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206.660/2016-AsJConst/SAJ/PGR
Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
Relator: Ministro Edson Fachin
Requerente: Partido Socialista Brasileiro (PSB)
Interessados: Ministro de Estado da Saúde
Agência Nacional deVigilância Sanitária (ANVISA)
CONSTITUCIONAL E SANITÁRIO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. PORTARIA 158/2016, DO
MINISTÉRIO DA SAÚDE, E RESOLUÇÃO DA DIRETO-
RIA COLEGIADA 34/2014, DA AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA. IMPEDIMENTO TEMPORÁ-
RIO A DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMENS QUE TE-
NHAM RELAÇÕES SEXUAIS COM OUTROS HOMENS.
CABIMENTO DA AÇÃO. AFRONTA DIRETA À CONSTI-
TUIÇÃO.DESNECESSIDADE DE EXAME DE NORMA IN-
FRACONSTITUCIONAL INTERPOSTA. MÉRITO.
RESTRIÇÃO DE DIREITO BASEADA EM ORIENTAÇÃO
SEXUAL. MEDIDA IRRAZOÁVEL E DESPROPORCIO-
NAL.AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA, À CONSTRU-
ÇÃO DE SOCIEDADE JUSTA E SOLIDÁRIA, LIVRE DE
PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES, E AOS PRINCÍ-
PIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE.
1. Dispositivos de portaria ministerial e resolução de órgão re-
gulador que vedam doação de sangue por homens em decorrên-
cia de orientação sexual podem ser cotejados diretamente com a
Constituição da República, por possuírem atributos de autono-
mia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade.
2. Impedimento, por 12 meses, a que homens que tiverem rela-
ções sexuais com outros homens doem sangue choca-se com a
dignidade humana (Constituição da República, art. 1o
, III), com
os princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade
e igualdade (art. 5o
, caput e LIV) e com os objetivos da Repú-
blica de construir sociedade justa e solidária, reduzir desigualda-
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des sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de
sexo e outras formas de discriminação (art. 3o
, I, III e IV).
3. As normas criam obstáculo inútil à proteção do sistema de
hemoterapia, uma vez que a este interessam os comportamentos
de risco dos potenciais doadores, não sua orientação sexual.
4. Perigo na demora processual (periculum in mora) decorre dos
substanciais impactos que as normas produzem na dignidade de
pessoas historicamente vítimas de preconceitos e no agrava-
mento da situação de déficit dos estoques dos bancos de sangue
do país.
5. Parecer pelo deferimento da medida cautelar.
1. RELATÓRIO
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de
medida cautelar, dirigida contra o art. 64, inciso IV, da Portaria 158,
de 4 de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde, e contra o art.
25, inc. XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada
(RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da Agência Nacional deVigi-
lância Sanitária (ANVISA). As normas consideram temporaria-
mente inaptos para doar sangue, pelo período de 12 meses, homens
que tiverem relações sexuais com outros homens e as parceiras se-
xuais destes.
Este é o teor dos dispositivos:
PORTARIA 158/2016, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 ([...])
meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma
das situações abaixo: [...]
2
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IV – homens que tiveram relações sexuais com outros ho-
mens e/ou as parceiras sexuais destes; [...].
RESOLUÇÃO 34/2014, DA ANVISA
Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâme-
tros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério
da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do
doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade
dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: [...]
XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair
infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os
candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos
temporariamente por um período de 12 ([...]) meses após a
prática sexual de risco, incluindo-se: [...]
d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexu-
ais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras
sexuais destes; [...].
Afirma o requerente possuir legitimidade para propor a ação,
por ser partido político com representação no Congresso Nacio-
nal. Defende seu cabimento, em razão de haver ofensa à Constitui-
ção da República de modo direto, sem necessidade de analisar
norma infraconstitucional interposta, dada a autonomia e primari-
edade das normas.Alega que estas inovaram indevidamente no or-
denamento jurídico, ao veicular discriminação em virtude de
orientação sexual, em agressão à igualdade e à dignidade humana,
à promoção do bem de todos sem preconceitos e à proporcionali-
dade, valores assegurados pelos arts. 1o
, III, 3o
, IV, e 5o
, caput e LIV,
da Constituição da República. Sustenta acarretarem severos prejuí-
zos à saúde pública, ao impedir doação de aproximadamente 19
milhões de litros de sangue anualmente.
3
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O relator adotou o rito do art. 12 da Lei 9.868, de 10 de no-
vembro de 1999 (peça 37 do processo eletrônico).
Requereram ingresso na ação, na qualidade de amici curiæ, o
Partido Popular Socialista (PPS – peça 43), a Defensoria Pública
da União (DPU – peça 49), a Defensoria Pública do Estado da
Bahia (DPE/BA – peça 56), a Associação Brasileira de Famílias
Homoafetivas (ABRAFH – peça 62) e o Grupo de Advogados
pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS – peça 71).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária sustentou fun-
dar-se a vedação em evidências epidemiológicas e técnico-científi-
cas e visar ao interesse coletivo na garantia máxima da qualidade e
segurança transfusional para o receptor de sangue. Asseverou que
tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a Organi-
zação Pan-Americana de Saúde (OPAS) recomendam inaptidão de
12 meses para doação de sangue por homens que tiverem relações
sexuais com outros homens, em razão de envolverem riscos maio-
res de infecção por doenças sexualmente transmissíveis. Informou
que diversos países possuem regramentos similares ou mais restriti-
vos do que o do Brasil (peças 77, 78 e 80 a 129).
O relator deferiu os pedidos de admissão formulados por DPU,
DPE/BA,ABRAFH e GADvS. Quanto ao PPS, requisitou demons-
tração de representatividade adequada (despacho na peça 130).
O Ministério da Saúde manifestou-se por improcedência do
pedido, na linha dos argumentos defendidos pela ANVISA. Infor-
mou que as normas não promovem discriminação em virtude de
4
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orientação sexual, mas fazem parte de conjunto de regras voltadas
à proteção do direito fundamental à saúde dos receptores de san-
gue (peça 131).
No mesmo sentido manifestou-se a Advocacia-Geral da
União, para a qual as normas não estigmatizam grupo específico
de pessoas, apenas reconhecem e normatizam comportamentos de
risco associados a possibilidade de infecção por doenças transmissí-
veis por doação de sangue. Priorizam segurança e eficácia do sis-
tema de hemoterapia (peça 132).
Postularam, ainda, admissão como amici curiæ o Instituto Bra-
sileiro de Direito de Família (IBDFAM – peça 134), o Instituto
Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL – peça 140), o Grupo Dig-
nidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros (peça
142) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,Traves-
tis e Transexuais (ABGLT – peça 154).
O relator deferiu os pedidos de ingresso formulados por
IBDFAM, IBDCIVIL e Grupo Dignidade (peças 139 e 148).
É o relatório.
2. CABIMENTO
O art. 102, I, da Constituição da República estabelece como
objeto de ação direta de inconstitucionalidade lei ou ato norma-
tivo federal ou estadual. Deve qualificar-se como ato normativo
primário aquele que contenha os requisitos essenciais de autono-
5
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mia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade e discipline
diretamente a Constituição.1
As disposições questionadas da Portaria 158, de 4 de fevereiro
de 2016, do Ministério da Saúde, e da Resolução da Diretoria Co-
legiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA) caracterizam-se como atos nor-
mativos com esses traços, porquanto possuem alta densidade nor-
mativa e podem ser cotejadas diretamente com os preceitos dos
arts. 1o
, III, 3o
, IV, e 5o
, caput, da Constituição da República, sem
necessidade de apreciar normas infraconstitucionais interpostas.
Dessa maneira, não há óbice ao cabimento desta ação.
3. MÉRITO
3.1. DIGNIDADE HUMANA E LIBERDADE DE AUTODETERMINAÇÃO
Consagrada pelo art. 1o
, inciso III, da Constituição da Repú-
blica,2
a dignidade do ser humano revela-se, entre outras perspecti-
vas, na capacidade de autodeterminação da vontade, a qual é
componente da liberdade humana. Materializada estará a digni-
dade humana na medida em que se garanta ao indivíduo con-
duzir-se segundo o próprio entendimento livre.
1 Supremo Tribunal Federal. Plenário. Medida cautelar na ação direta de
inconstitucionalidade 2.321/DF. Relator: Ministro CELSO DE MELLO,
25/10/2000, maioria. Diário da Justiça, 10 jun. 2005.
2 “Art. 1o
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III – a dignidade da pessoa humana; [...]”.
6
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Para muitos autores, dignidade do ser humano é princípio
que contém fim em si mesmo, considerado até metanorma:
A dignidade humana é o próprio fundamento ético
do direito. A pessoa humana é, em si mesma, um valor do
qual decorrem outros atributos atinentes à pessoa, individual
ou coletivamente, como os primados da liberdade e da isono-
mia, aos quais se agregam outras conquistas históricas defini-
das como o direito à vida, à intimidade e à honra. A
dignidade humana, como valor máximo do sistema
jurídico, permite a realização plena da pessoa, nos di-
versos espaços existenciais (como na família, na em-
presa, no sindicato, na universidade ou em quaisquer
microcosmos contratuais), de forma isonômica, respei-
tando-se a ótica da solidariedade constitucional, tanto nas re-
lações de Direito Público quanto nas de Direito Privado.
Afinal, a finalidade do Estado é tornar os homens felizes, isto
é, virtuosos e, para a consecução desse objetivo, o principal
instrumento são as normas jurídicas.3
Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos do Estado Democrático (e social) de Direito
(art. 1o
, III), a CF de 1988, além de ter tomado uma decisão
fundamental a respeito do sentido, finalidade e da justificação
do próprio Estado e do exercício do poder estatal, reconhe-
ceu categoricamente que o Estado existe em função da pessoa
humana, e não o contrário. Da mesma forma, não foi por aci-
dente que a dignidade não constou do rol dos direitos e ga-
rantias fundamentais, tendo sido consagrada em primeira
linha como princípio (e valor) fundamental, que, como tal,
deve servir de norte ao intérprete, ao qual incumbe a missão
de assegurar-lhe a necessária força normativa.
[...]
Importa considerar, neste contexto, que a dignidade
da pessoa humana desempenha papel de valor-guia
não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a
ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional),
razão pela qual, para muitos, se justifica a caracteri-
3 CAMBI, Eduardo. Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Privado.
Vol. 61/2015, p. 13-35, jan.-mar. 2015.
