Este documento trata de um recurso de apelação civil sobre um caso de responsabilidade civil do Estado por danos morais causados por policiais militares. O relator propõe dar provimento ao recurso, afirmando que ficou comprovado que houve abuso de autoridade policial e agressões contra o autor que causaram danos morais indenizáveis.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - LAÇOS FAMILIARES - RELAÇÃO DE EMPREGO
Administrativo e constitucional
1. Apelação Cível n. 2010.078919-0, de Braço do Norte
Relator: Des. Jaime Ramos
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL -
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - AGRESSÕES
PRATICADAS POR POLICIAIS MILITARES - USO
DESNECESSÁRIO DA FORÇA FÍSICA QUANDO O AUTOR JÁ
ESTAVA SOB O DOMÍNIO DOS AGENTES POLICIAIS - PROVA
TESTEMUNHAL E LAUDO PERICIAL - LESÕES
CONFIRMADAS - DANOS MORAIS COMPROVADOS -
OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - SENTENÇA REFORMADA -
"QUANTUM" INDENIZATÓRIO.
O policial militar, na condição de agente da administração
pública, deve exercer sua atividade de forma preventiva e
repressiva, no sentido de garantir a segurança da população e a
incolumidade física das pessoas, mas não lhe é dado o direito de
agir da forma como bem entender ou exceder-se do estrito
cumprimento do dever legal. Há direitos fundamentais a serem
respeitados. É objetiva a responsabilidade civil do Estado que lhe
impõe a obrigação de indenizar os danos morais sofridos por
vítima de agressões físicas praticadas por policiais militares após
a prisão em flagrante executada sem qualquer resistência.
O "quantum" da indenização do dano moral há de ser fixado
com moderação, em respeito aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, levando em conta não só as condições sociais
e econômicas das partes, como também o grau da culpa e a
extensão do sofrimento psíquico, de modo que possa significar
uma reprimenda ao ofensor, para que se abstenha de praticar
fatos idênticos no futuro, mas não ocasione um enriquecimento
injustificado para os lesados.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2010.078919-0, da Comarca de Braço do Norte (1ª Vara Cível), em que é apelante
Leomar Eyng, e apelado Estado de Santa Catarina:
A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar
provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
2. Do julgamento realizado em 08.09.2011, presidido pelo Exmo. Sr.
Desembargador Cláudio Barreto Dutra, com voto, participou o Exmo. Sr.
Desembargador José Volpato de Souza.
Florianópolis, 09 de setembro de 2011.
Jaime Ramos
RELATOR
Gabinete Des. Jaime Ramos
3. RELATÓRIO
Na Comarca de Braço do Norte, Leomar Eyng ajuizou "ação de
indenização por danos morais" contra o Estado de Santa Catarina aduzindo que no
dia 16.07.2004 trafegava com seu veículo pela Rodovia SC 482, quando atropelou um
pedestre; que em ato contínuo foi até sua residência para chamar socorro e após
voltou para o local dos fatos mas, em razão da aglomeração de pessoas, achou mais
seguro voltar para sua casa para depois prestar os devidos esclarecimentos; que,
aproximadamente duas horas depois do acidente, sete policiais, entre eles Policiais
Militares e Policiais Rodoviários Estadual, adentraram na sua residência e efetuaram
a sua prisão em flagrante usando de extrema violência; que a atitude dos agentes
policiais afrontou o que dispõem os artigos 245 e 284 do CPP e a garantia da
inviolabilidade de domicílio assegurada no art. 5º, XI, da CF; que sofreu diversas
lesões físicas em razão das agressões e também teve a moral abalada em razão dos
excessos cometidos pelos policias; que o Estado deve responder pelo abuso de poder
e violência cometida por seus prepostos, posto que ele é responsável pelos atos dos
seus agentes conforme consagrado no art. 37, § 6º, da "Lex Mater"; que o réu deve
ser condenado ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos pelo autor
em valor a ser fixado pela sentença, mas que não seja inferior a 200 salários
mínimos.
