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SEMINÁRIO DIOCESANO DE SÃO CARLOS
              Paulo Eduardo Roda




  A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO:
  A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA
DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO,
     NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO




                SÃO CARLOS
                    2007
PAULO EDUARDO RODA




  A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO:
  A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA
DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO,
     NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO




                     Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia
                     do Seminário Diocesano de São Carlos, como
                     parte dos requisitos para aprovação final.
                     Orientador: Profº. Diác. Wagner Luís Lopes
                     Pedroso.




                SÃO CARLOS
                   2007
PAULO EDUARDO RODA




                  A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO:

                  A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA

               DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO,

                      NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO




                                            Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia
                                            do Seminário Diocesano de São Carlos, como
                                            parte dos requisitos para aprovação final.




                               21 de novembro de 2007




Profº. Diác. Wagner Luís Lopes Pedroso
Seminário Diocesano de São Carlos




Profº. Ms. Pe. Márcio Coelho
Seminário Diocesano de São Carlos
A todos que vivem o ardor de sua história.
AGRADECIMENTO




  Ao Absoluto.
“...o espírito é livre na sua necessidade,
encontrando apenas nela a sua liberdade, do
mesmo modo que a sua necessidade repousa
apenas na sua liberdade.”



                                G.W.F. Hegel
RESUMO




Palavras-chave: devir, dialética, consciência, espírito, absoluto, servidão, trabalho e liberdade.




        A dialética do Senhor e do Escravo de Hegel representa, segundo uma metáfora, uma
racionalidade dialética que faz o Universo funcionar como um grande pensamento movendo-se pela
tríade: tese, antítese e síntese. Tudo na filosofia, inclusive no sistema hegeliano, bem como na
história, move-se a partir dessa tríade. A dialética é a história do espírito, é a contradição do
pensamento que parte de uma afirmação à negação, sem que o negado seja excluído, pois o mesmo
permanece dentro da totalidade. Assim, a dialética é o motor da racionalidade, é o devir da razão. O
grande questionamento deste presente trabalho se encontra a partir da reflexão dessa dialética que,
representada pela parábola do Senhor e do Escravo, procurará demonstrar o engodo ocorrido no
processo formativo da consciência e conseqüentemente, a liberdade. A metáfora mostrará que, a
partir da tríade já mencionada, para que haja a verdadeira reflexão, são necessários os momentos do
medo e do trabalho, ou do serviço em geral, que exigem a disciplina e a obediência.

        Todo o sistema hegeliano, ao se mover dialeticamente, descreve o movimento do Absoluto
que atinge seu ápice a partir da superação da dicotomia entre o subjetivo e o objetivo. Porém, para
que isso aconteça, é necessário o devir. No primeiro momento, o Absoluto ainda é Idéia (tese) e se
divide em ser, essência e conceito; e, por ser em-si, tem a realidade, mas ainda não tem a existência.
No segundo momento, ocorre a manifestação do Absoluto, ou seja, a sua exteriorização. Agora a
Idéia está fora-de-si, é Natureza (antítese) que se divide em mecânica, física e orgânica. Esta é a idéia
manifestada para ter existência. E, por fim, no terceiro momento, ocorre o retorno do Absoluto que
passa, agora, a ser-para-si. Esse é o momento do Espírito (síntese), dividido em objetivo, subjetivo e
absoluto. Agora, tem-se a Natureza junto com a Realidade, ou seja, a Idéia. Conclui-se, assim, o
sistema hegeliano, cujo Absoluto passa a ser conhecido, goza de si mesmo e adquire a verdadeira
liberdade.

        Contudo, quando se fala dialeticamente de consciência, fala-se de espírito, de absoluto, de
indivíduo, de nação. Na dialética do Senhor e do Escravo estão incluídos três significados: o primeiro
é filosófico, cuja consciência experimenta-se a si mesma através das sucessivas formas de saber que
serão assumidas e julgadas pela Ciência e para Filosofia; o segundo é cultural, em que o homem
ocidental moderno fará de sua vida uma tarefa de decifração do enigma de uma história que se
desenvolve na luta por um sentido, por uma liberdade; e por fim, o terceiro, que é histórico, ou seja,
a junção da filosofia com a cultura, em que o indivíduo possui a necessidade de percorrer a história
da formação do seu mundo de cultura como caminho que permitirá o seu formar-se para a Ciência.
Todos esses significados se entrecruzarão na dialética do Senhor e do Escravo.
SUMÁRIO




INTRODUÇÃO...................................................................................................................01
1          CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO..........................................................
.............................................................................................................................................04
1.1        Contexto histórico....................................................................................................04
1.1.1      Os germânicos: a origem da Alemanha...................................................................04
1.1.2      Reforma Protestante................................................................................................06
1.1.3      A formação da Prússia.............................................................................................08
1.1.3.1 A guerra dos déspotas..............................................................................................09
1.1.4      A Revolução Francesa.............................................................................................10
1.1.5      O Império napoleônico............................................................................................12
1.1.5.1 A derrocada napoleônica.........................................................................................13
1.2        Contexto filosófico..................................................................................................13
1.2.1      O Iluminismo...........................................................................................................14
1.2.2      Immanuel Kant........................................................................................................16
1.2.3      Formação e peculiaridade do movimento romântico...............................................17
1.2.3.1 O Romantismo.........................................................................................................19
1.2.4      O Idealismo..............................................................................................................21
1.2.4.1 Fichte: o Idealismo ético..........................................................................................21
1.2.4.2 Schelling: o Idealismo objetivo...............................................................................23
1.2.4.3 Crítica a Fichte e a Schelling: a entronização do Idealismo lógico.........................24
1.2.5      Idealismo lógico......................................................................................................25
2          VIDA E PRINCIPAIS OBRAS...............................................................................26
2.1        Vida e desenvolvimento..........................................................................................26
2.2        Os escritos de Jena...................................................................................................28
2.3        Escritos da maturidade.............................................................................................31
2.4        A Fenomenologia do espírito..................................................................................33
2.5        A Ciência da lógica..................................................................................................34
2.6        A Enciclopédia das ciências....................................................................................35
2.7        Princípios da filosofia do direito.............................................................................35
2.8        O hegelianismo........................................................................................................37
3          A FILOSOFIA DE HEGEL....................................................................................38
3.1     A história e a filosofia em Hegel.............................................................................38
3.2     O processo triádico do espírito ...............................................................................40
3.2.1   Os três grandes momentos do devir ........................................................................41
3.3     A Lógica: filosofia do ser........................................................................................42
3.4     A Filosofia da natureza............................................................................................44
3.5     O Espírito.................................................................................................................46
3.5.1   O espírito subjetivo..................................................................................................46
3.5.2   O espírito objetivo...................................................................................................47
3.5.3   O espírito absoluto...................................................................................................49
4       A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO.................................................................51
4.1     Os termos fenômeno e consciência em Hegel.........................................................51
4.2     A Fenomenologia no processo histórico: o espírito é história.................................53
4.3     A Fenomenologia do espírito: significado e finalidade...........................................55
4.4     As etapas do itinerário fenomenológico..................................................................58
4.4.1   A 1ª Etapa: a Consciência........................................................................................59
4.4.2   A 2ª Etapa: a Autoconsciência.................................................................................60
4.4.3   A 3ª Etapa: a Razão.................................................................................................62
4.4.4   A 4ª Etapa: o Espírito..............................................................................................64
4.4.5   A 5ª Etapa: a Religião..............................................................................................66
4.4.6   A 6ª Etapa: o Saber Absoluto: a consciência a caminho do Absoluto.....................68
5       A DIALÉTICA HEGELIANA................................................................................70
5.1     Analíticos e dialéticos..............................................................................................70
5.2     Origens da dialética: a diferença entre a dialética hegeliana e a grega...................72
5.3     A razão na história...................................................................................................75
5.4     A idéia absoluta.......................................................................................................78
5.5     O negativo como momento dialético que leva ao positivo......................................79
5.6     A estrutura triádica do processo dialético: tese, antítese e síntese..........................80
5.6.1   Tese: o 1º movimento..............................................................................................80
5.6.2   Antítese: o 2º movimento........................................................................................81
5.6.3   Síntese: o 3º movimento..........................................................................................81
6       O SENHOR E O ESCRAVO..................................................................................83
6.1     A parábola do Senhor e do Escravo na história.......................................................83
6.2     O episódio dialético do Senhor e do Escravo em Hegel..........................................85
6.3     O momento da formação da autoconsciência: a consciência da vida......................86
6.3.1      O desejo...................................................................................................................87
6.3.2      A vida......................................................................................................................88
6.3.3      O outro eu................................................................................................................89
6.3.4      O reconhecimento....................................................................................................90
6.4        A dialética do Senhor e do Escravo: relação com o outro na constituição da iden-
tidade...................................................................................................................................91
6.4.1      A luta de vida ou morte...........................................................................................92
6.4.2      A dominação............................................................................................................93
6.4.2.1 O silogismo da dominação .....................................................................................94
6.4.3      A escravidão: o medo e a formação.........................................................................95
6.4.4      O trabalho ...............................................................................................................
.............................................................................................................................................96
CONCLUSÃO.....................................................................................................................98
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................100
INTRODUÇÃO




        Diante dos inúmeros assuntos filosóficos, dos inúmeros sistemas apresentados pelos
filósofos que, ainda hoje, nos causam questionamentos, escolhi, creio eu, o mais interessante, o mais
sistemático e enigmático deles para ser abordado. Foi justamente a filosofia de Hegel, por apresentar
a dialética do Senhor e do Escravo, que me despertou a curiosidade e o desejo de, nela, obter um
maior aprofundamento e descobrir qual a sua utilidade, bem como o seu motor e ponto
fundamental.

        Inúmeros especialistas em Hegel apresentam-no como o grande último sistematizador na
história da filosofia, por sua audácia e por conciliar filosofia e história num único sistema. E mais,
afirmam que pensar dialeticamente é compreender a simultaneidade contida no devir e favorecer
sempre o pensamento pensante. Tamanha foi sua importância na história da filosofia que, através de
seu sistema, Hegel abarcou o maior número de assuntos ou conteúdo possíveis; assuntos esses que
se desenvolvem nos moldes de uma dialética. Por ser a dialética o centro motor de seu sistema,
interessei-me em desenvolver um estudo sobre essa dialética. Ela fora ilustrada ou metaforizada pelo
próprio filósofo com as figuras do Senhor e do Escravo. Neste trabalho essas figuras aparecerão com
iniciais maiúsculas, destacando-se.

        O objetivo deste trabalho é, a partir dessa dialética, compreender como Hegel apresentou o
conceito de liberdade da consciência que, percorrendo o itinerário fenomenológico, alcançará o
absoluto. Esse objetivo levará o indivíduo a uma compreensão total do sistema hegeliano, que esta
pesquisa reunirá numa importante síntese. A todo o momento, o pensamento hegeliano, feito uma
dialética, retomará as figuras já existentes e as transformará em conceitos. Por certo, o conceito de
liberdade perpassará toda a filosofia de Hegel e, será necessário, para a continuidade do percurso da
consciência, do espírito, do absoluto e do indivíduo.

        O presente trabalho pretende demonstrar se a hipótese dessa verdadeira liberdade da
consciência é fruto de um processo que se dará a partir do medo, da submissão e do trabalho
realizado por uma delas ou não. A partir disso, ele terá grande proveito a um indivíduo que, por sua
história e através dela, tiver a capacidade de adquirir a verdadeira liberdade e, conseqüentemente,
contemplar o absoluto. Esse absoluto só poderá ser contemplado à medida que se atingir a arte, a
religião e a filosofia. Esses são os três momento da auto-consciência, ou seja, da verdadeira
liberdade.
Inicialmente, apresentarei o contexto histórico e filosófico em que Hegel se situa e dialoga.
Esse capítulo é estritamente importante, tendo em vista a aproximação da filosofia com a história,
promovida por Hegel na intenção de aplicar seu raciocínio para conceber uma história em etapas.
Etapas essas que se caracterizarão pela superação do momento anterior. É a história e a filosofia
que, ao caminharem juntas, se entrelaçam.

       Em seguida, como segundo capítulo, apresentarei a vida e as principais obras de Hegel. Obras
essas que, desde sua juventude, principalmente a partir da Reforma Protestante, recolhem
fundamentos para o desenvolvimento de seus escritos, suas obras e a idealização de seu sistema.
Com isso, Hegel ganhou o universo da história e, por sua audácia no pensamento, marcou o início do
pensamento moderno.

       A partir da apresentação desses dois importantes momentos, no terceiro capítulo,
discorrerei sobre sua filosofia: complexa, porém atraente; enigmática, porém aplicável. Embora se
trate de uma filosofia ímpar, Hegel busca questionar as filosofias de Kant e Fichte e, fundamentar
melhor a de Schelling. Notar-se-á que toda sua filosofia, todo o seu sistema, desenvolvido para a
compreensão do absoluto, bem como a tríade principal do espírito e suas subdivisões, inclusive a
Fenomenologia do espírito, são triadicamente divididas e aplicadas ao movimento dialético. O
interessante é a retomada dos conceitos, que antes eram figuras, para a compreensão de novos.

       O capítulo seguinte, o quarto, trata da obra fundamental de Hegel e da obra base deste
trabalho. Nela Hegel apresenta as etapas do itinerário fenomenológico. Será a partir dessas etapas
que a compreensão de seu sistema se tornará mais clara, pois todo o trajeto percorrido e aplainado
pela consciência será percorrido posteriormente pelo espírito e, conseqüentemente, pelo indivíduo
enquanto caminheiro de sua história. É nessa trajetória que uma pedra no caminho aparecerá:
acontecerá a luta pelo reconhecimento entre as consciências e, a partir daí, a aquisição da verdadeira
liberdade.

       Posteriormente, no quinto capítulo, antes de adentrar o tema principal e questionador deste
trabalho, abordaremos a dialética de Hegel e sua estrutura. Fundamentando o sistema hegeliano, a
dialética representa os momentos de um devir. Esse movimento também relembra a história na
dinâmica de suas sociedades que reconhece a partir de cada momento – seja tese, seja antítese –
pronta a tornar-se parte de todo um complexo.

       Finalmente, como sexto e último capítulo, haverá a abordagem do conceito de liberdade da
consciência, que não terá seu momento específico, pois, segundo Hegel, ela se encontra na base de
toda a reflexão filosófica. Nesse capítulo veremos que a consciência-de-si, que é desejo, só chegará a
sua verdade ao encontrar outra consciência-de-si. Essa dialética conduzirá, da luta pelo
reconhecimento à oposição entre Senhor e Escravo, e daí à liberdade. Essa é a dialética do
reconhecimento, que visa a liberdade, atribui-se o suspender, em seus três significados, ou seja, a
negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial dessa realidade e a
elevação a um nível superior. Assim, pelas figuras do Senhor e do Escravo, a dialética de Hegel é
explicada, o seu sistema é compreendido, a verdadeira liberdade é alcançada, e a filosofia, aplicada.
1 CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO




       A história é indispensável a Hegel para a compreensão da filosofia e do absoluto, pois a
história e a filosofia se entrecruzam, caminham juntas, fazem-se necessárias uma à outra. Dessa
forma é explicada uma de suas máximas ao afirmar que o real é racional e que o racional é real. O
presente capítulo abordará, em uma visão panorâmica, mas minuciosa e detalhada, os motivos que
fizeram de Hegel o maior e, consideravelmente, o último sistematizador da filosofia.




1.1 CONTEXTO HISTÓRICO
       Seria impossível compreender a filosofia de Hegel sem antes se aprofundar na história do
povo germânico, conseqüentemente, na origem da Alemanha. Depois de muitas conquistas, o povo
germânico, como império, desencadeou duas grandes revoluções na história, apresentadas por
Hegel, naquela época, como moldes a serem seguidos e extremamente essenciais para a obtenção
da verdadeira racionalidade. As revoluções foram: a Reforma Protestante, considerada como o
princípio para a transformação do mundo, capaz de livrar o homem de uma consciência ingênua; e a
Revolução Francesa, que criou condições para o desenvolvimento do Estado de Direito. Nessa, Hegel
considerou Napoleão Bonaparte o grande expoente da Revolução julgando ser a manifestação da
verdadeira razão. Como a história também faz parte do processo dialético, apresentado pelo filósofo,
Hegel viu a derrocado do Império napoleônico. Contudo, define a manifestação da razão, ou do
Absoluto, em três momentos na história: no Império oriental, no Império romano e, principalmente,
no Estado germânico. Foi através dessa tríade dialética histórico-filosófica com tese, antítese e
síntese que Hegel elaborou o seu sistema.