7
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
zação da dignidade como princípio constitucional de
maior hierarquia axiológica.4
Com relação à universalidade dos direitos humanos, atenta-se
que a Constituição de 1988, ao eleger o valor da dignidade
humana como princípio fundamental da ordem constitucio-
nal, compartilha da visão de que a dignidade é inerente à
condição de pessoa, ficando proibida qualquer discriminação.
O texto enfatiza que todos são essencialmente iguais e asse-
gura a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais.5
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é o pilar
de interpretação de todo o ordenamento jurídico e toda a
Constituição Federativa do Brasil. O princípio da digni-
dade humana é o fundamento filosófico e jurídico
dos direitos humanos e se expressa nestes direitos,
funciona também como metanorma, indicando
como devem ser interpretadas e aplicadas as outras
normas e princípios, em especial as normas defini-
doras de direitos fundamentais, ampliando o seu sen-
tido, reduzindo-os ou auxiliando em conflitos entre
direitos fundamentais. A dignidade da pessoa hu-
mana é a chave de interpretação material das demais
normas jurídicas.6
A dignidade humana fundamenta o sistema positivo de nor-
mas e, portanto, serve de vetor de interpretação para os demais
preceitos contidos na Constituição da República. Uma das di-
mensões fundamentais da dignidade é o direito à liberdade, que se
manifesta pela autodeterminação.
4 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentários ao art. 1o
, III. In: CANOTILHO, J.
J. Gomes; MENDES, Gilmar F; _______, Lenio L. (coords.) Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 124 e 125. Sem
destaque no original.
5 PIOVESAN, Flávia.A proteção dos direitos humanos no sistema constitu-
cional brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 45. p.
216, out. 2003. Sem destaque no original.
6 MAGALHÃES, Leslei Lester dos Anjos. O princípio da dignidade da pessoa
humana e o direito à vida. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 107. Sem destaque no
original.
8
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
INGO SARLET, ao analisar o conteúdo e o alcance jurídico-nor-
mativo do princípio da dignidade humana, no aspecto pertinente à
autodeterminação, ou seja, à possibilidade de a pessoa deter-
minar-se conforme sua vontade livre, na compreensão do Su-
premoTribunal Federal, observa:
Para além das dimensões já apresentadas e em diálogo com
as mesmas, [é] indispensável compreender – até mesmo pela
relevância de tal aspecto para os direitos e deveres humanos
e fundamentais – que a dignidade possui uma dimensão dú-
plice, que se manifesta por estar em causa simultaneamente a
expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia
de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a
respeito da própria existência), bem como da necessidade de
sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Es-
tado, especialmente – quando ausente a capacidade de auto-
determinação.7
A dignidade da pessoa vincula-se à potencialidade de ela au-
todeterminar-se livremente. Ao estado incumbe instituir mecanis-
mos jurídicos capazes de resguardar manifestações de vontade
decorrentes da autodeterminação, dentro de certos limites, pois,
em qualquer agrupamento humano, ninguém possui liberdade ab-
soluta.
J. J. GOMES CANOTILHO, com precisão, repisa que estado de di-
reito é aquele que preserva a autodeterminação da pessoa como
alicerce:
7 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a dignidade da pessoa humana na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel;
______ (Coords.). Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço
e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 46.
9
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
A expressão Estado de direito é considerada uma fórmula
alemã (Rechtsstaat). Ela aponta para algumas das ideias funda-
mentais já agitadas na Inglaterra, Estados Unidos e França.
Acrescenta-lhes, porém, outras dimensões. O Estado do-
mesticado pelo direito é um Estado juridicamente
vinculado em nome da autonomia individual ou, se
se preferir, em nome da autodeterminação da pessoa.
É a autonomia individual que explica alguns dos
postulados nucleares do Estado de direito de inspira-
ção germânica. Desde logo, o Estado de direito, para o ser
verdadeiramente, tem de assumir-se como um Estado liberal
de direito. Contra a ideia de um Estado de polícia que tudo
regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade
dos súbditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado
de limites, restringindo a sua acção à defesa da ordem e se-
gurança públicas.8
O constituinte originário, fundado na metanorma da digni-
dade do ser humano, dedicou-se especificamente à erradicação de
práticas discriminatórias. São exemplos de normas voltadas a essa
finalidade o princípio da igualdade, inscrito no art. 5o
, caput, da
Constituição da República, e a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação, como objetivo fundamental da Repú-
blica, insculpido no art. 3o
, IV. Além disso, conferiu à lei a função
de punir discriminação atentatória de direitos e liberdades funda-
mentais (art. 5o
, XLI) e definiu o racismo como crime inafiançável
e imprescritível.
Condutas contrárias à liberdade de orientação sexual pos-
suem, em princípio, nítido caráter discriminatório e violador da
8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Estado de direito. Disponível em:
< http://zip.net/bdtsBQ > ou
< http://www.libertarianismo.org/livros/jjgcoedd.pdf >. Acesso em 5 set.
2016.
10
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dignidade humana, em confronto com esse conjunto de normas
constitucionais. A homofobia decorre da mesma intolerância que
suscitou outros tipos de discriminação, como aqueles em razão de
cor, procedência nacional, religião, etnia, classe e gênero. Conso-
ante explica DANIEL BORRILLO, a lógica perpetrada é a mesma, de
inferiorização de certos grupos e indivíduos:
Enquanto violência global caracterizada pela supervaloriza-
ção de uns e pelo menosprezo de outros, a homofobia ba-
seia-se na mesma lógica utilizada por outras formas de
inferiorização: tratando-se de ideologia racista, classista ou
antissemita, o objetivo perseguido consiste sempre em desu-
manizar o outro, em torná-lo inexoravelmente diferente. À
semelhança de qualquer outra forma de intolerância, a ho-
mofobia articula-se em torno de emoções (crenças, precon-
ceitos, convicções, fantasmas...), de condutas (atos, práticas,
procedimentos, leis...) e de um dispositivo ideológico (teo-
rias, mitos, doutrinas, argumentos de autoridade...).
O profundo conservadorismo do conjunto das manifesta-
ções de exclusão evocadas reside no fato de que todas elas,
por um lado, se inspiram no fundo irracional comum de
uma opinião particularmente orientada para a desconfiança
em relação aos outros e, por outro, elas transformam tal pre-
conceito corriqueiro em doutrina elaborada.9
Mais à frente, BORRILLO destaca:
[...] O problema da homofobia supera a questão gay, inscre-
vendo-se na mesma lógica de intolerância que, em diferentes
momentos da História, produziu a exclusão tanto dos escra-
vos e dos judeus quanto dos protestantes; até mesmo os co-
mediantes haviam sido, outrora, excluídos do direito ao
casamento.
À semelhança do que ocorre em relação à diferença cultural
entre nacional e estrangeiro (espécie de eufemismo do ra-
9 BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo
Horizonte:Autêntica, 2010, p. 34-35.
11
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
cismo), a diferença sexual entre heterossexual e homossexual,
é apresentada como um indicador objetivo do sistema desi-
gual de atribuição e de acesso aos bens culturais, a saber, di-
reitos, capacidades, prerrogativas, alocações, dinheiro, cultura,
prestígio etc. E, embora o princípio da igualdade seja for-
malmente proclamado, é efetivamente em nome das diferen-
ças e ao dissimular precavidamente qualquer intenção
discriminatória, que os dominantes entendem reservar um
tratamento desfavorável aos dominados. A construção da di-
ferença homossexual é um mecanismo jurídico bem rodado
que permite excluir gays e lésbicas do direito comum (uni-
versal), inscrevendo-os(as) em um regime de exceção (parti-
cular). [...]10
Ao estado de direito não cabe, sob pena de afastar-se de seu
centro de identidade, impor restrições desarrazoadas à autodeter-
minação da pessoa em aspecto essencial como é a liberdade de
orientação sexual. Nesse contexto, em observância ao princípio da
igualdade, impedimento a doação de sangue pelo período de um
ano para homens que tiverem relações sexuais com outros homens,
veiculado nos dispositivos dos atos normativos impugnados, cons-
titui medida de discriminação, porquanto se pauta unicamente em
orientação sexual de indivíduos, consoante se demonstrará.
As vedações não atendem à necessária proteção do sistema de
hemoterapia e apenas impõem vedação desfundamentada a certos
cidadãos, baseada em sua orientação sexual.
3.2. DESPROPORCIONALIDADE E IRRAZOABILIDADE
DAS VEDAÇÕES NOS ATOS QUESTIONADOS
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a des-
10 BORRILLO, Daniel. Obra citada, p. 38-39.
12
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
peito de não estarem previstos explicitamente no texto constituci-
onal, são considerados consectários do princípio do devido proces-
so legal, consolidado no art. 5o
, LIV, da Constituição da República,
em sua vertente substantiva.11
A jurisdição constitucional norte-americana consolidou a
cláusula do devido processo legal como fundamento da possibili-
dade de exame judicial de atos jurídicos (a judicial review), de ma-
neira a garantir possibilidade de controle substantivo de atos
estatais normativos, sob o nome de substantive due process review of
legislation.12
Como a Suprema Corte norte-americana, o Supremo Tribu-
nal Federal, ao realizar controle de constitucionalidade da legisla-
ção infraconstitucional, aplica como parâmetro a perspectiva
substantiva do devido processo legal e avalia proporcionalidade e
razoabilidade de atos normativos.
11 “[...] O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação
dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que
veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a
inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas
funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria
constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não
veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado
da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua
dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5o
,
LIV). [...]”. STF. Plenário. Medida cautelar na ação direta de
inconstitucionalidade 1.407/DF. Rel.: Ministro CELSO DE MELLO. 7 mar.
1996, maioria. DJ, 24 nov. 2000, p. 86.
12 MENDES, Gilmar. Comentário ao artigo 103. In: CANOTILHO, J. J. Go-
mes; SARLET, Ingo Wolfgang; _______; STRECK, Lenio L. (coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013, p.
430.
