reuniram para construir um
espaço de produção, divulgação e comercialização de suas obras, o qual foi nomeado de
Atelier Coletivo. A instalação física do grupo se deu na Rua São Bento, 225, em Olinda,
Pernambuco, no centro histórico da cidade, na casa de um antigo marchand, Giuseppe
Baccaro.32
Baccaro chegou ao Brasil em 1956 com a função de atuar no jornalismo para uma
colônia italiana de São Paulo, porém, dentro de alguns anos, passou a trabalhar com artes
plásticas, inaugurando em 1962 sua primeira galeria, Selearte, e três anos após a Casa de
Leilões, que foi compreendida como “iniciativa que monopolizou o mercado paulistano na
época”. Seu nome está relacionado à revalorização de obras dos modernistas do eixo Rio-
São Paulo de início do século, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e, principalmente,
Ismael Nery, colocando-as em circulação no mercado das artes nos anos de 1960. A chegada
de Baccaro foi contemporânea a de outros imigrantes marchands e colecionadores no país,
os quais são considerados promovedores de “uma altivez ao mercado que não era comum
entre os brasileiros daquela época”.33
32
Cf. Convite de exposição Atelier Coletivo, Olinda: 1989. Sobre o “centro histórico” de Olinda, ver a cartilha
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Segundo esse documento, “o conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Olinda foi inscrito nos Livros de Tombo de Belas Artes, no Histórico
e no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1968. Em 17 de dezembro de 1982, a cidade foi inscrita pela
UNESCO na Lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”. Disponível em
http://www.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do;jsessionid=ACB023DA1989A00282DD82C6A03C8AE8?
id=275, acessado em 11/12/2013.
33
A primeira citação direta do parágrafo é de Celso Fioravante em ARCO das rosas: o marchand como curador.
Apresentação José Roberto Aguilar. São Paulo: Casa das Rosas, 2001, p. 13. A segunda é do mesmo livro, mas
constitui na fala de Antonio Maluf citada por Fioravante na p. 7. Em relação aos marchands e colecionadores,
Fioravante mencionou também “Arturo Profili, Franco Terranova, Jean Boghici, Pietro Maria e sua mulher Lina
Bo Bardi”. O texto em questão consistiu no catálogo da mostra, concebida e realizada por José Roberto Aguilar,
Arco das Rosas - O Marchand como Curador, executada em março de 2001 no espaço cultural Casa das Rosas,
em São Paulo. Sobre Giuseppe Baccaro há ainda informações nesse sentido na Enciclopédia Itaú Cultural de
Artes Visuais, disponível em
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_ver
bete=13554, acessado em 02/09/2013.
32
Em fins da década de 1970, segundo Celso Fioravante, Baccaro já não se reconhecia
mais em tal atividade, por acreditar que a maior parte da arte brasileira deveria estar em
museus e não entre “colecionadores ricos” (tendo ele em grande parte contribuído para essa
situação), e por esse período se muda para Olinda. Na nova cidade funda uma instituição para
crianças carentes, a Casa das Crianças de Olinda, e começa a empreender variadas atividades
para financiar o projeto.34
Entre elas esteve a destinação da venda de obras de arte
provenientes da primeira exposição do Atelier Coletivo, ocorrida em dezembro de 1989. 35
Olinda com suas edificações, principalmente igrejas, provenientes desde o século
XVI, coqueiros e mar, foi a paisagem retratada por muitos pintores que nela se instalaram e
criaram ateliês a partir de meados dos anos 1950, chegando atualmente a contabilizar,
segundo site oficial de sua prefeitura, 71 ateliês de artistas plásticos e “outros artesões
anônimos”.36
José Cláudio apresenta indicações sobre o início desse tipo de ocupação na
cidade em seu livro Tratos da Arte em Pernambuco ao relatar que na década de 1950 havia
nela um atelier dos artistas Anchises Azevedo e Montez Magno, bem como uma “oficina de
restauração e marcenaria” com entalhadores que trabalhavam sob encomenda. O dono da
oficina, Seu Ernani Barbosa, acabou por mudar o estabelecimento para o Mercado da Ribeira,
onde trabalhava juntamente com seu filho que nesse período ainda era uma criança (começou
com 12 anos), José Barbosa. Este último, em 1960, travou relações com Guita Charifker e
outros artistas, dando início a uma das primeiras organizações de arte na cidade, o
Movimento da Ribeira.37
Tal iniciativa frutificou e em 1965 criou tanto a Cooperativa de
34
FIORAVANTE, op., cit., p. 14 e Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, op., cit.
35
Essas informações foram encontradas primeiramente em uma grande reportagem veiculada no Diário de
Pernambuco de 05/12/1989, secção B, p.1, mas elas também estão presentes nos textos supracitados:
FIORAVANTE, op., cit. e Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, op., cit.
36
O dado referente ao número de ateliês é informado pelo site oficial da Prefeitura Municipal de Olinda, ver
em http://www.olinda.pe.gov.br/guia-turistico, acessado em 22/03/2013. Sobre o fato da cidade de Olinda ser
motivo pictórico há uma reportagem já em 1952 noticiando sobre o “I Salão de Pintura sobre motivos de
Olinda”. O autor do texto acreditava ser a cidade “uma fonte permanente de inspiração” para os artistas locais.
Teria ela “magnífica paisagem, com as suas igrejas, bicas, ruínas”. No texto é mencionada também a existência,
àquela época, de um artista, Mario Nunes, que tinha entre seus conhecidos quadros um sobre Olinda. Ver
“Pintura sobre motivos de Olinda”. Diário da Noite, 18/11/1952, p.3.
37
CLÁUDIO, José. “Tratos da Arte de Pernambuco”. In: Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco
Tratos da Arte de Pernambuco. Recife, CEPE, 2010, p. 273-275.Os nomes indicados por Marcos Cordeiro dos
integrantes fundadores do Movimento da Ribeira são dos artistas já mencionados José Barbosa e Guita
Charifker, além de José Tavares, Adão Pinheiro (na época Secretário de Turismo de Olinda na gestão do Prefeito
Eufrásio Barbosa), Ypiranga Filho, Roberto Amorim, João Câmara Filho e, posteriormente, Tiago Amorim e
33
Artes e Ofícios da Ribeira Ltda. como a Lojinha do Mercado da Ribeira, onde vendiam suas
produções.38
A Oficina 154 também teve abrigo na cidade histórica a partir de 1966. Ela era
composta por alguns dos ex-integrantes do Atelier da Ribeira, o qual “depois do golpe de
1964” havia “caído”, segundo depoimento de Guita Charifker transcrito por José Cláudio:
“Eufrásio [prefeito de Olinda e patrocinador do Movimento] caiu e com Eufrásio a gente caiu
junto”.39
Esses dois círculos, onde o segundo pode ser compreendido como dando
continuidade a algumas orientações do primeiro, não se limitariam a “só pintar e expor como
também a dar orientação artística básica”.40
Conforme Juliana Barreto, logo após essas duas
organizações, outras que congregavam artistas ou mesmo atelier individual foram se
instalando em Olinda:
A repercussão gerada pelo Movimento da Ribeira atraiu novos ateliês e
galerias para o sítio antigo de Olinda e, consequentemente, mais artistas
plásticos estabeleceram moradia e trabalho local [...]. Entre os ateliês
surgidos, foram identificados a Oficina 154 (1965) [já mencionada], a
Galeria 3 Galeras (1967), Galeria Varanda, dentre outros que se
estabeleceram nas Ruas do Bonfim, Amparo e São Bento. Posteriormente
também se registrou a Galeria Lautréamont, a Galeria Senzala e a Galeria
Frans Post, ou seja, um conjunto de estabelecimentos que desempenharam
um papel preponderante na consolidação de um mercado de artes em
Pernambuco.41
O estudo de Juliana Barreto tem propósito diverso deste, busca entender como se deu
a valorização do sítio histórico de Olinda até ele alcançar o título de patrimônio cultural, e,
João Sebastião. Marcos Cordeiro completa que em 1964 o movimento realizou a “1ª Exposição Coletiva do
Atelier da Ribeira” com a participação do artista Vicente do Rêgo Monteiro e em 1965 a exposição “A Mulher
na Arte Pernambucana”. Essas informações foram encontradas no texto “Movimento da Ribeira, Oficina 154 e
Atelier + 10 – Renascimento Artístico de PE” do blog http://marcoscordeiro-
poeta.blogspot.com.br/2010/11/movimento-da-ribeira-oficina-154-e.html, acessado em 21/09/2013.
38
BARRETO, Juliana Cunha. De Montmartre nordestina a mercado persa de luxo: o Sítio Histórico de Olinda
e a participação dos moradores na salvaguarda do patrimônio cultural. Recife: UFPE/Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Urbano, 2008, p. 83-84.
39
CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 274. Nessa questão é relevante perceber que o livro, inclusive na mesma página,
contém a informação de que a iniciativa havia realizado exposição em novembro de 1964 e maio de 1965, ou
seja, perdurou um pouco ainda depois do golpe.
40
Ibidem.
41
Mais informações sobre as organizações artísticas mencionadas, principalmente o Movimento da Ribeira,
podem ser encontradas no trabalho de Juliana Barreto, Op., cit., p. 87.
34
nessa trajetória, encontrou a contribuição da atuação de artistas na primeira metade da década
de 1960. Sendo assim, não deixou de tocar em questões importantes para o presente trabalho,
como será visto.
O Atelier Coletivo, conhecido por Atelier Coletivo de Olinda, sugere já em seu título
a proposta de coletividade, tomando, nesse sentido, uma postura semelhante aos
empreendimentos há pouco citados, provavelmente pela atuação de integrantes que
circularam tanto nos primeiros como neste de 1989. “Seu propósito”, segundo convite de
inauguração, era “compartilhar um espaço de trabalho, de conversa, de visitação pública e
até de vendas”, e a razão do agrupamento de artistas sob o mesmo espaço de trabalho partiu
da concepção de “que pintar juntos é mais proveitoso e divertido. Vencidas as resistências
do isolamento, tudo é ganho”. Nesse sentido, a experiência de um dos integrantes é usada
para corroborar tal compreensão do ambiente: “Guita, a generosa, por exemplo, pede para as
suas telas a pincelada dos meninos que passam, ou dos colegas”.42
Outra característica do empreendimento mencionada no convite é a “procura de raízes
de terra e gente”.43
Os jornais locais também colaboraram para construir o perfil do Atelier
Coletivo: “‘Trata-se de uma volta à valorização da técnica, à realidade, à terra, à natureza’”,
noticia o Diário de Pernambuco no mês de inauguração, recorrendo a uma fala de Giuseppe
Baccaro. Nesse espaço estariam “as mulatas de ancas exuberantes e voluptuosas”, “paisagens
agrestes” e “nordestinas”, entre elas a de Olinda, “aquarelas translúcidas”, pintores de
“aprendizado estrangeiro”, “o cotidiano dolorido das nossas ruas”, sonhos em forma de
pintura, “exercícios geométricos, incursões gráficas, sondagens abissais”, obras de um artista
“sensual irônico, provocante”, fotografias de outro artista com imagens dos amigos.44
Produções de variados temas e gêneros, mas que em sua maior parte contêm elementos que
as vinculam a uma geografia física e cultural.
Em 1992 uma matéria do Jornal do Commercio intitulada “Um outro lado dos
pintores” se refere a um momento do Atelier Coletivo (aproximadamente dois anos antes da
reportagem) onde as atividades foram concentradas na gravura. Essa experiência foi
42
Convite da exposição Atelier Coletivo. Olinda: 1989.
43
Ibidem.
44
Diário de Pernambuco, 05/12/1989, secção B, p. 1.
35
acrescida de uma mostra, a qual, segundo o jornal, tinha como finalidade maior
“conscientizar sobre a beleza da gravura, de tentar diminuir o preconceito do mercado, contra
os trabalhos considerados ‘perecíveis’, ou seja, contra os trabalhos produzidos em papel”.
Nesse ponto foi incluída a opinião de Gil Vicente, um dos integrantes, de que a exposição,
em caráter “essencialmente cultural”, era “a oportunidade de mostrar um trabalho que apesar
de fantástico, está à margem do mercado”.45
Um elemento importante para o entendimento do Atelier Coletivo é apresentado na
maioria das referências feitas ao grupo, a sua delimitação espacial, “de Olinda”. Esse modo
de nomeá-lo, “Atelier Coletivo de Olinda”, procura não somente ressaltar a presença da
cidade no grupo, seja construindo uma tradição de ateliês ou não, como foi divulgado em
impresso do grupo: “já houve outros ajuntamentos por aqui, até na mesma rua. Eis mais um”,
mas igualmente, ou principalmente, diferenciá-lo – não no sentido de fazer oposição – de
outro, de mesmo nome, que teve suas atividades iniciadas, e também encerradas, na década
de 1950 em Recife, município vizinho.
Apesar de o novo Atelier Coletivo ter sido formado também por membros do anterior,
lançou o convite-divulgação sem mencionar a existência do seu homônimo, mas deixando
visível a semelhança das propostas dos dois grupos. A ligação das duas iniciativas artísticas
foi feita paralelamente em reportagens dos jornais da região, as quais sempre procuravam
inserir depoimentos dos artistas participantes. Desses relatos sobressaíam as características
do Atelier Coletivo de 1989 que foram constitutivas da imagem do Atelier de 1952: trabalhar
coletivamente, valorizar a técnica, voltar-se para a realidade, a terra, delimitar uma geografia
física e cultural de Pernambuco ou do Nordeste, ter produções que ficam à margem do
mercado, entre outras.
Na biblioteca do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), localizado
em Recife, uma busca sobre o Atelier Coletivo remete a referências sobre os dois grupos, o
de Olinda e o de Recife, em uma única caixa arquivística, mas nela não há explicação sobre
a existência dos dois, nenhuma nota os diferenciando. Se não fossem outros meios de
informação, podia-se pensar que as iniciativas eram uma só, apenas tendo suas atividades
45
“Caderno C”, Jornal do Commercio, p.1, 30/04/1992.
36
interrompidas, ou não divulgadas, por cerca de 30 anos. Tampouco fica esclarecida essa
questão nos jornais, folhetos, catálogos, etc., lá encontrados. As fontes sobre o Atelier de
1989 ora relembram efusivamente um passado artístico herdado do grupo de 1950, ora nem
mencionam sua existência.
Em 2002, por exemplo, na matéria: “O Atelier Coletivo ressurge como ‘cooperativa
de artistas’”, não é ao da década de 1950 que se faz menção, mas sim ao de Olinda, que
provavelmente por um tempo havia estado inativo.46
Essa falta de referência em determinadas
circunstâncias pode ser interpretada como uma busca por independência, um receio de que
suas atividades fossem entendidas como fruto unicamente do grupo anterior, mas outras
questões que me escapam poderiam estar em jogo.
O segundo Atelier não reuniu todos os artistas que compuseram o primeiro, nem se
encontrava em igual situação, de acordo com seus integrantes. Como mencionado, para
Giuseppe Baccaro, tratava-se “de uma volta à valorização da técnica, à realidade, à terra, à
natureza”. Segundo José Cláudio, integrante dos dois momentos, porém, a dependência
material que se verificava antes, tendo em vista a pouca valorização à arte e ao artista
enquanto profissional, não foi mais o que os uniu depois.47
No ano de 2005 um jornal local anunciou, em tom de convite, uma “conversa” que
haveria com alguns artistas que integraram o Atelier Coletivo para falar do
[...] movimento da década de 80 que marcou o cenário das artes plásticas
em Pernambuco. Criado pelo escultor Abelardo da Hora, o grupo surgiu
como resultado da Sociedade de Arte Moderna do Recife, de 1948, e foi
um dos primeiros movimentos de artistas organizados na capital
pernambucana com o objetivo central de valorizar a arte e revigorar o
caráter brasileiro da criação artística produzida no Estado.48
O autor dessas palavras provavelmente deixou para o encontro a discussão de muitas
questões sobre o tema, já que não as trouxe no curto enunciado do qual o excerto acima faz
parte. Não mencionou que a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) não foi uma
46
Jornal do Commercio, 13/09/2002.
47
Tanto a afirmação de Giuseppe Baccaro quanto a de José Cláudio podem ser encontradas na reportagem já
mencionada do Diário de Pernambuco a 05/12/1989, secção B, p. 1.
48
Jornal do Commercio, 30/11/2005.
37
entidade que perdurou ininterruptamente por mais de 30 anos, entre 1948 e o final da década
de 1980 – talvez o destaque dado ao “movimento da década de 80” queira sugerir isso –, nem
que dos artistas presentes na “conversa” – Guita Charifker, Giuseppe Baccaro, José Cláudio
e Luciano Pinheiro – todos participaram da experiência dos anos de 1980, mas somente Guita
Charifker e José Cláudio estiveram no Atelier Coletivo pensado pela SAMR nos anos de
1950.
Na biblioteca do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE), também situado em
Recife, há igualmente referências sobre os dois grupos, mas, diferentemente das do
MAMAM que estavam reunidas em uma caixa intitulada “Atelier Coletivo”, as fontes sobre
eles estavam dispersas em pastas categorizadas pelos nomes dos artistas que integraram os
movimentos. Se alguém quisesse saber do Atelier, deveria procurar algum documento nas
pastas de José Cláudio, Gilvan Samico, etc. Contudo, ao manter contato com a presente
pesquisa, a bibliotecária responsável não hesitou em prontamente criar uma nova pasta com
o nome Atelier Coletivo. A distinção dos dois movimentos também não foi feita.