Citado, o Estado de Santa Catarina contestou alegando que não houve
ato ilícito; que a Guarnição da Polícia Militar após ter providenciado o socorro à vítima
dirigiu-se até a residência do autor e efetuou a prisão em flagrante; que o autor
exerceu força física contra os policiais e resistência à prisão; que as escoriações que
o autor apresentou foram decorrentes do acidente de trânsito a que deu causa; que
os policiais utilizaram a força necessária para deter o autor que resistiu à prisão e, em
nenhum momento praticaram atos de "extrema violência", como alegado na inicial;
que os policiais agiram no estrito cumprimento de dever legal, nos termos do artigo 5º,
XII da CF e utilizaram de meios moderados para superar a resistência do preso; que
não houve no caso em questão nenhum dano injusto a ponto de ensejar indenização
pelos supostos danos morais sofridos pelo autor; que o autor não fez prova do
alegado, de modo que o pedido não pode prosperar.
Impugnada a contestação, foi realizada audiência de instrução e
julgamento.
Após a apresentação das alegações finais das partes e o parecer do
Ministério Público, foi prolatada sentença que julgou improcedente o pedido e
condenou o autor ao pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios que foram fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação aduzindo que a
sentença deve ser reformada pois ficou comprovado que houve abuso de autoridade
no momento em que os policiais invadiram a sua residência e efetuaram a prisão; que
não se tratou de acidente automobilístico mas de um atropelamento em que a vítima
interceptou com sua bicicleta a trajetória do apelante e se chocou na lateral dianteira
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4. do veículo; que o fundamento da sentença de que os ferimentos no rosto do autor não
foram causados pelos policiais militares, por não serem comprovados, é frágil, pois
lesões desse tipo jamais poderiam ter sido provenientes de um pequeno
atropelamento; que a prova testemunhal comprovou que o autor estava com seu rosto
machucado depois da prisão em flagrante e que tais ferimentos tiveram origem nas
agressões sofridas dentro da viatura da polícia militar, quando um policial o atingiu
com uma cotovelada na altura dos olhos; que no exame de corpo de delito o autor
apresentou hematomas e sangramento em sua face, mesmo três dias depois da
agressão policial; que a sentença no que diz respeito à eventual necessidade de
emprego de força pela flagrância, merece ser reformada, pois no momento em que os
policiais chegaram à frente de sua residência, o autor atendeu com sobriedade e
decência informando-os que logo se encaminharia à autoridade policial competente;
que os policiais simplesmente abriram a porta e invadiram a casa para dar voz de
prisão em flagrante ao autor; que não era o caso de flagrante, pois não se enquadra
em nenhuma das situações elencadas no art. 302 do CPP; que os policiais, após
verificarem que haviam feito a coisa errada, no intuito de justificar o injustificável,
lavraram auto de resistência à prisão, alegando que foram agredidos pelo autor; que
os depoimentos prestados pelos policiais no processo crime que trata do mesmo
caso, são incongruentes; que todo o conjunto probatório dos autos evidencia que a
conduta da polícia foi irregular, devendo ser reformada a sentença e o réu condenado
ao pagamento da indenização pelos danos morais causados ao autor.
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Leomar Eyng, contra
sentença que julgou improcedente o pedido na "ação de indenização por danos
morais" movida pelo apelante contra o Estado de Santa Catarina.