13
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
O STF verificou compatibilidade de norma com o princípio
da proporcionalidade, por exemplo, no julgamento de medida cau-
telar na ADI 1.407/DF, acerca do art. 6o
da Lei 9.100, de 29 de se-
tembro de 1995, que estabeleceu restrições para admissão de
coligações partidárias. O Ministro CELSO DE MELLO destacou aspec-
tos relevantes sobre o tema:
[...] Cumpre enfatizar, neste ponto, que a cláusula do devido
processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5o
,
LIV, da Constituição, e que traduz um dos fundamentos
dogmáticos do princípio da proporcionalidade – deve ser
entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só
sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de
caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em
sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à
edição de atos legislativos revestidos de conteúdo arbitrário
ou irrazoável.
A essência do substantive due process of law reside na necessi-
dade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas con-
tra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva
ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do
desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Es-
tado, que este não dispõe de competência para legislar ilimi-
tadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando,
com o seu comportamento institucional, situações normati-
vas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins
que regem o desempenho da função estatal.
Daí a advertência de CAIO TÁCITO ([...]), que, ao relembrar a
lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do des-
vio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que,
mesmo nas hipóteses de seu discricionário exercício, a ativi-
dade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de
harmonia com o interesse público.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Fede-
ral, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos
estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem so-
14
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bre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que
ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam desti-
tuídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e
institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das
pessoas (ADIn 1.158-AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO).13
Toda restrição a direitos individuais deve limitar-se ao estrita-
mente necessário para preservar outros direitos e interesses consti-
tucionalmente protegidos. O jurista J. J. GOMES CANOTILHO, ao
analisar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, con-
sectário do princípio da proibição de excesso, pondera:
Meio e fim são colocados em equação mediante um juízo
de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utili-
zado é ou não desproporcionado em relação ao fim.Trata-se,
pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se al-
cançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação
às vantagens do fim.14
O legislador deve sopesar as desvantagens para os cidadãos
dos meios empregados com as vantagens a serem alcançadas ante o
fim almejado, observadas adequação e necessidade da medida, a
qual deve ser aplicada na extensão e no alcance estritamente ne-
cessários (isto é, na “justa medida”, tanto quanto seja possível afe-
ri-la, mesmo que sem precisão matemática).15
Ato restritivo de di-
reitos deve ser apropriado para atingir o fim almejado, e o meio
deve ser o estritamente necessário, de modo a não acarretar ônus
inúteis para as pessoas atingidas.
13 STF. Plenário. MC/ADI 1.407. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 7/3/1996,
maioria. DJ, 24 nov. 2000.
14 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra:Almedina, p. 270.
15 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial,
restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 174.
15
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
O art. 64, inciso IV, da Portaria 158, de 4 de fevereiro de 2016,
do Ministério da Saúde, e o art. 25, inc. XXX, alínea d, da Resolu-
ção da Diretoria Colegiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), consideram
temporariamente inaptos para doar sangue, pelo período de 12 me-
ses, homens que tiverem tido relações sexuais com outros homens e
as parceiras sexuais destes.
A inadequação da medida restritiva afirma-se diante da omis-
são em adotar mecanismos menos gravosos a candidatos a doação
de sangue, tanto para preservar que o material doado esteja livre de
contaminação por vírus quaisquer, quanto para respeitar a dignidade
humana e a liberdade de orientação sexual dos indivíduos. Esse
conjunto de circunstâncias torna a medida prevista nas normas des-
proporcionalmente mais gravosa do que o necessário para obter o
resultado prático pretendido.
As normas promovem tratamento discriminatório entre ho-
mens com base em sua orientação sexual. Partem do pressuposto
de que homens gays ou bissexuais estariam necessariamente inseri-
dos nos denominados grupos de risco, compostos por pessoas mais
suscetíveis a contrair e transmitir doenças sexualmente transmissí-
veis (DSTs), também denominadas doenças venéreas, pelo simples
fato de praticarem relações sexuais com outros homens.
A noção de grupo de risco remonta ao início da epidemia de
síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS, do in-
glês Acquired Immunodeficiency Syndrome), causada pelo vírus da
16
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imunodeficiência humana (VIH ou HIV, do inglês Human Immu-
nodeficiency Virus), ainda na década de 1980. Referia-se aos primei-
ros afetados pela doença, em sua maioria homossexuais, usuários
de drogas injetáveis e hemofílicos. O conceito, todavia, encontra-se
ultrapassado. Conforme noticia o portal do Ministério da Saúde,16
o vírus espalhou-se de forma geral e indistinta na população. Não
se concentra mais em grupos específicos. Por essa razão, passou-se
a utilizar a noção de comportamento de risco, em substituição a grupos
de risco.
Em artigo jornalístico, a antropóloga e professora DEBORA
DINIZ traz relevantes considerações sobre a irrazoabilidade da proi-
bição de que homossexuais doem sangue, contida nos atos questi-
onados, exatamente por se basear naquele conceito ultrapassado:
[...] No passado, falou-se em grupos de risco para o HIV –
os gays foram, durante um longo período da epidemia, o
grupo vulnerável ao adoecimento. Tratava-se de um grupo
de pessoas específicas – os gays –, e não de quaisquer pessoas
que praticassem sexo de forma insegura. [...] O erro ao con-
fundir grupo de risco com comportamento de risco é claro:
qualquer pessoa – até mesmo aquelas com votos de casti-
dade – que se relacionar sexualmente com outra pessoa do
mesmo sexo, mesmo que seja apenas uma vez, entrará na
lista dos tipos com comportamento de risco se estiver des-
protegida. Muito embora esse possa ser um sujeito fora de
qualquer estereótipo de “grupo de risco”.
O que importa para as políticas de saúde não é se alguém
pratica sexo com uma ou várias pessoas, com pessoas do
mesmo sexo ou sexo diferentes, mas como se protege nas re-
16 Conferir em < http://zip.net/bvtskR > ou
< http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-interesse/286-
aids/9048-atualmente-ainda-ha-a-distincao-entre-grupo-de-risco-e-
grupo-de-nao-risco >; acesso em 1o
set. 2016.
17
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lações sexuais.A pergunta central para a saúde pública e para
a segurança do sangue é se o doador é alguém com cuidados
de saúde nas práticas sexuais: desimportante é saber como se
identifica no campo sexual ou quais são suas preferências de
prazer.A pergunta para proteger os pacientes adoecidos à es-
pera de sangue é mais simples: “você usa camisinha ou não
nas relações sexuais?”. Uma mulher com parceiro masculino,
mesmo que fixo, que não pratique sexo seguro pode ser uma
doadora arriscada – seu sangue deverá se submeter a todos
os protocolos de segurança antes de ser transfundido.17
A Portaria 158/2016 e a Resolução 34/2014 indicam série
de critérios para candidatos a doação de sangue, entre os quais in-
cluem vedação temporária (pelo período de um ano) a pessoas
que tenham praticado sexo com um ou mais parceiros ocasionais
ou desconhecidos, ou seus respectivos parceiros (sem destaques no
original):
PORTARIA 158/2016
Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 ([...])
meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma
das situações abaixo:
I – que tenha feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas
ou seus respectivos parceiros sexuais;
II – que tenha feito sexo com um ou mais parceiros
ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos par-
ceiros sexuais;
III – que tenha sido vítima de violência sexual ou seus res-
pectivos parceiros sexuais;
IV – homens que tiveram relações sexuais com outros ho-
mens e/ou as parceiras sexuais destes;
17 DINIZ, Debora. Gays querem (e devem) doar sangue. Disponível em:
< http://zip.net/bbtrP0 > ou < http://www.brasilpost.com.br/debora-
diniz/gays-querem-doar-sangue_b_10510672.html >; acesso em: 1o
set.
2016.
18
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PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
V – que tenha tido relação sexual com pessoa portadora de
infecção pelo HIV, hepatite B, hepatite C ou outra infecção
de transmissão sexual e sanguínea;
VI – que tenha vivido situação de encarceramento ou de
confinamento obrigatório não domiciliar superior a 72 ([...])
horas, durante os últimos 12 ([...]) meses, ou os parceiros se-
xuais dessas pessoas;
VII – que tenha feito piercing, tatuagem ou maquiagem defi-
nitiva, sem condições de avaliação quanto à segurança do
procedimento realizado;
VIII – que seja parceiro sexual de pacientes em programa de
terapia renal substitutiva e de pacientes com história de
transfusão de componentes sanguíneos ou derivados; e
IX – que teve acidente com material biológico e em conse-
quência apresentou contato de mucosa e/ou pele não ínte-
gra com o referido material biológico.
RESOLUÇÃO 64/2014
Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâme-
tros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério
da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do
doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade
dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: [...]
XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair
infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os
candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos
temporariamente por um período de 12 ([...]) meses após a
prática sexual de risco, incluindo-se:
a) indivíduos que tenham feito sexo em troca de dinheiro
ou de drogas ou seus respectivos parceiros sexuais;
b) indivíduos que tenham feito sexo com um ou
mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus
respectivos parceiros sexuais;
c) indivíduos que tenham sido vítima de violência sexual ou
seus respectivos parceiros sexuais;
d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexu-
ais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras
sexuais destes;
19
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e) indivíduos que tenham tido relação sexual com pessoa
portadora de infecção pelo HIV, hepatite B, hepatite C ou
outra infecção de transmissão sexual e sanguínea ou as par-
ceiras sexuais destes;
f) indivíduos que sejam parceiros sexuais de pacientes em
programa de terapia renal substitutiva e de pacientes com
história de transfusão de hemocomponentes ou hemoderi-
vados (transplantes); e
g) indivíduos que possuam histórico de encarceramento ou
de confinamento obrigatório não domiciliar superior a 72
([...]) horas, ou seus parceiros sexuais;
Os dispositivos nem mencionam o uso de preservativo em
relações sexuais como critério de seleção de doadores de sangue,
método com maior eficácia para evitar contágio de AIDS e demais
DSTs.18
No caso de homens heterossexuais, basta para sua habilita-
ção que tenham feito sexo com parceira fixa nos 12 meses anteri-
ores à doação, ainda que sem uso de preservativos. Já em relação a
homens gays e bissexuais, os dispositivos vão muito além, para exi-
gir absoluta ausência de quaisquer relações sexuais pelo período
mínimo de um ano. Qualquer relação sexual com outro homem se
18 “Pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos
esticaram e ampliaram 2 mil vezes o látex do preservativo masculino
(utilizando-se de microscópio eletrônico) e não foi encontrado nenhum
poro. Em outro estudo, foram examinadas as 40 marcas de camisinha mais
utilizadas em todo o mundo. A borracha foi ampliada 30 mil vezes (nível
de ampliação que possibilita a visão do HIV) e nenhum exemplar
apresentou poros.