Para além dessas minúcias contemporâneas dos arquivos aqui mencionados, esforços
anteriores de formulações de subsídios para narrar histórias das artes plásticas de
Pernambuco foram empreendidos por José Cláudio, entre eles a elaboração de dois livros –
Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957), em 1978, e Tratos da Arte de Pernambuco,
em 1984 – e um álbum – Artistas Pernambucanos, em 1982 –, com reproduções de obras de
alguns “artistas pernambucanos”.49
No primeiro, o autor relatou a trajetória do Atelier
Coletivo em tom memorialístico de ex-integrante. Até hoje esse trabalho vem sendo utilizado
como principal fonte de informações para outros estudos. Talvez por isso, os perfis do grupo
49
Utilizei para essa pesquisa as primeiras e segundas edições desses trabalhos, respectivamente: CLÁUDIO,
José. Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957). Recife: Artespaço, 1978; Artistas de Pernambuco.
Recife: Governo do Estado, 1982; Tratos da arte de Pernambuco. Recife: Governo do Estado, Secretaria de
Turismo, Cultura e Esportes, 1984 e Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco Tratos da Arte de
Pernambuco. Recife, CEPE, 2010. As citações que faço do primeiro trabalho são sobremaneira retiradas da
primeira edição, já as referentes aos dois últimos livros são da segunda edição. Vale informar que na edição de
2010, que reuniu essas três obras, não consta reproduções das imagens presentes nas versões originais, assim,
quando as elas me referir, faço menção sempre à primeira edição.
38
encontrados em dicionário de artes plásticas, matérias jornalísticas mais recentes, ou outra
mídia, estejam apresentados de maneira semelhante.50
Hoje José Cláudio é referência em Recife para falar de artes plásticas, seja da história
desse campo na cidade, seja apresentando e fazendo crítica dos artistas que nesse momento
atuam, inclusive dos jovens. Elaborar a história das artes plásticas de Pernambuco, algo até
aquele momento inexistente, salvo poucos esforços que resultaram em pequenos artigos, o
legitimou e suas posteriores falas foram reconhecidas. Os artistas davam credibilidade às suas
palavras, e ele dava credibilidade às atuações dos artistas. Quanto mais ele escrevia sobre o
assunto, mais era procurado para escrever, isso pode ser verificado, por exemplo, nos
catálogos de exposições que contém textos de sua autoria.51
Parto, portanto, ao conteúdo,
tom e propósito do que ele escreveu.
1.1 José Cláudio e três obras, impressas
Artistas de Pernambuco e Tratos da Arte de Pernambuco foram publicados pelo
governo do estado de Pernambuco em 1982 e 1984, respectivamente. No álbum, José Cláudio
iniciou sua narrativa com perguntas que revelam a demanda por classificação e reflexão sobre
se há arte pernambucana e qual sua especificidade, em outras palavras, o que ela seria. Dando
50
Sobre o uso do livro de José Cláudio como fonte informativa de posteriores estudos ver, por exemplo:
AMARAL, Aracy. Op., cit.; ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas décadas de 1930-40: o Grupo Santa Helena.
São Paulo: Nobel/USP, 1991; CAVALCANTI, Eduardo Bezerra. Hélio Feijó: Leitura de Imagens. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2001; RODRIGUES, Nise. O grupo dos Independentes: Arte
moderna no Recife, 1930. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2008; SOUZA, Wilton de. Virgolino: o
cangaceiro das flores. Recife: Editora Grupo Paés, 2009 e Enciclopédia Itaú Cultural de artes visuais, disponível
pelo endereço eletrônico www.itaucultural.org.br. Ele consta nas referências bibliográficas de todos esses livros
– com exceção do de Zanini, que aparece somente em uma nota de rodapé – e suas abordagens sobre o Atelier
Coletivo não se diferem da de José Cláudio, pelo contrário, as veiculam.
51
José Cláudio antes da publicação desses três livros já escrevia em catálogos de exposições e continua a fazer
isso até hoje. Ver, por exemplo: No movimento de arte educacional. Recife: Galeria de Arte Ponte
D’Uchoa/Colégio das Damas, outubro de 1965, com desenhos de Helena Farias e Humberto Magno; José de
Barros – Exposição de desenhos e Litografias. Recife: Futuro 25 Artes Plásticas Ltda./ Centro de Artes e
Comunicação/ André Sigaud Galeria de Arte, março e abril de 1980. 1ª Exposição da Coleção Abelardo
Rodrigues de Artes Plásticas. Recife/Rio de Janeiro: Governo do Estado de Pernambuco/Museu de Arte
Contemporânea de Pernambuco, 04/03 a 18/04 de 1982; Abelardo de todas as Horas. Recife: Fundação de
Cultura Cidade do Recife. 1988; Gustavo Costa. Olinda: Atelier Coletivo, 11/05 a 01/06 de 2001; “A atualidade
de Abelardo da Hora”. Desenhos de Abelardo da Hora – Meninos do Recife. Recife: Galeria Sesc Casa Amarela
de Arte, 31/10 a 22/12 de 2001. Em cada um desses materiais consta algum texto elaborado por José Cláudio.
39
a entender que ela existe, o autor procurou, então, encontrar quando começou essa espécie
de tradição artística pernambucana e foi buscar o início nos pintores estrangeiros
estabelecidos na região durante a ocupação holandesa. Sob orientação do então administrador
Maurício de Nassau, esses artistas pintaram a paisagem e os tipos locais, sobretudo Frans
Post e Albert Eckhout. Para além das discussões que pretendiam verificar se a arte desse
momento, feita por esses pintores, era brasileira ou holandesa/europeia, José Cláudio preferiu
ir por outro viés, reconhecendo que o estilo pictórico por eles produzidos perdurou até o
início do século XX e influiu na caracterização do que seria a arte pernambucana: “A terra,
o lugar geográfico, como geradores da arte aparecem, pontilham os textos sobre a pintura de
Pernambuco, tanto quanto a ‘influência batava’”.52
José Cláudio dialogou com escritores de outros estados, mas foram sobretudo nos
textos elaborados em Pernambuco ao longo da primeira metade do século XX que ele se
apoiou para narrar a história dessa arte pernambucana. Entre eles os mais citados pelo autor
foram: “A Pintura no Nordeste”, por Gilberto Freyre; “Cinquenta anos de pintura em
Pernambuco”, por Lucilo Varejão; “Nossos quadros e nossos pintores”, de Bianor Medeiros
e “As Artes em Pernambuco”, de José Campello.53
Em Artistas de Pernambuco, um dos artistas que ganhou significativa atenção de José
Cláudio foi Telles Júnior. Para o autor, o longo período após o da produção das obras dos
pintores de Nassau até final do século XIX, ou seja, dois séculos, fora sem atuações de relevo
nas artes plásticas. As pinturas de Telles Júnior retratando majoritariamente a paisagem da
zona da mata de Pernambuco reconduziriam à trilha da arte pernambucana original. José
Cláudio, nesse ponto, recordou um episódio relatado por Oliveira Lima, onde tal sujeito ao
se deparar com quadros de Telles Júnior percebeu neles uma arte pernambucana e não
brasileira, uma arte mais específica do local, como se o artista transpusesse em suas telas a
sensação do ambiente. Para ele, esse caráter de fixação de um lugar particular revelava a
influência batava. O comentário de Oliveira Lima fora feito em 1906, mas em 1942 foi
52
CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 141.
53
FREYRE, Gilberto. “A pintura no Nordeste”. In: ______ (org.). Livro do Nordeste. Diário de Pernambuco:
Recife, 1925; VAREJÃO, Lucilo. “Cinquenta anos de pintura em Pernambuco”. Arquivos. Recife: Prefeitura
Municipal do Recife, 1942; MEDEIROS, Bianor. “Nossos quadros e nossos pintores”. A Cultura Acadêmica.
Recife: 1906; CAMPELLO, José. “As Artes em Pernambuco”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro: junho,
1924.
40
republicado na Revista do Instituo Histórico e Arqueológico de Pernambuco, período em que
muitos outros artigos sobre artes eram propagados, sejam escritos naquele momento, ou,
como este, em época anterior.54
A personalidade que teve mais peso nesses trabalhos de José Cláudio foi Gilberto
Freyre, muitas de suas análises são pautadas nos escritos dele. A atuação de Freyre nas artes
plásticas pode ser verificada desde o Livro do Nordeste, de 1925, perpassando pelo Manifesto
Regionalista e vários artigos espalhados em suplementos culturais, ou literários, de jornais,
bem como em revistas mais especializada em arte e cultura. Por enquanto, restringirei a
discussão às apropriações que José Cláudio fez de Freyre nas publicações de 1982 e 1984.55
José Cláudio em Artistas de Pernambuco transcreveu o texto de apresentação do
Salão de Artes Plásticas de Pernambuco de 1980, escrito por Freyre. Nele seu autor afirmou
a superioridade de Pernambuco no “setor cultural” das artes plásticas, dentro do conjunto
brasileiro, argumentado que tal situação se devia à antecipação artística do estado se
comparado aos outros, pois já no século XVII tivera a presença de pintores holandeses:
O grande governador do Brasil holandês que foi o alemão – magnífico
sensível às causas latinas da civilização europeia – Conde Maurício de
Nassau ao afã de trazer para o espaço tropical sob seu governo, cientistas e
letrados ilustres, e de favorecer suas pesquisas, a seus estudos, juntou a
preocupação pelas artes plásticas. Fez vir da Europa todo um grupo de
brilhantes pintores – um deles Frans Post – que incumbiu de desenharem,
pintarem, fixarem paisagens, águas, verdes, construções (inclusive casas-
grandes patriarcais e engenhos de açúcar, mas também mosteiros e igrejas),
plantas, animais, tipos humanos característicos da região e representantes
das etnias e de culturas diversas aqui reunidas. Daí Pernambuco reuni do
seu século 17 flagrantes pictóricos da sua vida, da sua gente, da sua cultura
que nenhuma outra parte do continente possui de igual opulência ou de
igual valor, além de geográfico, cartográfico, antropológico, histórico,
artístico. Pinturas e desenhos que, revelando à Europa daquele século, e dos
seguintes, formas e cores de gentes e de coisas de Pernambuco, deram ao
universo pernambucano um singular e duradouro esplendor artístico aos
olhos dos europeus amantes, desde dias clássicos, das artes plásticas.56
54
Sobre texto de Oliveira Lima ver “Revista do Instituo Histórico e Arqueológico de Pernambuco, nº 8, Vol.
XVI, o catálogo Coleção Telles Júnior do Museu do Estado, 1942”, referência de CLÁUDIO, op., cit., 2010, p.
144.
55
No terceiro capítulo as aproximações da crítica em artes plásticas feitas nas décadas de 1940 e 1950 com
análises nesse sentido elaboradas por Gilberto Freyre ganharão maior atenção.
56
CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 144-145.
41
De certo modo em concordância com essas palavras e com aquelas de Oliveira Lima
sobre Telles Júnior, José Cláudio chegou à conclusão de que “todo artista da região” – de
Pernambuco – parece estar destinado ao “reencontro com sua terra”. A pintura
pernambucana, então, iniciada com os pintores holandeses, seria caracterizada
fundamentalmente pelo contato com o ambiente externo local, interiorizando-o,
interpretando-o. O elemento novo – a paisagem, coisas e tipos –, segundo José Cláudio, foi
primordial para o desdobramento de uma pintura independente da europeia a partir dos
artistas vindos com Nassau. O autor questiona como poderia Frans Post e Ekchout ter seguido
os passos dos seus mestres ao se depararem com coisas tão diferentes das já vistas e
representadas por várias gerações de artistas que os antecederam.57
Nesse sentido, em via de definir a arte pernambucana, José Cláudio também formulou
o que ela não é. Mas vale salientar que mesmo fazendo uma retrospectiva desde o período
colonial, o que o autor perseguiu não foi somente uma arte feita em solo pernambucano, e
sim a de caráter pernambucano, um estilo que, segundo suas observações levam a crer,
melhor se concretizou nas obras dos artistas de tendência moderna. Talvez tenha sido por
esse motivo que para designar o que era a arte de Pernambuco José Cláudio fazia
frequentemente um paralelo dela com a arte feita em São Paulo, mais precisamente pelos
modernistas daquela cidade que tiveram repercussão com a Semana de Arte Moderna de
1922. Para sua argumentação reproduziu uma série de falas que assinalavam um dualismo
das artes no Brasil em Recife versus São Paulo. Uma delas constatava que a arte
pernambucana estava à margem, sem o devido reconhecimento, em detrimento da
“vanguarda nacional”, que tinha pretensão cosmopolita, mas viveria “infelizmente de
plágio”.58
57
Aqui não tratarei da arte holandesa do século XVII, vale destacar que esse também não foi um tema das
análises de José Cláudio nem de Gilberto Freyre. Entre uma grande quantidade de estudos que promoveram
discussões nesse sentido ver ALPERS, Svetlana. A Arte de Descrever: A Arte Holandesa no Século XVII. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, principalmente o capítulo 4, “O Impulso cartográfico na
arte holandesa”, e CATLIN, S. L. “O artista cronista viajante e a tradição empírica na América Latina pós-
independência”. In: Dawn, A. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify, 1997.
58
Vicente do Rego Monteiro, apud. CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 151.
42
Apesar de demarcar diferenças entre o que fora feito nas duas cidades, o autor não
conseguiu escapar de procurar atuações de pernambucanos no cenário do modernismo
paulista, nem de legitimar suas próprias falas com críticas vindas de São Paulo, que
“reconheceram” “o valor da arte pernambucana”.59
Afirmou, por exemplo, ser Vicente do
Rego Monteiro “um dos fundadores do modernismo no Brasil”, participante da Semana de
22, e veiculou críticas positivas à arte pernambucana feita pelo casal Lina Bo Bardi e Pedro
Bardi, nesse período atuante em São Paulo.60
Outros artistas importantes na construção do perfil da arte pernambucana seriam,
além dos holandeses e de Telles Júnior, numa vertente mais acadêmica, o próprio Vicente do
Rego Monteiro com seu modernismo pioneiro, Lula Cardoso Ayres e Cícero Dias. Esses dois
últimos também foram considerados os precursores da arte moderna no estado e até mesmo
no Brasil. Como mencionado, o intervalo entre os pintores holandeses do período de Nassau
e Telles Júnior, foi compreendido, na história narrada por José Cláudio, como sem expressão
significativa, tendo trabalhos pautados, sobretudo, em pintura religiosa. Mas cita alguns
nomes de artistas, atuantes já na segunda metade do século XIX, até início do XX, entre eles
estrangeiros, alguns mencionados por Telles Júnior em suas memórias. Porém, considera que
até o momento eles foram excluídos das narrativas sobre artes plásticas, seja no estado em
que atuaram e principalmente fora, no cenário maior do Brasil. Para ele, era preciso mesmo
“desenterrá-los”, e parece em parte ter tentado fazer isso, como esboçou no posfácio a
dificuldade em encontrar qualquer informação sobre muitos deles e suas obras, mesmo que
fossem reproduções.61
Sobre os artistas estrangeiros, com base em análises que fez dos relatos de Telles
Júnior, José Cláudio compreendeu que as atuações deles em Pernambuco mostraram “por
59
CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 151.
60
Idem, p. 153.
61
Os que receberam maior atenção foram Eugenio Lassailly e Daniel Bérard, CLÁUDIO, op., cit., 2010, p.
155-158. José Cláudio também mencionou a atuação de artistas ligados à Sociedade dos Artistas Mecânicos e
Liberais, que depois fundou o Liceu de Artes e Ofícios, entre eles o próprio Telles Júnior, idem, p. 217, 223.
Sobre essa sociedade ver CORD, Marcelo M. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no
Recife oitocentista. Campinas: FAPESP/Editora da Unicamp, 2012, principalmente o capítulo 5. Em relação ao
livro de memórias, ver TELLES JÚNIOR, Jerônimo José. “Memórias (1851-1914)”, Revista do Arquivo
Público do Estado de Pernambuco, Recife, 1974. A fala de que era preciso “desenterrar” os artistas foi dirigida
especificamente a Walfrido Mauricéia e Odilon Tucuman nas p. 158 de CLÁUDIO, op., cit., 2010. Para as
reflexões realizadas no posfácio ver idem, p. 171-174.
43
parte do pernambucano” uma “disposição de aprender, ou de ir ver o que o outro tem para
ensinar, venha de onde vier”. Apesar de encarar os estrangeiros aqui aportados como “artistas
menores ou imaturos”, transformou essa condição em algo positivo para a arte
pernambucana, pois isso “ao mesmo tempo que facilitava” o “abrasileiramento” deles,
permitia aos artistas locais “aprender com eles sem distorções da nossa identidade”. Nessa
passagem, e em outras, o autor se incluiu entre os que se beneficiaram com tal relação, mesmo
que ocorrida muito antes de seu nascimento. Ao escrever “permitia-nos” e “nossa identidade”
ele demonstrava pensar em termos de continuidade, onde aquilo que ele fazia era parte de
uma herança, de uma trajetória que era anterior a sua existência.62
Outro trecho do livro elucida bem a concepção de José Cláudio das relações dos
estrangeiros com a construção de uma arte pernambucana, sempre demarcando o que era pelo
que não era.