Sustenta o apelante que a decisão "a quo" merece ser totalmente
reformada, pois julgou improcedente a pretensão da parte autora, ainda que
habilmente comprovado que esta foi vítima de abuso de autoridade policial,
espancada no rosto no momento em que policiais militares invadiram sua residência e
o prenderam ilegalmente; que a prisão foi procedida por meio de invasão do domicílio
do apelante, sem situação de flagrância que justificasse tal medida; que o apelante foi
violentamente ferido no rosto em razão da violência policial; não se tratou de um
acidente automobilístico, mas de um atropelamento que foi ocasionado pela própria
vítima que interceptou a trajetória do automóvel conduzido pelo apelante, ou seja,
envolveram-se no acidente um automóvel de uma tonelada e uma bicicleta de vinte
quilos; o argumento de que os ferimentos no rosto do apelante não foram causados
pelos policiais militares é absurdamente frágil, pois jamais poderiam ter sido
provenientes de um pequeno atropelamento, haja vista que este aconteceu "de
raspão", ou seja, a vítima do atropelamento foi atingida em sua lateral e caiu sobre a
pista de rolamento; que o fundamento de que os ferimentos sofridos pelo apelante
podem ser provenientes do acidente é absolutamente inconsistente; que a prova
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5. testemunhal comprova que o apelante estava com seu rosto machucado depois da
prisão em flagrante e tais ferimentos tiveram origem nas agressões sofridas pelo
apelante dentro da viatura da polícia militar; que a fundamentação do julgamento de
que não se comprovou a origem dos ferimentos é de extrema fragilidade, pois,
conforme testemunhos, o apelante retornou da delegacia com o rosto muito
machucado; que no exame de corpo de delito o apelante apresentou hematoma e
sangramento em sua face três dias após o acidente e a agressão policial; que ao
contrário do afirmado, o apelante não estava embriagado; que deve ser reformada a
sentença para que seja julgado procedente o pedido de indenização pelos danos
morais sofridos pelo apelante.
Há que se dar provimento ao recurso.
O art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, determina que "as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa".
Essas disposições vinham reforçadas no art. 15, do Código Civil de
1916, e foram reproduzidas, até com maior ênfase, no art. 43, do Código Civil de
2002.
Não fora isso, o art. 159, do Código Civil de 1916 (reproduzido no art.
186 do Código Civil de 2002) previa a responsabilização de quem, "por ação ou
omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a
outrem", obrigando-o a reparar o dano.
Dentre os danos passíveis de indenização, além dos materiais, estão os
puramente morais, como previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de
1988, e no próprio art. 186, do atual Código Civil.
Compulsando os autos, vê-se que o caso trata de responsabilidade civil
objetiva do Estado, fundada na Teoria do Risco Administrativo, segundo a qual "as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa", e que exige, para a sua caracterização, a "ocorrência do dano; ação ou
omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão
administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal"
(MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 923).
Em face da responsabilidade civil objetiva, que enseja a obrigação do
Estado de indenizar os danos causados por seus agentes a terceiros (ato comissivo),
não é preciso investigar se o agente público agiu ou não com culpa porque, nesse
caso, basta que se estabeleça o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a
conduta do servidor público ou daquele que presta serviço público.
No caso dos autos, o conjunto probatório dá conta do nexo de
causalidade entre o fato - violência praticada pelos agentes públicos - e o dano -
lesões corporais e humilhações sofridas pelo apelante -, caracterizando o dever de
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6. indenizar da Administração.
É incontroverso que no dia dos fatos o autor se envolveu num acidente
de trânsito com o atropelamento, pelo veículo que dirigia, de uma jovem que trafegava
de bicicleta. A vítima sofreu lesões corporais. Devido à aglomeração de pessoas, o
motorista foi para a sua casa que ficava próximo dali. Ao chegarem no local do
acidente, alguns Policiais Militares e Policiais Rodoviários Estaduais comandados por
um Sargento se dirigiram à casa do autor, com o qual conversaram no pátio.
Evidenciada a intenção de prendê-lo em flagrante, o autor adentrou na casa e foi para
o seu quarto. O Sargento interpretou que, estando o autor em situação de flagrante,
mesmo à revelia do que estabelece o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal,
quanto à necessidade de o flagrante referir-se a crime que está ocorrendo dentro da
casa ou ali acabou de ser cometido, poderiam os agentes públicos adentrar na
residência e prendê-lo, daí porque autorizou a operação. Então vários policiais
adentraram na casa do autor e o prenderam em flagrante, levando-o para a Delegacia
de Polícia. Cerca de duas horas depois o autor, após pagar fiança, foi liberado e
voltou para casa, já ostentando as lesões que alega terem sido provocadas por um
policial que lhe deu uma cotovelada dentro da viatura, quando se dirigiam para a
Delegacia.