Em 1992, cientistas usaram microesferas semelhantes ao HIV em
concentração 100 vezes maior que a quantidade encontrada no sêmen. Os
resultados demonstraram que, mesmo nos casos em que a resistência dos
preservativos mostrou-se menor, os vazamentos foram inferiores a 0,01%
do volume total. Ou seja, mesmo nas piores condições, os preservativos
oferecem 10 mil vezes mais proteção contra o vírus da aids do que a sua
não utilização.” Cf.: < http://www.aids.gov.br/pagina/por-que-usar > ou
< http://zip.net/bbtrZN >; acesso em: 1o
set. 2016.
20
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torna obstáculo intransponível à doação, pouco importando que
tenha ocorrido com parceiro fixo e com uso de preservativo.
Ao tempo em que veiculam proteção deficiente para tutela
da saúde, no que se refere à doação de sangue por homens hete-
rossexuais – porquanto se contentam em exigir relação sexual com
parceira fixa, o que não afasta, por si, possibilidade de transmissão
de doenças, mormente se não há utilização de preservativo –, as
normas são extremamente restritivas no que se refere à doação por
homens gays ou bissexuais, pois lhes impõem condição despropor-
cional e irrazoável (completa abstinência sexual por 12 meses), a
qual equivale a vedação peremptória para doar sangue.
Na prática, essa sistemática acaba por classificar gays e bisse-
xuais como grupo de risco (conceito abandonado, conforme ex-
posto). Presume-se que essas pessoas estariam sempre em situação
de risco acrescida ou em comportamento de risco.Todavia, o critério
justificável na atualidade leva em conta práticas sexuais concretas,
não a identidade ou a orientação sexual das pessoas envolvidas.
Para justificar a proibição de doação de sangue por homens
que fazem sexo com outros homens, argumenta-se que a prática
de sexo anal traria maiores riscos de transmissão de doenças do
que o sexo vaginal. De fato, o risco de transmissão do HIV e de
outras doenças venéreas é maior no sexo anal, por maior aptidão
da região a pequenos sangramentos e, desse modo, ao contato com
sangue contaminado. Contudo, é notório que essa prática sexual
não é prerrogativa masculina. Pode fazer parte de relações homo
21
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ou heteroafetivas. Risco em relações sexuais desprotegidas existe
independentemente da orientação sexual ou gênero dos indiví-
duos envolvidos.19
Estudos demonstram, aliás, que parcela substan-
cial de heterossexuais mantêm relações sexuais anais e tendem a
usar preservativos com menor regularidade, exatamente por não
haver risco de concepção indesejada.20
Por outro lado, possibilidade de contaminação por doenças
restará afastada se a prática sexual ocorrer com uso de preservati-
vos. Logo, simples exclusão de candidatos a doação de sangue (hé-
tero ou homossexuais) que, em determinado lapso, hajam
praticado relações sexuais desprotegidas (anais ou vaginais), bastaria
para alcançar os objetivos pretendidos pelas normas, sem necessi-
dade de impor discriminação pautada em orientação sexual, como
fizeram as normas sob exame.
Deve-se levar em conta, ademais, no que se refere à transmis-
são do HIV, que houve, com o passar dos anos, redução da cha-
mada janela imunológica para detecção do vírus na corrente
sanguínea.Trata-se do período de tempo imediatamente após a in-
fecção, no qual exames laboratoriais não detectam a presença do
19 Cf. AIDSMAP. Anal intercourse between men and women. Disponível em:
< http://www.aidsmap.com/Anal-intercourse-between-men-and-
women/page/1324426/ > ou < http://zip.net/bjtrZM >; acesso em: 2
set. 2016.
20 Cf.AIDSMAP. O risco de transmissão do VIH durante o sexo anal é 18 [vezes]
superior ao do sexo vaginal. Disponível em: < http://www.aidsmap.com/O-
risco-de-transmiss%C3%A3o-do-VIH-durante-o-sexo-anal-%C3%A9-18-
superior-ao-do-sexo-vaginal/page/1446285/ > ou
< http://zip.net/bhtr8j >; acesso em: 2 set. 2016.
22
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HIV na corrente sanguínea, o que acaba por gerar os resultados
conhecidos como falsos negativos.
Inicialmente, o diagnóstico da infecção por HIV realizava-se
por imunoensaios chamados de primeira geração. Nestes, a janela
imunológica de detecção era de 6 a 8 semanas.21
Com a implanta-
ção do teste de ácido nucleico (NAT) nos bancos de sangue do
país,22
tanto para detectar HIV, quanto HCV e HBV (vírus res-
ponsáveis pela transmissão da hepatite C e hepatite B), houve sig-
nificativa redução da janela imunológica para apenas 12 dias para o
HCV e 10 dias para o HIV.
Diante desse quadro, não se mostra mais compatível com a
realidade da rotina diagnóstica de laboratórios dos bancos de san-
gue brasileiros exigir abstinência sexual por 12 meses de candida-
tos a doação, porquanto prazo de 1 ou 2 meses, por exemplo,
ultrapassaria, com folga, a janela imunológica para detecção de
DSTs.
Isso caracteriza ofensa ao princípio da proporcionalidade, na
dimensão de proibição de excesso (a chamada Übermassverbot do
Direito alemão) e de medidas estatais gravosas desnecessárias.
21 Cf. p. 22 do Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV, elaborado
pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da Secretaria de
Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. Disponível em:
< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_diagnostico
_infeccao_hiv.pdf > ou < http://zip.net/bqts03 >; acesso em: 2 set. 2016.
22 Veja a esse respeito: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-
inovacao/noticia/2014-02/teste-de-acido-nucleico-agora-e-obrigatorio-
em-todos-os-bancos > ou < http://zip.net/bhtr8y >; acesso em: 2 set.
2016.
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Mais razoável e eficaz seria se estabelecessem os atos, como
critério para doar sangue, não ter os candidatos praticado relações
sexuais sem proteção adequada (como o uso de preservativo), em
determinado interregno, suficiente para cobrir as janelas imunoló-
gicas.
Ao fim e ao cabo, as normas promovem tratamento discrimi-
natório entre homens com fundamento único em sua orientação
sexual.Vão em sentido oposto ao esforço estatal para coibir violên-
cia contra homossexuais. Dados do Relatório sobreViolência Homofó-
bica no Brasil: ano de 2012, elaborado pela Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, que abrangem apenas vio-
lações relatadas, revelam a gravidade e a amplitude dos atos discri-
minatórios praticados contra a população LGBT:23
2011 2012
Percentual de
aumento
Denúncias 1.159 3.084 166,09%
Violações 6.809 9.982 46,60%
Vítimas 1.713 4.851 183,19%
Suspeitos 2.275 4.784 110,29%
Média violação/
vítima
3,97 3,23
O relatório ressalta que, a despeito da subnotificação de dados
acerca desse tipo de violência, “os números apontam para um
grave quadro de violências homofóbicas no Brasil: no ano de 2012,
foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter
23 Disponível em: < http://bit.ly/violhomo2012 > ou
< http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-
homofobica-ano-2012 > Acesso em 5 set. 2016.
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homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29
pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no
país”.24
Diante desse notório e inegável fato social – não parece neces-
sário demonstrar as discriminações de que homossexuais são vítimas
diárias no Brasil –, a aplicação do art. 64, IV, da Portaria 158/2016,
do Ministério da Saúde, e do art. 25, XXX, d, da RDC 34/2014, da
ANVISA choca-se com os princípios constitucionais da proporcio-
nalidade e da igualdade (art. 5o
, caput e LIV) e com os objetivos da
República de construir sociedade justa e solidária, reduzir desigual-
dades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo
e outras formas de discriminação (art. 3o
, I, III e IV).
Interferem também no exercício da liberdade de orientação se-
xual e de identidade de gênero e na liberdade de expressão, compro-
metendo a dignidade humana, fundamento da República Federativa
do Brasil (CR, art.1o
, III).
Não se pretendem suprimir, com esta ação direta, em absoluto,
as imprescindíveis cautelas que envolvem a doação de sangue, volta-
das a assegurar a higidez do sistema de hemoterapia, livre de conta-
minação por vírus HIV e outros. Contudo, as normas criam rótulos
que deslocam o foco do risco apresentado por determinados compor-
tamentos e práticas, para noções estereotipadas sobre estilos de vida e ori-
entação sexual, o que termina por estigmatizar grupos já alvo de
preconceito e violência (homens gays e bissexuais) e imunizar outros
24 Idem, ibidem.
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(homens heterossexuais e mulheres), conforme observou apropriada-
mente o IBDFAM,em sua manifestação (peça 134,p.26-27).
4. PERIGO NA DEMORA PROCESSUAL
O perigo na demora processual (periculum in mora), pressu-
posto para concessão de medida cautelar, foi devidamente de-
monstrado pelo requerente. Destaca-se trecho dos argumentos
expostos na inicial (p. 28):
114. O periculum in mora, por sua vez, está demonstrado
ante a constante violação ao direito fundamental à igualdade.
Todos os dias, homens homossexuais são vítimas das normas
manifestamente discriminatórias, que os estigmatizam como
grupos de risco portadores de doença grave unicamente em
razão de sua orientação sexual.
115. Ou seja, o caráter continuado da violação, faz com
que, quanto mais demorada a declaração de inconstituciona-
lidade por este Excelso STF, mais pessoas [sofram] as nefastas
consequências das normas impugnadas. Desta forma, tal
fonte ininterrupta de violações deve ser estancada, ao menos
até a decisão final da presente ação direta.
116. Soma-se a isso a necessidade diária de milhares de
brasileiros de obter doações sanguíneas num contexto
no qual os bancos de sangue vivem séria crise de déficit nos
seus estoques. Nesse contexto, a mesma lógica se aplica:
quanto mais tempo os dispositivos impugnados continuarem
a produzir efeitos, mais pessoas ficarão desamparadas.
117. Perante tais circunstâncias, já se pode perceber, mesmo
em sede de cognição sumária, que a manutenção dos dis-
positivos em vigor é significativamente mais da-
nosa – tanto à comunidade homoafetiva, quanto aos
brasileiros em geral – do que a suspensão de seus efeitos,
motivo pelo qual sua suspensão liminar é medida que se
impõe.