1.1.1 OS GERMÂNICOS: A ORIGEM DA ALEMANHA

       Germânia significa homem de guerra ou homem de lança. Nos primórdios os germanos eram
povos bárbaros, organizados em tribos, com diferentes culturas. Essas tribos eram, entre outras, os
anglos, os saxões, os visigodos, os ostrogodos, os vândalos, os francos, os suevos, os burgúndios, os
lombardos, os alamanos e os hérulos. Eles viviam em florestas, fora do Império romano, e não
conheciam o sistema organizacional de uma cidade. Tudo o que se conhece sobre esses povos foi
escrito pelos próprios romanos. A organização social dos povos germânicos baseava-se na família,
tendo no pai a figura central, com poder sobre os outros membros. A cada cem famílias, que viviam
em uma denominada região, formava-se uma aldeia. As decisões, nessa aldeia, eram tomadas em
assembléias de homens livres. Além de um rei, que mantinha o poder militar e político, existiam os
nobres, os homens livres, os ex-escravos (que haviam conquistado sua liberdade) e escravos. As leis
eram baseadas nos costumes; a religião, politeísta, e as divindades, associadas a fenômenos da
natureza. Séculos antes de invadirem o Império Romano suas economias já eram sedentárias,
baseando-se nas trocas comerciais entre aldeias.1

        Os germanos penetraram no Império romano via migrações e via invasões. As migrações
ocorreram nos séculos II e III; as populações germânicas se deslocaram em grande massa, de forma
pacífica, para o território romano. A entrada no território romano foi possível graças a acordos com o
governo, o qual lhes garantiria terras para que se estabelecessem. Muitos guerreiros germânicos
ingressaram no exército romano e aos poucos foram se integrando na sociedade romana por meio
do casamento. Já as invasões, ocorridas entre os séculos IV e VI, correspondem à penetração no
Império romano de forma violenta. Os hunos (povo de origem tártaro-mongol) aniquilaram os
ostrogodos e invadiram os visigodos – povos germânicos. O chefe dos visigodos, depois de ter pedido
permissão ao imperador romano, Valente, para entrar com seu povo em terras romanas, atacaram e
saquearam cidades, dando início a uma série de invasões.2

        Por ocasião das invasões, Odoacro, chefe dos germanos, depôs o imperador romano em 476.
O Império romano foi desintegrado. Essa deposição ficou conhecida como a queda do Império
romano do Ocidente. Esse foi considerado o marco divisório entre a Antiguidade e a Idade Média.
Com isso, inúmeros povos germânicos dominaram diferentes regiões da Europa. A religião cristã dos
romanos foi adotada pela maioria dos germanos. O latim, que foi preservado, e as línguas
germânicas deram origem às línguas inglesa, neolatinas e alemã. Na organização política houve
muitas mudanças, pois os germanos se organizavam tradicionalmente em forma de tribos e não
como um império centralizado e hierarquizado como Roma. Somente os francos (um dos povos
germânicos) conseguiram se estruturar de forma diferente e expandir seus domínios.3

        Gerações e gerações se passaram e os povos germânicos não se constituíram uma nação. O
motivo era devido à precariedade da unificação política. A origem da nação alemã e também da
francesa se deu pela constituição do grande Estado franco merovíngio com as dinastias Merovíngio e
Carolíngia e, posteriormente, sua conversão ao cristianismo. Após a morte de Carlos Magno, em 814
d.C., o império, antes unído, começou a se desintegrar gerando o império ocidental e o império

1
  Cf. COTRIM, Gilberto. História global, Brasil e geral. p. 116.
2
  Ibidem, p. 116-117.
3
  Ibidem, p. 117-118.
oriental. A partir do momento em que a palavra Deutschland (Alemanha) passou de uma simples
classificação de língua à uma qualificação de um povo, a Alemanha, então como nação, adquiriu uma
história própria. O domínio franco, que foi marcado por constantes disputas políticas entre a realeza
e a nobreza proprietária de terras, encerrou-se em 911.

        O reino gernâmico foi fundado pelos duques da Francônia, da Saxônia, da Suábia e da
Baviera, com a extinção da dinastia Carolíngia. Henrique I, da Saxônia, foi eleito rei por outros três
duques e sucedido por seu filho Oton I, em 936. Como o pai, Oton I protegia a Igreja e, em troca,
contava com o apoio político do papa. Essa aliança se consolidou em 962, quando Oton I foi sagrado
Imperador em Augsburgo, pelo papa João XII. Através desse ato, que acentuaria a dominação da
Igreja pelo Estado, nasceu o Sacro Império romano-germânico que perdurou até 1806. Oton I tinha
os bispos e abades como verdadeiros suportes de seu Império, por serem responsáveis pela maior
parte do exército, bem como pela contribuição dos impostos. Ao controlar os bispos e também o
papado, intervindo politicamente na Igreja, o imperador Oton I e seus sucessores neutralizavam o
poder dos duques germânicos. A Igreja, ao caminhar junto com a política, gerou a corrupção do alto
clero – bispos e abades – que influenciaram negativamente o baixo clero – monges e padres – que
vieram a viver de modo mundano a ponto de abandonar a regra religiosa.

        O Império alemão, iniciado pelo duque Conrado, em 911, resistiu até 1806. Suas dinastias
sofreram apogeus e declínios, passando por diversas fases. Os dois maiores destaques desse Império
foram: a Reforma, ocorrida no século XVI, ocasionada por Martinho Lutero (monge agostiniano
nascido na Alemanha), seguida de conflitos sociais e guerras religiosas, e, no século XVII, o apogeu da
Prússia, Estado do território alemão que se destacou entre todos por tornar-se uma potência militar.4




1.1.2 A REFORMA PROTESTANTE

        O mundo germânico não é apenas o mundo alemão; engloba muito mais. Além de todo o
período que vai do Império romano até a época moderna, Hegel denomina como mundo germânico
a Holanda, a Escandinávia e a Grã-Bretanha e o estendeu também com o desenvolvimento da Itália,
devido a Reforma Protestante, por considerá-la o acontecimento mais importante desde a época
romana e com o desenvolvimento da França, através da Revolução Francesa.5

        Em 1517, Martinho Lutero (baixo clero, professor de teologia em Wittenberg), revoltado com
a venda de indulgências, pela Igreja Católica, reformula a doutrina cristã, principalmente acerca do
4
   Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida; PILETTI, Nelson. Toda a História: história geral e história do Brasil.
  p. 101-105.
5
   Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 33.
mistério da salvação. Segundo ele, o indivíduo alcança a salvação unicamente pela fé e não por suas
boas ações. Fixa, na porta da catedral de Wittenberg, uma relação com 95 teses. Nelas, denunciava
os abusos cometidos pelo clero. Foi excomungado em 1520 e condenado também pelos partidários
do imperador Carlos V. Contudo, as idéias de Lutero foram aceitas pelos príncipes germânicos, que
tinham um profundo interesse em se libertarem da interferência do papa e do imperador:
almejavam uma liberdade política.

        A Reforma Protestante causou uma grande crise na cristandade, representando a grande
transformação religiosa da época moderna. Com ela a estrutura clerical e a doutrina da salvação
foram alteradas. O descontentamento, que deu origem à Reforma, está ligado ao desenvolvimento
comercial. Esse desenvolvimento era barrado pela Igreja, pois os juros, os lucros, não eram aceitos
pela instituição. Da mesma forma, em grande evidência, distinguiam-se os senhores e os escravos
(camponeses). Os senhores feudais, cada vez mais ricos, e os camponeses, impossibilitados, também
pela Igreja, de uma ascensão social. De certa forma, a Igreja estava envolvida ideologicamente pelo
feudalismo. A crise no feudalismo e o interesse de reduzir o poder da Igreja deram forças ao
movimento da Reforma.6

        Devido à corrupção do clero e sua inserção na política, Hegel classifica a Igreja,
principalmente na Idade Média, como um tempo noturno e agitado; um tempo cuja razão individual
era sufocada por uma certa alienação, à instituição governamental e, principalmente, religiosa. Nessa
época o verdadeiro espírito religioso estava desvirtuado, e a verdadeira e livre contemplação do
absoluto não acontecia. O homem vivia numa obediência cega ou abstrata, não concreta (conforme
irá mostrar Hegel em seu sistema filosófico, que será abordado no terceiro capítulo deste trabalho,
uma espécie de tese ou consciência ingênua). E foi justamente com a Reforma, denominada luz do
novo dia, que o homem se libertou. A Reforma só aconteceu graças à honestidade e à simplicidade
de coração do povo germânico. Embora a Reforma Protestante tenha ocorrido por causa da
corrupção do clero e suas exigências a uma obediência cega a ritos, cerimônias, incorporação da
divindade ao mundo material, ela foi considerada como necessária à obtenção da verdadeira
liberdade do espírito religioso.7

        Antes da Reforma, a atenção do ser humano fixava-se nos bens materiais relacionados ao
dinheiro, principalmente com à venda de indulgências. Com o êxito da Reforma, conquistada pelo
povo germânico, rompendo com a pompa e cerimoniais da Igreja Católica Romana, afirmou-se a
liberdade de cada ser humano. Cada indivíduo possuía uma liberdade espiritual. A relação com

6
   Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida; PILETTI, Nelson. Toda a história: história geral e história do Brasil.
  p. 163-164.
7
   Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 33.
Cristo, com Deus, era direta, as intermediações institucionais. Contudo, a Reforma é muito mais que
um desbancar ou desmascarar o rito religioso romano; ela tornou-se a afirmação da honestidade e
da simplicidade de coração frente a corrupção do clero. Segundo Hegel, fica bem claro que a
consciência individual, sendo livre por natureza, possua a potência ou o devir da verdade por meio
da razão para adquirir a salvação e a contemplação do absoluto. É com a Reforma que o princípio
para a transformação do mundo fica evidente. Cada ser humano deve usufruir de sua racionalidade
individual, pois tem a capacidade de julgar a verdade para se tornar livre. E não só o indivíduo, mas
também todo o governo em geral, bem como as instituições, devem-se adequar ao mundo de seres
espirituais livres, usando dos princípios gerais da razão. Dessa forma, o indivíduo só será livre
plenamente quando o próprio Estado adquirir a racionalidade para que, reconciliado com o
indivíduo, construa a sua verdadeira história.8




1.1.3 A FORMAÇÃO DA PRÚSSIA

           Frederico Guilherme (1657-1713), mais conhecido como o grande-eleitor, foi o fundador do
despotismo ou governo absoluto na Prússia. Exerceu uma completa soberania de 1701 a 1713,
transformando seu exército em uma poderosa força militar. Centralizou o governo e aboliu as
assembléias que reuniam diversas representações. Suas idéias e metas continuaram a ser
desenvolvidas por seu neto, Frederico Guilherme I (1713-1740), como novo rei da Prússia. Sua
grande paixão pelo exército chegou a tal ponto que precisou vender a mobília do palácio para
investir em mais soldados, e soldados de qualidade; aqueles que não podia comprar, raptava-os. Esse
empenho resultou na duplicação de contingentes. Esses soldados ficaram conhecidos como Gigantes
de Potsdam.9

           Frederico Guilherme II, filho do anterior, consolidou seu império durante 46 anos; foi o
célebre déspota, ou o déspota esclarecido. Governou a Prússia de 1740, após a morte de Frederico I,
até 1786. Conhecido como Frederico, o Grande, era adepto fervoroso das doutrinas reformadoras da
nova filosofia racionalista. Considerava-se o primeiro dos servos do Estado. Por ser um ótimo
administrador, tornou a Prússia o Estado mais bem governado da Europa. Aboliu as torturas aos
escravos, investiu na educação, na indústria e na agricultura, a qual atraiu mais de trezentos mil
imigrantes. Era a favor da liberdade religiosa. Porém, fez algumas alianças sangrentas em vista da
melhoria de seu Estado. Uma delas foi o acordo com Catarina da Rússia no desmembramento da



8
    Ibidem, p. 34-35.
9
    Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 534-535. v. 1.
Polônia.10 Contudo, Frederico, ao proclamar os direitos do cidadão e a igualdade de todos, atingiu as
estruturas do Estado e, principalmente, de toda a sociedade.

           Mesmo com a proclamação dos direitos do cidadão, a Prússia mantinha um olhar na
modernidade e outro ainda no pré-moderno de classificação social. O Direito Geral do Estado
Prussiano de 1794 trazia, por um lado, sobre a igualdade e o poder de todas as pessoas que,
mesmo sendo pequenas (inferiores), poderiam processar os grandes (superiores); e por outro,
a fixação das classes nobres, burgueses e camponeses. A Prússia só se reergueu após as
reformas realizadas, iniciadas em 1807, retomando os princípios essenciais de liberdade e
igualdade. Para entender esse conflito, usufruíram de um parágrafo das aulas sobre a história
da filosofia de Hegel, considerado o filósofo do Estado prussiano, que comentava que todos
os seres pensantes deveriam se alegrar e comemorar essa época, pois, segundo o filósofo, a
reconciliação do mundo com o espírito absoluto tinha sido alcançada.11



1.1.3.1 A GUERRA DOS DÉSPOTAS

           Os primeiros conflitos gerados e já comentados foram religiosos e ocorreram na Europa. Os
conflitos ou as guerras assumem o caráter de luta pela supremacia a partir de 1600 com os
poderosos déspotas das grandes nações. Os que mais sofriam com a luta pelo engrandecimento
dinástico eram os povos. As duas dinastias, Habsburgos, situada na Áustria, e a dinastia Bourbons,
situada na França, entraram em conflito no século XVII, ressaltando o poder da luta armada. Desde o
tempo de Carlos V (1519-1556), uma parte dos Habsburgos governava a Espanha, o Reino das Duas
Sicílias e Milão. A ambição dos Habsburgos era tanta que, através dos triunfos gerados pela Reforma,
desejavam usufruir dos triunfos para a expansão do próprio poder pela Europa Central. A guerra teve
início porque a dinastia dos Bourbons era um sério obstáculo contra o domínio da Europa. Com isso,
iniciou-se a primeira fase dessa luta chamada Guerra dos Trinta Anos.

           Essa fase despertou oposição dos nobres protestantes da Alemanha bem como dos
convertidos ao calvinismo na Boêmia (hoje República Tcheca). A revolta estava declarada. O castelo
da capital, em Praga, foi invadido por nobres protestantes por causa da intenção do imperador em
demolir duas igrejas luteranas, indo contra a liberdade religiosa. A partir dessa atitude, a Boêmia
proclama Frederico como rei e torna-se um Estado independente. Com forte poder nas mãos, os
Habsburgos acabam com a revolta boêmia e punem Frederico, tomando parte de suas terras. Em
1630 os franceses se aliaram aos protestantes, assumindo a luta, pois não se tratava apenas de uma
10
     Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 53. v. 1.
11
     Cf. KROCKOW, Christian Graf Von. Prússia: um balanço. p. 48-49.
guerra religiosa, mas sim das dinastias Habsburgos e Bourbons, pelo domínio do continente europeu.
Graças ao Tratado de Vestfália, a França conseguiu surpreendentes ganhos.