Porque tais pequenos mestres tornavam-se mestres aqui, desde os tempos
de Nassau; porque aqui é que amadureceram, sem o peso esmagador da arte
europeia a sufocá-los: aqui encontraram a liberdade sem a qual nenhuma
individualidade vinga, e longe dos seus pesadelos, desintoxicados, viam
aflorar-lhes o talento, sem nenhuma sombra de gigante do passado a
afrontá-los. Podia até às vezes parecer uma abdicação da personalidade –
quando não era, e sim a disponibilidade de quem justamente não sente a
integridade ameaçada, prova-o muito bem a obra que deixaram [...]63
Essas interpretações de José Cláudio não apenas procuravam formular os atributos da
arte pernambucana, igualmente apresentaram o perfil do próprio homem pernambucano, seja
aquele que desenha e pinta, seja o representado nas obras. Contudo, no momento, irei me
restringir ao que foi estabelecido em relação ao primeiro tipo de homem, o artista
pernambucano.
José Cláudio, citando muitas vezes outros autores, concebia o artista como ligado à
sua terra e aos problemas dela, assim como defensor do seu “espaço individual”, da sua
“independência e personalidade”. Tais características, para o autor, eram reflexo de uma
região constantemente sob a presença de artistas estrangeiros. Desse modo, isso era, “talvez”,
62
Idem, p. 154.
63
Idem, p. 156-157.
44
um “instinto de defesa”, uma “‘consciência de espécie’ despertada pelo invasor”, que
concorreu para uma arte diferenciada, que seguia “rumo próprio”. José Cláudio com intuito
de exemplificar essas ideias reproduziu uma declaração de Abelardo da Hora, onde afirmava
não fazer “arte para os colegas verem nem para os críticos”, e sim para si mesmo e para sua
“gente”.64
Já em 1944, o fotógrafo Benício Dias prestou depoimento para matéria jornalística,
publicada na revista Arquivos, que cobria o Primeiro Salão de Arte Fotográfica, no qual ele
tinha sido premiado. Nela deixou suas impressões do perfil do nordestino, verificável
também nos artistas.
Com o Salão, lucramos nós, os artistas, e o povo. Tive oportunidade de
ouvir, no Salão, reações de um pitoresco inestimável que me revelaram a
impressão causada pelas fotografias expostas. Ao mesmo tempo serviu para
a revelação de artistas. Como vocês sabem, é mesmo típico do nordestino,
o isolamento, o ensimesmamento. Por falta de oportunidade, muitas
vocações se perdem. Às vezes, também, pela incompreensão.65
Ainda em Artistas de Pernambuco, vê-se a fala de Montez Magno, já no final dos
anos 1970, valorizando o caráter criativo no Nordeste, identificando, inclusive, em objeto
com “propósito utilitário” – uma colcha feita com retalhos – uma estética artística. Sua
análise parece conceber como natural a inclinação artística dos homens daquela região.66
Vale destacar que essas foram três falas de sujeitos reconhecidos como artistas.
Artistas falando sobre artistas.
Voltando a discutir antecipações modernistas entre os pernambucanos, José Cláudio
citou a passagem de um livro escrito pelo filho do artista Henrique Elliot, onde afirmou ter
seu pai interpretado “os temas e motivos regionais, como sejam os tipos de rurícola, as feiras
do Agreste, a vida interiorana, como ocorreu no Casamento na Roça, antes que o movimento
modernista de 1922 preconizasse tal orientação”. O autor, Berguedof Elliot, destacou ainda
64
Idem, p. 145-150.
65
Fala atribuída a Benício Dias, que ganhou prêmio no salão, ver. Arquivos. 1º e 2º Números, 1945-1951.
Recife: DDC, Prefeitura Municipal do Recife, 1953, p. 437.
66
MAGNO, apud, CLÁUDIO, op., cit., p. 145-146.
45
na relação entre os artistas pernambucanos uma hostilidade e indiferença “ao êxito de seus
conterrâneos”. Para ele, “estes quase sempre se projetam e se afirmam quando emigram”.67
Foi o que ocorreu com Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro que
trabalhavam e se exibiam em Paris para que reconhecêssemos, como um
eco, o mérito de ambos. [...] Preso teluricamente à terra em que nasceu, sem
estímulos, sem apoio, sem recursos para emigrar ou pelo menos mostrar
seus trabalhos em centros de maior densidade cultural ou artística, meu pai
morreu quase desconhecido.68
José Cláudio tanto em Artistas de Pernambuco como em Tratos da Arte, recorreu,
como foi dito, a inúmeras e extensas citações de textos de outros autores, “intervindo às
vezes, inclusive com mais citações”. Já na primeira obra, justificou o porquê dessa prática.
Em suas palavras, elas tiveram o intuito de “poupar ao leitor o trabalho de ir a essas fontes”,
assim como de mostrar a “frequência” da “ligação entre a terra, os pintores de Nassau, e a
pintura local, e o caminho diferente que a arte de Pernambuco acabou traçando”. Na segunda
disse: “Podem me chamar de compilador. Já dizia Buda que mostrar vale mais do que
explicar cem vezes”. Ou seja, ele mobilizou determinados enunciados para construir a tese
que desenvolveu em seu trabalho, apresentada desde o início: o estilo pictórico
pernambucano se constituindo como uma escola com tradição antiga, que remonta ao século
XVII. E, tentando fazer essa opinião não ser atribuída exclusivamente a si, apresentava-a
como verificável em críticas, relatos, etc., realizados por uma intelectualidade recifense e
pelos próprios artistas. Portanto, em seu ponto de vista, as fontes das quais se utilizou seriam
testemunhas do que havia ocorrido.69
Como mencionado, para José Cláudio, o permanente contato de Pernambuco com “o
elemento estrangeiro” teria acarretado a constituição de um estilo próprio de arte. Porém, e
parece ser o mais importante para o autor, isso não teria prejudicado “a brasilidade” do artista
local. Os nomes mencionados para corroborar tal análise foram tanto de antigos quanto de
seus contemporâneos, entre eles os que fizeram parte do Atelier Coletivo e/ou da SAMR –
Wellington Virgolino, Aloísio Magalhães, Abelardo da Hora, Augusto Rodrigues, Darel
67
ELLIOT, Berguedof, apud CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 163.
68
Idem, p. 163-164. A supressão na citação direta é foi feita no livro de José Cláudio.
69
CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 167.
46
Valença, Elezier Xavier. Neles José Cláudio visualizou uma espécie de comprometimento
com as coisas da terra, com seus “bens culturais”, como se fossem “chamados a defender a
pátria”, de uma “maneira” que “permitiu” a “formação” desses diversos artistas.70
Em Artistas de Pernambuco José Cláudio não se preocupou em registrar a história de
artistas contemporâneos a ele, apenas da geração anterior para trás. Mas, como visto, não
deixou de relacionar a atuação de alguns deles com o desenvolvimento do estilo
pernambucano nas artes plásticas, primordialmente no que toca a relação com a terra, a
paisagem, coisas e assuntos locais, e as obras reproduzidas nesse álbum foram
majoritariamente as produzidas pós década de 1950. Também, como registrou no posfácio,
recorreu a personalidades importantes nos espaços de fomentação e discussão artística de
Recife em meados do século XX, como Hélio Feijó, primeiro presidente da SAMR, e José
Césio Regueira Costa, diretor por quase toda a década de 1950 da Diretoria de Documentação
e Cultura (DDC), órgão municipal que cuidava justamente das atividades de cunho artístico
e cultural da cidade do Recife.71
Foi em Tratos da Arte de Pernambuco que o artista-escritor se debruçou mais
demoradamente sobre os artistas plásticos mais próximos a ele e atuantes a partir das décadas
de 1920 e 1930. Recorreu ao livro A década de 20 em Pernambuco, de Manoel de Souza
Barros, como base para visualizar o contexto cultural da época, o citando longamente, sempre
em concordância com suas ideias. A escolha do período se deu pela compreensão de ter
havido nele um movimento de “resgate” da cultura pernambucana, no qual várias
personalidades estavam envolvidas, políticos, literatos, engenheiros, jornalistas, entre outros,
sobressaindo os que ele chamou de “grandes guias”, Joaquim Cardoso, Gilberto Freyre e
Ascenso Ferreira, que, em suas palavras, deram uma feição à década de 1920. Vale salientar
que Souza Barros foi o diretor que antecedeu Césio Regueira na DDC, quando a repartição
tinha o nome de Diretoria de Estatística e Propaganda e Turismo (DEPT).72
70
Idem, p.167-168. Para a ideia de escola que norteou o texto ver a página 139.
71
Idem, p. 173.
72
José Cláudio inicia a obra sendo “guiando”, em suas palavras, pelo livro de Souza Barros. A década de 20
em Pernambuco: uma interpretação. Rio de Janeiro, 1972. Ver idem, p. 177. Assim sendo, muito do que citarei
de Tratos da Arte serão conjecturas realizadas por Souza Barros e aceitas por José Cláudio.
47
José Cláudio não mencionou, mas Souza Barros também escrevera em 1975 o livro
Um Movimento de Renovação Cultural, num esforço de conceber justamente as décadas de
1920 e 1930 como de animação de um certo tipo de modernismo em Pernambuco. Aqui,
novamente, o ponto de comparação foi a São Paulo dos modernistas da Semana de 22, quase
como uma resposta aos exaltadores daquele movimento, para, conforme o autor, mostrar que
em Recife também teriam existido ideias autênticas, até mais que naquela outra cidade,
incentivadas por um círculo grande de intelectuais, literatos e artistas. Nesse momento
mencionou Gilberto Freyre como o intelectual primordial que deu a tônica diferenciada do
modernismo pernambucano. Citou comentários elaborados por Manoel Bandeira, José Lins
do Rêgo, Ledo Ivo e até pelo crítico paulistano Sérgio Milliet para credenciar mais o que foi
feito em Recife em relação ao que houve em São Paulo.
O modernismo no Recife, não sei se de si próprio, pelas força e
originalidade de seus poetas, um Joaquim Cardozo, um Ascenso, não sei se
pela ação corretiva de Gilberto Freyre, provavelmente por uma e outra
coisa, não caiu nos cacoetes de escola, não aderiu tão indiscretamente
quanto o mesmo movimento do sul, sobretudo o de São Paulo, aos modelos
franceses e italianos. Tirou todo o proveito da lição sem sacrifício de suas
virtudes próprias.73
Foi nesse mesmo sentido que José Cláudio desenvolveu sua argumentação em Tratos
da Arte de Pernambuco, tendo como fio condutor o modernismo vivenciado nas artes
plásticas de Pernambuco em articulação com o regionalismo pregado por Freyre. Assim
também parece que o fez, em certa medida, o autor de uma matéria jornalística do Jornal do
Commercio sobre os 70 anos de modernismo em Pernambuco, escrita em 1992. Nela há a
compreensão de que o modernismo que houve naquele estado fora diverso do paulista e
carioca, em suas palavras, “nada mais natural que o Recife seguisse seus próprios rumos”. E,
em tom de distinção, afirmou que “nenhuma cidade brasileira tinha naquela época tanta
tradição literária acumulada quanto o Recife. [...] A nostalgia do Recife como da cidade que
foi, nos anos 20 já despontava. Enquanto São Paulo, sem tradição cultural importante para
lembrar, rumava construindo o seu futuro industrial.” Também valorizou a atuação de
73
Manuel Bandeira, apud. BARROS, Manoel de Souza. Um movimento de renovação cultural. Rio de Janeiro:
Cátedra, 1975, p. 25.
Artes plásticas no Recife nas décadas de 1940-1950
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Artes plásticas no Recife nas décadas de 1940-1950

  • 1. RAISSA ALVES C. PAZ Preocupações artísticas: o caso do Atelier Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife Campinas 2014
  • 2.
  • 3. iii UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS RAISSA ALVES C. PAZ Preocupações artísticas: o caso do Atelier Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife Orientadora: Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do Título de Mestre em História. Este exemplar corresponde à VERSÃO PROVISÓRIA da dissertação a ser defendida pela aluna Raissa Alves C. Paz, e orientada pela Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino, em 31/03/2015. Campinas 2014
  • 4.
  • 5. v Resumo Frequentemente se considera que as décadas de 1940 e 1950 em Recife foram de “efervescência cultural” e de “intenso movimento artístico”, tendo como base tanto a grande quantidade de material sobre atividades artísticas que supostamente estariam ocorrendo nessa cidade, quanto o conteúdo dele, o qual em parte advoga explicitamente essa ideia. Contudo, esse procedimento utilizado para “constatar” determinadas experiências deixaram de problematizar quais os sujeitos, grupos e instituições que divulgaram essa ideia. Desse modo, este trabalho procura acompanhar as discussões empreendidas naquele momento sobre as artes plásticas a partir do estudo da trajetória de uma organização que reuniu alguns artistas, o Atelier Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife. Nesse intento, alguns temas se mostraram fundamentais para o entendimento daquele cenário: arte moderna, regionalismo nordestino, folclore, educação artística, educação popular, práticas arquivísticas e memória. Palavras-chave: Artes Plásticas; Educação Artística; Memória; Recife
  • 6. vi
  • 7. vii Abstract It’s frequently considered that the decade of 1940 and the decade of 1950 in Recife were of “cultural effervescence” and “intense artistic movement”, based upon both the large amount of material about artistic activities supposedly taking place in this city as well as its content, which in part explicitly advocates this idea. However, this procedure utilized to “verify” certain experiences failed to problematize which subjects, groups and institutions disseminated this idea. Thus, this work seeks to follow the discussions undertaken at that moment about the fine arts from the study of the trajectory of an organization that brought together some artists, the Society of Modern Art of Recife’s Collective Atelier. In this intent, some subjects proved fundamental to the understanding of that scenario: modern art, northwestern regionalism, folklore, artistic education, popular education, archival practices and memory. Keywords: Fine Arts; Artistic Education, Memory; Recife
  • 9. Índice Introdução......................................................................................................................15 Capítulo 1 - Sociedade de Arte Moderna do Recife e Atelier Coletivo entre memórias e arquivos......................................................................................................31 1.1 José Cláudio e três obras, impressas.........................................................38 1.2 A construção de um grupo........................................................................58 1.3 O Atelier Coletivo, “um fato muito importante na vida artística do Recife e do Nordeste” ............................................................................................78 Capítulo 2 - A escrita sobre artes plásticas em Recife...................................................91 2.1 Arte Moderna, SAMR e Atelier Coletivo...............................................103 2.2 A luta por reconhecimento e valorização das artes e dos “operários” que as fazem.............................................................................................................120 Capítulo 3 - Motivos para as artes plásticas...................................................................141 3.1 Algumas propostas de Gilberto Freyre.....................................................163 3.2 Museu Popular ........................................................................................178 Considerações Finais - DDC: um projeto de educação cultural popular para Recife.............................................................................................................................185 Referências...................................................................................................................201 Anexo............................................................................................................................209
  • 10.
  • 11. xi Agradecimentos Não fiz o presente trabalho sozinha. Variados e inúmeros momentos e pessoas na minha vida contribuíram para a conformação desta dissertação: valores construídos desde a infância no ambiente familiar, professores admirados na adolescência e, principalmente, o diálogo muito especial sobre estudos com Israel Ozanam, meu companheiro. Um sentido para os meus estudos vem sendo erigido nesse diálogo. Sou grata particularmente à minha orientadora Silvana Barbosa Rubino que me deu a oportunidade de desenvolver esta pesquisa como aluna do mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Agradeço também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o qual me proporcionou dois anos sem a necessidade de exercer atividade extra pesquisa para minha manutenção financeira. Um agradecimento fundamental dedico ao artista plástico Wilton de Souza, foi ele quem trouxe motivação para este estudo em particular. Sua vivacidade ao contar experiências em artes plásticas no Recife nas décadas de 1940 e 1950 me encantaram e me fizeram querer saber mais.
  • 12. xii
  • 13. xiii Nada mais posso dizer, pois com palavras não chegarei a exprimir o que sinto em escultura. Por mais que eu fale não conseguirei construir nem mesmo um simples bloco de pedra, pois, as palavras não têm volume. Abelardo da Hora em depoimento para “O escultor Abelardo da Hora”. Contraponto. Ano II, N. 8, p. 17. Recife, 1948.
  • 14.
  • 15. 15 Introdução 1. Uma parcela da imprensa do Recife nas décadas de 1940 e 1950 esteve encarregada de apresentar a cidade, ou a região Nordeste, como potencial artístico, ou de maneira mais ampla, potencial cultural. Para isso, nela foram veiculados documentos considerados oportunos para reforçar tal característica. Arquivos, por exemplo, foi uma revista publicada no período pelo órgão municipal inicialmente nomeado Diretoria de Estatística Propaganda e Turismo (DEPT) e depois Diretoria de Documentação e Cultura (DDC), e serviu de maneira semelhante a um arquivo físico, como seu nome sugere, contando, segundo declarava em suas páginas, com a colaboração “de autores dos mais distinguidos e documentação diversa, antiga e atual”, através da qual se poderia, “sem dificuldades, recompor as atividades culturais do Recife” nos anos os quais a revista era editada. Em seu conteúdo constam temas de história local (de Recife, Pernambuco e Nordeste), arquitetura, poesia, literatura, artes plásticas, entre outros, além de trazer fotografias e ilustrações, estas últimas, inclusive, realizadas por um funcionário da própria DDC, Hélio Feijó.1 Nela há também uma espécie de catálogo com variados eventos, sobretudo exposições, salões de arte e conferências, que naquele momento foram realizados, todos com a colaboração da DDC. No volume referente aos anos 1952 a 1965 uma passagem diz: “é 1 A Arquivos foi publicada entre os anos 1942 e 1977, sempre vinculada à Prefeitura Municipal do Recife. As edições analisadas nesta pesquisa estão no setor de periódicos do Centro de Documentação e Estudos de História Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Para a citação direta ver: “Este número”. In: Arquivos. Anos IV/X, N.os 7 a 20. Recife: Diretoria de Documentação e Cultura/Imprensa Oficial, 1953, p. III. Em relação à DDC, ela veio substituir a DEPT, Diretoria de Estatística e Propaganda que, segundo Dirceu Marroquim, fora “criada pela Prefeitura com o intuito de ‘divulgar, de maneira regular e oportuna, a vida e as coisas do Recife’”, dentro de um plano para o desenvolvimento do turismo na cidade, de alcance nacional e internacional, fazendo com que “os visitantes conhecessem a cidade, suas feiras, suas peculiaridades e seus ares pitorescos”. Ver MARROQUIM, Dirceu S. M. “Histórias de um navio holandês (1939): antecipações do turismo em Pernambuco”. In: CASTRO, Celso, GUIMARÃES, Valeria Lima e MAGALHÃES, Aline Montenegro (organizadores). História do Turismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 201. O objetivo da prefeitura municipal com a mudança da DEPT pela DDC seria implantar “um departamento de cultura com maior âmbito, prevendo a criação de múltiplos serviços e, sobretudo, a possibilidade de ser levado a bom termo um eficiente plano de trabalho em favor das populações de menores recursos econômicos”. Bibliotecas Populares no Recife. Recife: Diretoria de Documentação e Cultura/Imprensa Oficial, 1951, s/p. Para informações sobre as diretrizes da Diretoria recorri ao documento supracitado, a revista Arquivos, e aos relatórios municipais apresentados à Câmara Municipal do Recife que compreenderam o período da pesquisa, 1948 a 1957, sendo estes, inclusive, também elaborados pela DDC. Saliento que as citações diretas em todo esse trabalho terão a ortografia atualizada, contudo, mantida a pontuação original.