Pelo Auto de Exame de Corpo de Delito de fl. 22, restou comprovado
que houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do apelante. Descreve o referido
laudo pericial que o autor apresentava hematoma peri-orbicular esquerdo e
sangramento nasal.
As testemunhas ouvidas durante a instrução processual, cujo CD
acompanha os autos, revelaram que ao ser detido pela Polícia Militar após o acidente,
o apelante não tinha nenhuma lesão aparente e que ele foi conduzido à viatura
policial sem qualquer resistência Todavia, após retornar da delegacia, o autor estava
com lesões no rosto.
A testemunha Carlos Roberto Nunes relatou que do posto de gasolina
que fica em torno de 70 metros da casa do autor presenciou a prisão do apelante; que
viu que o apelante não saiu algemado; que ao sair de casa conduzido pelos policiais o
apelante não estava ferido; que depois que voltou da delegacia o apelante estava
com o olho roxo e informou que fora agredido por um policial militar.
Já a testemunha Edilson Uliano relatou que estava no posto de gasolina
abastecendo; que foi até o local e viu o apelante saindo de casa "normal"; que não
estava algemado e não tinha nenhum machucado; que não pareceu estar
embriagado; que depois voltou na casa do apelante e viu que este se encontrava
machucado no olho; que o apelante disse ao depoente que levou uma cotovelada de
um policial dentro da viatura; que a vítima do atropelamento é filha de um ex-policial;
que sabe que Leomar não tem comportamento agressivo e pelo que sabe nunca
brigou com ninguém.
Vê-se que o dano sofrido pelo apelante está conexo às condutas dos
servidores públicos, ou seja, a lesão originou-se da atitude desnecessária dos
policiais, tanto pela indevida invasão de domicílio (que até poderia ser insignificante,
eventualmente, para a caracterização de dano moral), como, principalmente, pela
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7. agressão contra ele praticada sem que houvesse qualquer resistência à prisão,
configurando assim o dever de indenizar da Administração Pública, com base na
teoria do risco administrativo que compõe a responsabilidade civil objetiva.
Colhe-se da jurisprudência:
"Pela teoria do risco administrativo, integrante da responsabilidade
objetiva, o Estado deverá indenizar sempre que a atividade administrativa provocar
um dano, salvo se a vítima concorreu para o evento danoso ou originou-o através de
seu comportamento. O Estado, neste caso, deverá provar a culpa do lesado ou a
ocorrência de caso fortuito ou força maior para obter a exclusão ou atenuação da
responsabilidade estatal. Inteligência do art. 37, § 6º, da Constituição Federal" (AC n.
51.986, da Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 21.11.96)
Sobre o dano moral, é importante frisar que ele não tem caráter de
reposição, porque a moral não pode ser ressarcida, mas tem exclusivamente o
objetivo de tentar compensar a dor sofrida pelo lesado em razão de atitudes
equivocadas, errôneas ou dolosas de terceiros, para que estes venham a tomar as
cautelas necessárias a fim de evitar que novos fatos, como o dos presentes autos,
venham a acontecer.
Sabe-se que valor nenhum é capaz de ressarcir ou mesmo compensar
os transtornos ocorridos. No entanto, como não existem outros critérios para
compensar a dor sofrida, atualmente se vem decidindo no sentido de que as
indenizações pecuniárias são a melhor solução para se tentar amenizar as amarguras
sofridas pela ofensa ou pelo abalo moral.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, citando SÉRGIO CAVALIERI,
ensina que "só se deve reputar como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem
estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada
estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade
do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente
familiar, tais situações, não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico do indivíduo" (Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 550).