           Embora as guerras tenham ocasionado um enorme massacre na Europa central e na Boêmia,
com a perda de mais da metade da população, os resultados dessas disputas foram diversos:
territórios da Alemanha foram cedidos à Suécia; Holanda e Suíça tornaram-se independentes; o
Santo Império foi declarado como irreal, pois todos os príncipes alemães foram reconhecidos como
soberanos e tinham plenas condições de governar os Estados na paz. Porém, a paz não estava
totalmente garantida. Em 1661, Luís XIV, rei da França, faz uma revisão de suas fronteiras,
desencadeando uma nova fase de guerras. A primeira foi a da Liga de Augsburgo, e a mais
importante foi a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) também desencadeada pelos déspotas no século
XVIII.12

           A Guerra dos Sete Anos, que assinalou uma época de conquistas pelos mares, tinha como
principal motivo as rivalidades comerciais entre a França e a Inglaterra, além de alguns assuntos
pendentes que não haviam sido resolvidos nas disputas anteriores. Tornara-se uma espécie de
conflito mundial que envolvia vários países, inclusive a conquista do continente norte-americano,
além de ser a causa da separação dos países da Europa; de um lado a França, a Espanha, a Áustria e a
Rússia; e do outro, a Inglaterra e a Prússia. Os resultados dessas guerras foram de extrema
importância na história da Europa. Frederico, o Grande, ao conseguir a vitória sobre Maria Teresa,
obteve a posse do território da Silésia, proporcionando o crescimento da Prússia em mais de um
terço e elevando-a à potência de primeira ordem.13




1.1.4 A REVOLUÇÃO FRANCESA

           A Revolução Francesa representou a ruptura com o antigo regime feudal, que elevou a
burguesia ao poder e criou condições para o desenvolvimento do Estado de Direito e da possibilidade
do capitalismo. Mais que a luta da burguesia, a Revolução representou a vitória de todos os povos
contra qualquer forma de poder autoritário, a favor da liberdade. Durante dez anos, de 1789 a 1799,
ela representou a disputa pela idéia de igualdade social, pelo poder representativo e, principalmente,
pelos direitos individuais dos cidadãos. Foi responsável também por uma mudança radical. Derrubou
a aristocracia, que vivia dos privilégios feudais; derrubou a escravidão, que era responsável pelo




12
     Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 537-538. v. 1.
13
     Ibidem, p. 540.
sustento do Estado Absoluto formado por Luís XVI; desfez o antigo regime e instaurou uma nova
assembléia nacional, dando origem à Primeira República Francesa.14

        Burgueses, camponeses, associados na fome, na miséria, na servidão e exploração aos
impostos foram os responsáveis pelo desencadeamento e sustentação do movimento revolucionário
que abalou a aristocracia. Além desses fatores, grande parte desse movimento denominado social e
político foi resultado das teorias iluministas propagadas pelos filósofos René Descartes, Baruch
Spinoza, Thomas Hobbes, John Locke que defendiam a idéia de que havia chegado o momento da
humanidade se libertar.15

        A Revolução também teve seus períodos. O primeiro, de 1789 a 1791, foi o período da
Assembléia Nacional Constituinte, responsável pela abolição do regime feudal e de montagem da
ordem monárquica constitucional. O segundo, de 1791 a 1792, foi o período da Monarquia
Constitucional caracterizada pela divisão do regime, cujos monarquistas eram a favor do governo
independente de um rei, e os cidadãos a favor do controle e fiscalização do governo. O terceiro
momento        foi    o     período       de     Convenção,    de    1792    a     1795.     A
Convensão teve início com a dissolução da Assembléia Legisladora que decretou o fim da monarquia
e o início de um novo sistema governamental, a República, que obteve sua validação em 1793, com o
guilhotinar de Luís XVI. Esse período também ficou conhecido como despotismo da liberdade.

        Após a morte de Luís XVI a revolução toma mais força, tendo a frente, Robespierre e os
jacobinos (esquerda da Conversão) que se levantaram contra os rebeldes contrários à Revolução.
Milhares de adversários ou opositores foram condenados à guilhotina. Robespierre, ao perder apoio
popular, é guilhotinado em 1794, juntamente com seus companheiros. Com sua morte a Convenção
é substituída pelo Diretório, que era formado por representantes da média e baixa burguesia tendo,
à frente cinco membros.

        Há um quarto período: o Diretório. De 1795 a 1799 a França foi governada por proprietários
burgueses. A nova Constituição toma o lugar dos jacobinos e dá início à nova política de conquistas
territoriais ao redor da França e à construção da Grande Nação, que contaria com repúblicas irmãs.
As conquistas territoriais eram comandadas pelo general Napoleão Bonaparte que, devido às
sucessivas vitórias, tornou-se o chefe de todos os militares franceses. Em 1799 Napoleão liderou um
golpe de Estado. O Diretório tem o seu fim. É substituído por três cônsules provisórios, sendo um
deles o próprio Napoleão. Uma nova Constituição foi promulgada por Napoleão tendo todos os
poderes em suas mãos. Inicia-se uma nova era, a do Consulado com o lema: a revolução acabou.16
14
   Cf. MOTA, Carlos Guilherme. Revolução francesa. p. 30.
15
   Ibidem, p. 31-32.
16
   Cf. MOTA, Carlos Guilherme. Revolução francesa. p. 35-38.
1.1.5 O IMPÉRIO NAPOLEÔNICO

           A França e suas províncias se desfaziam e se arruinavam em meio a tantas guerras. Surge a
audácia de um general capaz de propor uma nova política de reconciliação para garantir a paz, com o
fim das guerras, e a segurança do povo francês. Com mais de três milhões de votos uma nova
Constituição foi promulgada: o Consulado, cujas características eram de um regime republicano. Nela
Napoleão Bonaparte ascende a poderes ilimitados de um imperador. Mesmo com todo o sistema
governamental, como: conselho de Estado, tribunal, corpo legislativo e senado, as guerra
continuaram até Bonaparte pôr fim ao conflito europeu assinando o acordo Paz Amiens.

           Após esse acordo, o sistema governamental aplicado por Napoleão foi melhor estruturado: a
administração foi reorganizada e centralizada; criou o Código Civil, inspirado no Direito Romano, nas
Ordenações Reais e no Diretório Revolucionário; a paz com a Igreja Católica foi restabelecida. Em
1804, pelas mãos do papa, em Paris, Napoleão foi sagrado Imperador. Uma nova corte foi formada e
a antiga nobreza foi reconstituída. A economia da França foi reconstruída; foi impulsionada pelos
camponeses proprietários que, apoiando o regime, passaram a produzir mais.

           Contudo, Napoleão tornou-se mais despótico que todos os outros imperadores. Assembléias
foram extintas; a liberdade individual e política deixaram de ser respeitadas; os tribunais e o
legislativo perderam a força; a imprensa foi censurada; a educação, alterada, principalmente as
disciplinas de História e Filosofia; e procurou utilizar-se da religião para doutrinar o povo, que deveria
ter deveres para com Deus e para com o imperador. Os bispos que se recusaram foram perseguidos.
Os ideais da Revolução Francesa simplesmente desapareceram e, junto com eles, aquele Napoleão
que propusera a reconciliação, a paz e a segurança do povo francês.17

1.1.5.1 A DERROCADA NAPOLEÔNICA

           A Prússia e a Áustria se aliaram, uniram-se à Rússia e venceram Napoleão em Leipzig,
destruindo seu poder na Europa, em 1813. Depois dessa derrota Napoleão foi aprisionado na ilha de
Elba, de onde fugiu um ano depois, para retornar ao poder, no período denominado Governo dos
cem dias. Logo depois foi aprisionado novamente e morreu em 1821. Com Napoleão fora do governo
da França, Luís XVIII foi reconduzido ao poder, restabelecendo o grande equilíbrio entre as potências
européias: Prússia, Inglaterra, Rússia e Áustria. Alemanha e Itália permaneceram divididas. Com isso,




17
     Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida. História moderna e contemporânea. p. 142-144.
criou-se a Santa Aliança, que firmou um acordo de paz pondo fim às guerras napoleônicas e às
guerras desencadeadas pela Revolução Francesa.18

           Com a implantação da Santa Aliança, em 1815, toda a Europa foi reorganizada, exceto a
Alemanha, que ainda representava um problema. Criou-se em Viena a Confederação Germânica, um
acordo político entre os pequenos reinos com a influência da Áustria que, juntamente com a Prússia,
ocupava um lugar de destaque, procurando manter um equilíbrio governamental e econômico,
lutando pelo controle e unificação de todo o território alemão. A unificação, graças à Confederação
Germânica, que durou até a 1861, aconteceu com a coroação de Guilherme I e a nomeação do
chanceler da Prússia, o aristocrata Otto von Bismarck.19




1.2 CONTEXTO FILOSÓFICO
           Não menos importante é o contexto filosófico no qual Hegel está incluído. Assim como o
contexto histórico, ele inclui as discussões filosóficas de sua época, segundo seu sistema em tese,
antítese e síntese. Nesse processo de afirmação e busca da razão, faz um diagnóstico de sua época,
encontrando no Iluminismo (grande revolução intelectual) seu maior expoente, Immanuel Kant, o
qual criticará durante a elaboração de seu sistema filosófico. O Romantismo, grande momento
oposto ao Iluminismo, caracteriza-se pela afirmação do desenvolvimento da alma como aquela que é
capaz de superar-se e de se entregar a um ideal desinteressado, além de atingir a contemplação do
absoluto. E, por fim, o Idealismo, tendo como expoentes, Fichte e Schelling, o qual apresenta uma
tendência filosófica a reduzir toda a existência ao pensamento, ou seja, reduzir o ser à consciência. A
partir dessa tríade, Hegel sistematiza e fundamenta o seu sistema e introduz o Idealismo lógico, do
qual resultará o princípio de toda realidade.

1.2.1 O ILUMINISMO

           O Iluminismo é uma filosofia otimista a favor do progresso alicerçado no uso crítico e
construtivo da razão. Sua origem se deu na Inglaterra no ano de 1680, onde, definindo-se, atingiu
boa parte da Europa. Entre todos os países afetados, o movimento histórico causou uma profunda
mudança, moldando o pensamento humano e orientando suas ações. A filosofia Iluminista ergue-se
sobre quatro pilares fundamentais: a razão, tendo-a como um rumo infalível para atingir a verdade
ou a sabedoria; o universo, que é uma máquina governada por leis fixas as quais o homem deve
respeitar; a estrutura simples e natural de sociedade, fazendo oposição à tirania do clero e dos


18
     Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida. História moderna e contemporânea. p. 145-146.
19
     Cf. MAGNOLI, Demétrio; BARBOSA, Elaine Senise. Formação do estado nacional. p. 66-68.
governantes; e por fim, a negação da existência do pecado original, afirmando que a culpa dos
homens pelas depravações e atos de crueldade não são deles mas dos padres e déspotas.20

        O Iluminismo tem a origem no Renascimento e derivou-se, em parte, do Racionalismo,
baseado nos princípios da busca da certeza e da demonstração, sustentados por um conhecimento a
priori, ou seja, conhecimentos que não vêm da experiência e são elaborados somente pela razão.
Racionalismo esse principalmente representado por René Descartes (1596-1650)e Baruch Spinoza
(1632-1677). Porém, os verdadeiros fundadores do Iluminismo foram Sir Isaac Newton (1642-1727) e
John Locke (1632-1704), pensadores que viveram na mesma época, porém com afirmações e
influências diferentes.21 A definição correta para o Iluminismo foi apresentada em 1784 por
Immanuel Kant. A partir dessa data, passa a ser definido como Aufklärung (palavra alemã que
significa esclarecimento, ou seja, que distingue o uso privado e o público da razão), fundamentando-
se na liberdade do saber humano. Por uso público, entende-se quando o homem, enquanto
estudioso, faz uso de seu entendimento para o público em todo o tempo, permitindo que o
esclarecimento atue entre os homens. Já o uso privado contém limitações que impedem o progresso
do esclarecimento, tendo em vista o homem fazer parte de uma instituição, profissão ou função civil
e se vê obrigado a não questioná-la, encontrando limites para expressar novos pensamentos ou
mudanças.22

        O Aufklärung é o ato de esclarecer, usando plenamente da razão. É definitivamente a
emancipação do homem caracterizada por uma confiança absoluta, iluminada na razão. Kant define
o Aufklärung como a saída do homem de seu estado de menoridade, ou seja, da incapacidade de
fazer uso correto de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. Mais que a falta de
inteligência, o inadmissível para Kant, é a falta da intenção e da coragem de confiar e utilizar da
capacidade de seu intelecto. A expressão que Kant usou para explicar o espírito do Aufklärung é
“Sapere aude”,23 ou seja, audácia de saber. Essa expressão ressalta a verdadeira intenção do desejo
dessa emancipação que pede ao homem a coragem de servir-se de sua própria inteligência saindo da
servidão espiritual.24

        Não somente para Kant, mas também para todos os iluministas, a servidão espiritual do
homem só será liberta a partir do desenvolvimento ou amadurecimento de sua consciência. É
justamente essa liberdade espiritual que indica, em seu conjunto, a característica fundamental do

20
   Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 549-550. v. 1.
21
   Ibidem, p. 550.
22
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 234. v. 4.
23
    KANT, Immanuel, Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (“Aufklärung”). In: ______,
   Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. p. 115.
24
    Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 233. v. 4.
Iluminismo. Esse conjunto é constituído pelas seguintes características: a libertação do homem em
relação aos dogmas metafísicos, os preconceitos morais, as superstições religiosas, as relações
humanas, e as tiranias políticas.

          Rapidamente, por ser um movimento cultural, pedagógico e político da época, o Iluminismo
tomou conta de toda a Europa, da Inglaterra à França e da Alemanha à Itália tornando-se uma
filosofia hegemônica. Espalha-se por toda a Europa, cujas raízes e intenções estavam na confiança na
razão humana, na certeza do progresso da humanidade e no exercício da liberdade contra os abusos
das tradições que libertou o homem das explicações teológicas baseadas em explicações científicas.
Esse movimento pelo progresso, pelo uso correto da razão, é caracterizado pela ascensão da
burguesia. Segundo Kant, o uso correto da razão é de capacidade e domínio de todo o público.

          Contudo, não só o Humanismo, mas também o Iluminismo, devido a sua grande influência,
foi capaz de questionar e interromper a cegueira humana diante da superstição e da coibição ilógica,
uma espécie de repressão, ainda existente no Ocidente. A razão iluminista mais que derrubar a
tirania política e, automaticamente, enfraquecer o poder dos tiranos e padres, possuía um ideal de
liberdade religiosa que foi capaz de separar a Igreja do Estado. Ela também foi a responsável pelo
estabelecimento de uma nova ordem social natural que enfrentou e derrubou os resquícios do
feudalismo.25




1.2.2 IMMANUEL KANT

          Immaneul Kant nasceu na Prússia, em Königsberg, no ano de 1724. Sua mãe, Regina Reuter,
criou-o segundo uma corrente do protestantismo, além de matriculá-lo numa escola pietista.
Estudou a partir de 1740, na universidade de sua cidade natal, freqüentando os cursos de filosofia e
ciência, pois o que lhe interessava, era o saber e a pesquisa. Após duras penas nos estudos consegue
chegar ao doutorado, no ano de 1755, ingressando como livre-docente na Universidade de
Königsberg. Tornou-se professor efetivo em 1770. Com os interesses voltados unicamente ao saber,

25
     Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 557. v. 1.
recusa a cátedra em Halles, oferecida pelo barão von Zdlitz. Apresenta, em 1781, sua primeira crítica,
a Crítica da razão pura. Posteriormente a Crítica da razão prática, em 1788, e a Critica do juízo, em
1790.

        Nos últimos anos de sua vida o filósofo passa por dois grandes conflitos. O primeiro, em
1794, chamado a desistir de suas idéias sobre a religião inseridas na obra A religião nos limites da
pura razão; sobre esta ordem, obedeceu, mas não se retratou. O outro, mais historicamente
importante, deve-se ao criticismo transcendental, que estava sendo interpretado como um idealismo
espiritualista devido à obra de Fichte. Esse acontecimento era inevitável, pois o Iluminismo já havia
se esgotado, dando lugar ao nascimento de um novo movimento cultural. Após lutar contra o
inevitável, Kant silenciou até o final de sua vida, cuja memória e visão foram perdidas. Morreu em
estado vegetativo no ano de 1804.26

        Todo o conhecimento que Kant continha era canalizado para um conhecimento sem
preconceitos, ressaltando os valores universais, tanto da moral, quanto do conhecimento dos
homens. Uma de suas frases, que o resume, está contida na célebre obra Crítica da razão prática:
“Duas coisas enchem o espírito de admiração e de reverência, sempre nova e crescente, quanto mais
freqüente e longamente o pensamento nelas se detém: o céu estrelado acima de mim e a lei moral
dentro de mim”.27

        Com a Crítica da razão pura, Kant determina a capacidade de alcance do conhecimento
através da razão, tendo em vista que a mente humana já contém os universais ou, para ele, definido,
as doze categorias ou formas do juízo. Elas estruturam e ordenam os objetos da experiência, a partir
da tabela dos quatro juízos: qualidade, modalidade, relação e modo. Para ele a mente humana não é
somente receptora, mas organizadora de todas as experiências ou percepções. Nessa obra, sua
proposta foi desenvolvida com toda eficácia que propôs, ou seja, ofereceu plena satisfação à razão
humana como aquela que emancipa, aquela que a coloca em prática.