  • 16. 16 nosso intuito (...) transformar a prestigiosa publicação numa revista de cultura da cidade do Recife”, fazendo aparecer nela “todas as manifestações válidas no campo da história, da arte, da sociologia, da literatura, da política, enfim, de tudo aquilo que revele uma inquietação, uma busca, uma realização dos artistas e intelectuais da nossa cidade”.2 No que toca às artes em Pernambuco parece que a revista deixou para alguns de nós, cidadãos de início do século XXI, uma compreensão coerente daqueles anos como de “efervescência cultural”. Habitualmente, estudar a vida cultural (no que diz respeito ao teatro, às artes plásticas, à fotografia, entre outras práticas que podem ser compreendidas, de forma ampla e genérica, como do campo da arte) do local e período da Arquivos é partir dessa premissa. No entanto, as análises que compartilham dessa ideia deixam de lado algumas questões importantes, como, por exemplo, a posição da imprensa nesse quesito.3 Conceber as décadas de 1940 e 1950 no Recife como de “efervescência cultural” baseando-se em informações veiculadas nas fontes daquela época que afirmavam isso não deveria ser um procedimento automático. Várias razões podem ter levado um grande número de documentos a afirmar algo. Então ao invés de transpor como verdades determinados enunciados só pelo fato de terem sido produzidos no tempo em questão, pode ser mais 2 “Apresentação”. In: Arquivos. N.os 21 a 47. Recife: Secretaria de Educação e Cultura/Imprensa Universitária. 1952-1965, p.1. 3 Interpretações nesse sentido foram de certo modo realizadas em TEIXEIRA, Flávio Weinstein. O Movimento e a Linha: Presença do Teatro do Estudante e d'O Gráfico Amador no Recife (1969-1964). Recife: Editora Universitária UFPE, 2007. Na primeira página da introdução, p. 13, ele comenta: “O que este trabalho procura evidenciar é que, também sob o ponto de vista cultural, as transformações que o Recife vivenciou nessas duas décadas [1940/50] foram igualmente significativas e marcantes. A leitura dos jornais da época não deixa dúvidas quanto a isso”, e, para reforçar seu argumento, prosseguiu citando uma fonte, Diário de Pernambuco de 08/08/1948, 2º Caderno, p. 06: “Veja-se, por exemplo, o brado que Mauro Mota, do alto de sua condição de, já àquela época, renomado poeta e diretor do suplemento literário do Diário de Pernambuco, lançava aos quatro ventos: ‘quando tivemos e temos nomes exponenciais em todos os ramos da cultura e da sensibilidade humanas? Quando no momento refletimos uma paisagem literária que não é do saudosismo ou estagnação e sim de vida calorosa e ativa, de renovação de métodos e sistemas?’ (...) Constatar, portanto, a singularidade da época, em termos de vigor cultural, não é tarefa que exija esforço desumano”. Apesar dessa perspectiva n’O movimento e a linha – de não questionar mais profundamente a expressiva veiculação das artes por boa parte da imprensa nos anos de 1940 e 1950 e considerar que havia uma efervescência cultural na cidade pelo fato das fontes do período dizerem isso –, não posso deixar de expressar que ele vem sendo valioso diálogo para a pesquisa aqui discorrida, possibilitando vislumbrar detalhadamente práticas relacionadas ao teatro, que naquele momento era campo de compartilhamento de ideias sobre arte com as artes plásticas. Seu trabalho foi, com certeza, um grande incentivo. Sobre jornais e periódicos que dedicavam muitas de suas páginas com assuntos sobre artes, entre outras atividades ditas culturais, nas décadas de 1940 e 1950, aqui analisadas, se encontram: Boletim da Cidade e do Porto do Recife, Contraponto, Nordeste, Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco e Revista do Norte, além da seção sobre artes plásticas dirigida por Ladjane Bandeira, publicada inicialmente no Diário da Noite e depois no Jornal do Commercio.
  • 17. 17 proveitoso examinar os indícios de que atividades consideradas culturais, entre elas as artes plásticas, atraíram discussões e ampliavam seu alcance no período. Assim sendo, não intenciono nesse trabalho fazer um estudo de comprovação da existência ou não existência de uma ebulição na cultura em Recife dos anos 1940 e 1950, até porque isso demandaria uma comparação com outros períodos ou lugares. Procurarei apenas entender porque naquele momento alguns sujeitos, grupos e instituição afirmaram a existência de uma efervescência cultural na cidade. Um artigo publicado em 1965, intitulado “Arte Regional e Arte Regionalista”, inicia refletindo sobre “O crescente movimento artístico que se observa no Nordeste, a exemplo de outras regiões do País (...)”.4 Nesse sentido, é pertinente compartilhar a ideia apresentada pelo estudioso Eduardo Dimitrov de que alguns sujeitos naquela época empreenderam esforços na imprensa para promover a arte pernambucana. Ele se refere particularmente a Gilberto Freyre. Este último, que também fez tentativas na pintura, apesar de não ter sua imagem associada a essa experiência, recorreu a diversas formulações para mostrar singularidades que deveriam em sua opinião ser valorizadas nas produções de alguns pintores pernambucanos, dentre eles, e especialmente, Lula Cardoso Ayres.5 Esforços também foram realizados na imprensa para instituir uma tradição artística local. Não seria à toa um escrito de 1906, “Nossos quadros e nossos pintores”, ter sido publicado na Arquivos em 1953. Em nota explicativa, a revista justificou que ao reproduzir tal documento procurava apenas “trazer uma contribuição ao estudo” do “panorama artístico”, de início do século, já que considerava ser esse texto de grande importância “como documentário minucioso que é, elaborado com detalhes muito interessantes para o estudioso que pretenda fixar a evolução da pintura no Recife”.6 Além de textos desse tipo, no periódico algumas páginas eram reservadas para noticiar os eventos culturais organizados pela DDC. Ao fazer isso, os responsáveis pela 4 SANTOS, M. C. “Arte Regional e Arte Regionalista”. In: Arquivos. Op. cit., 1965, p.142-161. 5 DIMITROV, Eduardo. “Pintura e Identidade: formas de pintar Pernambuco por artistas locais e seus diálogos com o Sudeste”. In: Anais do 34º Encontro Anual Anpocs, Caxambu/MG, 2010. Sobre Lula Cardoso Ayres em especial as páginas 6 a 14. Disponível em http://www.anpocs.org.br/portal/seminarios_tematicos/ST15/EDimitrov.pdf, acessado a 16 de abril de 2012. 6 Nota explicativa da revista para o texto de Bianor Medeiros: “Nossos quadros e nossos pintores”. In: Arquivos. Op. cit., 1953, p. 257.
  • 18. 18 publicação acabavam associando determinadas ações no campo das artes a uma espécie de predisposição local, a qual, para eles, poderia ser constatável em sua história. Arquivos, na condição de um órgão oficial da prefeitura, acreditava haver um potencial artístico local, o qual não seria por ele desperdiçado, pelo contrário. E para mostrar que tinha essa concepção da cidade, procurou registrar e divulgar atividades por ele próprio desenvolvidas que estariam levando isso em consideração. Além do mais, outra questão estava em jogo: a crença na existência de uma disputa com a produção cultural do Sul, mais especificamente de São Paulo. Nesse ponto o trecho acima citado de “Arte Regional e Arte Regionalista” pode aparecer como indicativo.7 Ideias que concebiam o Nordeste como área marginal, menos produtiva para o país, eram prontamente rebatidas por intelectuais e artistas de Recife. Eles afirmavam que em termos econômicos as coisas até podiam ser assim, mas no tocante às “atividades culturais”, não.8 Contudo, vale destacar que a disputa parece ter partido mais de alguns pernambucanos do que dos paulistas, e, mesmo assim, os primeiros demonstravam sempre querer a aprovação dos segundos. Em 1952 o jornalista Altamiro Cunha escreveu uma crônica sobre um encontro tido com um “excelente crítico de repercussão nacional”, Sérgio Milliet. Em suas 7 Essa reflexão também foi elaborada por DIMITROV, op. Cit. 8 Sobre o fator econômico nesse período (década de 1940 e principalmente de 1950), encontrei no Diário da Noite diversas matérias, inclusive de capa, mostrando a miséria que assolava as ruas de Recife, tendo como um dos fatores a seca disseminada no Nordeste. Afirmava-se que planos em nível municipal e federal estavam em andamento, mas apresentavam muitos problemas em suas execuções. Em agosto de 1955 a prefeitura do Recife organizou o Congresso de Salvação do Nordeste, onde diversos setores da sociedade discutiram os principais problemas socioeconômicos da região. “O Congresso contou com o apoio dos governadores do Nordeste, da Bahia ao Maranhão, também de Minas Gerais, mobilizados pelo dinamismo de Clodomir Morais, a experiência e senso prático de Sousa Barros”, este último responsável pela elaboração da Carta de Salvação que “analisa e propõe intervenções nos setores de energia elétrica, indústria e comércio, trabalho, minérios, terra, migrações, transporte, secas, saúde, educação e cultura e agricultura”. Após essa iniciativa surgiriam a Operação Nordeste (OPENO) e a Comissão de desenvolvimento do Nordeste, e, finalmente, em 1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Essas informações foram encontradas em NETO, Nagib Jorge. Paulo Cavalcanti – Elogio da Resistência: Evocação a Paulo Cavalcanti. Coleção Perfil Parlamentar século XX Recife: Assembleia Legislativa do estado de Pernambuco, 2001, p. 33-34. Disponível em http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/01pdf/PauloCavalcanti.pdf, acessado a 05/11/2013. Sobre o Congresso de Salvação do Nordeste ver também PONTUAL, Virgínia. “A utopia de um novo tempo: reformas sociais e planejamento”. In: Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, p. 238, disponível em https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&cad=rja&ved=0CE0QFjAE&ur l=http%3A%2F%2Fwww.anpur.org.br%2Frevista%2Frbeur%2Findex.php%2Fshcu%2Farticle%2Fdownload %2F440%2F416&ei=tyJ5UpObOIjtrQGzvYCwDg&usg=AFQjCNEEZmmQ_BEH0zKOkCzBtVXmc1yrVg &sig2=CeGFfHPb-Bbx-vkt5GzV7Q.
  • 19. 19 conversas haveria a indagação sobre quais “impressões” o crítico tinha da “nossa terra”, o qual responderia: “Estou encantado com o progresso do Recife. Contente e orgulhoso. Porque vejo no Recife uma imagem de S. Paulo, com as vantagens da civilização e as tristezas da perda de substância regional e tradicional”. O jornalista após tal resposta endereçou duas perguntas mais específicas a propósito de “sua opinião sobre o movimento intelectual e artístico de Pernambuco” e da “possibilidade de deslocamento da ficção brasileira do norte para o sul”.9 As respostas de Milliet provavelmente não tinham o propósito de contrariar Altamiro Cunha, o qual lhe destinava calorosa receptividade e veementes elogios. Em relação à primeira ele disse que Pernambuco, e o Nordeste como um todo, “é e sempre foi importante para o Brasil. Uma terra que deu no ensaio sociológico um Gilberto Freyre e, na pintura, Lula Cardoso Aires, e na poesia um Joaquim Cardoso, no romance um paraibano José Lins do Rego não é apenas respeitável, é admirado (...)”. Para a segunda, concluiu: “um bom romance do sul não destrói os bons romances do nordeste”.10 2. Os sujeitos, os espaços e o tempo alvos de investigação dessa pesquisa se apresentaram inicialmente como eco das fontes do período que eu supunha delimitar a minha pesquisa, os anos entre 1948 e 1957, mas esse eco acabou por se tornar uma das próprias problemáticas dela: em que termos chegou a 2010 uma experiência ocorrida há mais de meio século? Quais os esforços empreendidos para que algumas vozes em lugares e circunstâncias específicas fizessem atualmente referências a uma organização considerada de artes plásticas que existiu em meados do século XX? Diante dessas questões uma alternativa para resolvê- las foi tratar da memória, no sentido que era concebida e reforçada por iniciativas de instituições e sujeitos do próprio período, preocupadas em registrar realizações nas artes com determinadas finalidades, dentre elas, a de construir uma história desse campo com base empírica, promovendo a percepção de que nessa área Pernambuco àquela época era proeminente no Brasil. 9 CUNHA, Altamiro. “Os dias da cidade - Encontro com Sérgio Milliet”. In: Diário da Noite, 31/01/1952, p. 4. 10 Ibidem.
  • 20. 20 Se essa maneira de proceder a pesquisa não fosse necessária, eu não deveria ter dado atenção ao sugestivo nome da revista Arquivos, que se propunha a tratar das “atividades culturais do Recife”, assim como ao órgão municipal responsável por sua elaboração, de nome igualmente sugestivo: Diretoria de Documentação e Cultura (DDC)11 . Mas vamos a alguns dados do meu percurso de pesquisa, para não tornar tudo confuso desde o início. Estudar artes plásticas por meios historiográficos em algum momento passou a ser um interesse que eu alegava ter, mesmo desconhecendo de onde e quando haveria surgido. Provavelmente não foi na minha experiência nas disciplinas do curso de graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, pois dela não me recordo de nenhuma discussão significativa baseada em artefatos que não fossem escritos, seja charges, fotografias, filmes, vestuário, arquitetura, mobiliário, etc. Também não houve momentos para refletir sobre desenhos, pinturas, esculturas, ou qualquer produção das artes plásticas. O contrário parece ocorrer no curso de História da Universidade Estadual de Campinas, como percebi na produtiva vivência como participante do Programa de Estágio Docência na disciplina Laboratório de História II ministrada pela professora Silvana Rubino. O que ressoa em minha memória dos meus tempos de graduação é que quis em 2009 cursar uma disciplina intitulada História e Imagem durante um intercâmbio, ainda na graduação, na Université Lumière Lyon 2 (França). A disciplina, ministrada pelo professor M. Christian Sorrel, propunha a análise de algumas obras de arte do gênero histórica – onde há a ideia ou intenção de representar um acontecimento passado, como fez, por exemplo, Eugène Delacroix na pintura La liberte guidant le peuple, sobre a Revolução Francesa. Pautadas a maior parte das aulas em seminários a cargo dos alunos, as explanações, por vezes, abordavam, para decepção do professor, basicamente o episódio representado, mas não as condições da obra: quem a fez, onde, por qual razão, em quais condições, quem comprou, onde ela está, etc. O tratamento de produções artísticas, ou outro registro visual, como fonte valiosa para a compreensão de determinada sociedade foi bastante incipiente na minha formação enquanto aluna de graduação em história, e percebi em diálogos com colegas da pós-graduação advindos de 11 Arquivos, 1º e 2º números, 1945-1951, Recife: DDC, 1953, p. 3.
  • 21. 21 outras instituições de ensino que essa experiência foi também compartilhada pela maioria deles, a não ser por aqueles que cursavam disciplinas de história da arte. Em 2010, quando estava a reunir documentos para outro trabalho, conheci um senhor de quase 80 anos que me entregou uma publicação composta por desenhos elaborados por ele ilustrando poesias de Carlos Pena Filho12 . Esse senhor, Wilton de Souza, passou algumas poucas horas conversando sobre sua trajetória profissional, em especial sobre uma iniciativa realizada por artistas plásticos da qual participou, o Atelier Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife, que haveria existido na década de 1950 em Recife. Mostrava-se empolgado ao relatar, mas ao mesmo tempo lamentava a pouca valorização e a consequente desinformação das pessoas sobre algo considerado por ele muito importante para a construção do atual cenário pernambucano das artes plásticas. Essa conversa se deu justamente quando eu estava avaliando a possibilidade de elaborar um projeto de pesquisa para o mestrado. Passados alguns meses eu já estava com uma quantidade de fontes e questões suficientes para me fazerem optar por estudar e querer saber mais sobre o Atelier Coletivo. Tal empreendimento teria surgido como proposta da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR). Essa sociedade, segundo alguns documentos e relatos, fora pensada no momento da 1ª exposição de Abelardo da Hora por artistas e intelectuais locais. O pintor Hélio Feijó foi quem assinou seu registro em cartório como “sociedade civil” no ano de 1949.13 Contudo, o Atelier Coletivo é atualmente representado de forma mais autônoma, não apenas como uma espécie de oficina da sociedade, visto que alguns de seus integrantes não estiveram envolvidos em outras atividades dela e, mesmo assim, até hoje suas biografias sempre lembram o período de participação no Atelier, sem necessariamente mencionar que ele era da SAMR. Abelardo da Hora viria a tornar-se o mais atuante incentivador do Atelier. A sua exposição de 1948 contou com o patrocínio da DDC, a qual, como foi dito, tinha entre seus 12 Poeta recifense vivido entre os anos de 1928 a 1960. O trabalho ao qual faço referência é Episódio Sinistro de Virgulino Ferreira, publicado em 1985. 13 Ver Estatutos da Sociedade de Arte Moderna do Recife. Recife, 1950 e Certidão. 1º Cartório de Titulos e Documentos, Registro Nº 392, Livro A Nº 5, Fl. 82. Recife, 21/11/1949. “Pintor” como categoria profissional de Hélio Feijó é expresso no próprio registro da sociedade.