26
DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse
http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF
Considerados os substanciais impactos que as normas produ-
zem na dignidade de pessoas historicamente vítimas de preconcei-
tos e tendo em conta o agravamento da situação dos estoques dos
bancos de sangue no país,25
que se encontram com níveis extrema-
mente baixos, parece imprescindível que a Corte aprecie com bre-
vidade o pedido desta ação direta.
5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, a Procuradoria-Geral da República mani-
festa-se por deferimento da medida cautelar.
Brasília (DF), 6 de setembro de 2016.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
RJMB/WCS/AMO-Par.PGR/WS/2.237/2016
25 No ano de 2016, bancos de sangue sofreram baixa significativa em seus
estoques, em decorrência da epidemia de vírus zica, dengue e
chicungunha, entre outros fatores: < http://g1.globo.com/jornal-
nacional/noticia/2016/02/estoques-dos-bancos-de-sangue-estao-com-
nivel-baixo-pelo-pais.html >, < http://g1.globo.com/mato-grosso-do-
sul/noticia/2016/03/com-estoques-baixos-bancos-de-sangue-em-ms-
convocam-doadores.html > e
< http://jovempan.uol.com.br/programas/jornal-da-manha/medo-do-
desemprego-afeta-estoque-dos-bancos-de-sangue.html >; ou pelos atalhos:
< http://zip.net/bktr6w >, < http://zip.net/bjtr0b > e
< http://zip.net/bjtr0d >; acesso em: 2 set. 2016.
27
DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse
http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4

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Restrição a doação de sangue por orientação sexual viola Constituição

  • 1. No 206.660/2016-AsJConst/SAJ/PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF Relator: Ministro Edson Fachin Requerente: Partido Socialista Brasileiro (PSB) Interessados: Ministro de Estado da Saúde Agência Nacional deVigilância Sanitária (ANVISA) CONSTITUCIONAL E SANITÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PORTARIA 158/2016, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, E RESOLUÇÃO DA DIRETO- RIA COLEGIADA 34/2014, DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. IMPEDIMENTO TEMPORÁ- RIO A DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMENS QUE TE- NHAM RELAÇÕES SEXUAIS COM OUTROS HOMENS. CABIMENTO DA AÇÃO. AFRONTA DIRETA À CONSTI- TUIÇÃO.DESNECESSIDADE DE EXAME DE NORMA IN- FRACONSTITUCIONAL INTERPOSTA. MÉRITO. RESTRIÇÃO DE DIREITO BASEADA EM ORIENTAÇÃO SEXUAL. MEDIDA IRRAZOÁVEL E DESPROPORCIO- NAL.AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA, À CONSTRU- ÇÃO DE SOCIEDADE JUSTA E SOLIDÁRIA, LIVRE DE PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES, E AOS PRINCÍ- PIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. Dispositivos de portaria ministerial e resolução de órgão re- gulador que vedam doação de sangue por homens em decorrên- cia de orientação sexual podem ser cotejados diretamente com a Constituição da República, por possuírem atributos de autono- mia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade. 2. Impedimento, por 12 meses, a que homens que tiverem rela- ções sexuais com outros homens doem sangue choca-se com a dignidade humana (Constituição da República, art. 1o , III), com os princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e igualdade (art. 5o , caput e LIV) e com os objetivos da Repú- blica de construir sociedade justa e solidária, reduzir desigualda- DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 2. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF des sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo e outras formas de discriminação (art. 3o , I, III e IV). 3. As normas criam obstáculo inútil à proteção do sistema de hemoterapia, uma vez que a este interessam os comportamentos de risco dos potenciais doadores, não sua orientação sexual. 4. Perigo na demora processual (periculum in mora) decorre dos substanciais impactos que as normas produzem na dignidade de pessoas historicamente vítimas de preconceitos e no agrava- mento da situação de déficit dos estoques dos bancos de sangue do país. 5. Parecer pelo deferimento da medida cautelar. 1. RELATÓRIO Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, dirigida contra o art. 64, inciso IV, da Portaria 158, de 4 de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde, e contra o art. 25, inc. XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da Agência Nacional deVigi- lância Sanitária (ANVISA). As normas consideram temporaria- mente inaptos para doar sangue, pelo período de 12 meses, homens que tiverem relações sexuais com outros homens e as parceiras se- xuais destes. Este é o teor dos dispositivos: PORTARIA 158/2016, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 ([...]) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: [...] 2 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 3. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF IV – homens que tiveram relações sexuais com outros ho- mens e/ou as parceiras sexuais destes; [...]. RESOLUÇÃO 34/2014, DA ANVISA Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâme- tros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: [...] XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 ([...]) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se: [...] d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexu- ais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes; [...]. Afirma o requerente possuir legitimidade para propor a ação, por ser partido político com representação no Congresso Nacio- nal. Defende seu cabimento, em razão de haver ofensa à Constitui- ção da República de modo direto, sem necessidade de analisar norma infraconstitucional interposta, dada a autonomia e primari- edade das normas.Alega que estas inovaram indevidamente no or- denamento jurídico, ao veicular discriminação em virtude de orientação sexual, em agressão à igualdade e à dignidade humana, à promoção do bem de todos sem preconceitos e à proporcionali- dade, valores assegurados pelos arts. 1o , III, 3o , IV, e 5o , caput e LIV, da Constituição da República. Sustenta acarretarem severos prejuí- zos à saúde pública, ao impedir doação de aproximadamente 19 milhões de litros de sangue anualmente. 3 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 4. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF O relator adotou o rito do art. 12 da Lei 9.868, de 10 de no- vembro de 1999 (peça 37 do processo eletrônico). Requereram ingresso na ação, na qualidade de amici curiæ, o Partido Popular Socialista (PPS – peça 43), a Defensoria Pública da União (DPU – peça 49), a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA – peça 56), a Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH – peça 62) e o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS – peça 71). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária sustentou fun- dar-se a vedação em evidências epidemiológicas e técnico-científi- cas e visar ao interesse coletivo na garantia máxima da qualidade e segurança transfusional para o receptor de sangue. Asseverou que tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a Organi- zação Pan-Americana de Saúde (OPAS) recomendam inaptidão de 12 meses para doação de sangue por homens que tiverem relações sexuais com outros homens, em razão de envolverem riscos maio- res de infecção por doenças sexualmente transmissíveis. Informou que diversos países possuem regramentos similares ou mais restriti- vos do que o do Brasil (peças 77, 78 e 80 a 129). O relator deferiu os pedidos de admissão formulados por DPU, DPE/BA,ABRAFH e GADvS. Quanto ao PPS, requisitou demons- tração de representatividade adequada (despacho na peça 130). O Ministério da Saúde manifestou-se por improcedência do pedido, na linha dos argumentos defendidos pela ANVISA. Infor- mou que as normas não promovem discriminação em virtude de 4 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 5. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF orientação sexual, mas fazem parte de conjunto de regras voltadas à proteção do direito fundamental à saúde dos receptores de san- gue (peça 131). No mesmo sentido manifestou-se a Advocacia-Geral da União, para a qual as normas não estigmatizam grupo específico de pessoas, apenas reconhecem e normatizam comportamentos de risco associados a possibilidade de infecção por doenças transmissí- veis por doação de sangue. Priorizam segurança e eficácia do sis- tema de hemoterapia (peça 132). Postularam, ainda, admissão como amici curiæ o Instituto Bra- sileiro de Direito de Família (IBDFAM – peça 134), o Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL – peça 140), o Grupo Dig- nidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros (peça 142) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,Traves- tis e Transexuais (ABGLT – peça 154). O relator deferiu os pedidos de ingresso formulados por IBDFAM, IBDCIVIL e Grupo Dignidade (peças 139 e 148). É o relatório. 2. CABIMENTO O art. 102, I, da Constituição da República estabelece como objeto de ação direta de inconstitucionalidade lei ou ato norma- tivo federal ou estadual. Deve qualificar-se como ato normativo primário aquele que contenha os requisitos essenciais de autono- 5 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 6. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF mia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade e discipline diretamente a Constituição.1 As disposições questionadas da Portaria 158, de 4 de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde, e da Resolução da Diretoria Co- legiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) caracterizam-se como atos nor- mativos com esses traços, porquanto possuem alta densidade nor- mativa e podem ser cotejadas diretamente com os preceitos dos arts. 1o , III, 3o , IV, e 5o , caput, da Constituição da República, sem necessidade de apreciar normas infraconstitucionais interpostas. Dessa maneira, não há óbice ao cabimento desta ação. 3. MÉRITO 3.1. DIGNIDADE HUMANA E LIBERDADE DE AUTODETERMINAÇÃO Consagrada pelo art. 1o , inciso III, da Constituição da Repú- blica,2 a dignidade do ser humano revela-se, entre outras perspecti- vas, na capacidade de autodeterminação da vontade, a qual é componente da liberdade humana. Materializada estará a digni- dade humana na medida em que se garanta ao indivíduo con- duzir-se segundo o próprio entendimento livre. 1 Supremo Tribunal Federal. Plenário. Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 2.321/DF. Relator: Ministro CELSO DE MELLO, 25/10/2000, maioria. Diário da Justiça, 10 jun. 2005. 2 “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...]”. 6 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 7. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF Para muitos autores, dignidade do ser humano é princípio que contém fim em si mesmo, considerado até metanorma: A dignidade humana é o próprio fundamento ético do direito. A pessoa humana é, em si mesma, um valor do qual decorrem outros atributos atinentes à pessoa, individual ou coletivamente, como os primados da liberdade e da isono- mia, aos quais se agregam outras conquistas históricas defini- das como o direito à vida, à intimidade e à honra. A dignidade humana, como valor máximo do sistema jurídico, permite a realização plena da pessoa, nos di- versos espaços existenciais (como na família, na em- presa, no sindicato, na universidade ou em quaisquer microcosmos contratuais), de forma isonômica, respei- tando-se a ótica da solidariedade constitucional, tanto nas re- lações de Direito Público quanto nas de Direito Privado. Afinal, a finalidade do Estado é tornar os homens felizes, isto é, virtuosos e, para a consecução desse objetivo, o principal instrumento são as normas jurídicas.3 Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático (e social) de Direito (art. 1o , III), a CF de 1988, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, finalidade e da justificação do próprio Estado e do exercício do poder estatal, reconhe- ceu categoricamente que o Estado existe em função da pessoa humana, e não o contrário. Da mesma forma, não foi por aci- dente que a dignidade não constou do rol dos direitos e ga- rantias fundamentais, tendo sido consagrada em primeira linha como princípio (e valor) fundamental, que, como tal, deve servir de norte ao intérprete, ao qual incumbe a missão de assegurar-lhe a necessária força normativa. [...] Importa considerar, neste contexto, que a dignidade da pessoa humana desempenha papel de valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), razão pela qual, para muitos, se justifica a caracteri- 3 CAMBI, Eduardo. Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Privado. Vol. 61/2015, p. 13-35, jan.-mar. 2015. 7 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 8. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF zação da dignidade como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica.4 Com relação à universalidade dos direitos humanos, atenta-se que a Constituição de 1988, ao eleger o valor da dignidade humana como princípio fundamental da ordem constitucio- nal, compartilha da visão de que a dignidade é inerente à condição de pessoa, ficando proibida qualquer discriminação. O texto enfatiza que todos são essencialmente iguais e asse- gura a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais.5 O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é o pilar de interpretação de todo o ordenamento jurídico e toda a Constituição Federativa do Brasil. O princípio da digni- dade humana é o fundamento filosófico e jurídico dos direitos humanos e se expressa nestes direitos, funciona também como metanorma, indicando como devem ser interpretadas e aplicadas as outras normas e princípios, em especial as normas defini- doras de direitos fundamentais, ampliando o seu sen- tido, reduzindo-os ou auxiliando em conflitos entre direitos fundamentais. A dignidade da pessoa hu- mana é a chave de interpretação material das demais normas jurídicas.6 A dignidade humana fundamenta o sistema positivo de nor- mas e, portanto, serve de vetor de interpretação para os demais preceitos contidos na Constituição da República. Uma das di- mensões fundamentais da dignidade é o direito à liberdade, que se manifesta pela autodeterminação. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentários ao art. 1o , III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F; _______, Lenio L. (coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 124 e 125. Sem destaque no original. 5 PIOVESAN, Flávia.A proteção dos direitos humanos no sistema constitu- cional brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 45. p. 216, out. 2003. Sem destaque no original. 6 MAGALHÃES, Leslei Lester dos Anjos. O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 107. Sem destaque no original. 8 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 9. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF INGO SARLET, ao analisar o conteúdo e o alcance jurídico-nor- mativo do princípio da dignidade humana, no aspecto pertinente à autodeterminação, ou seja, à possibilidade de a pessoa deter- minar-se conforme sua vontade livre, na compreensão do Su- premoTribunal Federal, observa: Para além das dimensões já apresentadas e em diálogo com as mesmas, [é] indispensável compreender – até mesmo pela relevância de tal aspecto para os direitos e deveres humanos e fundamentais – que a dignidade possui uma dimensão dú- plice, que se manifesta por estar em causa simultaneamente a expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Es- tado, especialmente – quando ausente a capacidade de auto- determinação.7 A dignidade da pessoa vincula-se à potencialidade de ela au- todeterminar-se livremente. Ao estado incumbe instituir mecanis- mos jurídicos capazes de resguardar manifestações de vontade decorrentes da autodeterminação, dentro de certos limites, pois, em qualquer agrupamento humano, ninguém possui liberdade ab- soluta. J. J. GOMES CANOTILHO, com precisão, repisa que estado de di- reito é aquele que preserva a autodeterminação da pessoa como alicerce: 7 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel; ______ (Coords.). Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 46. 9 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 10. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF A expressão Estado de direito é considerada uma fórmula alemã (Rechtsstaat). Ela aponta para algumas das ideias funda- mentais já agitadas na Inglaterra, Estados Unidos e França. Acrescenta-lhes, porém, outras dimensões. O Estado do- mesticado pelo direito é um Estado juridicamente vinculado em nome da autonomia individual ou, se se preferir, em nome da autodeterminação da pessoa. É a autonomia individual que explica alguns dos postulados nucleares do Estado de direito de inspira- ção germânica. Desde logo, o Estado de direito, para o ser verdadeiramente, tem de assumir-se como um Estado liberal de direito. Contra a ideia de um Estado de polícia que tudo regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade dos súbditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado de limites, restringindo a sua acção à defesa da ordem e se- gurança públicas.8 O constituinte originário, fundado na metanorma da digni- dade do ser humano, dedicou-se especificamente à erradicação de práticas discriminatórias. São exemplos de normas voltadas a essa finalidade o princípio da igualdade, inscrito no art. 5o , caput, da Constituição da República, e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como objetivo fundamental da Repú- blica, insculpido no art. 3o , IV. Além disso, conferiu à lei a função de punir discriminação atentatória de direitos e liberdades funda- mentais (art. 5o , XLI) e definiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Condutas contrárias à liberdade de orientação sexual pos- suem, em princípio, nítido caráter discriminatório e violador da 8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Estado de direito. Disponível em: < http://zip.net/bdtsBQ > ou < http://www.libertarianismo.org/livros/jjgcoedd.pdf >. Acesso em 5 set. 2016. 10 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 11. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF dignidade humana, em confronto com esse conjunto de normas constitucionais. A homofobia decorre da mesma intolerância que suscitou outros tipos de discriminação, como aqueles em razão de cor, procedência nacional, religião, etnia, classe e gênero. Conso- ante explica DANIEL BORRILLO, a lógica perpetrada é a mesma, de inferiorização de certos grupos e indivíduos: Enquanto violência global caracterizada pela supervaloriza- ção de uns e pelo menosprezo de outros, a homofobia ba- seia-se na mesma lógica utilizada por outras formas de inferiorização: tratando-se de ideologia racista, classista ou antissemita, o objetivo perseguido consiste sempre em desu- manizar o outro, em torná-lo inexoravelmente diferente. À semelhança de qualquer outra forma de intolerância, a ho- mofobia articula-se em torno de emoções (crenças, precon- ceitos, convicções, fantasmas...), de condutas (atos, práticas, procedimentos, leis...) e de um dispositivo ideológico (teo- rias, mitos, doutrinas, argumentos de autoridade...). O profundo conservadorismo do conjunto das manifesta- ções de exclusão evocadas reside no fato de que todas elas, por um lado, se inspiram no fundo irracional comum de uma opinião particularmente orientada para a desconfiança em relação aos outros e, por outro, elas transformam tal pre- conceito corriqueiro em doutrina elaborada.9 Mais à frente, BORRILLO destaca: [...] O problema da homofobia supera a questão gay, inscre- vendo-se na mesma lógica de intolerância que, em diferentes momentos da História, produziu a exclusão tanto dos escra- vos e dos judeus quanto dos protestantes; até mesmo os co- mediantes haviam sido, outrora, excluídos do direito ao casamento. À semelhança do que ocorre em relação à diferença cultural entre nacional e estrangeiro (espécie de eufemismo do ra- 9 BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte:Autêntica, 2010, p. 34-35. 11 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 12. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF cismo), a diferença sexual entre heterossexual e homossexual, é apresentada como um indicador objetivo do sistema desi- gual de atribuição e de acesso aos bens culturais, a saber, di- reitos, capacidades, prerrogativas, alocações, dinheiro, cultura, prestígio etc. E, embora o princípio da igualdade seja for- malmente proclamado, é efetivamente em nome das diferen- ças e ao dissimular precavidamente qualquer intenção discriminatória, que os dominantes entendem reservar um tratamento desfavorável aos dominados. A construção da di- ferença homossexual é um mecanismo jurídico bem rodado que permite excluir gays e lésbicas do direito comum (uni- versal), inscrevendo-os(as) em um regime de exceção (parti- cular). [...]10 Ao estado de direito não cabe, sob pena de afastar-se de seu centro de identidade, impor restrições desarrazoadas à autodeter- minação da pessoa em aspecto essencial como é a liberdade de orientação sexual. Nesse contexto, em observância ao princípio da igualdade, impedimento a doação de sangue pelo período de um ano para homens que tiverem relações sexuais com outros homens, veiculado nos dispositivos dos atos normativos impugnados, cons- titui medida de discriminação, porquanto se pauta unicamente em orientação sexual de indivíduos, consoante se demonstrará. As vedações não atendem à necessária proteção do sistema de hemoterapia e apenas impõem vedação desfundamentada a certos cidadãos, baseada em sua orientação sexual. 3.2. DESPROPORCIONALIDADE E IRRAZOABILIDADE DAS VEDAÇÕES NOS ATOS QUESTIONADOS Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a des- 10 BORRILLO, Daniel. Obra citada, p. 38-39. 12 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 13. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF peito de não estarem previstos explicitamente no texto constituci- onal, são considerados consectários do princípio do devido proces- so legal, consolidado no art. 5o , LIV, da Constituição da República, em sua vertente substantiva.11 A jurisdição constitucional norte-americana consolidou a cláusula do devido processo legal como fundamento da possibili- dade de exame judicial de atos jurídicos (a judicial review), de ma- neira a garantir possibilidade de controle substantivo de atos estatais normativos, sob o nome de substantive due process review of legislation.12 Como a Suprema Corte norte-americana, o Supremo Tribu- nal Federal, ao realizar controle de constitucionalidade da legisla- ção infraconstitucional, aplica como parâmetro a perspectiva substantiva do devido processo legal e avalia proporcionalidade e razoabilidade de atos normativos. 11 “[...] O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5o , LIV). [...]”. STF. Plenário. Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 1.407/DF. Rel.: Ministro CELSO DE MELLO. 7 mar. 1996, maioria. DJ, 24 nov. 2000, p. 86. 12 MENDES, Gilmar. Comentário ao artigo 103. In: CANOTILHO, J. J. Go- mes; SARLET, Ingo Wolfgang; _______; STRECK, Lenio L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013, p. 430. 13 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 14. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF O STF verificou compatibilidade de norma com o princípio da proporcionalidade, por exemplo, no julgamento de medida cau- telar na ADI 1.407/DF, acerca do art. 6o da Lei 9.100, de 29 de se- tembro de 1995, que estabeleceu restrições para admissão de coligações partidárias. O Ministro CELSO DE MELLO destacou aspec- tos relevantes sobre o tema: [...] Cumpre enfatizar, neste ponto, que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5o , LIV, da Constituição, e que traduz um dos fundamentos dogmáticos do princípio da proporcionalidade – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos revestidos de conteúdo arbitrário ou irrazoável. A essência do substantive due process of law reside na necessi- dade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas con- tra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Es- tado, que este não dispõe de competência para legislar ilimi- tadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normati- vas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. Daí a advertência de CAIO TÁCITO ([...]), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do des- vio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que, mesmo nas hipóteses de seu discricionário exercício, a ativi- dade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com o interesse público. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Fede- ral, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem so- 14 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 15. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF bre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam desti- tuídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (ADIn 1.158-AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO).13 Toda restrição a direitos individuais deve limitar-se ao estrita- mente necessário para preservar outros direitos e interesses consti- tucionalmente protegidos. O jurista J. J. GOMES CANOTILHO, ao analisar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, con- sectário do princípio da proibição de excesso, pondera: Meio e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utili- zado é ou não desproporcionado em relação ao fim.Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se al- cançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.14 O legislador deve sopesar as desvantagens para os cidadãos dos meios empregados com as vantagens a serem alcançadas ante o fim almejado, observadas adequação e necessidade da medida, a qual deve ser aplicada na extensão e no alcance estritamente ne- cessários (isto é, na “justa medida”, tanto quanto seja possível afe- ri-la, mesmo que sem precisão matemática).15 Ato restritivo de di- reitos deve ser apropriado para atingir o fim almejado, e o meio deve ser o estritamente necessário, de modo a não acarretar ônus inúteis para as pessoas atingidas. 13 STF. Plenário. MC/ADI 1.407. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 7/3/1996, maioria. DJ, 24 nov. 2000. 14 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:Almedina, p. 270. 15 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 174. 15 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 16. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF O art. 64, inciso IV, da Portaria 158, de 4 de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde, e o art. 25, inc. XXX, alínea d, da Resolu- ção da Diretoria Colegiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), consideram temporariamente inaptos para doar sangue, pelo período de 12 me- ses, homens que tiverem tido relações sexuais com outros homens e as parceiras sexuais destes. A inadequação da medida restritiva afirma-se diante da omis- são em adotar mecanismos menos gravosos a candidatos a doação de sangue, tanto para preservar que o material doado esteja livre de contaminação por vírus quaisquer, quanto para respeitar a dignidade humana e a liberdade de orientação sexual dos indivíduos. Esse conjunto de circunstâncias torna a medida prevista nas normas des- proporcionalmente mais gravosa do que o necessário para obter o resultado prático pretendido. As normas promovem tratamento discriminatório entre ho- mens com base em sua orientação sexual. Partem do pressuposto de que homens gays ou bissexuais estariam necessariamente inseri- dos nos denominados grupos de risco, compostos por pessoas mais suscetíveis a contrair e transmitir doenças sexualmente transmissí- veis (DSTs), também denominadas doenças venéreas, pelo simples fato de praticarem relações sexuais com outros homens. A noção de grupo de risco remonta ao início da epidemia de síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS, do in- glês Acquired Immunodeficiency Syndrome), causada pelo vírus da 16 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 17. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF imunodeficiência humana (VIH ou HIV, do inglês Human Immu- nodeficiency Virus), ainda na década de 1980. Referia-se aos primei- ros afetados pela doença, em sua maioria homossexuais, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos. O conceito, todavia, encontra-se ultrapassado. Conforme noticia o portal do Ministério da Saúde,16 o vírus espalhou-se de forma geral e indistinta na população. Não se concentra mais em grupos específicos. Por essa razão, passou-se a utilizar a noção de comportamento de risco, em substituição a grupos de risco. Em artigo jornalístico, a antropóloga e professora DEBORA DINIZ traz relevantes considerações sobre a irrazoabilidade da proi- bição de que homossexuais doem sangue, contida nos atos questi- onados, exatamente por se basear naquele conceito ultrapassado: [...] No passado, falou-se em grupos de risco para o HIV – os gays foram, durante um longo período da epidemia, o grupo vulnerável ao adoecimento. Tratava-se de um grupo de pessoas específicas – os gays –, e não de quaisquer pessoas que praticassem sexo de forma insegura. [...] O erro ao con- fundir grupo de risco com comportamento de risco é claro: qualquer pessoa – até mesmo aquelas com votos de casti- dade – que se relacionar sexualmente com outra pessoa do mesmo sexo, mesmo que seja apenas uma vez, entrará na lista dos tipos com comportamento de risco se estiver des- protegida. Muito embora esse possa ser um sujeito fora de qualquer estereótipo de “grupo de risco”. O que importa para as políticas de saúde não é se alguém pratica sexo com uma ou várias pessoas, com pessoas do mesmo sexo ou sexo diferentes, mas como se protege nas re- 16 Conferir em < http://zip.net/bvtskR > ou < http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-interesse/286- aids/9048-atualmente-ainda-ha-a-distincao-entre-grupo-de-risco-e- grupo-de-nao-risco >; acesso em 1o set. 2016. 17 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 18. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF lações sexuais.A pergunta central para a saúde pública e para a segurança do sangue é se o doador é alguém com cuidados de saúde nas práticas sexuais: desimportante é saber como se identifica no campo sexual ou quais são suas preferências de prazer.A pergunta para proteger os pacientes adoecidos à es- pera de sangue é mais simples: “você usa camisinha ou não nas relações sexuais?”. Uma mulher com parceiro masculino, mesmo que fixo, que não pratique sexo seguro pode ser uma doadora arriscada – seu sangue deverá se submeter a todos os protocolos de segurança antes de ser transfundido.17 A Portaria 158/2016 e a Resolução 34/2014 indicam série de critérios para candidatos a doação de sangue, entre os quais in- cluem vedação temporária (pelo período de um ano) a pessoas que tenham praticado sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos, ou seus respectivos parceiros (sem destaques no original): PORTARIA 158/2016 Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 ([...]) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: I – que tenha feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas ou seus respectivos parceiros sexuais; II – que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos par- ceiros sexuais; III – que tenha sido vítima de violência sexual ou seus res- pectivos parceiros sexuais; IV – homens que tiveram relações sexuais com outros ho- mens e/ou as parceiras sexuais destes; 17 DINIZ, Debora. Gays querem (e devem) doar sangue. Disponível em: < http://zip.net/bbtrP0 > ou < http://www.brasilpost.com.br/debora- diniz/gays-querem-doar-sangue_b_10510672.html >; acesso em: 1o set. 2016. 18 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 19. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF V – que tenha tido relação sexual com pessoa portadora de infecção pelo HIV, hepatite B, hepatite C ou outra infecção de transmissão sexual e sanguínea; VI – que tenha vivido situação de encarceramento ou de confinamento obrigatório não domiciliar superior a 72 ([...]) horas, durante os últimos 12 ([...]) meses, ou os parceiros se- xuais dessas pessoas; VII – que tenha feito piercing, tatuagem ou maquiagem defi- nitiva, sem condições de avaliação quanto à segurança do procedimento realizado; VIII – que seja parceiro sexual de pacientes em programa de terapia renal substitutiva e de pacientes com história de transfusão de componentes sanguíneos ou derivados; e IX – que teve acidente com material biológico e em conse- quência apresentou contato de mucosa e/ou pele não ínte- gra com o referido material biológico. RESOLUÇÃO 64/2014 Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâme- tros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: [...] XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 ([...]) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se: a) indivíduos que tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas ou seus respectivos parceiros sexuais; b) indivíduos que tenham feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos parceiros sexuais; c) indivíduos que tenham sido vítima de violência sexual ou seus respectivos parceiros sexuais; d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexu- ais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes; 19 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 20. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF e) indivíduos que tenham tido relação sexual com pessoa portadora de infecção pelo HIV, hepatite B, hepatite C ou outra infecção de transmissão sexual e sanguínea ou as par- ceiras sexuais destes; f) indivíduos que sejam parceiros sexuais de pacientes em programa de terapia renal substitutiva e de pacientes com história de transfusão de hemocomponentes ou hemoderi- vados (transplantes); e g) indivíduos que possuam histórico de encarceramento ou de confinamento obrigatório não domiciliar superior a 72 ([...]) horas, ou seus parceiros sexuais; Os dispositivos nem mencionam o uso de preservativo em relações sexuais como critério de seleção de doadores de sangue, método com maior eficácia para evitar contágio de AIDS e demais DSTs.18 No caso de homens heterossexuais, basta para sua habilita- ção que tenham feito sexo com parceira fixa nos 12 meses anteri- ores à doação, ainda que sem uso de preservativos. Já em relação a homens gays e bissexuais, os dispositivos vão muito além, para exi- gir absoluta ausência de quaisquer relações sexuais pelo período mínimo de um ano. Qualquer relação sexual com outro homem se 18 “Pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos esticaram e ampliaram 2 mil vezes o látex do preservativo masculino (utilizando-se de microscópio eletrônico) e não foi encontrado nenhum poro. Em outro estudo, foram examinadas as 40 marcas de camisinha mais utilizadas em todo o mundo. A borracha foi ampliada 30 mil vezes (nível de ampliação que possibilita a visão do HIV) e nenhum exemplar apresentou poros. Em 1992, cientistas usaram microesferas semelhantes ao HIV em concentração 100 vezes maior que a quantidade encontrada no sêmen. Os resultados demonstraram que, mesmo nos casos em que a resistência dos preservativos mostrou-se menor, os vazamentos foram inferiores a 0,01% do volume total. Ou seja, mesmo nas piores condições, os preservativos oferecem 10 mil vezes mais proteção contra o vírus da aids do que a sua não utilização.” Cf.: < http://www.aids.gov.br/pagina/por-que-usar > ou < http://zip.net/bbtrZN >; acesso em: 1o set. 2016. 