        Na Critica da razão prática encontramos o conceito de liberdade, da vontade, ou seja, do
desejo do sujeito relacionado com sua ação. Este conceito, em Kant, se encontra na ética aplicada da
razão prática na qual chamará de livre-arbítrio. Além do mais, esse conceito é a priori, pois a
liberdade é a condição para a lei moral. A unidade dessas duas críticas acontecerá a partir da Crítica
do juízo, que busca a unidade da teoria, com a prática, do universal, com o particular, da
necessidade, com a liberdade.28


26
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 347-349. v. 4.
27
   KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. p. 172.
28
   Cf. LEITE, Flamorion Tavares. 10 lições sobre Kant. p. 77-80.
Na época de Kant, havia um grande interesse pela razão e pela idéia de liberdade, idéia ainda
não atingida, que só foi compreendida, pelo filósofo, a partir da Revolução Francesa cuja liberdade
tornar-se-ia possível a todos os seres racionais. Com isso, a razão se voltaria para si própria. Kant
encontra na história, um sentido de progresso, principalmente, a partir dos revolucionários, que
fizeram dela palco de inúmeros conflitos: todos esses conflitos possuíam, interesse da razão pela
liberdade, principalmente, a Revolução Francesa. A partir dessa busca desenfreada pela liberdade,
ela passa a ser um critério racional para a compreensão e para a investigação dos acontecimentos
históricos, ou seja, a razão pura é a idéia-chave para a filosofia kantiana.29

        O que existe independente da capacidade do homem em alcançar, Kant determina como a
coisa-em-si (númeno), ou seja, o supra sensível, pois para agir moralmente a ação deve fundamentar-
se na boa vontade livre de determinações fenomênicas. Assim, o mundo inteligível constitui o mundo
da moral. Esse foi um dos pontos da filosofia kantiana que sofreu fortes críticas inclusive as de Hegel.
Hegel, irá além do pensamento kantiano e, determinará, ou melhor, mostrará o que é a coisa-em-si e
que a mesma pode ser pensada.30




1.2.3 FORMAÇÃO E PECULIARIDADES DO MOVIMENTO ROMÂNTICO

        Mudanças radicais marcaram os últimos anos do século XVIII e os primeiros do XIX. No
âmbito social e político, deu-se a Revolução Francesa, com a introdução da República e a queda
monárquica, além do terror do novo sistema de execução: a guilhotina. Além desses fatores, o
surgimento do novo despotismo, que levou Napoleão ao auge, consolidou de vez toda a esperança
iluminista que ainda existia. Contudo, um movimento na Alemanha perdurava e em breve levaria à
superação total do Iluminismo.

        Esse movimento, inicialmente, ficou conhecido como Sturm und Drang; pode ser traduzido
por Tempestade e ímpeto – título do drama escrito em 1776 por Friedrich Maximilian Klinger. Esse é
um movimento ou uma espécie de rebelião caracterizada pelo período em que os escritores alemães
atacaram as restrições do governo, tentando libertar a cultura da dominação estrangeira. Suas
principais idéias foram: a natureza, como fonte vital de vida; o gênio, entendido como regra, força
originária da natureza; o panteísmo, numa contraposição ao iluminismo; o sentimento pátrio,
expresso no ódio pelo soberano e na conquista pela liberdade; e, por fim, a exaltação e apreciação
dos fortes sentimentos ou paixões.31 O Sturm und Drang, mesmo sendo um movimento cultural,

29
   Cf. KEINERT, Maurício. Conflitos da razão. In: Mente, cérebro e filosofia, p. 27-28. n. 3.
30
   Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 13.
31
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 3-4. v. 4.
também sofreu fortes influências: poetas ingleses, como Macphersom, Lessing, Gottlieb Klopstock
que supervalorizaram os sentimentos. Porém, foram Goethe e Schiller os protagonistas que mais
deram ênfase a esse movimento.32

        O Sturm und Drang foi considerado como um prelúdio ao Romantismo. Segundo Reale e
Antisseri, o historiador G. de Ruggiero interpretou esse movimento como uma matéria bruta que
estava à espera de ser forjada, lapidada pela arte e, principalmente, pela filosofia alemã. E mais: esse
movimento, segundo o historiador, não era um acontecimento isolado, mas sim uma ação coletiva
ou expressão espiritual de um povo. Sturm und Drang também foi um prelúdio aos pensamentos
hegelianos, pois representava a juventude de Herder e Goethe tidos como símbolos da juventude de
um povo, pois, através da poesia e da arte, apresentavam uma vitória sobre a crise da alma
coletiva.33

        O Classicismo (culto ao clássico repetitivo) surge como uma espécie de corretivo ao Sturm
und Drang. Ele é o novo sentido do clássico que contém uma enorme importância na formação do
espírito da época tornando se um pólo dialético do Romantismo. O classicismo tinha o desejo de
recuperar a expressão clássica da arte grega e da romana. Durante a Revolução houve alguns artistas
e também escritores que se empenharam para que a recapitulação desse espírito fosse possível. Isso
se dava de modo mais forte, grandioso e sentimental que o classicismo anterior, desenvolvido pelos
humanistas na época da Renascença.34

        Esse novo sentido do clássico causou na história aquilo que Hegel chamará de tese, pois, por
ser repetitivo, está privado de alma e de vida. A marca desse clássico é a medida, o limite e o
equilíbrio. Sobre a repetição, segundo Reale e Antisseri, Johnn Winckelmann afirma em uma de suas
publicações que, ao imitarmos os antigos, estaríamos nos tornando grandes e ímpares; portadores
do olhar dos antigos. Tal imitação não levará o individuo à natureza das coisas, mas à idéia, ou seja, a
natureza superior que o tornará capaz de relacioná-las com o belo, com o perfeito, com o superior.
Esse é o início do neoclassicismo romântico, que almejava transformações: a natureza em forma e a
vida em arte; num sistema não de repetição, mas de renovação daquilo que os gregos faziam. Hegel
usará das idéias clássicas de dialética para elaborar seu próprio sistema, só que com a novidade do
elemento especulativo, que será melhor abordado no quinto capítulo deste trabalho.35




32
    Ibidem, p. 5.
33
   Ibidem, p. 6-7.
34
   Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 563-564. v. 1.
35
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 7-8. v. 4.
1.2.3.1 O ROMANTISMO

         O Romantismo, numa visão geral, significa voltar à tradição. Esse é o principal pensamento
considerado pelos românticos, que ressaltaram os interesses pelo transcendente e pelos
sentimentos. A partir da observação da natureza, com suas formas e cores, os românticos afirmam o
desenvolvimento da alma que é capaz de se superar, de se entregar a um ideal desinteressado e
atingir a contemplação do absoluto. Relembrar o passado ou voltar à tradição faz com que o
indivíduo, o país, a nação procure seus heróis, seus poetas ou a verdadeira manifestação do
espírito.36

         O movimento romântico nasce a partir da organização das descompostas forças do Sturm
und Drang ou de um limite estabelecido por Herder, Schiller e Goethe a esse movimento. Friedrish
Schiller foi o responsável pelo desenvolvimento fantástico da literatura romântica. Segundo Reale e
Antisseri, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), ao escrever Fausto, em 1790, vindo a terminar
um ano antes de sua morte, exprimiu e ressaltou a importância do espírito dos tempos modernos.
Para Goethe, a liberdade do indivíduo é contínua e incessante em busca do domínio de todos os
conhecimentos; uma inquietação perpétua, que mais tarde servirá para as reflexões de Hegel na
construção de seu sistema.37 O termo romântico surge primeiro na Inglaterra, no século XVII,
indicando o que é fabuloso, extravagante, fantástico ou irreal. Posteriormente o termo romantismo
passou a designar o renascimento do instinto e da emoção. O movimento romântico caracterizou-se
por ter sua forma própria, sua essência e peculiaridade diferentes das gregas.

         O romantismo, portanto, desenvolvido na Europa, mais precisamente em Jena e depois em
Berlin, no alvorecer do século XIX, designou o movimento espiritual envolvendo a poesia, a filosofia,
as artes e a música. As características espirituais desse movimento baseiam-se no comportamento
psicológico ou estado de espírito necessário para o desenrolar de um conflito interior, bem como no
desejo de novas aspirações. O homem romântico, enquanto ser espiritual é a pura expressão do
sensível, ou seja, de uma excessiva impressionabilidade, irritabilidade e reatividade, conforme afirma
o psicólogo L. Mittner. E mais, é a busca pelo desejo, o desejo de desejar aquilo que ainda não
conhece.38 Suas principais idéias são: a sede do infinito, o pânico de se pertencer ao uno-todo, a
expressão do verdadeiro ou função do gênio, o anseio pela liberdade, a reavaliação da religião e a
influência dos elementos clássicos.

         A primeira idéia fundamental do movimento romântico, associada ao sentimento, é a sede
do infinito; essa é a ansiedade que todo romântico tem. Essa sede incessante do infinito se dá pelas
36
   Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 242.
37
   Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 571-572. v. 1.
38
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 10-11. v. 4.
obras de arte. A segunda idéia do romantismo apresenta o novo sentido da natureza cuja
importância fundamental está em criar eternamente, num jogo de forças, no qual, segundo Goethe,
morte é o elemento para se ter mais vida e, segundo Schelling, a natureza é a manifestação do
espírito, ou seja, o espírito que se faz visível. A terceira idéia ou característica, intimamente ligada à
segunda, é o sentimento de pânico pela pertença ao uno-todo. Conforme relata Hölderlin: “[...] o céu
para o homem é ser um com o todo, com tudo o que vive e em feliz esquecimento de si mesmo”.
Usa-se essa expressão para afirmar que o todo se reflete no homem e o homem se reflete no todo;
um movimento orgânico.

           A função do gênio é a quarta expressão ou idéia apresentada pelo romantismo. Segundo
Novalis – poeta principal do grupo dos românticos – o gênio é necessário ao espírito para a
compreensão do absoluto. É através da arte que se compreende a natureza. Schelling também
ressalta a importância da arte e a usa como necessidade da filosofia transcendental. Na quinta idéia
tem-se o anseio pela liberdade (um dos fatores primordiais para Hegel na elaboração da tríade
principal do espírito). Essa é uma das principais características dos românticos. Novalis também
afirma que tudo leva à liberdade. É justamente essa liberdade que representa a essência e a potência
da consciência. Hegel fará da liberdade a essência do espírito.

           A sexta idéia fundamental do romantismo é a reavaliação da religião. A religião é reavaliada
por causa do Iluminismo que a reduziu. Para o Romantismo, a religião se faz necessária na relação do
homem com o infinito. Hegel fará da religião cristã, de todos os momentos, exceto a filosofia, o mais
elevado da trajetória do espírito. E, por fim, a influência do elemento clássico a partir de um
sentimento nacional, no amor pelas origens e no interesse pela história, em especial, a da idade
média.39

           Logo, o Romantismo, por expressar de modo incomparável interesses espirituais da época,
difunde-se não só na Alemanha, mas também em toda a Europa. Jena foi a cidade da Alemanha que
mais contribuiu para a propagação do círculo romântico. Esse círculo era composto pelos irmãos
Schlegel, August Wilhelm (1767-1845) e Friedrich (1722-1829), por expressarem o modelo espiritual
da nova época. Friedrich levou o movimento para Berlim, em 1798, tendo como propagadora a
revista Athenaeum, que perdurou apenas dois anos. Mesmo assim Novalis, Tieck, Wackenroder,
Fichte, Scheling e Schleiermacher aderiram ao movimento. Hegel, por sua concepção filosófica,
sendo também um romântico, foi influenciado diretamente por Fichte e Schelling. Dessa forma, o
pensamento do romantismo alemão será necessário à compreensão da história do pensamento
filosófico.40
39
     Ibidem, 12-13.
40
     Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 15. v. 4.
1.2.4 O IDEALISMO

        O Idealismo é caracterizado pela tendência filosófica que reduz toda a existência ao
pensamento. Nessa tendência o ser é reduzido à consciência. Kant, Fichte e Schelling marcam o
idealismo com seus pensamentos filosóficos. Porém, a filosofia que mais se sobressai é a kantiana: o
idealismo transcendental. Fiche e Schelling não irão se opor ao pensamento de Kant, mas o
interpretarão de forma subjetiva, pois suas filosofias ainda não possuem a noção de coisa-em-si.
Trata-se de um idealismo transcendental e não absoluto. O idealismo absoluto é a marca do
desenvolvimento e pensamento hegeliano. Hegel critica Kant, critica Fichte, e dá uma nova
interpretação à filosofia de Schelling. Antes o real era a consciência; após Hegel passará a ser a idéia
com todas as suas conseqüências.41




1.2.4.1 FICHTE: O IDEALISMO ÉTICO

        Johann Gottlied Fichte nasceu em Rammenau no ano de 1762, contemporâneo de Schelling e
Hegel. Freqüentou o ginásio em Pforta e iniciou a faculdade de teologia em Jena, com a contribuição
de von Miltitz. Posteriormente, vivia de aulas particulares como preceptor. Até meados de 1790
Fichte era spinoziano, determinista e revelava interesses pelo pensamento de Montesquieu
(1689-1755), além de aprovar as idéias da Revolução Francesa. Conhecia Kant só de nome, mas,
como era professor viu-se obrigado a estudar o filósofo. As obras do Kant foram uma revelação a
Fichte, especialmente a Crítica da razão prática, a partir dos desígnios da liberdade – obra que
posteriormente viria a superar. Após êxito na compreensão das obras kantianas, escreve sua
primeira obra, denominada Ensaio de crítica de toda revelação e consegue publicá-la com a
intervenção do próprio Kant.42

        Inúmeras obras foram escritas por Fichte, principalmente depois de se ter mudado para
Berlim, lecionando na Universidade de Erlangen e, posteriormente, na própria Universidade de
Berlim, onde chegou ao cargo de reitor. Seu maior sucesso, escrito em 1794, foi a obra Doutrina da
ciência, que unificava as três críticas kantianas, constituindo um novo sistema filosófico.43

        Em Kant, o sujeito exerce o principal papel na construção do mundo ou da natureza, porém
limitado pelo númeno, ou seja, a coisa-em-si ou o ser-em-si. Em Fichte o númeno desaparece,

41
   Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 245.
42
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 47-48. v. 4.
43
   Ibidem, p. 48-49.
sobressaindo-se a criatividade ilimitada do eu, ou do sujeito. O pensamento fichteano descreve
unicamente a existência do eu e do não-eu – o sujeito pensante e o sujeito pensado – uma relação de
contraposição, cuja origem se dá a partir de uma ação principal, inconsciente e imediata de um eu
puro. O eu puro é a identidade do pensamento ainda em-si-mesmo.

        De todos os sistemas filosóficos, Ficthe destaca unicamente dois: o dogmatismo e o
idealismo; os únicos possíveis para ele. Um, por afirmar a coisa-em-si – uma espécie de consciência
filosófica ingênua em que apenas se reproduz aquilo que se julga ser externo; e o outro, por negar –
assegurando a liberdade, independência e a espiritualidade do eu. Contudo, Fiche, ao afirmar que a
realidade é o pensamento, utiliza-se do eu puro, do eu e do não-eu (os três princípios fundamentais
da doutrina da ciência) para explicar a criação de toda a realidade.44

        Os três princípios fundamentais compostos pela doutrina da ciência são: o eu, enquanto tese
(afirmação), que se põe absolutamente a si mesmo; o não-eu, enquanto antítese (negação), que é a
oposição do eu a si mesmo; e o eu absoluto, como síntese (limitação), ou seja, isso é possível quando
os dois primeiros princípios limitam-se reciprocamente: o eu é determinado pelo não-eu (atividade
cognoscitiva) e, o eu determina o não-eu (atividade prática). Quando o eu (sujeito) determinar o não-
eu (objeto) significará o alcance da liberdade da consciência; é a ação real alcançada pela vida
moral.45 O idealismo de Fichte, por ser ético, fundamenta-se na liberdade do homem, na liberdade de
consciência, e consciência individual, que é capaz de ver, no idealismo, pela filosofia, a verdadeira
liberdade espiritual.46

1.2.4.2 SCHELLING: O IDEALISMO OBJETIVO

        Friederich Wilhelm Joseph Schelling nasceu no ano de 1775, em Leonberg, na Alemanha.
Faleceu em Ragaz, na Suíça, no ano de 1854. Quando jovem, estudou no seminário protestante em
Tübingen, estreitando amizades com Hölderlin e Hegel. Estudou filosofia em Jena, sob orientação de
Fichte, tornando-se seu sucessor em 1799. Teve vários contatos com o círculo dos românticos no ano
de 1800, conhecendo Goethe, Novalis, Tieck e os irmãos Schelegel. Publica, em 1801, o Sistema do
idealismo transcendental (obra que Hegel buscará para enquadrar seu sistema filosófico,
embasando-se em problemas ético-políticos). Em 1803 passou a ensinar na Universidade de
Würzburg, até 1806. Exerceu magistério na universidade de Munique e em Erlanger no ano de 1820.
Em 1841, dez anos após a morte de Hegel, mesmo com saúde fraca e pouco prestígio com os alunos,
foi chamado para ocupar a cadeira de Hegel em Berlim.47

44
   Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 246-247.
45
   Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 60. v. 4.
46
   Ibidem, p. 59.
47
   Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 248.
Schelling vê na natureza o desdobramento da inteligência consciente. Ele não nega o
idealismo transcendental, mas o reorganiza, partindo do subjetivo para atingir o objetivo, ou seja, a
natureza, o real, a arte. Dessa forma proporciona uma unidade do espírito com a natureza,
denominando-a como espírito visível e momento do absoluto. Em Fichte a relação entre sujeito e
objeto era resolvida pelo idealismo e não pelo dogmatismo. Schelling, na superação de Fichte, afirma
que o dogmatismo não pode ser descartado; é necessário ter ambos os elementos numa concepção
filosófica para se entender a relação do eu e não-eu e espírito e natureza.