  • 22. 22 funcionários Hélio Feijó, que veio a ser o primeiro presidente da SAMR. A DDC, dirigida em seu início, 1946, por Manoel de Souza Barros e posteriormente por José Césio Regueira, funcionava como um canal pelo qual o poder público se envolvia com atividades consideradas culturais14 . Como relatado no início desta introdução, através da revista Arquivos esse órgão divulgava eventos e atividades que realizou ou apoiou, como exposições e salões de pinturas e fotografias, conferências, etc. Alguns dos propósitos da DDC são apresentados em outra publicação de sua responsabilidade – organizada para a conferência latino-americana de bibliotecários em setembro de 1951 –, dos quais os que associam cultura, educação e população pobre (ou populares, pois no texto esses dois termos se afiguram sinônimos) parecem combinar-se com uma das diretrizes da SAMR, preponderantemente incorporadas pelo Atelier Coletivo. Nela foi informado que o órgão municipal propunha a execução de um “plano de trabalho (...) em favor das populações de menores recursos econômicos”, melhorando seu “índice cultural”, devido as suas “condições ainda precárias”, impossibilitadas de manter contato com “formas, mesmo elementares, da cultura”.15 No Art. 1º de seu estatuto a Sociedade expôs sua finalidade: “independente de raça e de credo político ou religioso, contribuir para o desenvolvimento cultural e artístico do Recife, e pugnar pela expansão de uma arte bem orientada, educando o público e instruindo- o na relação de valores”.16 Abelardo da Hora escreveu um dos textos que compõe o catálogo da primeira exposição do Atelier Coletivo, em 1954 – o qual fora dedicado “Ao povo de Pernambuco cuja vida e espírito criadores, são as fontes de nossas realizações” –, expressando que as exposições da SAMR deveriam ter objetivo “que viesse a contribuir para a elevação do nível artístico do povo e dos próprios expositores”.17 Essas três entidades, DDC, SAMR e Atelier Coletivo, elaboraram documentos registrando suas propostas e realizações. Esses materiais são alguns dos inúmeros sobre artes (artes plásticas, literatura, teatro, música, etc.) do período. Os documentos produzidos pela diretoria e pela sociedade não foram encontrados nos arquivos públicos existentes, os quais 14 “Este número”. In: Arquivos, Anos IV/X, Números 7 a 20, 1953, p. III. 15 Bibliotecas Populares do Recife. Op. Cit., s/p. 16 Estatutos da Sociedade de Arte Moderna do Recife. Op. Cit., p. 3. 17 Catálogo para Exposição do Atelier Coletivo. Recife: DDC, 1954.
  • 23. 23 de maneira geral se constituem com periódicos de publicação mais regulares (como jornais diários e algumas revistas).18 Eles fazem parte de um acervo particular construído por um dos artistas que integrou essas organizações, Wilton de Souza, o qual os compreende como fontes importantes para o entendimento dessas experiências, e, também, da trajetória das artes plásticas em Pernambuco e no Brasil. Nos arquivos públicos, contudo, há muito material oportuno para esta pesquisa. Sua presença nesses espaços provavelmente se dá por temas como arte nos anos de 1940 e 1950 terem sido veiculados em revistas de maior visibilidade e jornais diários. O teatro e as artes dramáticas de modo geral, por exemplo, foram bastante discutidas e divulgadas por Valdemar de Oliveira na revista Contraponto. Ele era diretor da publicação e fundador do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) e não poupava inúmeras matérias sobre teatro nela. O periódico teve 13 números lançados entre os anos 1946 a 1951, ou seja, pelo menos 2 por ano, contava com artigos de nomes como Gilberto Freyre e era permeado por ilustrações e fotografias.19 A historiadora Isabel Guillen comentou que a revista Contraponto foi, “em larga medida”, responsável pela “difusão do traço” do artista Lula Cardoso Ayres nos anos em que era editada, e continua: “Nela, ele publicou muitas gravuras que tinham como tema a cultura popular, principalmente o carnaval e, em especial, o maracatu”.20 Em outra publicação, Nordeste, iniciada em 1945 e divulgada como “mensário de cultura”, várias páginas foram dedicadas a reproduzir pinturas de Lula, mas também obras dos artistas plásticos Elezier Xavier, Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias, Hélio Feijó, entre outros, inclusive a então “arte popular do Nordeste”, composta por esculturas em cerâmica.21 A característica mais 18 Mas esse não é o perfil de todos os arquivos. A Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) tem uma Diretoria de Documentação que conta com “objetos” (para usar o termo empregado pela própria instituição) diversos, mas, por exemplo, não tem o jornal Diário da Noite, utilizado nesta pesquisa. Já em outros acervos, como o do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, há muitos jornais diários, porém grande parte em péssima condição, fazendo com que sejam “interditados” para consulta pelo pesquisador. Essas duas instituições se localizam em Recife. 19 Esse periódico pode ser encontrado no Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), setor de periódicos, caixa 960. 20 GUILLEN, Isabel. “Guerra Peixe e os maracatus no Recife: trânsitos entre gêneros musicais (1930–1950)”. In: ArtCultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 235-251, jan.-jun. 2007, p. 235-251. Disponível em http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF14/Isabel%20Cristina.pdf, acessado a 30/09/2013. 21 Sobre os artistas mencionados ver as matérias da revista Nordeste: “‘Revelação’ de Lula Cardoso Ayres”, por Mauro Mota, Número III, Ano II, Recife, 26-I-1946, p.6, além de outras páginas com reproduções de suas
  • 24. 24 acentuada, ou divulgada, dessas obras é a abordagem de temas regionais personificados no tipo social denominado homem do povo ou popular. Entender as dimensões narrativas dessas fontes assim como as práticas arquivísticas vinculadas a elas no transcorrer de mais de 60 anos, desde a criação da SAMR, vem se mostrando nesta pesquisa fundamental para o entendimento de como essas experiências chegam a nós. Sejam realizadas pelo setor público ou por particulares, elas subsidiam memórias e pesquisas acadêmicas que na maioria das vezes não as problematizam. Outro fator a considerar é o de indivíduos pitorescos, populares terem sido em abundância representados em muitas produções do período alvo desta pesquisa. Os registros desses, contudo, os traduziam como elementos próprios do Recife, ligados a espaços públicos como ruas, praças e mercados, por vezes em ocupação profissional: vendedor de bolos, pescadores, lavadeiras, e/ou em hábitos considerados folclóricos, associados a tradições religiosas e étnicas. A percepção de tipos locais se dava simultaneamente à percepção do que seria a cidade. Em Gente, Coisas e Cantos do Nordeste, publicado no Recife em 1954, por exemplo, o autor Jaime Griz pretendia tratar, como explícito no título do livro, de gente, mas dessa gente sem seus nomes próprios. Jaime Griz interpreta praeiros, pescadores, catimbeiros, vaqueiros, entre outros, ou seja, em grupos mais especificamente relacionados à sua ocupação profissional ou ao local onde moravam. Ele trata de forma individualizante apenas o “preto Mestre Chico”, comentando ser ele “um ex-escravo carregado de anos, cheio de recordações dos antigos senhores de muitas posses e muitos escravos” que contava histórias de “Trâncoso”. Sua preocupação era observar indivíduos os quais denominou de “gentes simples do povo”, e fez isso em larga faixa geográfica, os caracterizando conforme perfis amplos e generalizadores que, para ele, podiam ser associadas ao local onde estavam, as sub- obras. Ver igualmente outro texto sobre Lula: “Um pintor do Nordeste”, por Hermilo Borba Filho, Número 5, Ano II, Recife, 27-4-1946, p. 3. Referente a Telles Júnior: “O Pintor Teles Júnior conta sua vida”, Número V, Ano II, Recife, 27-4-1946, p. 7 e 14, e “I Centenário do nascimento do pintor Teles Júnior”, N. I, A. VI, Recife, 08/01951, p. 20. Sobre Vicente do Rego Monteiro: “Vicente”, por Tomás Seixas no Número 6, Ano II, Recife, 07/1946. Elezier Xavier: “Um Técnico na Técnica da Água”, Número I, Ano III, Recife, 01/1948, p. 17. Cícero Dias: “Minha Exposição no Recife”, Número IV, Ano III, Recife, 08 e 09/1948, p. 20. Hélio Feijó: “Conversa com Hélio Feijó”, por Perminio Asfora, Número I, Ano V Recife 01 e 02/1950, p.11. Para “arte popular” em cerâmica ver capa do Número II, Ano I Recife, 25-XII-1945.
  • 25. 25 regiões do Nordeste: Litoral, Zona da Mata, Agreste e Sertão, mesclando cultura e paisagem natural.22 Segundo Israel Ozanam, Jaime Griz “se dedicou durante décadas a estudar o folclore como campo de conhecimento e meio de alcançar um substrato de tradições nacionais que, conforme afirmou no artigo Folclore, história, região e poesia, seriam a fonte tanto da poesia culta, quanto da popular”.23 Contudo, valorizar os populares, os tipos locais, não foi uma característica exclusiva dos escritos de Jaime Griz, nem dos artistas há pouco mencionados – havia uma linhagem de folcloristas brasileiros se desenvolvendo desde pelo menos meados do século XIX. Até hoje tal caráter é indissociável do Atelier Coletivo. Esta pesquisa, assim como suas fontes, não adentrará nos percursos de gente pobre no Recife de meados do século XX, se limitará a uma breve incursão, na medida em que propõe investigar o porquê desse tema ter estado tão em voga nas artes do período: o que levou homens a empreenderem estudos sobre outros homens considerados socialmente menos favorecidos? Por que Abelardo da Hora e seus colegas do Atelier Coletivo desenharam trabalhadores das camadas mais pobres da cidade, como lavadeiras, engomadeiras, operário, calceteiros, pescadores, feirantes, camponeses, sertanejos, flagelados da seca, figuras de xangô, entre outros, de maneira diferente de quando representava seus próprios colegas artistas, sempre com a identificação do modelo pelo nome? Ainda que não tenham pintado só dessa maneira, produções com esse caráter foram as evocadas nas narrativas que falam sobre os artistas do Atelier Coletivo durante o tempo em que fizeram parte da organização. 3. A título de sistematização, direi em linhas gerais o que será abordado nas próximas páginas. Contudo, previamente, já explicito que o percurso metodológico da pesquisa acabou por privilegiar mais o estudo dos discursos envolvendo o Atelier Coletivo e a Sociedade de Arte Moderna do Recife, do que a “leitura” mais aprofundada da produção artística dos integrantes dessas organizações. Isso não significa, porém, que a última opção não pudesse 22 GRIZ, Jaime. Gente, Coisas e Cantos do Nordeste. Pernambuco: Arquivo Público Estadual, 1948. Para a as citações diretas ver respectivamente as páginas 40 e 27. 23 OZANAM, Israel. Folclore e Política: Palmares em memórias de liberdade. Estudo escrito em 2013, mas ainda não publicado. Fonte do autor: “GRIZ, Jayme. Folclore, história, região e poesia. Pasta Produção Intelectual (PI), a-2, g-3. AJBG, CEHIBRA, Fundaj. O documento está sem data, mas pelas citações parece ter sido escrito nos anos 1960”.
  • 26. 26 suscitar questões de grande interesse para entender inclusive os próprios discursos sobre as artes daquele período. A memória que foi se instituindo durante 60 anos como a história legítima, ou mais divulgada, do Atelier Coletivo é o alvo da investigação do primeiro capítulo. Ele inicia com a análise de uma organização homônima de artistas plásticos vivenciada a partir de 1989, a qual foi qualificada por seus membros e pela imprensa jornalística como retomando propostas do Atelier da década de 1950. Esse novo agrupamento foi se constituindo, então, a partir da construção de uma identificação com o anterior. Nessa relação, algumas características do primeiro foram assinaladas pelo segundo, como a de que os artistas trabalhavam juntos, em um mesmo espaço físico, compartilhando questões e posicionamentos no cenário das artes plásticas, entre outras. Por serem respaldadas muitas vezes pelos artistas que integraram os dois Ateliês, sejam eles próprios publicando ou prestando informações a jornalistas, esse ato de caracterização do grupo de 1950 obteve reconhecimento. Um dos artistas que fez isso foi José Cláudio, ainda hoje atuante na constituição do perfil do Atelier Coletivo. Seu nome é particularmente significativo pois em 1978 publicou o livro Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957) e posteriormente, 1982 e 1984, respectivamente, Artistas Pernambucanos e Tratos da Arte de Pernambuco.24 O primeiro é o único trabalho que versa exclusivamente sobre essa experiência.25 Os outros dois são estudos que buscam contar uma história cronológica das artes plásticas em Pernambuco até os anos 1980. Neles o autor procurou apontar alguns elementos das artes plásticas feitas no estado que distinguissem das realizadas em outros, principalmente em São Paulo. Nessas narrativas foi incluído o Atelier Coletivo dos anos 1950. Mas aqui importou saber tanto o 24 As referências bibliográficas da primeira edição de cada um desses livros de José Cláudio Silva são: Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957). Recife: Artespaço, 1978; Artistas de Pernambuco. Recife: Governo de Pernambuco, 1982; Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Governo de Pernambuco, 1984. Há uma nova edição, com os três reunidos em um único volume: Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco Tratos da Arte de Pernambuco. Acervo Pernambuco, V. 2 – Arte Pernambucana. Recife: CEPE, 2002. Há ainda cinco outros trabalhos publicados pelo artista: Viagem de um jovem pintor à Bahia. Recife: 1965; Ipojuca de Santo Cristo. Recife: 1965; Bem dentro. Recife: 1968; Meu pai não viu minha glória. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1995 e Os Dias de Uidá. Recife: Inojosa Editores, 1995. 25 Fiquei sabendo que recentemente, em 2014, foi defendida uma dissertação de mestrado sobre o Atelier Coletivo pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais UFPE, porém ainda não tive acesso a ela.
  • 27. 27 conteúdo dessa história, quanto o porquê de sua escrita: qual espaço de discussão o autor estava inserido que o fez publicar esses três trabalhos. Wilton de Souza e Abelardo da Hora foram sujeitos igualmente importantes para divulgar a história do Atelier Coletivo e da SAMR. Wilton, assim como José Cláudio, teve o Atelier como a primeira experiência profissional nas artes plásticas. Ele participou de todo o período de existência dessas duas organizações. Quando o Atelier acabou, continuou integrante da SAMR, que perdurou até 1964, quando era seu diretor.26 Wilton tem o cuidado de preservar documentos produzidos por eles naquele período. Como mencionei no início da introdução, os documentos desse tipo utilizados na presente pesquisa foram concessões suas. Atualmente Wilton exerce cargo público como diretor do MAMAM – Museu de Arte Moderna Aluízio Magalhães – e é tido por seus colegas de trabalho como memória viva das artes de Pernambuco, e, assim, do Atelier Coletivo. Em 2009 escreveu um livro sobre a trajetória profissional de seu irmão, Wellington Virgolino, artista plástico que também participou da SAMR e do Atelier.27 Em conversas comigo, vez ou outra compartilhava que tinha sido procurado por pesquisadores para dar informações sobre esses assuntos. Ele é bastante receptivo para com quem por essas questões demonstre interesse, dando a entender que não quer ver tais vivências serem esquecidas. Abelardo da Hora é considerado o criador da proposta do Atelier Coletivo e estimulador de sua continuidade, atuando nela como um guia ou orientador. Ele também esteve entre os formuladores da SAMR, sendo seu diretor na maior parte de sua duração. Escreveu para essas organizações estatuto, relatórios e catálogos de exposição. No início da década de 1960 participou do Movimento de Cultura Popular (MCP), que atualmente é bastante lembrado por pesquisadores, principalmente por associar arte, educação e engajamento político. Esses são alguns dos atributos que o tornaram referência para prestar depoimentos e palestras sobre experiências de arte engajada no Recife, onde o Atelier 26 O termo “associação” foi usado por Abelardo da Hora no texto do catálogo de exposição de 1954. Sobre em 1964 Wilton de Souza ser o responsável por ela, ver entrevista concedida para esta pesquisa: SOUZA, Wilton de. Entrevista gravada em audiovisual (2h30m40s). Recife, MAMAM, maio de 2011, concedida a Israel Ozanam e Raissa Paz. Contudo na pesquisa ainda não ficou claro como foi o fim da SAMR e em que ano. 27 SOUZA, Wilton de. Virgolino: o cangaceiro das flores. Recife: Editora Grupo Paés, 2009.