Nesse sentido são os precedentes do Supremo Tribunal Federal,
reproduzidos pelo Superior Tribunal de Justiça:
"Não indenizar o dano moral é deixar sem sanção um direito, ou uma
série de direitos. A indenização, por menor e mais insuficiente que seja, é a única
sanção para os casos em que se perdem ou se têm lesados a honra a liberdade, a
amizade, a afeição, e outros bens morais mais valiosos de que os econômicos" (STF -
RE n. 97.097, Min. Oscar Correa; STJ 108/287-295).
O Código Civil de 1916 não continha dispositivo expresso a autorizar a
indenização do dano moral. Até o advento da atual Constituição se entendia que o
dano moral só seria indenizável se produzisse reflexos patrimoniais ao lesado. O art.
159, de tal Estatuto, no entanto, determinava que quem por ação ou omissão,
imprudência, negligência ou imperícia viesse a causar dano (de qualquer espécie) a
outrem, ficava obrigado a repará-lo.
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8. A Constituição Federal de 1988, nos incisos V e X do art. 5º, consagrou
a indenizabilidade do dano moral puro:
"V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem".
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação".
Para compatibilizar-se a essa ordem constitucional, o atual Código Civil
(Lei n. 10.406, de 10/01/2002), em vigor desde 12/01/2003, corrigiu a omissão do
anterior, ao prever expressamente a obrigação de indenizar qualquer espécie de dano
causado a alguém, ainda que somente moral:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito".
"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo".
Assim, denota-se que a indenizabilidade do dano moral se apresenta
solidificado na legislação pátria desde a Constituição Federal de 1988 e que uma vez
configurado esse dano, nasce, imediatamente o dever de indenizar,
independentemente da existência de prejuízos materiais.
Este Tribunal tem imposto a obrigação de indenizar os danos morais
decorrentes de agressão perpetrada por policial contra o cidadão, seja por abordagem
ou durante a prisão:
"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PRISÃO EM FLAGRANTE
- INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRIVAÇÃO DE LIBERDADE EFETIVADA
FORA DOS REQUISITOS LEGAIS - INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO À LEI PENAL
INCRIMINADORA - REPARAÇÃO DEVIDA - AFRONTA AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DE LIBERDADE (ART. 5º DA CRFB).
"Configura constrangimento ilegal à pessoa e afronta à garantia
constitucional de liberdade (art. 5°, caput, da CRFB) a prisão em flagrante realizada
sem que o cidadão tenha efetivamente infringido a lei penal incriminadora. Portanto,
deve o Poder Público compensar o dano moral advindo do ato praticado por seus
agentes" (TJSC, AC n. 2006.010084-1, de Blumenau, Relator: Des. Volnei Carlin, j.
em 08.06.2006).
"RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -
PRISÃO ILEGAL - ABUSO DE AUTORIDADE - OFENSA À DIGNIDADE PESSOAL -
DANOS MORAIS DEVIDOS - RESSALVA DO ARBITRAMENTO DOS PREJUÍZOS
EM SALÁRIOS MÍNIMOS - FIXAÇÃO EM PECÚNIA - INDENIZAÇÃO DEVIDA
DIANTE DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO.
"1. O policial militar, agente da Administração Pública responsável pela
polícia preventiva e repressiva, é encarregado de velar pela segurança da população
e pela incolumidade física dos cidadãos, entretanto, não possui privilégios que lhe
permita fazer o que bem entende, como também não lhe foi concedido direito à
incolumidade. Pois, 'o exercício regular desse direito não passa pelo abuso, nem se
Gabinete Des. Jaime Ramos
9. inspira no excesso ou desvio do poder conferido' (Responsabilidade Civil e sua
interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995. p. 377).
"Assim, se durante o exercício de sua função o policial militar encarcera,
injustamente, sem qualquer motivo aparente, cidadão que estava cumprindo as
normas de segurança do seu local de trabalho, agiu em evidente ilegalidade e
desproporção, cujo manifesto excesso acabou por causar à vítima constrangimentos
de ordem moral, devendo o Estado reparar os danos.