           Para Schelling, a filosofia deve partir de uma diferença, e diferença absoluta, ou seja, um
ponto de equilíbrio entre o subjetivo e o objetivo (por isso é que ele não descarta nem o
dogmatismo, nem o idealismo). Esse equilíbrio trata-se do absoluto (síntese), fusão perfeita dos
opostos; dele precede todas as antíteses devendo sempre emergir uma liberdade. O eu absoluto é
representado por uma esfera absoluta de realidade absoluta e infinita, contendo inúmeras finitas.
Essas realidades ou esferas finitas – que nascem da síntese ou limitação do absoluto – nada mais são
que resultados do pensamento teórico. Por serem do pensamento, elas se separam e se isolam,
separando o que é indivisível. Schelling, por ver na natureza o desdobramento do pensamento, ou a
concretização do mesmo, afirma que ela não se contrapõe ao espírito, mas participa de uma
harmonia como o espírito caracterizando fases de um todo. O absoluto, ao adquirir a consciência de
si mesmo, tornar-se espírito no homem que permite a sua manifestação, a manifestação do
verdadeiro gênio: a obra de arte, o gênio criador, ou seja, a inteligência que opera como natureza,
revelando o absoluto.48

           Schelling, tendo conhecimento da filosofia do espírito, já dito por Fichte e Kant, repensa a
Doutrina da ciência de Fichte, retoma a filosofia da consciência (de como a natureza chega à
consciência) para entender melhor o seu inverso: como a inteligência chega à natureza. Dessa
reflexão surge uma de suas obras, uma das mais importantes, O sistema do idealismo transcendental
na qual descreve o inicio da filosofia transcendental. Ao contrário da filosofia da natureza que tem
como pressuposto o objetivo para dele decorrer o subjetivo, a filosofia transcendental segue o
caminho oposto; coloca o subjetivo como primeiro fazendo derivar dele o objetivo.49




1.2.4.3 CRÍTICA A FICHTE E A SCHELLING: A ENTRONIZAÇÃO DO IDEALISMO LÓGICO

           A partir da compreensão da filosofia de Kant, Fichte e de Schelling poderemos entender a
crítica que Hegel fará aos filósofos. Hegel vai além das afirmações de Fichte que se estagnam na
48
     Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 248-279.
49
     Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 82. v. 4.
afirmação de que a realidade não é substância, mas sujeito e espírito em constante movimento.
Critica Fichte quando o eu põe-se a si mesmo e, em seguida, opõe a si o não-eu, estabelece um
limite, procurando superá-lo dinamicamente. Esse limite não permite que o eu de Fichte seja
inteiramente superado; surge uma oposição não superada.50 Já Schelling usa da realidade como
identidade para poder superar o problema da oposição em Fichte; atitude louvável por Hegel, porém
vazia. Schelling é criticado nos próprios escritos da Fenomenologia do espírito por não deduzir nem
justificar seus conteúdos, bem como por usá-los somente como dados.

        Hegel relembra que sua filosofia não é uma filosofia da consciência. Censurou de tal modo
Kant e Fichte que os chamou de filósofos da consciência por não a terem transformado em ciência
absoluta; assim Hegel o faz por meio da fenomenologia. Kant concebe o espírito como consciência e
em Fichte o não-eu é determinado somente como objeto do eu; e isso ocorre somente na
consciência. O importante para Hegel é o espírito, como ele é em-si e por-si, ponto em que a
filosofias kantiana e fichteana não atingem; essas definem o espírito somente como ele é em relação
à outra coisa. Hegel vai mais além que essas filosofias. Ele fundamenta o ponto inicial de toda a
filosofia. Todo o conteúdo que a filosofia possui é a consciência que lhe fornece. O papel da filosofia
se restringe à elaboração conceitual do conteúdo fornecido a ponto de adquirir absoluta verdade e
realidade: torna-se espírito, torna-se conceito.51 Hegel elabora a forma mais completa e complexa de
idealismo procurando explicar os fatos da história que estariam em função do real e do racional:
“Tudo o que é real é racional, tudo o que é racional é real”.52




1.2.5 O IDEALISMO LÓGICO

         Em Fichte a unidade entre o finito e o infinito se manifesta no eu absoluto, a partir duma
atividade ética; em Schelling, na filosofia da identidade, a partir da fantasia criadora. Segundo Hegel,
esse desempenho não é o correto, pois os termos não se ajustam: o infinito apresenta o finito que
tende adequar-se, sem êxitos, ao infinito. O desempenho do finito ao infinito é tido como falso
infinito, ou negativo. Ao ressaltar a importância do infinito, Hegel afirma que ele é a substância de
toda a coisa; o infinito é; é o único afirmativo ao passo que o finito torna-se anulado ou superado.
Essa unidade representa o pensamento lógico, representa a ciência do absoluto.



50
    Ibidem, p. 101.
51
    Cf. VAZ, Henrique Cláudio de Lima. A significação da Fenomenologia do espírito. In: HEGEL, Georg
   Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. p. 9-10.
52
    HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do direito. Prefácio. apud CORBISIER, Roland. Hegel: textos
   escolhidos. p. 18.
Por sua sistematização lógica, Hegel tanto é considerado como filósofo da razão como o
apaixonado romântico. E isso confere, ao se identificar com a história, ou com o real. Além de não
descartar o sentimento, o particular, o subjetivo, o individual, a arte, a religião, utiliza deles como
momentos do seu processo dialético; que os ajusta-os e os supera e os eleva a conceitos. Dessa
forma, pretende reorganizar as posições românticas a fim de encontrar uma síntese que afirmará
que todos os momentos da atividade do espírito serão primeiramente superados e, posteriormente,
conservados em um terceiro momento: o superior. Essa é a síntese do positivo e do negativo ou a
dialética dos opostos. Essa dialética resulta o princípio de toda a realidade pelo qual o real e o
racional se coincidem.53




                                     2 VIDA E PRINCIPAIS OBRAS




          Hegel, filósofo alemão do final do século XVIII e início do século XIX, procurou,
desde sua juventude, formular uma filosofia da liberdade. Todos os seus trabalhos, seus
escritos, suas aulas e suas obras levam-nos a perceber, segundo os moldes dialéticos, a busca
pela expressão de uma filosofia à altura de sua época. Entre seus escritos, encontram-se os
principais como: Princípios da filosofia do direito, que tenta unir o direito (objetivo), ou seja,
a vontade, que parte do exterior, e a moral (subjetivo), ou seja, a vontade que parte do
interior; ambos separados a partir de Kant; Enciclopédia das ciências, uma obra menos densa,
mais subdividida para a apresentação de suas aulas; Ciência da lógica, que descreve a
importância do desenvolvimento dialético; e, por fim, sua grande obra, a Fenomenologia do
espírito, na qual Hegel reconhece e descreve o movimento da consciência dentro de um
processo dialético que parte da sua ingenuidade ao saber absoluto. Contudo, diante dessas
53
     Cf. SCIACCA, Michele Federico. História da filosofia III: do século XIX aos nossos dias. p. 34-35.
obras filosóficas, Hegel apresentará a filosofia como a razão que se apreende na forma do
pensamento consciente.


2.1 VIDA E DESENVOLVIMENTO
           Georg Wilhelm Friedrich Hegel, pensador alemão, sofreu influências de três
movimentos intelectuais ocorridos na história, importantes e fundamentais para o
desenvolvimento          de   sua    filosofia.   São    consideradas      as   influências     da teologia
neotestamentária do cristianismo (importantes para os seus escritos iniciais), a literatura
romântica alemã e, principalmente, o idealismo lógico de Kant. Seu pensamento, por se referir
de modo expressivo à vida política do homem, o tornou pensador oficial do Estado Prussiano
em que todos buscavam respostas.54
           Filho de Georg Ludwig, funcionário público, e de Maria Magdalena, Hegel nasce em
Stuttgart, na Alemanha, aos 27 de agosto de 1770. Cursou o ginásio em sua cidade e,
posteriormente, aos 18, em 1778, ingressou no seminário protestante. Foi nesse seminário, o
da Universidade Teológica de Tübingen, que se tornou amigo de Schelling – com o qual irá
dialogar filosoficamente – e Hölderlin, poeta do movimento romântico. Nessa época, envolta
pelos acontecimentos da Revolução Francesa, a discussão que tomava conta daquele âmbito
acadêmico era justamente a atual condição do reino que se contrapunha aos ideais, antes
apresentados pelo imperador Frederico Guilherme II. Schelling e, principalmente, Hegel
encontravam-se à frente da retomada desses ideais de liberdade e dignidade do homem.
           Hegel, desde a sua juventude, já ansiava por renovações no mundo político aos moldes
da pólis grega. Intrinsecamente ligada a esse molde governamental está a liberdade, fator
fundamental para se chegar à razão. Sua intenção era proporcionar a aquisição da liberdade e,
conseqüentemente, do conhecimento, sem que a unidade e o ideal político fossem
desfigurados, mantendo uma relação entre o indivíduo e a pólis. Essa relação só seria possível
a partir da religião do povo, voltada para a razão e para a liberdade, na qual seria possível
conhecer o ser mais profundo do homem. Para que isso fosse possível, haveria a necessidade
da transformação da religião privada ou despótica em pública ou da liberdade.55
           Com seus estudos, Hegel poderia credenciar-se como pastor protestante; porém, por
falta de vocação, renunciou, em 1793, iniciando seus trabalhos como preceptor, ou seja, um
cargo extraordinário de pouca duração, em Berna, que durou até o ano de 1796. Morou em
Frankfurt, desenvolvendo também a função de preceptor até o ano de 1800. Em 1801, ao

54
     Cf. SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna: de Descartes a Wittgenstein. p. 164.
55
     Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel. In: Hegel. p. 593.
mudar-se para Jena, onde permaneceu até 1807, tornou-se livre docente com a tese Sobre as
Órbitas dos Planetas e, pela interferência de Goethe, se tornar-se-ia professor extraordinário
de alta fama naquela Universidade.
        Mesmo a amizade sendo forte entre Schelling, Hölderlin e Hegel, os ideais começaram
a se distanciar. Schelling passa a seguir o caminho da reação romântica, que preparou a
contra-revolução de 1848. Hölderlin, por ter adotado uma rigorosa moral, via-se
impossibilitado de compreender as novas idéias ou ideais da língua e da cultura. Já Hegel,
com outra vertente, reconheceu, nas guerras napoleônicas, o exemplo das etapas necessárias
para concretização de um novo estado, de uma nova ordem social.56 No ponto de vista de sua
filosofia, ressalta a importância do contexto ou da vida do filósofo que “[...] está ligado ao
pano de fundo histórico universal: ‘o filósofo é filho de seu tempo’, mesmo quando consegue
apreender intelectualmente o intemporal”.57
        O período de maior produção do filósofo ocorreu em Jena. Ali conseguiu aglomerar e
sistematizar, pela primeira vez, o seu pensamento, dando origem ao seu sistema filosófico.
Escreve a Fenomenologia do espírito com a intenção de ser a introdução dele. Mesmo sendo
concluída em meio a turbulências ocorridas na época, a obra, devido a sua grande importância
e complexidade (como será melhor apresentado no capítulo terceiro deste trabalho), tornou-se
o mais importante escrito da filosofia ocidental moderna. Os escritos, já sistematizados, foram
entregues por um mensageiro ao editor, em Banberg, que os publicou alguns meses depois.58
        Sua vida também foi marcada pela Revolução Francesa, qualificando-a como a queda
gloriosa em que todos os pensantes compartilhem com a importância dessa época. Essa
alegria da aquisição da liberdade da razão foi saudada ou representada pelo plantio de uma
árvore, um símbolo de esperança; ato que realizou juntamente com seus amigos. Naquela
época, a Alemanha era constituída por cerca de trezentos Estados ligados ao Sacro Império
Romano Germânico, sob o domínio do Imperador austríaco Francisco I, e estava prestes a ser
dominada pelos revolucionários. Com isso exclamou: “Eu vi o imperador – esta alma do
mundo – percorrendo as cidades para inspecionar suas tropas; é realmente uma emoção
maravilhosa ver tal homem, um homem que, concentrado numa questão particular aqui,
sentado sobre um cavalo, alcança o mundo e o domina.”59
        Isso, para se referir a Napoleão quando, em 1806, pôs fim ao império austríaco que
durou mais de mil, anos proporcionando na Alemanha a libertação dos servos e uma reforma

56
   Ibidem, p. 587-588.
57
   HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. p. 465.
58
   Cf. PLANT, Raymond. Hegel. p. 16-17.
59
   HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A razão na história. p. 447. apud SINGER, Peter. Hegel. p.12.
geral do exército e da administração. Além disso, esses dizeres revelam pressupostos usados
em sua grande obra Fenomenologia do espírito. Nela estão contidas as preocupações do
filósofo com problemas políticos e a busca incessante da soberania da razão no tempo. 60 Logo
em seguida Napoleão causou o fechamento da Universidade em Jena, onde Hegel lecionava,
forçando-o a procurar novos rumos. Por algum tempo exerceu, no periódico católico Bamberg
Gazette, a função de editor. Volta a seu posto de ensino, agora como reitor em Nuremberg, de
1808 até 1816. Foi um período produtivo, cujo fruto foi a Propedêutica filosófica, que
abrangia a lógica, a filosofia da natureza, a filosofia da mente (espírito subjetivo), a filosofia
do espírito objetivo (ciência do direito, a moral e a religião), e a filosofia do espírito absoluto
na qual engloba a filosofia, a arte e a religião.61


2.2 OS ESCRITOS DE JENA
        Os escritos gerados por Hegel na época em que viveu em Jena são divididos em dois
grupos e antecedem sua grande obra, a Fenomenologia do espírito. Os ético-políticos são
compostos por: A Constituição da Alemanha e o Sistema da eticidade; e os teóricos são
compostos por: Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling e Fé e saber. Esses escritos
retratam principalmente o pensamento hegeliano intimamente preocupado com as ocorrências
políticas daquela época, bem como as filosóficas, especialmente os sistemas de Fichte e
Schelling.
        No campo ético-político situa-se o escrito: A Constituição da Alemanha. Esse escrito
foi desenvolvido entre os anos de 1801 e 1803, após uma das vitórias de Napoleão e,
conseqüentemente, a divisão da Alemanha em vários Estados. Ele não chegou a ser publicado
por Hegel. Seu conteúdo era bastante polêmico, pois revelava uma nova visão de Estado
(Gewalt) que ia contra ao modelo de Berna. Nesse escrito Hegel busca a resposta para a
compreensão de por que a Alemanha não é mais um Estado.62 Descreve:
                            Os pensamentos que este escrito contém não podem ter, com sua publicação,
                            nenhum outro objetivo ou efeito senão o de compreender o que é, e com isso
                            transmitir uma opinião mais serena, assim como uma moderada tolerância
                            nos contatos reais [na maneira de comportar-se] e nas palavras. Pois o que
                            nos torna impetuosos e nos faz sofrer não é o que é, mas o fato de não ser
                            como deve ser; porém, se reconhecermos que isso é como é necessário que
                            seja, ou seja, não por arbítrio ou por acaso, reconheceremos também que
                            deve ser assim.63