  • 28. 28 Coletivo surge como o primeiro grupo de artistas plásticos com tal preocupação na cidade.28 Abelardo da Hora também não poupava tempo nem disposição para narrar suas histórias.29 Seja pelas declarações de José Cláudio, Wilton de Souza e Abelardo da Hora, seja em matérias de jornais, catálogos de exposição, dicionários de artes plásticas, ou outros meios que falem sobre e o Atelier Coletivo ou sobre quem o integrou, comumente é repassada a ideia de que tal iniciativa foi bem sucedida, propulsora de uma geração de artistas. Devido a isso, ele vem sendo compreendido como participante da história das artes plásticas de Pernambuco e, subsequentemente, do Brasil, e os seus integrantes como nomes importantes na área. Também os antecessores da organização foram assinalados e seus continuadores. Sobre essa questão uma aproximação pode ser feita com as conjecturas realizadas pelo historiador Michael Baxandall quando percebeu em outro cenário artístico, o de Pablo Picasso de início do século XX, que os artistas faziam “afirmação de uma história pessoal ligada a uma linha de hereditariedade artística”.30 Igualmente fizeram as vozes que falaram, e ainda falam, sobre o Atelier Coletivo, em sua maioria a de seus ex-integrantes. O segundo capítulo analisará a escrita produzida entre os anos de 1948 a 1957 sobre artes plásticas no Recife, mais especificamente sobre a Sociedade de Arte Moderna do Recife e o seu Atelier Coletivo, procurando identificar sujeitos, instituições e articulações que criaram discursos sobre as práticas dos artistas ligados as essas duas organizações, bem como a orientação artística que defendiam: a arte moderna. Da SAMR constam estatuto, relatórios, atas de reuniões e catálogos de exposições, e do Atelier Coletivo consta apenas um catálogo de exposição. Contudo, as ações da SAMR, pós 1952, eram quase exclusivamente as do Atelier, fazendo com que a documentação por ela produzida tratasse sobretudo das atividades 28 Aracy Amaral faz essa associação quando inclui o Clube da Gravura de Recife, que foi implantado no Atelier Coletivo, em Arte para quê?: A preocupação social na arte, 1930-1970. São Paulo: Nobel, 1984, p. 188-190. Júlio Cavani, em matéria publicada no Diário de Pernambuco, identifica tanto nas obras de Abelardo, como em suas vinculações políticas, “preocupações sociais”. Segundo o jornalista, ao “retratar danças e manifestações populares (...) ele garantiu que tradições seculares – antes vistas com preconceito – passassem a ser valorizadas com a merecida nobreza. (...) também ficariam famosas em suas obras as denúncias contra as injustiças sociais”. Na política teria ocupado “diversos cargos públicos, principalmente ao lado de Miguel Arraes. Ele criou parques e centros culturais, sempre com uma visão que associava cultura e educação, pois encarava a arte como instrumento de inclusão social”. Diário de Pernambuco, 20/01/2008, Seção Viver, p. D1. 29 Ele faleceu há menos de um ano, em 23/09/2014, quando a escrita desta dissertação já tinha sido iniciada. 30 BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção – A explicação histórica dos quadros. Trad. Vera Maria Pereira. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • 29. 29 relacionadas a ele. A DDC também produziu muitas publicações que buscavam divulgar as atividades culturais da cidade, entre elas as artísticas. Naquele período, a quantidade de textos sobre arte, seja como registro, divulgação ou mesmo debate, é muito grande, e se não nos diz necessariamente que o momento era de intenso “movimento artístico” e/ou de “efervescência cultural”, pelo menos indica que havia interesses por tal tema. A imprensa, por exemplo, era um dos espaços para discussões das artes plásticas, seja na qualidade de jornais diários ou em revistas especializadas em assuntos culturais, tornando-se vozes de determinados sujeitos e dos seus círculos. Ela contribuiu para construir perfis do campo artístico de então que serviram de base para quem procurava entender as artes do período, seja os próprios contemporâneos daquele momento, seja os estudiosos e artistas posteriores. Nesse sentido, a seção designada “ARTE” publicada uma vez por semana em jornal local de circulação diária se mostrou especialmente importante. Sob direção de Ladjane Bandeira, artista plástica associada à SAMR, ela consistia em uma página inteira destinada exclusivamente a tratar de assuntos pertinentes às artes, principalmente às artes plásticas, e muitas de suas matérias e notícias eram sobre a SAMR, o Atelier Coletivo e os artistas que circulavam nos dois ambientes.31 Ainda nesse segundo capítulo, tendo como subsídio a documentação já mencionada, será levada em consideração a preocupação visível, principalmente de Abelardo da Hora e Ladjane Bandeira, de legitimar as atuações dos artistas próximos à arte moderna, e, assim, conseguir por parte da sociedade e dos poderes públicos apoio, inclusive financeiro, para que eles pudessem conseguir trabalhar somente com arte e alcançassem o status de indivíduos que enxergavam a sociedade de maneira diferenciada da maioria da população, mais sensíveis e preocupados com os autênticos problemas da humanidade. Acompanhando esse percurso, encontra-se o interesse que tais artistas tinham com a educação do povo, seja pessoas pobres, sem instrução, seja um possível público para suas produções artísticas. O artista também deveria ser educado, mas, diferentemente, para ter uma formação que lhe habilitasse a ser um verdadeiro artista, visto que essa própria categoria 31 Entre 1952 e 1954 a página de arte dirigida por Ladjane Bandeira era publicada no Diário da Noite, depois desse período esteve no Jornal do Commercio até a década de 1960.
  • 30. 30 era alvo de discussão, e, atrelada a ela, a busca por construir uma história da arte em Pernambuco. No terceiro capítulo se procurará compreender o caráter mais divulgado das obras: a representação dos populares. A arte do grupo teria sido sobre o povo e para o povo, já dizia o catálogo da exposição de 1954. O povo, ou os populares, era tipos específicos de indivíduos, dotados de práticas distintas de quem os desenhava ou os pintava, por exemplo. Eles seriam homens e mulheres trabalhadores, pobres, folclóricos. Representar o povo em suas práticas era algo extremamente estimado para alguns círculos de artistas plásticos. Mas a questão não era só desenhar ou pintar o povo e/ou populares, mas valorizar o que seria próprio deles, pois estava em jogo uma caracterização de um estilo de arte realizada em Pernambuco que coadunava com uma suposta cultura Nordestina. Digo Nordestina por Pernambuco e Recife terem sido por alguns sujeitos entendidos como representantes da região Nordeste. Nessa perspectiva, inclusive a chamada “arte popular” estava ganhando relevância, já que seria a expressão da sabedoria do povo. Mas se formos pensar em termos mais amplos, era a própria definição/caracterização de povo e populares que estava ganhando espaço. Quem eram eles? Wilton de Souza afirmou que era pobre, mas não que era popular; não afirmou que pintava pessoas como ele, mas as que via. Seu Wilton não era o único que estabelecia essa diferença naquele momento. O popular estava na imprensa e em discussões de letrados, como Gilberto Freyre, e vários artistas. Projetos do governo municipal e estadual, como a proposta de criação do Museu de Arte Popular e as promovidas pela DDC, também tentavam abarcar a parcela da população assim denominada ao indicar o que eram as práticas dos populares e, também, ao construir uma série de serviços públicos com o intuito de educá-la: Bibliotecas Populares e Biblioteca Ambulante, Discoteca Pública, Cinema Popular, parques, promovendo exposições, concertos e apresentações teatrais gratuitas, por vezes ao ar livre.
  • 31. 31 Capítulo 1 - Sociedade de Arte Moderna do Recife e Atelier Coletivo entre memórias e arquivos Em fins da década de 1980 alguns artistas plásticos se reuniram para construir um espaço de produção, divulgação e comercialização de suas obras, o qual foi nomeado de Atelier Coletivo. A instalação física do grupo se deu na Rua São Bento, 225, em Olinda, Pernambuco, no centro histórico da cidade, na casa de um antigo marchand, Giuseppe Baccaro.32 Baccaro chegou ao Brasil em 1956 com a função de atuar no jornalismo para uma colônia italiana de São Paulo, porém, dentro de alguns anos, passou a trabalhar com artes plásticas, inaugurando em 1962 sua primeira galeria, Selearte, e três anos após a Casa de Leilões, que foi compreendida como “iniciativa que monopolizou o mercado paulistano na época”. Seu nome está relacionado à revalorização de obras dos modernistas do eixo Rio- São Paulo de início do século, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e, principalmente, Ismael Nery, colocando-as em circulação no mercado das artes nos anos de 1960. A chegada de Baccaro foi contemporânea a de outros imigrantes marchands e colecionadores no país, os quais são considerados promovedores de “uma altivez ao mercado que não era comum entre os brasileiros daquela época”.33 32 Cf. Convite de exposição Atelier Coletivo, Olinda: 1989. Sobre o “centro histórico” de Olinda, ver a cartilha do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Segundo esse documento, “o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Olinda foi inscrito nos Livros de Tombo de Belas Artes, no Histórico e no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1968. Em 17 de dezembro de 1982, a cidade foi inscrita pela UNESCO na Lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”. Disponível em http://www.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do;jsessionid=ACB023DA1989A00282DD82C6A03C8AE8? id=275, acessado em 11/12/2013. 33 A primeira citação direta do parágrafo é de Celso Fioravante em ARCO das rosas: o marchand como curador. Apresentação José Roberto Aguilar. São Paulo: Casa das Rosas, 2001, p. 13. A segunda é do mesmo livro, mas constitui na fala de Antonio Maluf citada por Fioravante na p. 7. Em relação aos marchands e colecionadores, Fioravante mencionou também “Arturo Profili, Franco Terranova, Jean Boghici, Pietro Maria e sua mulher Lina Bo Bardi”. O texto em questão consistiu no catálogo da mostra, concebida e realizada por José Roberto Aguilar, Arco das Rosas - O Marchand como Curador, executada em março de 2001 no espaço cultural Casa das Rosas, em São Paulo. Sobre Giuseppe Baccaro há ainda informações nesse sentido na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_ver bete=13554, acessado em 02/09/2013.
  • 32. 32 Em fins da década de 1970, segundo Celso Fioravante, Baccaro já não se reconhecia mais em tal atividade, por acreditar que a maior parte da arte brasileira deveria estar em museus e não entre “colecionadores ricos” (tendo ele em grande parte contribuído para essa situação), e por esse período se muda para Olinda. Na nova cidade funda uma instituição para crianças carentes, a Casa das Crianças de Olinda, e começa a empreender variadas atividades para financiar o projeto.34 Entre elas esteve a destinação da venda de obras de arte provenientes da primeira exposição do Atelier Coletivo, ocorrida em dezembro de 1989. 35 Olinda com suas edificações, principalmente igrejas, provenientes desde o século XVI, coqueiros e mar, foi a paisagem retratada por muitos pintores que nela se instalaram e criaram ateliês a partir de meados dos anos 1950, chegando atualmente a contabilizar, segundo site oficial de sua prefeitura, 71 ateliês de artistas plásticos e “outros artesões anônimos”.36 José Cláudio apresenta indicações sobre o início desse tipo de ocupação na cidade em seu livro Tratos da Arte em Pernambuco ao relatar que na década de 1950 havia nela um atelier dos artistas Anchises Azevedo e Montez Magno, bem como uma “oficina de restauração e marcenaria” com entalhadores que trabalhavam sob encomenda. O dono da oficina, Seu Ernani Barbosa, acabou por mudar o estabelecimento para o Mercado da Ribeira, onde trabalhava juntamente com seu filho que nesse período ainda era uma criança (começou com 12 anos), José Barbosa. Este último, em 1960, travou relações com Guita Charifker e outros artistas, dando início a uma das primeiras organizações de arte na cidade, o Movimento da Ribeira.37 Tal iniciativa frutificou e em 1965 criou tanto a Cooperativa de 34 FIORAVANTE, op., cit., p. 14 e Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, op., cit. 35 Essas informações foram encontradas primeiramente em uma grande reportagem veiculada no Diário de Pernambuco de 05/12/1989, secção B, p.1, mas elas também estão presentes nos textos supracitados: FIORAVANTE, op., cit. e Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, op., cit. 36 O dado referente ao número de ateliês é informado pelo site oficial da Prefeitura Municipal de Olinda, ver em http://www.olinda.pe.gov.br/guia-turistico, acessado em 22/03/2013. Sobre o fato da cidade de Olinda ser motivo pictórico há uma reportagem já em 1952 noticiando sobre o “I Salão de Pintura sobre motivos de Olinda”. O autor do texto acreditava ser a cidade “uma fonte permanente de inspiração” para os artistas locais. Teria ela “magnífica paisagem, com as suas igrejas, bicas, ruínas”. No texto é mencionada também a existência, àquela época, de um artista, Mario Nunes, que tinha entre seus conhecidos quadros um sobre Olinda. Ver “Pintura sobre motivos de Olinda”. Diário da Noite, 18/11/1952, p.3. 37 CLÁUDIO, José. “Tratos da Arte de Pernambuco”. In: Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco Tratos da Arte de Pernambuco. Recife, CEPE, 2010, p. 273-275.Os nomes indicados por Marcos Cordeiro dos integrantes fundadores do Movimento da Ribeira são dos artistas já mencionados José Barbosa e Guita Charifker, além de José Tavares, Adão Pinheiro (na época Secretário de Turismo de Olinda na gestão do Prefeito Eufrásio Barbosa), Ypiranga Filho, Roberto Amorim, João Câmara Filho e, posteriormente, Tiago Amorim e
  • 33. 33 Artes e Ofícios da Ribeira Ltda. como a Lojinha do Mercado da Ribeira, onde vendiam suas produções.38 A Oficina 154 também teve abrigo na cidade histórica a partir de 1966. Ela era composta por alguns dos ex-integrantes do Atelier da Ribeira, o qual “depois do golpe de 1964” havia “caído”, segundo depoimento de Guita Charifker transcrito por José Cláudio: “Eufrásio [prefeito de Olinda e patrocinador do Movimento] caiu e com Eufrásio a gente caiu junto”.39 Esses dois círculos, onde o segundo pode ser compreendido como dando continuidade a algumas orientações do primeiro, não se limitariam a “só pintar e expor como também a dar orientação artística básica”.40 Conforme Juliana Barreto, logo após essas duas organizações, outras que congregavam artistas ou mesmo atelier individual foram se instalando em Olinda: A repercussão gerada pelo Movimento da Ribeira atraiu novos ateliês e galerias para o sítio antigo de Olinda e, consequentemente, mais artistas plásticos estabeleceram moradia e trabalho local [...]. Entre os ateliês surgidos, foram identificados a Oficina 154 (1965) [já mencionada], a Galeria 3 Galeras (1967), Galeria Varanda, dentre outros que se estabeleceram nas Ruas do Bonfim, Amparo e São Bento. Posteriormente também se registrou a Galeria Lautréamont, a Galeria Senzala e a Galeria Frans Post, ou seja, um conjunto de estabelecimentos que desempenharam um papel preponderante na consolidação de um mercado de artes em Pernambuco.41 O estudo de Juliana Barreto tem propósito diverso deste, busca entender como se deu a valorização do sítio histórico de Olinda até ele alcançar o título de patrimônio cultural, e, João Sebastião. Marcos Cordeiro completa que em 1964 o movimento realizou a “1ª Exposição Coletiva do Atelier da Ribeira” com a participação do artista Vicente do Rêgo Monteiro e em 1965 a exposição “A Mulher na Arte Pernambucana”. Essas informações foram encontradas no texto “Movimento da Ribeira, Oficina 154 e Atelier + 10 – Renascimento Artístico de PE” do blog http://marcoscordeiro- poeta.blogspot.com.br/2010/11/movimento-da-ribeira-oficina-154-e.html, acessado em 21/09/2013. 38 BARRETO, Juliana Cunha. De Montmartre nordestina a mercado persa de luxo: o Sítio Histórico de Olinda e a participação dos moradores na salvaguarda do patrimônio cultural. Recife: UFPE/Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento Urbano, 2008, p. 83-84. 39 CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 274. Nessa questão é relevante perceber que o livro, inclusive na mesma página, contém a informação de que a iniciativa havia realizado exposição em novembro de 1964 e maio de 1965, ou seja, perdurou um pouco ainda depois do golpe. 40 Ibidem. 41 Mais informações sobre as organizações artísticas mencionadas, principalmente o Movimento da Ribeira, podem ser encontradas no trabalho de Juliana Barreto, Op., cit., p. 87.