"2. A indenização por danos morais é admitida como forma de mitigar os
sofrimentos experimentados pela vítima, para compensar as angústias, dores e
aflições que lhes foram causadas. Na verdade, o dano moral objetiva reparar a
tristeza e a dor produzidas pelas privações das atividades cotidianas da pessoa que o
sofreu" (TJSC, AC n. 2005.019162-9, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Nicanor da
Silveira, j. em 04.05.2006).
Em caso semelhante este Relator pontuou:
"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO E DOS SERVIDORES PÚBLICOS - AGRESSÕES PRATICADAS
POR POLICIAIS MILITARES - ABORDAGEM POLICIAL QUE, CONQUANTO NUM
PRIMEIRO MOMENTO PLENAMENTE JUSTIFICADA, TORNOU-SE ABUSIVA NO
DESENROLAR DOS FATOS - USO DESNECESSÁRIO DA FORÇA FÍSICA
POLICIAL NAS DEPENDÊNCIAS DA DELEGACIA DE POLÍCIA, QUANDO OS
AUTORES JÁ ESTAVAM SOB O DOMÍNIO DOS AGENTES POLICIAIS - PROVA
TESTEMUNHAL E LAUDO PERICIAL - LESÕES CONFIRMADAS - CONJUNTO
PROBATÓRIO SOBEJAMENTE COMPROVADO - INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
QUE EVIDENCIA A OCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADES NO INTERIOR DO
ESTABELECIMENTO POLICIAL - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - DANOS MORAIS
COMPROVADOS - 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO.
"O policial militar, na condição de agente da administração pública, deve
exercer sua atividade de forma preventiva e repressiva, no sentido de garantir a
segurança da população e a incolumidade física das pessoas, mas não lhe é dado o
direito de agir da forma como bem entender ou exceder-se do estrito cumprimento do
dever legal. Há direitos fundamentais a serem respeitados. É objetiva a
responsabilidade civil do Estado que lhe impõe a obrigação de indenizar os danos
morais sofridos por vítimas de agressões físicas praticadas por policiais militares
durante a abordagem delas como suspeitas, principalmente quando são
encaminhadas à delegacia de polícia e no interior do estabelecimento policial sofrem
indevidamente agressões morais e físicas, o que restou devidamente comprovada por
provas testemunhais, laudos periciais e principalmente pelo Inquérito Policial Militar, o
qual concluiu pela ocorrência de irregularidades na abordagem policial. Em face de os
policiais militares envolvidos figurarem no polo passivo, impõe-se a eles também a
obrigação solidária de indenizar juntamente com o Estado os danos sofridos pelas
vítimas" (TJSC, AC 2010.015979-9, de Rio do Sul, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 10 de
junho de 2010).
A agressão física e a lesão corporal importam em dano moral
Gabinete Des. Jaime Ramos
10. indenizável. Portanto, comprovados a conduta abusiva por parte dos prepostos do
Estado, as lesões sofridas pelo apelante e o respectivo nexo causal entre a ação e o
resultado, resta estabelecer o valor da indenização a ser fixada.
Como bem se sabe, não há parâmetros legais para se arbitrar o valor da
indenização dos danos morais. Como não tem base financeira ou econômica própria
e objetiva, o "quantum" da reparação dos danos morais é aleatório, cabe ao
Magistrado arbitrar o valor que entender justo, adequado, razoável e proporcional.
O valor da indenização do dano moral há de ser fixado, porém, com
moderação, em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
levando em conta não só as condições sociais e econômicas das partes, como
também o grau da culpa e a extensão do sofrimento psíquico, de modo que possa
significar uma reprimenda ao ofensor, para que se abstenha de praticar fatos
idênticos no futuro, mas não ocasione um enriquecimento injustificado para o lesado.