60
   Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel. In: Hegel. p. 588-589.
61
   Cf. PLANT, Raymond. Hegel. p. 17.
62
   Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 708.
63
   ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 709.
Essa parte do escrito sobre A Constituição da Alemanha descreve uma positividade
histórica e necessária. Leva o leitor a perceber e a quietar-se diante da situação negativa
vivida na história (no fundo Hegel já apresenta a importância do papel do negativo que será
melhor apresentado segundo seu sistema filosófico). Para ele, essa negatividade, ou esse
estado de guerra, ou a dissolução da Alemanha, mais de que uma permanência harmoniosa, é
um importante fator para o seu desenvolvimento, ou para o desenvolvimento de qualquer
Estado, bem como a valorização da liberdade do indivíduo. E mais, Hegel tinha a plena
certeza que, embora a Alemanha tenha sido dividida, no fundo ela continha o estímulo à
liberdade do indivíduo; liberdade cujos indivíduos ou Estados sacrificassem suas
peculiaridades para reencontrá-las enquanto universal. Com isso já está anunciando
pressupostos de seu sistema filosófico.64
           Ainda no campo ético-político encontra-se o escrito Sistema da eticidade que só foi
publicado em 1893. É um considerável escrito de sua juventude. Sobre o campo ético-político
Hegel produziu outro escrito chamado As diversas maneiras de tratar o direito natural
1802-1803; porém, o primeiro tornou-se mais conhecido e importante. A respeito desse
escrito sabe-se que, além de ser extremamente difícil, o que é comum em Hegel, é tido como
introdutório à Fenomenologia do espírito, por já conter a narração de momentos históricos.
Além disso, é muito complexo e cheio de divisões e subdivisões. Um aspecto importante dele,
talvez o principal, é o surgimento da consciência na natureza como realidade indiferenciada
que, como a consciência (que será abordado na Fenomenologia do espírito), contém a
necessidade uma separação, de uma busca pela satisfação cujo encontro se dá pelo trabalho,
para a transformação e concretização de um objeto externo. O Sistema da eticidade traz a
importância da família como totalidade a ser desempenhada; porém, não como a mais
importante, pois a mais importante é a vida de um povo, ou seja, a vida de cada um, mas
desenvolvida a favor de todo o povo. Com isso, explica Hegel:
                             De maneira eterna existe, portanto, o indivíduo na eticidade; seu ser
                             empírico e seu agir sem dúvida são universais: de fato, não é o individual
                             que age, mas o espírito absoluto universal que está nele. A visão do mundo e
                             da necessidade que é próprio da filosofia, segundo a qual todas as coisas
                             estão em Deus, e não existe nenhuma singularidade, é completamente
                             realizada (...) no fato de singularidade do agir, do pensar ou do se ter a sua
                             essência e significado apenas no inteiro (...) Mas a intuição dessa idéia de
                             eticidade é o povo (...) No momento em que o povo é a diferença viva,
                             anula-se toda a diferença natural (...); e é justamente por isso que essa
                             identidade de todos não é abstrata, não é igualdade do cidadão como
                             bourgeois, mas uma identidade absoluta [...]65
64
     Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 709.
65
     HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Escritos de filosofia do direito. p. 201-202. apud ROVIGHI, Sofia Vanni.
     História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 711.
Já é de nosso conhecimento que Schelling publicou, em 1801, o seu sistema com o
nome de Sistema do idealismo transcendental. Hegel, no mesmo ano, ainda em Jena, além
dos problemas ético-políticos, começa a se contrapor a sistemas filosóficos existentes.
Escreve o teórico sobre Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling. Nele, contém
divisões enfocando sobre as formas do filosofar, a exposição do sistema fichteano, a
comparação entre os sistemas de Fichte e Schelling. Esse escrito afirma o espírito como
identidade de sujeito e objeto. É justamente no prefácio da Diferença que Hegel aponta a
diferença entre espírito absoluto e o espírito da filosofia kantiana. Começa o início de uma
grande discussão.
           Para Hegel compor a Diferença, inúmeras discussões são geradas. Primeiramente pelo
fato de Kant limitar a identidade do sujeito-objeto a doze categorias e por não incluir nessa
identidade o conteúdo empírico. Hegel concorda com Kant quando afirma que a identidade do
sujeito é constituída pelo intelecto; o que ele não concorda é que essa unidade entre sujeito e
objeto seja limitada simplesmente ao fenômeno, não valendo para as coisas-em-si. Kant, com
isso, acaba de abandonar a razão ao intelecto. Outro motivo que causou discussões foi
justamente o problema de Fichte ao desenvolver seu sistema. A princípio – discordando de
Kant – afirma que tal identidade entre sujeito e objeto (para ele eu e não-eu) não é apenas
limitada ao fenômeno, mas vale para todo o real. Depois, desviando-se de tais princípios,
permite que a razão seja abandonada ao intelecto, impossibilitando a união dos opostos.66
Mais que discutir com Kant e com Fichte, encontra e elogia a filosofia de Schelling que
apresenta com júbilo uma necessidade de reconciliação entre os opostos, cuja identidade se
atualiza conservando-se em-si. Porém, interpreta de sua maneira e distingue a identidade
schellinguiana da sua na qual apresentará o desaparecimento de todas as diferenças entre os
opostos. Em suma, afirma:
                              A cisão (Entzweiung) é a origem da necessidade da filosofia. (...) Quando a
                              força que unifica (Macht der Vereinigung) desaparece da vida do homem,
                              quando os opostos perderam sua relação viva e sua ação recíproca e
                              tornaram-se coisas estanques em si, então surge a necessidade da filosofia.67