  • 34. 34 nessa trajetória, encontrou a contribuição da atuação de artistas na primeira metade da década de 1960. Sendo assim, não deixou de tocar em questões importantes para o presente trabalho, como será visto. O Atelier Coletivo, conhecido por Atelier Coletivo de Olinda, sugere já em seu título a proposta de coletividade, tomando, nesse sentido, uma postura semelhante aos empreendimentos há pouco citados, provavelmente pela atuação de integrantes que circularam tanto nos primeiros como neste de 1989. “Seu propósito”, segundo convite de inauguração, era “compartilhar um espaço de trabalho, de conversa, de visitação pública e até de vendas”, e a razão do agrupamento de artistas sob o mesmo espaço de trabalho partiu da concepção de “que pintar juntos é mais proveitoso e divertido. Vencidas as resistências do isolamento, tudo é ganho”. Nesse sentido, a experiência de um dos integrantes é usada para corroborar tal compreensão do ambiente: “Guita, a generosa, por exemplo, pede para as suas telas a pincelada dos meninos que passam, ou dos colegas”.42 Outra característica do empreendimento mencionada no convite é a “procura de raízes de terra e gente”.43 Os jornais locais também colaboraram para construir o perfil do Atelier Coletivo: “‘Trata-se de uma volta à valorização da técnica, à realidade, à terra, à natureza’”, noticia o Diário de Pernambuco no mês de inauguração, recorrendo a uma fala de Giuseppe Baccaro. Nesse espaço estariam “as mulatas de ancas exuberantes e voluptuosas”, “paisagens agrestes” e “nordestinas”, entre elas a de Olinda, “aquarelas translúcidas”, pintores de “aprendizado estrangeiro”, “o cotidiano dolorido das nossas ruas”, sonhos em forma de pintura, “exercícios geométricos, incursões gráficas, sondagens abissais”, obras de um artista “sensual irônico, provocante”, fotografias de outro artista com imagens dos amigos.44 Produções de variados temas e gêneros, mas que em sua maior parte contêm elementos que as vinculam a uma geografia física e cultural. Em 1992 uma matéria do Jornal do Commercio intitulada “Um outro lado dos pintores” se refere a um momento do Atelier Coletivo (aproximadamente dois anos antes da reportagem) onde as atividades foram concentradas na gravura. Essa experiência foi 42 Convite da exposição Atelier Coletivo. Olinda: 1989. 43 Ibidem. 44 Diário de Pernambuco, 05/12/1989, secção B, p. 1.
  • 35. 35 acrescida de uma mostra, a qual, segundo o jornal, tinha como finalidade maior “conscientizar sobre a beleza da gravura, de tentar diminuir o preconceito do mercado, contra os trabalhos considerados ‘perecíveis’, ou seja, contra os trabalhos produzidos em papel”. Nesse ponto foi incluída a opinião de Gil Vicente, um dos integrantes, de que a exposição, em caráter “essencialmente cultural”, era “a oportunidade de mostrar um trabalho que apesar de fantástico, está à margem do mercado”.45 Um elemento importante para o entendimento do Atelier Coletivo é apresentado na maioria das referências feitas ao grupo, a sua delimitação espacial, “de Olinda”. Esse modo de nomeá-lo, “Atelier Coletivo de Olinda”, procura não somente ressaltar a presença da cidade no grupo, seja construindo uma tradição de ateliês ou não, como foi divulgado em impresso do grupo: “já houve outros ajuntamentos por aqui, até na mesma rua. Eis mais um”, mas igualmente, ou principalmente, diferenciá-lo – não no sentido de fazer oposição – de outro, de mesmo nome, que teve suas atividades iniciadas, e também encerradas, na década de 1950 em Recife, município vizinho. Apesar de o novo Atelier Coletivo ter sido formado também por membros do anterior, lançou o convite-divulgação sem mencionar a existência do seu homônimo, mas deixando visível a semelhança das propostas dos dois grupos. A ligação das duas iniciativas artísticas foi feita paralelamente em reportagens dos jornais da região, as quais sempre procuravam inserir depoimentos dos artistas participantes. Desses relatos sobressaíam as características do Atelier Coletivo de 1989 que foram constitutivas da imagem do Atelier de 1952: trabalhar coletivamente, valorizar a técnica, voltar-se para a realidade, a terra, delimitar uma geografia física e cultural de Pernambuco ou do Nordeste, ter produções que ficam à margem do mercado, entre outras. Na biblioteca do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), localizado em Recife, uma busca sobre o Atelier Coletivo remete a referências sobre os dois grupos, o de Olinda e o de Recife, em uma única caixa arquivística, mas nela não há explicação sobre a existência dos dois, nenhuma nota os diferenciando. Se não fossem outros meios de informação, podia-se pensar que as iniciativas eram uma só, apenas tendo suas atividades 45 “Caderno C”, Jornal do Commercio, p.1, 30/04/1992.
  • 36. 36 interrompidas, ou não divulgadas, por cerca de 30 anos. Tampouco fica esclarecida essa questão nos jornais, folhetos, catálogos, etc., lá encontrados. As fontes sobre o Atelier de 1989 ora relembram efusivamente um passado artístico herdado do grupo de 1950, ora nem mencionam sua existência. Em 2002, por exemplo, na matéria: “O Atelier Coletivo ressurge como ‘cooperativa de artistas’”, não é ao da década de 1950 que se faz menção, mas sim ao de Olinda, que provavelmente por um tempo havia estado inativo.46 Essa falta de referência em determinadas circunstâncias pode ser interpretada como uma busca por independência, um receio de que suas atividades fossem entendidas como fruto unicamente do grupo anterior, mas outras questões que me escapam poderiam estar em jogo. O segundo Atelier não reuniu todos os artistas que compuseram o primeiro, nem se encontrava em igual situação, de acordo com seus integrantes. Como mencionado, para Giuseppe Baccaro, tratava-se “de uma volta à valorização da técnica, à realidade, à terra, à natureza”. Segundo José Cláudio, integrante dos dois momentos, porém, a dependência material que se verificava antes, tendo em vista a pouca valorização à arte e ao artista enquanto profissional, não foi mais o que os uniu depois.47 No ano de 2005 um jornal local anunciou, em tom de convite, uma “conversa” que haveria com alguns artistas que integraram o Atelier Coletivo para falar do [...] movimento da década de 80 que marcou o cenário das artes plásticas em Pernambuco. Criado pelo escultor Abelardo da Hora, o grupo surgiu como resultado da Sociedade de Arte Moderna do Recife, de 1948, e foi um dos primeiros movimentos de artistas organizados na capital pernambucana com o objetivo central de valorizar a arte e revigorar o caráter brasileiro da criação artística produzida no Estado.48 O autor dessas palavras provavelmente deixou para o encontro a discussão de muitas questões sobre o tema, já que não as trouxe no curto enunciado do qual o excerto acima faz parte. Não mencionou que a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) não foi uma 46 Jornal do Commercio, 13/09/2002. 47 Tanto a afirmação de Giuseppe Baccaro quanto a de José Cláudio podem ser encontradas na reportagem já mencionada do Diário de Pernambuco a 05/12/1989, secção B, p. 1. 48 Jornal do Commercio, 30/11/2005.
  • 37. 37 entidade que perdurou ininterruptamente por mais de 30 anos, entre 1948 e o final da década de 1980 – talvez o destaque dado ao “movimento da década de 80” queira sugerir isso –, nem que dos artistas presentes na “conversa” – Guita Charifker, Giuseppe Baccaro, José Cláudio e Luciano Pinheiro – todos participaram da experiência dos anos de 1980, mas somente Guita Charifker e José Cláudio estiveram no Atelier Coletivo pensado pela SAMR nos anos de 1950. Na biblioteca do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE), também situado em Recife, há igualmente referências sobre os dois grupos, mas, diferentemente das do MAMAM que estavam reunidas em uma caixa intitulada “Atelier Coletivo”, as fontes sobre eles estavam dispersas em pastas categorizadas pelos nomes dos artistas que integraram os movimentos. Se alguém quisesse saber do Atelier, deveria procurar algum documento nas pastas de José Cláudio, Gilvan Samico, etc. Contudo, ao manter contato com a presente pesquisa, a bibliotecária responsável não hesitou em prontamente criar uma nova pasta com o nome Atelier Coletivo. A distinção dos dois movimentos também não foi feita. Para além dessas minúcias contemporâneas dos arquivos aqui mencionados, esforços anteriores de formulações de subsídios para narrar histórias das artes plásticas de Pernambuco foram empreendidos por José Cláudio, entre eles a elaboração de dois livros – Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957), em 1978, e Tratos da Arte de Pernambuco, em 1984 – e um álbum – Artistas Pernambucanos, em 1982 –, com reproduções de obras de alguns “artistas pernambucanos”.49 No primeiro, o autor relatou a trajetória do Atelier Coletivo em tom memorialístico de ex-integrante. Até hoje esse trabalho vem sendo utilizado como principal fonte de informações para outros estudos. Talvez por isso, os perfis do grupo 49 Utilizei para essa pesquisa as primeiras e segundas edições desses trabalhos, respectivamente: CLÁUDIO, José. Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957). Recife: Artespaço, 1978; Artistas de Pernambuco. Recife: Governo do Estado, 1982; Tratos da arte de Pernambuco. Recife: Governo do Estado, Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, 1984 e Memórias do atelier coletivo Artistas de Pernambuco Tratos da Arte de Pernambuco. Recife, CEPE, 2010. As citações que faço do primeiro trabalho são sobremaneira retiradas da primeira edição, já as referentes aos dois últimos livros são da segunda edição. Vale informar que na edição de 2010, que reuniu essas três obras, não consta reproduções das imagens presentes nas versões originais, assim, quando as elas me referir, faço menção sempre à primeira edição.
  • 38. 38 encontrados em dicionário de artes plásticas, matérias jornalísticas mais recentes, ou outra mídia, estejam apresentados de maneira semelhante.50 Hoje José Cláudio é referência em Recife para falar de artes plásticas, seja da história desse campo na cidade, seja apresentando e fazendo crítica dos artistas que nesse momento atuam, inclusive dos jovens. Elaborar a história das artes plásticas de Pernambuco, algo até aquele momento inexistente, salvo poucos esforços que resultaram em pequenos artigos, o legitimou e suas posteriores falas foram reconhecidas. Os artistas davam credibilidade às suas palavras, e ele dava credibilidade às atuações dos artistas. Quanto mais ele escrevia sobre o assunto, mais era procurado para escrever, isso pode ser verificado, por exemplo, nos catálogos de exposições que contém textos de sua autoria.51 Parto, portanto, ao conteúdo, tom e propósito do que ele escreveu. 1.1 José Cláudio e três obras, impressas Artistas de Pernambuco e Tratos da Arte de Pernambuco foram publicados pelo governo do estado de Pernambuco em 1982 e 1984, respectivamente. No álbum, José Cláudio iniciou sua narrativa com perguntas que revelam a demanda por classificação e reflexão sobre se há arte pernambucana e qual sua especificidade, em outras palavras, o que ela seria. Dando 50 Sobre o uso do livro de José Cláudio como fonte informativa de posteriores estudos ver, por exemplo: AMARAL, Aracy. Op., cit.; ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas décadas de 1930-40: o Grupo Santa Helena. São Paulo: Nobel/USP, 1991; CAVALCANTI, Eduardo Bezerra. Hélio Feijó: Leitura de Imagens. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2001; RODRIGUES, Nise. O grupo dos Independentes: Arte moderna no Recife, 1930. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2008; SOUZA, Wilton de. Virgolino: o cangaceiro das flores. Recife: Editora Grupo Paés, 2009 e Enciclopédia Itaú Cultural de artes visuais, disponível pelo endereço eletrônico www.itaucultural.org.br. Ele consta nas referências bibliográficas de todos esses livros – com exceção do de Zanini, que aparece somente em uma nota de rodapé – e suas abordagens sobre o Atelier Coletivo não se diferem da de José Cláudio, pelo contrário, as veiculam. 51 José Cláudio antes da publicação desses três livros já escrevia em catálogos de exposições e continua a fazer isso até hoje. Ver, por exemplo: No movimento de arte educacional. Recife: Galeria de Arte Ponte D’Uchoa/Colégio das Damas, outubro de 1965, com desenhos de Helena Farias e Humberto Magno; José de Barros – Exposição de desenhos e Litografias. Recife: Futuro 25 Artes Plásticas Ltda./ Centro de Artes e Comunicação/ André Sigaud Galeria de Arte, março e abril de 1980. 1ª Exposição da Coleção Abelardo Rodrigues de Artes Plásticas. Recife/Rio de Janeiro: Governo do Estado de Pernambuco/Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, 04/03 a 18/04 de 1982; Abelardo de todas as Horas. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife. 1988; Gustavo Costa. Olinda: Atelier Coletivo, 11/05 a 01/06 de 2001; “A atualidade de Abelardo da Hora”. Desenhos de Abelardo da Hora – Meninos do Recife. Recife: Galeria Sesc Casa Amarela de Arte, 31/10 a 22/12 de 2001. Em cada um desses materiais consta algum texto elaborado por José Cláudio.
  • 39. 39 a entender que ela existe, o autor procurou, então, encontrar quando começou essa espécie de tradição artística pernambucana e foi buscar o início nos pintores estrangeiros estabelecidos na região durante a ocupação holandesa. Sob orientação do então administrador Maurício de Nassau, esses artistas pintaram a paisagem e os tipos locais, sobretudo Frans Post e Albert Eckhout. Para além das discussões que pretendiam verificar se a arte desse momento, feita por esses pintores, era brasileira ou holandesa/europeia, José Cláudio preferiu ir por outro viés, reconhecendo que o estilo pictórico por eles produzidos perdurou até o início do século XX e influiu na caracterização do que seria a arte pernambucana: “A terra, o lugar geográfico, como geradores da arte aparecem, pontilham os textos sobre a pintura de Pernambuco, tanto quanto a ‘influência batava’”.52 José Cláudio dialogou com escritores de outros estados, mas foram sobretudo nos textos elaborados em Pernambuco ao longo da primeira metade do século XX que ele se apoiou para narrar a história dessa arte pernambucana. Entre eles os mais citados pelo autor foram: “A Pintura no Nordeste”, por Gilberto Freyre; “Cinquenta anos de pintura em Pernambuco”, por Lucilo Varejão; “Nossos quadros e nossos pintores”, de Bianor Medeiros e “As Artes em Pernambuco”, de José Campello.53 Em Artistas de Pernambuco, um dos artistas que ganhou significativa atenção de José Cláudio foi Telles Júnior. Para o autor, o longo período após o da produção das obras dos pintores de Nassau até final do século XIX, ou seja, dois séculos, fora sem atuações de relevo nas artes plásticas. As pinturas de Telles Júnior retratando majoritariamente a paisagem da zona da mata de Pernambuco reconduziriam à trilha da arte pernambucana original. José Cláudio, nesse ponto, recordou um episódio relatado por Oliveira Lima, onde tal sujeito ao se deparar com quadros de Telles Júnior percebeu neles uma arte pernambucana e não brasileira, uma arte mais específica do local, como se o artista transpusesse em suas telas a sensação do ambiente. Para ele, esse caráter de fixação de um lugar particular revelava a influência batava. O comentário de Oliveira Lima fora feito em 1906, mas em 1942 foi 52 CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 141. 53 FREYRE, Gilberto. “A pintura no Nordeste”. In: ______ (org.). Livro do Nordeste. Diário de Pernambuco: Recife, 1925; VAREJÃO, Lucilo. “Cinquenta anos de pintura em Pernambuco”. Arquivos. Recife: Prefeitura Municipal do Recife, 1942; MEDEIROS, Bianor. “Nossos quadros e nossos pintores”. A Cultura Acadêmica. Recife: 1906; CAMPELLO, José. “As Artes em Pernambuco”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro: junho, 1924.
  • 40. 40 republicado na Revista do Instituo Histórico e Arqueológico de Pernambuco, período em que muitos outros artigos sobre artes eram propagados, sejam escritos naquele momento, ou, como este, em época anterior.54 A personalidade que teve mais peso nesses trabalhos de José Cláudio foi Gilberto Freyre, muitas de suas análises são pautadas nos escritos dele. A atuação de Freyre nas artes plásticas pode ser verificada desde o Livro do Nordeste, de 1925, perpassando pelo Manifesto Regionalista e vários artigos espalhados em suplementos culturais, ou literários, de jornais, bem como em revistas mais especializada em arte e cultura. Por enquanto, restringirei a discussão às apropriações que José Cláudio fez de Freyre nas publicações de 1982 e 1984.55 José Cláudio em Artistas de Pernambuco transcreveu o texto de apresentação do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco de 1980, escrito por Freyre. Nele seu autor afirmou a superioridade de Pernambuco no “setor cultural” das artes plásticas, dentro do conjunto brasileiro, argumentado que tal situação se devia à antecipação artística do estado se comparado aos outros, pois já no século XVII tivera a presença de pintores holandeses: O grande governador do Brasil holandês que foi o alemão – magnífico sensível às causas latinas da civilização europeia – Conde Maurício de Nassau ao afã de trazer para o espaço tropical sob seu governo, cientistas e letrados ilustres, e de favorecer suas pesquisas, a seus estudos, juntou a preocupação pelas artes plásticas. Fez vir da Europa todo um grupo de brilhantes pintores – um deles Frans Post – que incumbiu de desenharem, pintarem, fixarem paisagens, águas, verdes, construções (inclusive casas- grandes patriarcais e engenhos de açúcar, mas também mosteiros e igrejas), plantas, animais, tipos humanos característicos da região e representantes das etnias e de culturas diversas aqui reunidas. Daí Pernambuco reuni do seu século 17 flagrantes pictóricos da sua vida, da sua gente, da sua cultura que nenhuma outra parte do continente possui de igual opulência ou de igual valor, além de geográfico, cartográfico, antropológico, histórico, artístico. Pinturas e desenhos que, revelando à Europa daquele século, e dos seguintes, formas e cores de gentes e de coisas de Pernambuco, deram ao universo pernambucano um singular e duradouro esplendor artístico aos olhos dos europeus amantes, desde dias clássicos, das artes plásticas.56 54 Sobre texto de Oliveira Lima ver “Revista do Instituo Histórico e Arqueológico de Pernambuco, nº 8, Vol. XVI, o catálogo Coleção Telles Júnior do Museu do Estado, 1942”, referência de CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 144. 55 No terceiro capítulo as aproximações da crítica em artes plásticas feitas nas décadas de 1940 e 1950 com análises nesse sentido elaboradas por Gilberto Freyre ganharão maior atenção. 56 CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 144-145.