Acerca do valor da indenização, Carlos Alberto Bittar explica que:
"(...) diante da esquematização atual da teoria em debate, são
conferidos amplos poderes ao juiz para definição da forma e da extensão da
reparação cabível, em consonância, aliás, com a própria natureza das funções que
exerce no processo civil (CPC, arts. 125 e 126). Com efeito, como julgador e dirigente
do processo, pode o magistrado ter conhecimento direto das parte, dos fatos e das
respectivas circunstâncias, habilitando-as, assim, à luz do direito aplicável, a definir de
modo mais adequado, a reparação devida no caso concreto" (Reparação civil por
danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 205/206).
Adiante destaca que:
"(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que
represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o
comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto,
em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de
modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta
da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia
economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do
lesante" (Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
p. 220).
Pertinentes também são as lições de Humberto Theodoro Júnior:
"O arbitramento da indenização do dano moral é ato exclusivo e
indelegável do Juiz.
"Por se tratar de arbitramento fundado exclusivamente no bom senso e
na eqüidade, ninguém além do próprio juiz está credenciado a realizar a operação do
quantum com que se reparará a dor moral" (Dano Moral, 2. ed., São Paulo: Juarez de
Oliveira, 1999. p. 41).
A jurisprudência deste Tribunal acompanha:
"INDENIZAÇÃO FIXAÇÃO DO QUANTUM. APRECIAÇÃO DAS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. ARBITRAMENTO EM VALOR QUE
EXPRESSA A FINALIDADE A QUE SE DESTINA. DESPROVIMENTO DO
RECURSO PRINCIPAL.
Gabinete Des. Jaime Ramos
11. "Incumbe ao juiz o arbitramento do valor da indenização, observando as
peculiaridades do caso concreto, bem como as condições financeiras do agente e a
situação da vítima, de modo que não se torne fonte de enriquecimento, tampouco que
seja inexpressivo ao ponto de não atender aos fins a que se propõe" (TJSC -
Apelação Cível n. 00.013683-2, de Lages, Rel. Des. Sérgio Paladino, julgada em
05/12/2000).
Nessa difícil empreitada, procura-se arbitrar certa quantia que
proporcione aos autores uma compensação material que minimize a dor sofrida, até
porque se a dor, a rigor, não tem preço exato, deve sem dúvida ser substituída pela
reparação pecuniária.
A jurisprudência desta Corte de Justiça revela que em casos de menor
gravidade, como quando os agentes público excedem seus poderes legais e cometem
abusos sem causar qualquer sevícia às vítimas as indenizações têm sido arbitradas
em torno de R$ 5.000,00 (Ap. Civ.n. 2005.019162-9, Rel. Des. Nicanor da Silveira, j.
04.05.2006). Já em outras circunstâncias mais grave em que é empregada, por
exemplo, tortura (vis compulsiva e absoluta) ou uso excessivo da força policial
não-letal (Ac. Civ. n. 2004.023258-6, Rel. Des. César Abreu, j. 17.12.2007; Ap. Civ. n.
2006.003532-4, Rel. Des. Vanderlei Romer, j. 30.03.2006) o "quantum" indenizatório
chegou a ser balizado em torno de R$ 15.000,00.
Assim, levando-se em conta as condições sociais e econômicas das
partes, a culpa dos agentes estatais, a intensidade dos danos sofridos pela vítima,
que sofreu lesões corporais leves, e a finalidade compensatória e punitiva da
indenização do dano moral, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), considerados na
presente data, revela-se razoável e proporcional, devendo er acrescida de correção
monetária e juros de mora a partir da data da publicação deste acórdão; com base
nos índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança, nos
termos do art. 1º-F, da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar procedente o
pedido inicial e condenar o Estado de Santa Catarina ao pagamento, em favor do
autor, de indenização por danos morais na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
com correção monetária e juros de mora na forma acima; bem como condená-lo ao
pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor
da condenação, isento das custas judiciais (art. 33 da Lei Complementar Estadual n.
156/97, com a redação dada pela LCE n. 524/2010).
Gabinete Des. Jaime Ramos