           Além de Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling, produz em 1802, outro
escrito importante: Fé e saber. Uma espécie de reação ao Iluminismo que absolutiza a
realidade empírica e finita, chegando ao ponto de afirmar a impossibilidade do conhecimento
do absoluto por meio da razão. Com esse escrito dialoga, discute e discorda das filosofias de
Kant, de Fichte e de Jacobi. A de Kant por dar e apresentar a lei moral como a mais
66
     Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 712-713.
67
     ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 713.
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  • 1. SEMINÁRIO DIOCESANO DE SÃO CARLOS Paulo Eduardo Roda A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO: A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO, NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO SÃO CARLOS 2007
  • 2. PAULO EDUARDO RODA A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO: A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO, NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia do Seminário Diocesano de São Carlos, como parte dos requisitos para aprovação final. Orientador: Profº. Diác. Wagner Luís Lopes Pedroso. SÃO CARLOS 2007
  • 3. PAULO EDUARDO RODA A LIBERDADE NO INTERIOR DA ESCRAVIDÃO: A LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA, A PARTIR DA DIALÉTICA HEGELIANA DO SENHOR E DO ESCRAVO, NA OBRA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia do Seminário Diocesano de São Carlos, como parte dos requisitos para aprovação final. 21 de novembro de 2007 Profº. Diác. Wagner Luís Lopes Pedroso Seminário Diocesano de São Carlos Profº. Ms. Pe. Márcio Coelho Seminário Diocesano de São Carlos
  • 4. A todos que vivem o ardor de sua história.
  • 5. AGRADECIMENTO Ao Absoluto.
  • 6. “...o espírito é livre na sua necessidade, encontrando apenas nela a sua liberdade, do mesmo modo que a sua necessidade repousa apenas na sua liberdade.” G.W.F. Hegel
  • 7. RESUMO Palavras-chave: devir, dialética, consciência, espírito, absoluto, servidão, trabalho e liberdade. A dialética do Senhor e do Escravo de Hegel representa, segundo uma metáfora, uma racionalidade dialética que faz o Universo funcionar como um grande pensamento movendo-se pela tríade: tese, antítese e síntese. Tudo na filosofia, inclusive no sistema hegeliano, bem como na história, move-se a partir dessa tríade. A dialética é a história do espírito, é a contradição do pensamento que parte de uma afirmação à negação, sem que o negado seja excluído, pois o mesmo permanece dentro da totalidade. Assim, a dialética é o motor da racionalidade, é o devir da razão. O grande questionamento deste presente trabalho se encontra a partir da reflexão dessa dialética que, representada pela parábola do Senhor e do Escravo, procurará demonstrar o engodo ocorrido no processo formativo da consciência e conseqüentemente, a liberdade. A metáfora mostrará que, a partir da tríade já mencionada, para que haja a verdadeira reflexão, são necessários os momentos do medo e do trabalho, ou do serviço em geral, que exigem a disciplina e a obediência. Todo o sistema hegeliano, ao se mover dialeticamente, descreve o movimento do Absoluto que atinge seu ápice a partir da superação da dicotomia entre o subjetivo e o objetivo. Porém, para que isso aconteça, é necessário o devir. No primeiro momento, o Absoluto ainda é Idéia (tese) e se divide em ser, essência e conceito; e, por ser em-si, tem a realidade, mas ainda não tem a existência. No segundo momento, ocorre a manifestação do Absoluto, ou seja, a sua exteriorização. Agora a Idéia está fora-de-si, é Natureza (antítese) que se divide em mecânica, física e orgânica. Esta é a idéia manifestada para ter existência. E, por fim, no terceiro momento, ocorre o retorno do Absoluto que passa, agora, a ser-para-si. Esse é o momento do Espírito (síntese), dividido em objetivo, subjetivo e absoluto. Agora, tem-se a Natureza junto com a Realidade, ou seja, a Idéia. Conclui-se, assim, o sistema hegeliano, cujo Absoluto passa a ser conhecido, goza de si mesmo e adquire a verdadeira liberdade. Contudo, quando se fala dialeticamente de consciência, fala-se de espírito, de absoluto, de indivíduo, de nação. Na dialética do Senhor e do Escravo estão incluídos três significados: o primeiro é filosófico, cuja consciência experimenta-se a si mesma através das sucessivas formas de saber que serão assumidas e julgadas pela Ciência e para Filosofia; o segundo é cultural, em que o homem
  • 8. ocidental moderno fará de sua vida uma tarefa de decifração do enigma de uma história que se desenvolve na luta por um sentido, por uma liberdade; e por fim, o terceiro, que é histórico, ou seja, a junção da filosofia com a cultura, em que o indivíduo possui a necessidade de percorrer a história da formação do seu mundo de cultura como caminho que permitirá o seu formar-se para a Ciência. Todos esses significados se entrecruzarão na dialética do Senhor e do Escravo.
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................01 1 CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO.......................................................... .............................................................................................................................................04 1.1 Contexto histórico....................................................................................................04 1.1.1 Os germânicos: a origem da Alemanha...................................................................04 1.1.2 Reforma Protestante................................................................................................06 1.1.3 A formação da Prússia.............................................................................................08 1.1.3.1 A guerra dos déspotas..............................................................................................09 1.1.4 A Revolução Francesa.............................................................................................10 1.1.5 O Império napoleônico............................................................................................12 1.1.5.1 A derrocada napoleônica.........................................................................................13 1.2 Contexto filosófico..................................................................................................13 1.2.1 O Iluminismo...........................................................................................................14 1.2.2 Immanuel Kant........................................................................................................16 1.2.3 Formação e peculiaridade do movimento romântico...............................................17 1.2.3.1 O Romantismo.........................................................................................................19 1.2.4 O Idealismo..............................................................................................................21 1.2.4.1 Fichte: o Idealismo ético..........................................................................................21 1.2.4.2 Schelling: o Idealismo objetivo...............................................................................23 1.2.4.3 Crítica a Fichte e a Schelling: a entronização do Idealismo lógico.........................24 1.2.5 Idealismo lógico......................................................................................................25 2 VIDA E PRINCIPAIS OBRAS...............................................................................26 2.1 Vida e desenvolvimento..........................................................................................26 2.2 Os escritos de Jena...................................................................................................28 2.3 Escritos da maturidade.............................................................................................31 2.4 A Fenomenologia do espírito..................................................................................33 2.5 A Ciência da lógica..................................................................................................34 2.6 A Enciclopédia das ciências....................................................................................35 2.7 Princípios da filosofia do direito.............................................................................35 2.8 O hegelianismo........................................................................................................37 3 A FILOSOFIA DE HEGEL....................................................................................38
  • 10. 3.1 A história e a filosofia em Hegel.............................................................................38 3.2 O processo triádico do espírito ...............................................................................40 3.2.1 Os três grandes momentos do devir ........................................................................41 3.3 A Lógica: filosofia do ser........................................................................................42 3.4 A Filosofia da natureza............................................................................................44 3.5 O Espírito.................................................................................................................46 3.5.1 O espírito subjetivo..................................................................................................46 3.5.2 O espírito objetivo...................................................................................................47 3.5.3 O espírito absoluto...................................................................................................49 4 A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO.................................................................51 4.1 Os termos fenômeno e consciência em Hegel.........................................................51 4.2 A Fenomenologia no processo histórico: o espírito é história.................................53 4.3 A Fenomenologia do espírito: significado e finalidade...........................................55 4.4 As etapas do itinerário fenomenológico..................................................................58 4.4.1 A 1ª Etapa: a Consciência........................................................................................59 4.4.2 A 2ª Etapa: a Autoconsciência.................................................................................60 4.4.3 A 3ª Etapa: a Razão.................................................................................................62 4.4.4 A 4ª Etapa: o Espírito..............................................................................................64 4.4.5 A 5ª Etapa: a Religião..............................................................................................66 4.4.6 A 6ª Etapa: o Saber Absoluto: a consciência a caminho do Absoluto.....................68 5 A DIALÉTICA HEGELIANA................................................................................70 5.1 Analíticos e dialéticos..............................................................................................70 5.2 Origens da dialética: a diferença entre a dialética hegeliana e a grega...................72 5.3 A razão na história...................................................................................................75 5.4 A idéia absoluta.......................................................................................................78 5.5 O negativo como momento dialético que leva ao positivo......................................79 5.6 A estrutura triádica do processo dialético: tese, antítese e síntese..........................80 5.6.1 Tese: o 1º movimento..............................................................................................80 5.6.2 Antítese: o 2º movimento........................................................................................81 5.6.3 Síntese: o 3º movimento..........................................................................................81 6 O SENHOR E O ESCRAVO..................................................................................83 6.1 A parábola do Senhor e do Escravo na história.......................................................83 6.2 O episódio dialético do Senhor e do Escravo em Hegel..........................................85 6.3 O momento da formação da autoconsciência: a consciência da vida......................86
  • 11. 6.3.1 O desejo...................................................................................................................87 6.3.2 A vida......................................................................................................................88 6.3.3 O outro eu................................................................................................................89 6.3.4 O reconhecimento....................................................................................................90 6.4 A dialética do Senhor e do Escravo: relação com o outro na constituição da iden- tidade...................................................................................................................................91 6.4.1 A luta de vida ou morte...........................................................................................92 6.4.2 A dominação............................................................................................................93 6.4.2.1 O silogismo da dominação .....................................................................................94 6.4.3 A escravidão: o medo e a formação.........................................................................95 6.4.4 O trabalho ............................................................................................................... .............................................................................................................................................96 CONCLUSÃO.....................................................................................................................98 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................100
  • 12. INTRODUÇÃO Diante dos inúmeros assuntos filosóficos, dos inúmeros sistemas apresentados pelos filósofos que, ainda hoje, nos causam questionamentos, escolhi, creio eu, o mais interessante, o mais sistemático e enigmático deles para ser abordado. Foi justamente a filosofia de Hegel, por apresentar a dialética do Senhor e do Escravo, que me despertou a curiosidade e o desejo de, nela, obter um maior aprofundamento e descobrir qual a sua utilidade, bem como o seu motor e ponto fundamental. Inúmeros especialistas em Hegel apresentam-no como o grande último sistematizador na história da filosofia, por sua audácia e por conciliar filosofia e história num único sistema. E mais, afirmam que pensar dialeticamente é compreender a simultaneidade contida no devir e favorecer sempre o pensamento pensante. Tamanha foi sua importância na história da filosofia que, através de seu sistema, Hegel abarcou o maior número de assuntos ou conteúdo possíveis; assuntos esses que se desenvolvem nos moldes de uma dialética. Por ser a dialética o centro motor de seu sistema, interessei-me em desenvolver um estudo sobre essa dialética. Ela fora ilustrada ou metaforizada pelo próprio filósofo com as figuras do Senhor e do Escravo. Neste trabalho essas figuras aparecerão com iniciais maiúsculas, destacando-se. O objetivo deste trabalho é, a partir dessa dialética, compreender como Hegel apresentou o conceito de liberdade da consciência que, percorrendo o itinerário fenomenológico, alcançará o absoluto. Esse objetivo levará o indivíduo a uma compreensão total do sistema hegeliano, que esta pesquisa reunirá numa importante síntese. A todo o momento, o pensamento hegeliano, feito uma dialética, retomará as figuras já existentes e as transformará em conceitos. Por certo, o conceito de liberdade perpassará toda a filosofia de Hegel e, será necessário, para a continuidade do percurso da consciência, do espírito, do absoluto e do indivíduo. O presente trabalho pretende demonstrar se a hipótese dessa verdadeira liberdade da consciência é fruto de um processo que se dará a partir do medo, da submissão e do trabalho realizado por uma delas ou não. A partir disso, ele terá grande proveito a um indivíduo que, por sua história e através dela, tiver a capacidade de adquirir a verdadeira liberdade e, conseqüentemente, contemplar o absoluto. Esse absoluto só poderá ser contemplado à medida que se atingir a arte, a religião e a filosofia. Esses são os três momento da auto-consciência, ou seja, da verdadeira liberdade.
  • 13. Inicialmente, apresentarei o contexto histórico e filosófico em que Hegel se situa e dialoga. Esse capítulo é estritamente importante, tendo em vista a aproximação da filosofia com a história, promovida por Hegel na intenção de aplicar seu raciocínio para conceber uma história em etapas. Etapas essas que se caracterizarão pela superação do momento anterior. É a história e a filosofia que, ao caminharem juntas, se entrelaçam. Em seguida, como segundo capítulo, apresentarei a vida e as principais obras de Hegel. Obras essas que, desde sua juventude, principalmente a partir da Reforma Protestante, recolhem fundamentos para o desenvolvimento de seus escritos, suas obras e a idealização de seu sistema. Com isso, Hegel ganhou o universo da história e, por sua audácia no pensamento, marcou o início do pensamento moderno. A partir da apresentação desses dois importantes momentos, no terceiro capítulo, discorrerei sobre sua filosofia: complexa, porém atraente; enigmática, porém aplicável. Embora se trate de uma filosofia ímpar, Hegel busca questionar as filosofias de Kant e Fichte e, fundamentar melhor a de Schelling. Notar-se-á que toda sua filosofia, todo o seu sistema, desenvolvido para a compreensão do absoluto, bem como a tríade principal do espírito e suas subdivisões, inclusive a Fenomenologia do espírito, são triadicamente divididas e aplicadas ao movimento dialético. O interessante é a retomada dos conceitos, que antes eram figuras, para a compreensão de novos. O capítulo seguinte, o quarto, trata da obra fundamental de Hegel e da obra base deste trabalho. Nela Hegel apresenta as etapas do itinerário fenomenológico. Será a partir dessas etapas que a compreensão de seu sistema se tornará mais clara, pois todo o trajeto percorrido e aplainado pela consciência será percorrido posteriormente pelo espírito e, conseqüentemente, pelo indivíduo enquanto caminheiro de sua história. É nessa trajetória que uma pedra no caminho aparecerá: acontecerá a luta pelo reconhecimento entre as consciências e, a partir daí, a aquisição da verdadeira liberdade. Posteriormente, no quinto capítulo, antes de adentrar o tema principal e questionador deste trabalho, abordaremos a dialética de Hegel e sua estrutura. Fundamentando o sistema hegeliano, a dialética representa os momentos de um devir. Esse movimento também relembra a história na dinâmica de suas sociedades que reconhece a partir de cada momento – seja tese, seja antítese – pronta a tornar-se parte de todo um complexo. Finalmente, como sexto e último capítulo, haverá a abordagem do conceito de liberdade da consciência, que não terá seu momento específico, pois, segundo Hegel, ela se encontra na base de toda a reflexão filosófica. Nesse capítulo veremos que a consciência-de-si, que é desejo, só chegará a
  • 14. sua verdade ao encontrar outra consciência-de-si. Essa dialética conduzirá, da luta pelo reconhecimento à oposição entre Senhor e Escravo, e daí à liberdade. Essa é a dialética do reconhecimento, que visa a liberdade, atribui-se o suspender, em seus três significados, ou seja, a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial dessa realidade e a elevação a um nível superior. Assim, pelas figuras do Senhor e do Escravo, a dialética de Hegel é explicada, o seu sistema é compreendido, a verdadeira liberdade é alcançada, e a filosofia, aplicada.
  • 15. 1 CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO A história é indispensável a Hegel para a compreensão da filosofia e do absoluto, pois a história e a filosofia se entrecruzam, caminham juntas, fazem-se necessárias uma à outra. Dessa forma é explicada uma de suas máximas ao afirmar que o real é racional e que o racional é real. O presente capítulo abordará, em uma visão panorâmica, mas minuciosa e detalhada, os motivos que fizeram de Hegel o maior e, consideravelmente, o último sistematizador da filosofia. 1.1 CONTEXTO HISTÓRICO Seria impossível compreender a filosofia de Hegel sem antes se aprofundar na história do povo germânico, conseqüentemente, na origem da Alemanha. Depois de muitas conquistas, o povo germânico, como império, desencadeou duas grandes revoluções na história, apresentadas por Hegel, naquela época, como moldes a serem seguidos e extremamente essenciais para a obtenção da verdadeira racionalidade. As revoluções foram: a Reforma Protestante, considerada como o princípio para a transformação do mundo, capaz de livrar o homem de uma consciência ingênua; e a Revolução Francesa, que criou condições para o desenvolvimento do Estado de Direito. Nessa, Hegel considerou Napoleão Bonaparte o grande expoente da Revolução julgando ser a manifestação da verdadeira razão. Como a história também faz parte do processo dialético, apresentado pelo filósofo, Hegel viu a derrocado do Império napoleônico. Contudo, define a manifestação da razão, ou do Absoluto, em três momentos na história: no Império oriental, no Império romano e, principalmente, no Estado germânico. Foi através dessa tríade dialética histórico-filosófica com tese, antítese e síntese que Hegel elaborou o seu sistema. 1.1.1 OS GERMÂNICOS: A ORIGEM DA ALEMANHA Germânia significa homem de guerra ou homem de lança. Nos primórdios os germanos eram povos bárbaros, organizados em tribos, com diferentes culturas. Essas tribos eram, entre outras, os anglos, os saxões, os visigodos, os ostrogodos, os vândalos, os francos, os suevos, os burgúndios, os lombardos, os alamanos e os hérulos. Eles viviam em florestas, fora do Império romano, e não conheciam o sistema organizacional de uma cidade. Tudo o que se conhece sobre esses povos foi escrito pelos próprios romanos. A organização social dos povos germânicos baseava-se na família,
  • 16. tendo no pai a figura central, com poder sobre os outros membros. A cada cem famílias, que viviam em uma denominada região, formava-se uma aldeia. As decisões, nessa aldeia, eram tomadas em assembléias de homens livres. Além de um rei, que mantinha o poder militar e político, existiam os nobres, os homens livres, os ex-escravos (que haviam conquistado sua liberdade) e escravos. As leis eram baseadas nos costumes; a religião, politeísta, e as divindades, associadas a fenômenos da natureza. Séculos antes de invadirem o Império Romano suas economias já eram sedentárias, baseando-se nas trocas comerciais entre aldeias.1 Os germanos penetraram no Império romano via migrações e via invasões. As migrações ocorreram nos séculos II e III; as populações germânicas se deslocaram em grande massa, de forma pacífica, para o território romano. A entrada no território romano foi possível graças a acordos com o governo, o qual lhes garantiria terras para que se estabelecessem. Muitos guerreiros germânicos ingressaram no exército romano e aos poucos foram se integrando na sociedade romana por meio do casamento. Já as invasões, ocorridas entre os séculos IV e VI, correspondem à penetração no Império romano de forma violenta. Os hunos (povo de origem tártaro-mongol) aniquilaram os ostrogodos e invadiram os visigodos – povos germânicos. O chefe dos visigodos, depois de ter pedido permissão ao imperador romano, Valente, para entrar com seu povo em terras romanas, atacaram e saquearam cidades, dando início a uma série de invasões.2 Por ocasião das invasões, Odoacro, chefe dos germanos, depôs o imperador romano em 476. O Império romano foi desintegrado. Essa deposição ficou conhecida como a queda do Império romano do Ocidente. Esse foi considerado o marco divisório entre a Antiguidade e a Idade Média. Com isso, inúmeros povos germânicos dominaram diferentes regiões da Europa. A religião cristã dos romanos foi adotada pela maioria dos germanos. O latim, que foi preservado, e as línguas germânicas deram origem às línguas inglesa, neolatinas e alemã. Na organização política houve muitas mudanças, pois os germanos se organizavam tradicionalmente em forma de tribos e não como um império centralizado e hierarquizado como Roma. Somente os francos (um dos povos germânicos) conseguiram se estruturar de forma diferente e expandir seus domínios.3 Gerações e gerações se passaram e os povos germânicos não se constituíram uma nação. O motivo era devido à precariedade da unificação política. A origem da nação alemã e também da francesa se deu pela constituição do grande Estado franco merovíngio com as dinastias Merovíngio e Carolíngia e, posteriormente, sua conversão ao cristianismo. Após a morte de Carlos Magno, em 814 d.C., o império, antes unído, começou a se desintegrar gerando o império ocidental e o império 1 Cf. COTRIM, Gilberto. História global, Brasil e geral. p. 116. 2 Ibidem, p. 116-117. 3 Ibidem, p. 117-118.