  • 41. 41 De certo modo em concordância com essas palavras e com aquelas de Oliveira Lima sobre Telles Júnior, José Cláudio chegou à conclusão de que “todo artista da região” – de Pernambuco – parece estar destinado ao “reencontro com sua terra”. A pintura pernambucana, então, iniciada com os pintores holandeses, seria caracterizada fundamentalmente pelo contato com o ambiente externo local, interiorizando-o, interpretando-o. O elemento novo – a paisagem, coisas e tipos –, segundo José Cláudio, foi primordial para o desdobramento de uma pintura independente da europeia a partir dos artistas vindos com Nassau. O autor questiona como poderia Frans Post e Ekchout ter seguido os passos dos seus mestres ao se depararem com coisas tão diferentes das já vistas e representadas por várias gerações de artistas que os antecederam.57 Nesse sentido, em via de definir a arte pernambucana, José Cláudio também formulou o que ela não é. Mas vale salientar que mesmo fazendo uma retrospectiva desde o período colonial, o que o autor perseguiu não foi somente uma arte feita em solo pernambucano, e sim a de caráter pernambucano, um estilo que, segundo suas observações levam a crer, melhor se concretizou nas obras dos artistas de tendência moderna. Talvez tenha sido por esse motivo que para designar o que era a arte de Pernambuco José Cláudio fazia frequentemente um paralelo dela com a arte feita em São Paulo, mais precisamente pelos modernistas daquela cidade que tiveram repercussão com a Semana de Arte Moderna de 1922. Para sua argumentação reproduziu uma série de falas que assinalavam um dualismo das artes no Brasil em Recife versus São Paulo. Uma delas constatava que a arte pernambucana estava à margem, sem o devido reconhecimento, em detrimento da “vanguarda nacional”, que tinha pretensão cosmopolita, mas viveria “infelizmente de plágio”.58 57 Aqui não tratarei da arte holandesa do século XVII, vale destacar que esse também não foi um tema das análises de José Cláudio nem de Gilberto Freyre. Entre uma grande quantidade de estudos que promoveram discussões nesse sentido ver ALPERS, Svetlana. A Arte de Descrever: A Arte Holandesa no Século XVII. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, principalmente o capítulo 4, “O Impulso cartográfico na arte holandesa”, e CATLIN, S. L. “O artista cronista viajante e a tradição empírica na América Latina pós- independência”. In: Dawn, A. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify, 1997. 58 Vicente do Rego Monteiro, apud. CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 151.
  • 42. 42 Apesar de demarcar diferenças entre o que fora feito nas duas cidades, o autor não conseguiu escapar de procurar atuações de pernambucanos no cenário do modernismo paulista, nem de legitimar suas próprias falas com críticas vindas de São Paulo, que “reconheceram” “o valor da arte pernambucana”.59 Afirmou, por exemplo, ser Vicente do Rego Monteiro “um dos fundadores do modernismo no Brasil”, participante da Semana de 22, e veiculou críticas positivas à arte pernambucana feita pelo casal Lina Bo Bardi e Pedro Bardi, nesse período atuante em São Paulo.60 Outros artistas importantes na construção do perfil da arte pernambucana seriam, além dos holandeses e de Telles Júnior, numa vertente mais acadêmica, o próprio Vicente do Rego Monteiro com seu modernismo pioneiro, Lula Cardoso Ayres e Cícero Dias. Esses dois últimos também foram considerados os precursores da arte moderna no estado e até mesmo no Brasil. Como mencionado, o intervalo entre os pintores holandeses do período de Nassau e Telles Júnior, foi compreendido, na história narrada por José Cláudio, como sem expressão significativa, tendo trabalhos pautados, sobretudo, em pintura religiosa. Mas cita alguns nomes de artistas, atuantes já na segunda metade do século XIX, até início do XX, entre eles estrangeiros, alguns mencionados por Telles Júnior em suas memórias. Porém, considera que até o momento eles foram excluídos das narrativas sobre artes plásticas, seja no estado em que atuaram e principalmente fora, no cenário maior do Brasil. Para ele, era preciso mesmo “desenterrá-los”, e parece em parte ter tentado fazer isso, como esboçou no posfácio a dificuldade em encontrar qualquer informação sobre muitos deles e suas obras, mesmo que fossem reproduções.61 Sobre os artistas estrangeiros, com base em análises que fez dos relatos de Telles Júnior, José Cláudio compreendeu que as atuações deles em Pernambuco mostraram “por 59 CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 151. 60 Idem, p. 153. 61 Os que receberam maior atenção foram Eugenio Lassailly e Daniel Bérard, CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 155-158. José Cláudio também mencionou a atuação de artistas ligados à Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, que depois fundou o Liceu de Artes e Ofícios, entre eles o próprio Telles Júnior, idem, p. 217, 223. Sobre essa sociedade ver CORD, Marcelo M. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista. Campinas: FAPESP/Editora da Unicamp, 2012, principalmente o capítulo 5. Em relação ao livro de memórias, ver TELLES JÚNIOR, Jerônimo José. “Memórias (1851-1914)”, Revista do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, Recife, 1974. A fala de que era preciso “desenterrar” os artistas foi dirigida especificamente a Walfrido Mauricéia e Odilon Tucuman nas p. 158 de CLÁUDIO, op., cit., 2010. Para as reflexões realizadas no posfácio ver idem, p. 171-174.
  • 43. 43 parte do pernambucano” uma “disposição de aprender, ou de ir ver o que o outro tem para ensinar, venha de onde vier”. Apesar de encarar os estrangeiros aqui aportados como “artistas menores ou imaturos”, transformou essa condição em algo positivo para a arte pernambucana, pois isso “ao mesmo tempo que facilitava” o “abrasileiramento” deles, permitia aos artistas locais “aprender com eles sem distorções da nossa identidade”. Nessa passagem, e em outras, o autor se incluiu entre os que se beneficiaram com tal relação, mesmo que ocorrida muito antes de seu nascimento. Ao escrever “permitia-nos” e “nossa identidade” ele demonstrava pensar em termos de continuidade, onde aquilo que ele fazia era parte de uma herança, de uma trajetória que era anterior a sua existência.62 Outro trecho do livro elucida bem a concepção de José Cláudio das relações dos estrangeiros com a construção de uma arte pernambucana, sempre demarcando o que era pelo que não era. Porque tais pequenos mestres tornavam-se mestres aqui, desde os tempos de Nassau; porque aqui é que amadureceram, sem o peso esmagador da arte europeia a sufocá-los: aqui encontraram a liberdade sem a qual nenhuma individualidade vinga, e longe dos seus pesadelos, desintoxicados, viam aflorar-lhes o talento, sem nenhuma sombra de gigante do passado a afrontá-los. Podia até às vezes parecer uma abdicação da personalidade – quando não era, e sim a disponibilidade de quem justamente não sente a integridade ameaçada, prova-o muito bem a obra que deixaram [...]63 Essas interpretações de José Cláudio não apenas procuravam formular os atributos da arte pernambucana, igualmente apresentaram o perfil do próprio homem pernambucano, seja aquele que desenha e pinta, seja o representado nas obras. Contudo, no momento, irei me restringir ao que foi estabelecido em relação ao primeiro tipo de homem, o artista pernambucano. José Cláudio, citando muitas vezes outros autores, concebia o artista como ligado à sua terra e aos problemas dela, assim como defensor do seu “espaço individual”, da sua “independência e personalidade”. Tais características, para o autor, eram reflexo de uma região constantemente sob a presença de artistas estrangeiros. Desse modo, isso era, “talvez”, 62 Idem, p. 154. 63 Idem, p. 156-157.
  • 44. 44 um “instinto de defesa”, uma “‘consciência de espécie’ despertada pelo invasor”, que concorreu para uma arte diferenciada, que seguia “rumo próprio”. José Cláudio com intuito de exemplificar essas ideias reproduziu uma declaração de Abelardo da Hora, onde afirmava não fazer “arte para os colegas verem nem para os críticos”, e sim para si mesmo e para sua “gente”.64 Já em 1944, o fotógrafo Benício Dias prestou depoimento para matéria jornalística, publicada na revista Arquivos, que cobria o Primeiro Salão de Arte Fotográfica, no qual ele tinha sido premiado. Nela deixou suas impressões do perfil do nordestino, verificável também nos artistas. Com o Salão, lucramos nós, os artistas, e o povo. Tive oportunidade de ouvir, no Salão, reações de um pitoresco inestimável que me revelaram a impressão causada pelas fotografias expostas. Ao mesmo tempo serviu para a revelação de artistas. Como vocês sabem, é mesmo típico do nordestino, o isolamento, o ensimesmamento. Por falta de oportunidade, muitas vocações se perdem. Às vezes, também, pela incompreensão.65 Ainda em Artistas de Pernambuco, vê-se a fala de Montez Magno, já no final dos anos 1970, valorizando o caráter criativo no Nordeste, identificando, inclusive, em objeto com “propósito utilitário” – uma colcha feita com retalhos – uma estética artística. Sua análise parece conceber como natural a inclinação artística dos homens daquela região.66 Vale destacar que essas foram três falas de sujeitos reconhecidos como artistas. Artistas falando sobre artistas. Voltando a discutir antecipações modernistas entre os pernambucanos, José Cláudio citou a passagem de um livro escrito pelo filho do artista Henrique Elliot, onde afirmou ter seu pai interpretado “os temas e motivos regionais, como sejam os tipos de rurícola, as feiras do Agreste, a vida interiorana, como ocorreu no Casamento na Roça, antes que o movimento modernista de 1922 preconizasse tal orientação”. O autor, Berguedof Elliot, destacou ainda 64 Idem, p. 145-150. 65 Fala atribuída a Benício Dias, que ganhou prêmio no salão, ver. Arquivos. 1º e 2º Números, 1945-1951. Recife: DDC, Prefeitura Municipal do Recife, 1953, p. 437. 66 MAGNO, apud, CLÁUDIO, op., cit., p. 145-146.
  • 45. 45 na relação entre os artistas pernambucanos uma hostilidade e indiferença “ao êxito de seus conterrâneos”. Para ele, “estes quase sempre se projetam e se afirmam quando emigram”.67 Foi o que ocorreu com Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro que trabalhavam e se exibiam em Paris para que reconhecêssemos, como um eco, o mérito de ambos. [...] Preso teluricamente à terra em que nasceu, sem estímulos, sem apoio, sem recursos para emigrar ou pelo menos mostrar seus trabalhos em centros de maior densidade cultural ou artística, meu pai morreu quase desconhecido.68 José Cláudio tanto em Artistas de Pernambuco como em Tratos da Arte, recorreu, como foi dito, a inúmeras e extensas citações de textos de outros autores, “intervindo às vezes, inclusive com mais citações”. Já na primeira obra, justificou o porquê dessa prática. Em suas palavras, elas tiveram o intuito de “poupar ao leitor o trabalho de ir a essas fontes”, assim como de mostrar a “frequência” da “ligação entre a terra, os pintores de Nassau, e a pintura local, e o caminho diferente que a arte de Pernambuco acabou traçando”. Na segunda disse: “Podem me chamar de compilador. Já dizia Buda que mostrar vale mais do que explicar cem vezes”. Ou seja, ele mobilizou determinados enunciados para construir a tese que desenvolveu em seu trabalho, apresentada desde o início: o estilo pictórico pernambucano se constituindo como uma escola com tradição antiga, que remonta ao século XVII. E, tentando fazer essa opinião não ser atribuída exclusivamente a si, apresentava-a como verificável em críticas, relatos, etc., realizados por uma intelectualidade recifense e pelos próprios artistas. Portanto, em seu ponto de vista, as fontes das quais se utilizou seriam testemunhas do que havia ocorrido.69 Como mencionado, para José Cláudio, o permanente contato de Pernambuco com “o elemento estrangeiro” teria acarretado a constituição de um estilo próprio de arte. Porém, e parece ser o mais importante para o autor, isso não teria prejudicado “a brasilidade” do artista local. Os nomes mencionados para corroborar tal análise foram tanto de antigos quanto de seus contemporâneos, entre eles os que fizeram parte do Atelier Coletivo e/ou da SAMR – Wellington Virgolino, Aloísio Magalhães, Abelardo da Hora, Augusto Rodrigues, Darel 67 ELLIOT, Berguedof, apud CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 163. 68 Idem, p. 163-164. A supressão na citação direta é foi feita no livro de José Cláudio. 69 CLÁUDIO, op., cit., 2010, p. 167.
  • 46. 46 Valença, Elezier Xavier. Neles José Cláudio visualizou uma espécie de comprometimento com as coisas da terra, com seus “bens culturais”, como se fossem “chamados a defender a pátria”, de uma “maneira” que “permitiu” a “formação” desses diversos artistas.70 Em Artistas de Pernambuco José Cláudio não se preocupou em registrar a história de artistas contemporâneos a ele, apenas da geração anterior para trás. Mas, como visto, não deixou de relacionar a atuação de alguns deles com o desenvolvimento do estilo pernambucano nas artes plásticas, primordialmente no que toca a relação com a terra, a paisagem, coisas e assuntos locais, e as obras reproduzidas nesse álbum foram majoritariamente as produzidas pós década de 1950. Também, como registrou no posfácio, recorreu a personalidades importantes nos espaços de fomentação e discussão artística de Recife em meados do século XX, como Hélio Feijó, primeiro presidente da SAMR, e José Césio Regueira Costa, diretor por quase toda a década de 1950 da Diretoria de Documentação e Cultura (DDC), órgão municipal que cuidava justamente das atividades de cunho artístico e cultural da cidade do Recife.71 Foi em Tratos da Arte de Pernambuco que o artista-escritor se debruçou mais demoradamente sobre os artistas plásticos mais próximos a ele e atuantes a partir das décadas de 1920 e 1930. Recorreu ao livro A década de 20 em Pernambuco, de Manoel de Souza Barros, como base para visualizar o contexto cultural da época, o citando longamente, sempre em concordância com suas ideias. A escolha do período se deu pela compreensão de ter havido nele um movimento de “resgate” da cultura pernambucana, no qual várias personalidades estavam envolvidas, políticos, literatos, engenheiros, jornalistas, entre outros, sobressaindo os que ele chamou de “grandes guias”, Joaquim Cardoso, Gilberto Freyre e Ascenso Ferreira, que, em suas palavras, deram uma feição à década de 1920. Vale salientar que Souza Barros foi o diretor que antecedeu Césio Regueira na DDC, quando a repartição tinha o nome de Diretoria de Estatística e Propaganda e Turismo (DEPT).72 70 Idem, p.167-168. Para a ideia de escola que norteou o texto ver a página 139. 71 Idem, p. 173. 72 José Cláudio inicia a obra sendo “guiando”, em suas palavras, pelo livro de Souza Barros. A década de 20 em Pernambuco: uma interpretação. Rio de Janeiro, 1972. Ver idem, p. 177. Assim sendo, muito do que citarei de Tratos da Arte serão conjecturas realizadas por Souza Barros e aceitas por José Cláudio.
  • 47. 47 José Cláudio não mencionou, mas Souza Barros também escrevera em 1975 o livro Um Movimento de Renovação Cultural, num esforço de conceber justamente as décadas de 1920 e 1930 como de animação de um certo tipo de modernismo em Pernambuco. Aqui, novamente, o ponto de comparação foi a São Paulo dos modernistas da Semana de 22, quase como uma resposta aos exaltadores daquele movimento, para, conforme o autor, mostrar que em Recife também teriam existido ideias autênticas, até mais que naquela outra cidade, incentivadas por um círculo grande de intelectuais, literatos e artistas. Nesse momento mencionou Gilberto Freyre como o intelectual primordial que deu a tônica diferenciada do modernismo pernambucano. Citou comentários elaborados por Manoel Bandeira, José Lins do Rêgo, Ledo Ivo e até pelo crítico paulistano Sérgio Milliet para credenciar mais o que foi feito em Recife em relação ao que houve em São Paulo. O modernismo no Recife, não sei se de si próprio, pelas força e originalidade de seus poetas, um Joaquim Cardozo, um Ascenso, não sei se pela ação corretiva de Gilberto Freyre, provavelmente por uma e outra coisa, não caiu nos cacoetes de escola, não aderiu tão indiscretamente quanto o mesmo movimento do sul, sobretudo o de São Paulo, aos modelos franceses e italianos. Tirou todo o proveito da lição sem sacrifício de suas virtudes próprias.73 Foi nesse mesmo sentido que José Cláudio desenvolveu sua argumentação em Tratos da Arte de Pernambuco, tendo como fio condutor o modernismo vivenciado nas artes plásticas de Pernambuco em articulação com o regionalismo pregado por Freyre. Assim também parece que o fez, em certa medida, o autor de uma matéria jornalística do Jornal do Commercio sobre os 70 anos de modernismo em Pernambuco, escrita em 1992. Nela há a compreensão de que o modernismo que houve naquele estado fora diverso do paulista e carioca, em suas palavras, “nada mais natural que o Recife seguisse seus próprios rumos”. E, em tom de distinção, afirmou que “nenhuma cidade brasileira tinha naquela época tanta tradição literária acumulada quanto o Recife. [...] A nostalgia do Recife como da cidade que foi, nos anos 20 já despontava. Enquanto São Paulo, sem tradição cultural importante para lembrar, rumava construindo o seu futuro industrial.” Também valorizou a atuação de 73 Manuel Bandeira, apud. BARROS, Manoel de Souza. Um movimento de renovação cultural. Rio de Janeiro: Cátedra, 1975, p. 25.