Uma decisão unânime da 5ª Turma Especializada do TRF-2ª Região obriga uma professora da Universidade Federal do Espírito santo (UFES) a indenizar a instituição em quase R$ 40 mil. A servidora descumpriu termo de compromisso assinado com a UFES, que estabelecia que, ao término da licença remunerada que tirou para frequentar curso de especialização, deveria retornar às suas funções, pelo mesmo período de afastamento, a fim de repassar os conhecimentos adquiridos. De acordo com informações do processo, a professora ficou afastada por dois anos, de 1996 a 1998. No entanto, requereu sua aposentadoria em 1997.
Apelação cível. ação de obrigação de fazer cc indenização por danos morais e ...
Administrativo. indenização por despesas. curso de aperfeiçoamento
1. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
Nº CNJ : 0005574-78.1999.4.02.5001
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ PAULO DA
SILVA ARAUJO FILHO
APELANTE : UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO -
UFES
PROCURADOR : OSWALDO HORTA AGUIRRE FILHO
APELADO : RITA DE CASSIA MAIA E SILVA COSTA
ADVOGADO : ROWENA FERREIRA TOVAR E OUTROS
ORIGEM : PRIMEIRA VARA FEDERAL VITÓRIA (9900055748)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ESPIRITO SANTO – UFES contra sentença (fls. 88/100) que
julgou improcedente o pedido de ressarcimento da quantia de R$ 39.593,22
referente aos vencimentos percebidos pela apelada durante licença para
aperfeiçoamento, em razão do não exercício de suas atividades, quando do
retorno, por tempo igual ou superior ao lapso temporal do afastamento.
O magistrado de primeiro grau entendeu, resumidamente, que: (i)
o Decreto 94.664/87 é especial em relação à Lei nº 8.112/90 quanto ao pessoal
docente e técnico das universidades; (ii) as “despesas” mencionadas no artigo
47, § 3º, do referido ato normativo admite apenas a devolução das verbas
recebidas em razão do afastamento, não alcançando os próprios vencimentos
percebidos pelo servidor, verba de natureza alimentar, devidos simplesmente
em razão do vínculo da universidade com seu servidor; (iii) a cláusula
segunda, alíneas b e e, do termo de compromisso e responsabilidade de
afastamento de docente para estudo ou aperfeiçoamento não encontra amparo
legal, além de ter sido unilateralmente fixada, sendo nula; (iv) o interesse
público se encontra tutelado pela discricionariedade da Administração, que
poderia ter negado o pedido de afastamento.
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2. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
Em suas razões (fls. 103/117), a recorrente sustenta que o termo
de compromisso e responsabilidade supracitado prevê o dever de indenizar as
despesas havidas durante o afastamento do servidor, caso não cumprida a
contrapartida de prestação de serviços por tempo igual ou superior ao do
afastamento; que tais obrigações foram assumidas espontaneamente em troca
da possibilidade de frequentar, remuneradamente, curso de especialização; que
o acordo firmado entre as partes não possui qualquer vício ou ilegalidade, e
encontra amparo no artigo 47, § 3º, do Decreto 94.664/87; que a relação ora
discutida é contratual e deve ser regida pela boa-fé e equilíbrio contratuais;
que o contrato assinado para prestação de serviço temporário na área de
magistério não extingue sua obrigação de indenização.
Em contrarrazões (fls. 131/147), a apelada afirma que inexiste
previsão legal que permita a exigência de cumprimento de tempo de serviço
durante período igual ao do afastamento, conforme entendido no parecer QG-
142 da AGU; que assinou contrato temporário para a prestação de serviço de
magistério junto à apelante; que a Administração está sujeita ao princípio da
legalidade estrita; que os artigos 95 da Lei nº 8.112/90 e 47, § 3º, do Decreto
94.664/87 não se aplicam ao presente caso; que os vencimentos recebidos pelo
servidor não se confundem com as despesas decorrentes do afastamento em
questão; que, no caso de necessidade de ressarcimento, deve haver
compensação do período de prestação de serviços na qualidade de professora
contratada temporária.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso,
ao argumento de que o termo de compromisso assinado obriga a recorrida; e
que o termo “despesas” mencionado no Decreto 94.664/87 abrange os
vencimentos do servidor afastado (fls. 153/160).