20 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 21. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF torna obstáculo intransponível à doação, pouco importando que tenha ocorrido com parceiro fixo e com uso de preservativo. Ao tempo em que veiculam proteção deficiente para tutela da saúde, no que se refere à doação de sangue por homens hete- rossexuais – porquanto se contentam em exigir relação sexual com parceira fixa, o que não afasta, por si, possibilidade de transmissão de doenças, mormente se não há utilização de preservativo –, as normas são extremamente restritivas no que se refere à doação por homens gays ou bissexuais, pois lhes impõem condição despropor- cional e irrazoável (completa abstinência sexual por 12 meses), a qual equivale a vedação peremptória para doar sangue. Na prática, essa sistemática acaba por classificar gays e bisse- xuais como grupo de risco (conceito abandonado, conforme ex- posto). Presume-se que essas pessoas estariam sempre em situação de risco acrescida ou em comportamento de risco.Todavia, o critério justificável na atualidade leva em conta práticas sexuais concretas, não a identidade ou a orientação sexual das pessoas envolvidas. Para justificar a proibição de doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens, argumenta-se que a prática de sexo anal traria maiores riscos de transmissão de doenças do que o sexo vaginal. De fato, o risco de transmissão do HIV e de outras doenças venéreas é maior no sexo anal, por maior aptidão da região a pequenos sangramentos e, desse modo, ao contato com sangue contaminado. Contudo, é notório que essa prática sexual não é prerrogativa masculina. Pode fazer parte de relações homo 21 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 22. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF ou heteroafetivas. Risco em relações sexuais desprotegidas existe independentemente da orientação sexual ou gênero dos indiví- duos envolvidos.19 Estudos demonstram, aliás, que parcela substan- cial de heterossexuais mantêm relações sexuais anais e tendem a usar preservativos com menor regularidade, exatamente por não haver risco de concepção indesejada.20 Por outro lado, possibilidade de contaminação por doenças restará afastada se a prática sexual ocorrer com uso de preservati- vos. Logo, simples exclusão de candidatos a doação de sangue (hé- tero ou homossexuais) que, em determinado lapso, hajam praticado relações sexuais desprotegidas (anais ou vaginais), bastaria para alcançar os objetivos pretendidos pelas normas, sem necessi- dade de impor discriminação pautada em orientação sexual, como fizeram as normas sob exame. Deve-se levar em conta, ademais, no que se refere à transmis- são do HIV, que houve, com o passar dos anos, redução da cha- mada janela imunológica para detecção do vírus na corrente sanguínea.Trata-se do período de tempo imediatamente após a in- fecção, no qual exames laboratoriais não detectam a presença do 19 Cf. AIDSMAP. Anal intercourse between men and women. Disponível em: < http://www.aidsmap.com/Anal-intercourse-between-men-and- women/page/1324426/ > ou < http://zip.net/bjtrZM >; acesso em: 2 set. 2016. 20 Cf.AIDSMAP. O risco de transmissão do VIH durante o sexo anal é 18 [vezes] superior ao do sexo vaginal. Disponível em: < http://www.aidsmap.com/O- risco-de-transmiss%C3%A3o-do-VIH-durante-o-sexo-anal-%C3%A9-18- superior-ao-do-sexo-vaginal/page/1446285/ > ou < http://zip.net/bhtr8j >; acesso em: 2 set. 2016. 22 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 23. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF HIV na corrente sanguínea, o que acaba por gerar os resultados conhecidos como falsos negativos. Inicialmente, o diagnóstico da infecção por HIV realizava-se por imunoensaios chamados de primeira geração. Nestes, a janela imunológica de detecção era de 6 a 8 semanas.21 Com a implanta- ção do teste de ácido nucleico (NAT) nos bancos de sangue do país,22 tanto para detectar HIV, quanto HCV e HBV (vírus res- ponsáveis pela transmissão da hepatite C e hepatite B), houve sig- nificativa redução da janela imunológica para apenas 12 dias para o HCV e 10 dias para o HIV. Diante desse quadro, não se mostra mais compatível com a realidade da rotina diagnóstica de laboratórios dos bancos de san- gue brasileiros exigir abstinência sexual por 12 meses de candida- tos a doação, porquanto prazo de 1 ou 2 meses, por exemplo, ultrapassaria, com folga, a janela imunológica para detecção de DSTs. Isso caracteriza ofensa ao princípio da proporcionalidade, na dimensão de proibição de excesso (a chamada Übermassverbot do Direito alemão) e de medidas estatais gravosas desnecessárias. 21 Cf. p. 22 do Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV, elaborado pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_diagnostico _infeccao_hiv.pdf > ou < http://zip.net/bqts03 >; acesso em: 2 set. 2016. 22 Veja a esse respeito: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e- inovacao/noticia/2014-02/teste-de-acido-nucleico-agora-e-obrigatorio- em-todos-os-bancos > ou < http://zip.net/bhtr8y >; acesso em: 2 set. 2016. 23 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 24. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF Mais razoável e eficaz seria se estabelecessem os atos, como critério para doar sangue, não ter os candidatos praticado relações sexuais sem proteção adequada (como o uso de preservativo), em determinado interregno, suficiente para cobrir as janelas imunoló- gicas. Ao fim e ao cabo, as normas promovem tratamento discrimi- natório entre homens com fundamento único em sua orientação sexual.Vão em sentido oposto ao esforço estatal para coibir violên- cia contra homossexuais. Dados do Relatório sobreViolência Homofó- bica no Brasil: ano de 2012, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que abrangem apenas vio- lações relatadas, revelam a gravidade e a amplitude dos atos discri- minatórios praticados contra a população LGBT:23 2011 2012 Percentual de aumento Denúncias 1.159 3.084 166,09% Violações 6.809 9.982 46,60% Vítimas 1.713 4.851 183,19% Suspeitos 2.275 4.784 110,29% Média violação/ vítima 3,97 3,23 O relatório ressalta que, a despeito da subnotificação de dados acerca desse tipo de violência, “os números apontam para um grave quadro de violências homofóbicas no Brasil: no ano de 2012, foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter 23 Disponível em: < http://bit.ly/violhomo2012 > ou < http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia- homofobica-ano-2012 > Acesso em 5 set. 2016. 24 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 25. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29 pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no país”.24 Diante desse notório e inegável fato social – não parece neces- sário demonstrar as discriminações de que homossexuais são vítimas diárias no Brasil –, a aplicação do art. 64, IV, da Portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e do art. 25, XXX, d, da RDC 34/2014, da ANVISA choca-se com os princípios constitucionais da proporcio- nalidade e da igualdade (art. 5o , caput e LIV) e com os objetivos da República de construir sociedade justa e solidária, reduzir desigual- dades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo e outras formas de discriminação (art. 3o , I, III e IV). Interferem também no exercício da liberdade de orientação se- xual e de identidade de gênero e na liberdade de expressão, compro- metendo a dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil (CR, art.1o , III). Não se pretendem suprimir, com esta ação direta, em absoluto, as imprescindíveis cautelas que envolvem a doação de sangue, volta- das a assegurar a higidez do sistema de hemoterapia, livre de conta- minação por vírus HIV e outros. Contudo, as normas criam rótulos que deslocam o foco do risco apresentado por determinados compor- tamentos e práticas, para noções estereotipadas sobre estilos de vida e ori- entação sexual, o que termina por estigmatizar grupos já alvo de preconceito e violência (homens gays e bissexuais) e imunizar outros 24 Idem, ibidem. 25 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 26. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF (homens heterossexuais e mulheres), conforme observou apropriada- mente o IBDFAM,em sua manifestação (peça 134,p.26-27). 4. PERIGO NA DEMORA PROCESSUAL O perigo na demora processual (periculum in mora), pressu- posto para concessão de medida cautelar, foi devidamente de- monstrado pelo requerente. Destaca-se trecho dos argumentos expostos na inicial (p. 28): 114. O periculum in mora, por sua vez, está demonstrado ante a constante violação ao direito fundamental à igualdade. Todos os dias, homens homossexuais são vítimas das normas manifestamente discriminatórias, que os estigmatizam como grupos de risco portadores de doença grave unicamente em razão de sua orientação sexual. 115. Ou seja, o caráter continuado da violação, faz com que, quanto mais demorada a declaração de inconstituciona- lidade por este Excelso STF, mais pessoas [sofram] as nefastas consequências das normas impugnadas. Desta forma, tal fonte ininterrupta de violações deve ser estancada, ao menos até a decisão final da presente ação direta. 116. Soma-se a isso a necessidade diária de milhares de brasileiros de obter doações sanguíneas num contexto no qual os bancos de sangue vivem séria crise de déficit nos seus estoques. Nesse contexto, a mesma lógica se aplica: quanto mais tempo os dispositivos impugnados continuarem a produzir efeitos, mais pessoas ficarão desamparadas. 117. Perante tais circunstâncias, já se pode perceber, mesmo em sede de cognição sumária, que a manutenção dos dis- positivos em vigor é significativamente mais da- nosa – tanto à comunidade homoafetiva, quanto aos brasileiros em geral – do que a suspensão de seus efeitos, motivo pelo qual sua suspensão liminar é medida que se impõe. 26 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4
  • 27. PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.543/DF Considerados os substanciais impactos que as normas produ- zem na dignidade de pessoas historicamente vítimas de preconcei- tos e tendo em conta o agravamento da situação dos estoques dos bancos de sangue no país,25 que se encontram com níveis extrema- mente baixos, parece imprescindível que a Corte aprecie com bre- vidade o pedido desta ação direta. 5. CONCLUSÃO Ante o exposto, a Procuradoria-Geral da República mani- festa-se por deferimento da medida cautelar. Brasília (DF), 6 de setembro de 2016. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República RJMB/WCS/AMO-Par.PGR/WS/2.237/2016 25 No ano de 2016, bancos de sangue sofreram baixa significativa em seus estoques, em decorrência da epidemia de vírus zica, dengue e chicungunha, entre outros fatores: < http://g1.globo.com/jornal- nacional/noticia/2016/02/estoques-dos-bancos-de-sangue-estao-com- nivel-baixo-pelo-pais.html >, < http://g1.globo.com/mato-grosso-do- sul/noticia/2016/03/com-estoques-baixos-bancos-de-sangue-em-ms- convocam-doadores.html > e < http://jovempan.uol.com.br/programas/jornal-da-manha/medo-do- desemprego-afeta-estoque-dos-bancos-de-sangue.html >; ou pelos atalhos: < http://zip.net/bktr6w >, < http://zip.net/bjtr0b > e < http://zip.net/bjtr0d >; acesso em: 2 set. 2016. 27 DocumentoassinadoviaTokendigitalmenteporRODRIGOJANOTMONTEIRODEBARROS,em06/09/201618:46.Paraverificaraassinaturaacesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicialinformandoocódigoC03975CB.4677A981.E6A59443.D8DD0FB4