É o relatório.
LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO
Desembargador Federal
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3. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
VOTO
1. O recurso merece provimento.
2. Pela documentação acostada, a recorrida ficou afastada de suas
funções no período de 06/03/1996 a 05/03/1998 (fl. 17), no entanto, requereu
sua aposentadoria em 1997 (fls. 14/16).
A permissão para que o professor de instituição de ensino federal
se afaste de suas funções com a manutenção de seus direitos e vantagens, para
aperfeiçoamento em instituição de ensino nacional, está condicionada ao
retorno do servidor às suas funções, pelo mesmo lapso temporal do
afastamento, com o fim de repassar ao serviço público os conhecimentos
adquiridos.
No plano de trabalho apresentado para o requerimento de
afastamento (fls. 23/25), a própria recorrida esclarece “pretendo, com esses
estudos, consolidar minha formação teórica a fim de fundamentar, de forma
cada vez mais crítica e científica minha atuação acadêmica no departamento
em que atuo[...]”.
Ao contrário do alegado pela apelada, a condição em questão,
prevista no termo de compromisso firmado com a recorrente (fls. 12/13) tem
amparo na regra do art. 47, § 3º, do Decreto nº 94.664/87, in verbis:
Art. 47. Além dos casos previstos na legislação vigente, o
ocupante de cargo ou emprego das carreiras de Magistério
e Técnico-administrativo poderá afastar-se de suas
funções, assegurados todos os direitos e vantagens a que
fizer jus em razão da atividade docente:
I - para aperfeiçoar-se em instituição nacional ou
estrangeira;
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4. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
3º - A concessão do afastamento a que se refere o item I
importará no compromisso de, ao seu retorno, o servidor
permanecer, obrigatoriamente, na IFE, por tempo igual ao
do afastamento, incluídas as prorrogações, sob pena de
indenização de todas as despesas.
Desse modo, não há o que se falar em ato unilateral da
Administração ou em violação ao princípio da legalidade por parte da
recorrente. A realização do curso de aperfeiçoamento pela apelada não era
obrigatória, assim como o seu afastamento remunerado. Desse modo, tendo a
recorrida optado por fazer o referido curso, deve sujeitar-se às condições
impostas como contraprestação do benefício concedido.
Compulsando os autos, verifica-se que a própria recorrida, ao ter
ciência do débito em questão, requereu a suspensão de seu processo de
aposentadoria (fl. 15), e ainda propôs que o ressarcimento devido fosse
promovido através de prestação de serviços por contrato temporário celebrado
com a própria instituição de ensino (fl. 16).
3. Além disso, as despesas mencionadas no dispositivo acima
transcrito correspondem a todos os gastos despendidos pela recorrente durante
o afastamento do servidor, o que inclui seus vencimentos, conforme cláusula
II, alínea d (fls. 12/13).
Como observado pelo ilustre membro do parquet “ao instituir o
comando normativo inserto no Decreto nº 94.664 de 1987 (aplicável ao
pessoal docente atuante nas universidades), utilizou o termo „despesas‟
genericamente, abrangendo não só as despesas em sentido estrito, como
também em sentido lato, até porque, como no caso em apreço, provavelmente
não existem outras despesas senão o pagamento dos vencimentos do servidor
afastado” (fl. 156).
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5. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
Nesse sentido, cabe transcrever a seguinte ementa:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
SERVIDOR PÚBLICO QUE, FINDO O PRAZO DE
AFASTAMENTO REMUNERADO PARA
PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE
APERFEIÇOAMENTO – MESTRADO –, NÃO
RETORNA AO TRABALHO. INDENIZAÇÃO AO
ERÁRIO. RESSARCIMENTO DOS VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE REMUNERAÇÃO NO
PERÍODO EM QUE ESTEVE AFASTADO.
POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PROVIDO. 1. Nos termos do art. 47,
caput, e inciso I, do Decreto 94.664/87, pode o servidor de
Instituição Federal de Ensino afastar-se de suas funções
para a realização de curso de aperfeiçoamento, sendo-lhe
assegurados todos direitos e vantagens a que fizer jus em
razão da atividade docente. 2. Consoante determina o § 3º
do referido diploma legal, impõe-se ao servidor, findo o
período de seu afastamento, o retorno às suas atividades,
devendo ali permanecer por tempo igual ao do
afastamento, incluídas as prorrogações, sob pena de
indenização de todas as despesas. 3. A Lei 4.320/64, que
instituiu normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da
União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal,
em seus arts. 12 e 13, classifica como "despesas de
custeio" os gastos com pessoal civil e militar. 4. Por
conseguinte, da interpretação do art. 47, I, e § 3º, do
Decreto 94.664/87, c/c 12 e 13 da Lei 4.320/64, conclui-
se que a obrigação de o recorrido indenizar a
Administração por todas as "despesas" inclui os valores
por ele recebidos a título de remuneração durante seu
afastamento, sob pena de se estar promovendo seu
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6. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
enriquecimento ilícito. 5. Recurso especial conhecido e
provido. (STJ – 5ª T., REsp 616561, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJ de 14/05/2007)
4. Em relação à possibilidade de compensação do período
trabalhado em virtude de sua contratação temporária, também não assiste
razão à recorrida.
Além de a contratação temporária não excluir o dever de
indenizar previsto no artigo 47, § 3º, do Decreto nº 94.664/87, o termo de
compromisso assinado traz como condição implícita a prestação de serviços
no cargo que a recorrida exercia quando firmado.
Não se pode admitir a utilização desse novo vínculo, sem
qualquer correlação com aquele em que firmado o termo de compromisso,
para a compensação pretendida, sob pena de violação dos objetivos do
referido compromisso e, também, de enriquecimento ilícito da apelada, que
ficaria praticamente isenta da obrigação de indenizar enquanto recebeu
cumulativamente os proventos da aposentadoria com os vencimentos relativos
à contratação temporária.
5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso para, reformando a
sentença, julgar procedente o pedido a fim de condenar a ré/apelada ao
pagamento da indenização devida pelo descumprimento do termo de
compromisso firmado, invertendo o ônus da sucumbência.
É como voto.
LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO
Desembargador Federal
EMENTA
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7. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR
DESPESAS. CURSO DE APERFEIÇOAMENTO.
1. A permissão para que o professor de instituição de
ensino federal se afaste de suas funções com a
manutenção de seus direitos e vantagens, para
aperfeiçoamento em instituição de ensino nacional, está
condicionada ao retorno do servidor às suas funções, pelo
mesmo lapso temporal do afastamento, com o fim de
repassar ao serviço público os conhecimentos adquiridos.
2. A condição em questão encontra amparo no art. 47, §
3º, do Decreto nº 94.664/87, inexistindo violação ao
princípio da legalidade.
3. As despesas mencionadas nesse dispositivo
correspondem a todos os gastos despendidos pela
recorrente durante o afastamento do servidor, o que inclui
seus vencimentos, conforme cláusula II, alínea d, do
termo de compromisso supracitado.
4. Apesar de não excluir o dever de indenizar previsto no
artigo 47, § 3º, do Decreto nº 94.664/87, deve ser
descontado dos cálculos elaborados pela recorrente o
tempo de prestação de serviços à UFES pela recorrida,
ainda que sua contratação tenha se dado em caráter
temporário.
5. Além de a contratação temporária não excluir o dever
de indenizar previsto no artigo 47, § 3º, do Decreto nº
94.664/87, o termo de compromisso assinado traz como
condição implícita a prestação de serviços no cargo que a
recorrida exercia quando firmado.
6. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas: decidem os membros da 5ª Turma Especializada do Tribunal
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8. IV - APELACAO CIVEL 338876 1999.50.01.005574-8
Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso,
na forma do voto do Relator.
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de 2011 (data do julgamento).
LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO
Desembargador Federal
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