  • 17. oriental. A partir do momento em que a palavra Deutschland (Alemanha) passou de uma simples classificação de língua à uma qualificação de um povo, a Alemanha, então como nação, adquiriu uma história própria. O domínio franco, que foi marcado por constantes disputas políticas entre a realeza e a nobreza proprietária de terras, encerrou-se em 911. O reino gernâmico foi fundado pelos duques da Francônia, da Saxônia, da Suábia e da Baviera, com a extinção da dinastia Carolíngia. Henrique I, da Saxônia, foi eleito rei por outros três duques e sucedido por seu filho Oton I, em 936. Como o pai, Oton I protegia a Igreja e, em troca, contava com o apoio político do papa. Essa aliança se consolidou em 962, quando Oton I foi sagrado Imperador em Augsburgo, pelo papa João XII. Através desse ato, que acentuaria a dominação da Igreja pelo Estado, nasceu o Sacro Império romano-germânico que perdurou até 1806. Oton I tinha os bispos e abades como verdadeiros suportes de seu Império, por serem responsáveis pela maior parte do exército, bem como pela contribuição dos impostos. Ao controlar os bispos e também o papado, intervindo politicamente na Igreja, o imperador Oton I e seus sucessores neutralizavam o poder dos duques germânicos. A Igreja, ao caminhar junto com a política, gerou a corrupção do alto clero – bispos e abades – que influenciaram negativamente o baixo clero – monges e padres – que vieram a viver de modo mundano a ponto de abandonar a regra religiosa. O Império alemão, iniciado pelo duque Conrado, em 911, resistiu até 1806. Suas dinastias sofreram apogeus e declínios, passando por diversas fases. Os dois maiores destaques desse Império foram: a Reforma, ocorrida no século XVI, ocasionada por Martinho Lutero (monge agostiniano nascido na Alemanha), seguida de conflitos sociais e guerras religiosas, e, no século XVII, o apogeu da Prússia, Estado do território alemão que se destacou entre todos por tornar-se uma potência militar.4 1.1.2 A REFORMA PROTESTANTE O mundo germânico não é apenas o mundo alemão; engloba muito mais. Além de todo o período que vai do Império romano até a época moderna, Hegel denomina como mundo germânico a Holanda, a Escandinávia e a Grã-Bretanha e o estendeu também com o desenvolvimento da Itália, devido a Reforma Protestante, por considerá-la o acontecimento mais importante desde a época romana e com o desenvolvimento da França, através da Revolução Francesa.5 Em 1517, Martinho Lutero (baixo clero, professor de teologia em Wittenberg), revoltado com a venda de indulgências, pela Igreja Católica, reformula a doutrina cristã, principalmente acerca do 4 Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida; PILETTI, Nelson. Toda a História: história geral e história do Brasil. p. 101-105. 5 Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 33.
  • 18. mistério da salvação. Segundo ele, o indivíduo alcança a salvação unicamente pela fé e não por suas boas ações. Fixa, na porta da catedral de Wittenberg, uma relação com 95 teses. Nelas, denunciava os abusos cometidos pelo clero. Foi excomungado em 1520 e condenado também pelos partidários do imperador Carlos V. Contudo, as idéias de Lutero foram aceitas pelos príncipes germânicos, que tinham um profundo interesse em se libertarem da interferência do papa e do imperador: almejavam uma liberdade política. A Reforma Protestante causou uma grande crise na cristandade, representando a grande transformação religiosa da época moderna. Com ela a estrutura clerical e a doutrina da salvação foram alteradas. O descontentamento, que deu origem à Reforma, está ligado ao desenvolvimento comercial. Esse desenvolvimento era barrado pela Igreja, pois os juros, os lucros, não eram aceitos pela instituição. Da mesma forma, em grande evidência, distinguiam-se os senhores e os escravos (camponeses). Os senhores feudais, cada vez mais ricos, e os camponeses, impossibilitados, também pela Igreja, de uma ascensão social. De certa forma, a Igreja estava envolvida ideologicamente pelo feudalismo. A crise no feudalismo e o interesse de reduzir o poder da Igreja deram forças ao movimento da Reforma.6 Devido à corrupção do clero e sua inserção na política, Hegel classifica a Igreja, principalmente na Idade Média, como um tempo noturno e agitado; um tempo cuja razão individual era sufocada por uma certa alienação, à instituição governamental e, principalmente, religiosa. Nessa época o verdadeiro espírito religioso estava desvirtuado, e a verdadeira e livre contemplação do absoluto não acontecia. O homem vivia numa obediência cega ou abstrata, não concreta (conforme irá mostrar Hegel em seu sistema filosófico, que será abordado no terceiro capítulo deste trabalho, uma espécie de tese ou consciência ingênua). E foi justamente com a Reforma, denominada luz do novo dia, que o homem se libertou. A Reforma só aconteceu graças à honestidade e à simplicidade de coração do povo germânico. Embora a Reforma Protestante tenha ocorrido por causa da corrupção do clero e suas exigências a uma obediência cega a ritos, cerimônias, incorporação da divindade ao mundo material, ela foi considerada como necessária à obtenção da verdadeira liberdade do espírito religioso.7 Antes da Reforma, a atenção do ser humano fixava-se nos bens materiais relacionados ao dinheiro, principalmente com à venda de indulgências. Com o êxito da Reforma, conquistada pelo povo germânico, rompendo com a pompa e cerimoniais da Igreja Católica Romana, afirmou-se a liberdade de cada ser humano. Cada indivíduo possuía uma liberdade espiritual. A relação com 6 Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida; PILETTI, Nelson. Toda a história: história geral e história do Brasil. p. 163-164. 7 Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 33.
  • 19. Cristo, com Deus, era direta, as intermediações institucionais. Contudo, a Reforma é muito mais que um desbancar ou desmascarar o rito religioso romano; ela tornou-se a afirmação da honestidade e da simplicidade de coração frente a corrupção do clero. Segundo Hegel, fica bem claro que a consciência individual, sendo livre por natureza, possua a potência ou o devir da verdade por meio da razão para adquirir a salvação e a contemplação do absoluto. É com a Reforma que o princípio para a transformação do mundo fica evidente. Cada ser humano deve usufruir de sua racionalidade individual, pois tem a capacidade de julgar a verdade para se tornar livre. E não só o indivíduo, mas também todo o governo em geral, bem como as instituições, devem-se adequar ao mundo de seres espirituais livres, usando dos princípios gerais da razão. Dessa forma, o indivíduo só será livre plenamente quando o próprio Estado adquirir a racionalidade para que, reconciliado com o indivíduo, construa a sua verdadeira história.8 1.1.3 A FORMAÇÃO DA PRÚSSIA Frederico Guilherme (1657-1713), mais conhecido como o grande-eleitor, foi o fundador do despotismo ou governo absoluto na Prússia. Exerceu uma completa soberania de 1701 a 1713, transformando seu exército em uma poderosa força militar. Centralizou o governo e aboliu as assembléias que reuniam diversas representações. Suas idéias e metas continuaram a ser desenvolvidas por seu neto, Frederico Guilherme I (1713-1740), como novo rei da Prússia. Sua grande paixão pelo exército chegou a tal ponto que precisou vender a mobília do palácio para investir em mais soldados, e soldados de qualidade; aqueles que não podia comprar, raptava-os. Esse empenho resultou na duplicação de contingentes. Esses soldados ficaram conhecidos como Gigantes de Potsdam.9 Frederico Guilherme II, filho do anterior, consolidou seu império durante 46 anos; foi o célebre déspota, ou o déspota esclarecido. Governou a Prússia de 1740, após a morte de Frederico I, até 1786. Conhecido como Frederico, o Grande, era adepto fervoroso das doutrinas reformadoras da nova filosofia racionalista. Considerava-se o primeiro dos servos do Estado. Por ser um ótimo administrador, tornou a Prússia o Estado mais bem governado da Europa. Aboliu as torturas aos escravos, investiu na educação, na indústria e na agricultura, a qual atraiu mais de trezentos mil imigrantes. Era a favor da liberdade religiosa. Porém, fez algumas alianças sangrentas em vista da melhoria de seu Estado. Uma delas foi o acordo com Catarina da Rússia no desmembramento da 8 Ibidem, p. 34-35. 9 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 534-535. v. 1.
  • 20. Polônia.10 Contudo, Frederico, ao proclamar os direitos do cidadão e a igualdade de todos, atingiu as estruturas do Estado e, principalmente, de toda a sociedade. Mesmo com a proclamação dos direitos do cidadão, a Prússia mantinha um olhar na modernidade e outro ainda no pré-moderno de classificação social. O Direito Geral do Estado Prussiano de 1794 trazia, por um lado, sobre a igualdade e o poder de todas as pessoas que, mesmo sendo pequenas (inferiores), poderiam processar os grandes (superiores); e por outro, a fixação das classes nobres, burgueses e camponeses. A Prússia só se reergueu após as reformas realizadas, iniciadas em 1807, retomando os princípios essenciais de liberdade e igualdade. Para entender esse conflito, usufruíram de um parágrafo das aulas sobre a história da filosofia de Hegel, considerado o filósofo do Estado prussiano, que comentava que todos os seres pensantes deveriam se alegrar e comemorar essa época, pois, segundo o filósofo, a reconciliação do mundo com o espírito absoluto tinha sido alcançada.11 1.1.3.1 A GUERRA DOS DÉSPOTAS Os primeiros conflitos gerados e já comentados foram religiosos e ocorreram na Europa. Os conflitos ou as guerras assumem o caráter de luta pela supremacia a partir de 1600 com os poderosos déspotas das grandes nações. Os que mais sofriam com a luta pelo engrandecimento dinástico eram os povos. As duas dinastias, Habsburgos, situada na Áustria, e a dinastia Bourbons, situada na França, entraram em conflito no século XVII, ressaltando o poder da luta armada. Desde o tempo de Carlos V (1519-1556), uma parte dos Habsburgos governava a Espanha, o Reino das Duas Sicílias e Milão. A ambição dos Habsburgos era tanta que, através dos triunfos gerados pela Reforma, desejavam usufruir dos triunfos para a expansão do próprio poder pela Europa Central. A guerra teve início porque a dinastia dos Bourbons era um sério obstáculo contra o domínio da Europa. Com isso, iniciou-se a primeira fase dessa luta chamada Guerra dos Trinta Anos. Essa fase despertou oposição dos nobres protestantes da Alemanha bem como dos convertidos ao calvinismo na Boêmia (hoje República Tcheca). A revolta estava declarada. O castelo da capital, em Praga, foi invadido por nobres protestantes por causa da intenção do imperador em demolir duas igrejas luteranas, indo contra a liberdade religiosa. A partir dessa atitude, a Boêmia proclama Frederico como rei e torna-se um Estado independente. Com forte poder nas mãos, os Habsburgos acabam com a revolta boêmia e punem Frederico, tomando parte de suas terras. Em 1630 os franceses se aliaram aos protestantes, assumindo a luta, pois não se tratava apenas de uma 10 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 53. v. 1. 11 Cf. KROCKOW, Christian Graf Von. Prússia: um balanço. p. 48-49.
  • 21. guerra religiosa, mas sim das dinastias Habsburgos e Bourbons, pelo domínio do continente europeu. Graças ao Tratado de Vestfália, a França conseguiu surpreendentes ganhos. Embora as guerras tenham ocasionado um enorme massacre na Europa central e na Boêmia, com a perda de mais da metade da população, os resultados dessas disputas foram diversos: territórios da Alemanha foram cedidos à Suécia; Holanda e Suíça tornaram-se independentes; o Santo Império foi declarado como irreal, pois todos os príncipes alemães foram reconhecidos como soberanos e tinham plenas condições de governar os Estados na paz. Porém, a paz não estava totalmente garantida. Em 1661, Luís XIV, rei da França, faz uma revisão de suas fronteiras, desencadeando uma nova fase de guerras. A primeira foi a da Liga de Augsburgo, e a mais importante foi a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) também desencadeada pelos déspotas no século XVIII.12 A Guerra dos Sete Anos, que assinalou uma época de conquistas pelos mares, tinha como principal motivo as rivalidades comerciais entre a França e a Inglaterra, além de alguns assuntos pendentes que não haviam sido resolvidos nas disputas anteriores. Tornara-se uma espécie de conflito mundial que envolvia vários países, inclusive a conquista do continente norte-americano, além de ser a causa da separação dos países da Europa; de um lado a França, a Espanha, a Áustria e a Rússia; e do outro, a Inglaterra e a Prússia. Os resultados dessas guerras foram de extrema importância na história da Europa. Frederico, o Grande, ao conseguir a vitória sobre Maria Teresa, obteve a posse do território da Silésia, proporcionando o crescimento da Prússia em mais de um terço e elevando-a à potência de primeira ordem.13 1.1.4 A REVOLUÇÃO FRANCESA A Revolução Francesa representou a ruptura com o antigo regime feudal, que elevou a burguesia ao poder e criou condições para o desenvolvimento do Estado de Direito e da possibilidade do capitalismo. Mais que a luta da burguesia, a Revolução representou a vitória de todos os povos contra qualquer forma de poder autoritário, a favor da liberdade. Durante dez anos, de 1789 a 1799, ela representou a disputa pela idéia de igualdade social, pelo poder representativo e, principalmente, pelos direitos individuais dos cidadãos. Foi responsável também por uma mudança radical. Derrubou a aristocracia, que vivia dos privilégios feudais; derrubou a escravidão, que era responsável pelo 12 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 537-538. v. 1. 13 Ibidem, p. 540.
  • 22. sustento do Estado Absoluto formado por Luís XVI; desfez o antigo regime e instaurou uma nova assembléia nacional, dando origem à Primeira República Francesa.14 Burgueses, camponeses, associados na fome, na miséria, na servidão e exploração aos impostos foram os responsáveis pelo desencadeamento e sustentação do movimento revolucionário que abalou a aristocracia. Além desses fatores, grande parte desse movimento denominado social e político foi resultado das teorias iluministas propagadas pelos filósofos René Descartes, Baruch Spinoza, Thomas Hobbes, John Locke que defendiam a idéia de que havia chegado o momento da humanidade se libertar.15 A Revolução também teve seus períodos. O primeiro, de 1789 a 1791, foi o período da Assembléia Nacional Constituinte, responsável pela abolição do regime feudal e de montagem da ordem monárquica constitucional. O segundo, de 1791 a 1792, foi o período da Monarquia Constitucional caracterizada pela divisão do regime, cujos monarquistas eram a favor do governo independente de um rei, e os cidadãos a favor do controle e fiscalização do governo. O terceiro momento foi o período de Convenção, de 1792 a 1795. A Convensão teve início com a dissolução da Assembléia Legisladora que decretou o fim da monarquia e o início de um novo sistema governamental, a República, que obteve sua validação em 1793, com o guilhotinar de Luís XVI. Esse período também ficou conhecido como despotismo da liberdade. Após a morte de Luís XVI a revolução toma mais força, tendo a frente, Robespierre e os jacobinos (esquerda da Conversão) que se levantaram contra os rebeldes contrários à Revolução. Milhares de adversários ou opositores foram condenados à guilhotina. Robespierre, ao perder apoio popular, é guilhotinado em 1794, juntamente com seus companheiros. Com sua morte a Convenção é substituída pelo Diretório, que era formado por representantes da média e baixa burguesia tendo, à frente cinco membros. Há um quarto período: o Diretório. De 1795 a 1799 a França foi governada por proprietários burgueses. A nova Constituição toma o lugar dos jacobinos e dá início à nova política de conquistas territoriais ao redor da França e à construção da Grande Nação, que contaria com repúblicas irmãs. As conquistas territoriais eram comandadas pelo general Napoleão Bonaparte que, devido às sucessivas vitórias, tornou-se o chefe de todos os militares franceses. Em 1799 Napoleão liderou um golpe de Estado. O Diretório tem o seu fim. É substituído por três cônsules provisórios, sendo um deles o próprio Napoleão. Uma nova Constituição foi promulgada por Napoleão tendo todos os poderes em suas mãos. Inicia-se uma nova era, a do Consulado com o lema: a revolução acabou.16 14 Cf. MOTA, Carlos Guilherme. Revolução francesa. p. 30. 15 Ibidem, p. 31-32. 16 Cf. MOTA, Carlos Guilherme. Revolução francesa. p. 35-38.
  • 23. 1.1.5 O IMPÉRIO NAPOLEÔNICO A França e suas províncias se desfaziam e se arruinavam em meio a tantas guerras. Surge a audácia de um general capaz de propor uma nova política de reconciliação para garantir a paz, com o fim das guerras, e a segurança do povo francês. Com mais de três milhões de votos uma nova Constituição foi promulgada: o Consulado, cujas características eram de um regime republicano. Nela Napoleão Bonaparte ascende a poderes ilimitados de um imperador. Mesmo com todo o sistema governamental, como: conselho de Estado, tribunal, corpo legislativo e senado, as guerra continuaram até Bonaparte pôr fim ao conflito europeu assinando o acordo Paz Amiens. Após esse acordo, o sistema governamental aplicado por Napoleão foi melhor estruturado: a administração foi reorganizada e centralizada; criou o Código Civil, inspirado no Direito Romano, nas Ordenações Reais e no Diretório Revolucionário; a paz com a Igreja Católica foi restabelecida. Em 1804, pelas mãos do papa, em Paris, Napoleão foi sagrado Imperador. Uma nova corte foi formada e a antiga nobreza foi reconstituída. A economia da França foi reconstruída; foi impulsionada pelos camponeses proprietários que, apoiando o regime, passaram a produzir mais. Contudo, Napoleão tornou-se mais despótico que todos os outros imperadores. Assembléias foram extintas; a liberdade individual e política deixaram de ser respeitadas; os tribunais e o legislativo perderam a força; a imprensa foi censurada; a educação, alterada, principalmente as disciplinas de História e Filosofia; e procurou utilizar-se da religião para doutrinar o povo, que deveria ter deveres para com Deus e para com o imperador. Os bispos que se recusaram foram perseguidos. Os ideais da Revolução Francesa simplesmente desapareceram e, junto com eles, aquele Napoleão que propusera a reconciliação, a paz e a segurança do povo francês.17 1.1.5.1 A DERROCADA NAPOLEÔNICA A Prússia e a Áustria se aliaram, uniram-se à Rússia e venceram Napoleão em Leipzig, destruindo seu poder na Europa, em 1813. Depois dessa derrota Napoleão foi aprisionado na ilha de Elba, de onde fugiu um ano depois, para retornar ao poder, no período denominado Governo dos cem dias. Logo depois foi aprisionado novamente e morreu em 1821. Com Napoleão fora do governo da França, Luís XVIII foi reconduzido ao poder, restabelecendo o grande equilíbrio entre as potências européias: Prússia, Inglaterra, Rússia e Áustria. Alemanha e Itália permaneceram divididas. Com isso, 17 Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida. História moderna e contemporânea. p. 142-144.
  • 24. criou-se a Santa Aliança, que firmou um acordo de paz pondo fim às guerras napoleônicas e às guerras desencadeadas pela Revolução Francesa.18 Com a implantação da Santa Aliança, em 1815, toda a Europa foi reorganizada, exceto a Alemanha, que ainda representava um problema. Criou-se em Viena a Confederação Germânica, um acordo político entre os pequenos reinos com a influência da Áustria que, juntamente com a Prússia, ocupava um lugar de destaque, procurando manter um equilíbrio governamental e econômico, lutando pelo controle e unificação de todo o território alemão. A unificação, graças à Confederação Germânica, que durou até a 1861, aconteceu com a coroação de Guilherme I e a nomeação do chanceler da Prússia, o aristocrata Otto von Bismarck.19 1.2 CONTEXTO FILOSÓFICO Não menos importante é o contexto filosófico no qual Hegel está incluído. Assim como o contexto histórico, ele inclui as discussões filosóficas de sua época, segundo seu sistema em tese, antítese e síntese. Nesse processo de afirmação e busca da razão, faz um diagnóstico de sua época, encontrando no Iluminismo (grande revolução intelectual) seu maior expoente, Immanuel Kant, o qual criticará durante a elaboração de seu sistema filosófico. O Romantismo, grande momento oposto ao Iluminismo, caracteriza-se pela afirmação do desenvolvimento da alma como aquela que é capaz de superar-se e de se entregar a um ideal desinteressado, além de atingir a contemplação do absoluto. E, por fim, o Idealismo, tendo como expoentes, Fichte e Schelling, o qual apresenta uma tendência filosófica a reduzir toda a existência ao pensamento, ou seja, reduzir o ser à consciência. A partir dessa tríade, Hegel sistematiza e fundamenta o seu sistema e introduz o Idealismo lógico, do qual resultará o princípio de toda realidade. 1.2.1 O ILUMINISMO O Iluminismo é uma filosofia otimista a favor do progresso alicerçado no uso crítico e construtivo da razão. Sua origem se deu na Inglaterra no ano de 1680, onde, definindo-se, atingiu boa parte da Europa. Entre todos os países afetados, o movimento histórico causou uma profunda mudança, moldando o pensamento humano e orientando suas ações. A filosofia Iluminista ergue-se sobre quatro pilares fundamentais: a razão, tendo-a como um rumo infalível para atingir a verdade ou a sabedoria; o universo, que é uma máquina governada por leis fixas as quais o homem deve respeitar; a estrutura simples e natural de sociedade, fazendo oposição à tirania do clero e dos 18 Cf. ARRUDA, José Jobson de Almeida. História moderna e contemporânea. p. 145-146. 19 Cf. MAGNOLI, Demétrio; BARBOSA, Elaine Senise. Formação do estado nacional. p. 66-68.
  • 25. governantes; e por fim, a negação da existência do pecado original, afirmando que a culpa dos homens pelas depravações e atos de crueldade não são deles mas dos padres e déspotas.20 O Iluminismo tem a origem no Renascimento e derivou-se, em parte, do Racionalismo, baseado nos princípios da busca da certeza e da demonstração, sustentados por um conhecimento a priori, ou seja, conhecimentos que não vêm da experiência e são elaborados somente pela razão. Racionalismo esse principalmente representado por René Descartes (1596-1650)e Baruch Spinoza (1632-1677). Porém, os verdadeiros fundadores do Iluminismo foram Sir Isaac Newton (1642-1727) e John Locke (1632-1704), pensadores que viveram na mesma época, porém com afirmações e influências diferentes.21 A definição correta para o Iluminismo foi apresentada em 1784 por Immanuel Kant. A partir dessa data, passa a ser definido como Aufklärung (palavra alemã que significa esclarecimento, ou seja, que distingue o uso privado e o público da razão), fundamentando- se na liberdade do saber humano. Por uso público, entende-se quando o homem, enquanto estudioso, faz uso de seu entendimento para o público em todo o tempo, permitindo que o esclarecimento atue entre os homens. Já o uso privado contém limitações que impedem o progresso do esclarecimento, tendo em vista o homem fazer parte de uma instituição, profissão ou função civil e se vê obrigado a não questioná-la, encontrando limites para expressar novos pensamentos ou mudanças.22 O Aufklärung é o ato de esclarecer, usando plenamente da razão. É definitivamente a emancipação do homem caracterizada por uma confiança absoluta, iluminada na razão. Kant define o Aufklärung como a saída do homem de seu estado de menoridade, ou seja, da incapacidade de fazer uso correto de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. Mais que a falta de inteligência, o inadmissível para Kant, é a falta da intenção e da coragem de confiar e utilizar da capacidade de seu intelecto. A expressão que Kant usou para explicar o espírito do Aufklärung é “Sapere aude”,23 ou seja, audácia de saber. Essa expressão ressalta a verdadeira intenção do desejo dessa emancipação que pede ao homem a coragem de servir-se de sua própria inteligência saindo da servidão espiritual.24 Não somente para Kant, mas também para todos os iluministas, a servidão espiritual do homem só será liberta a partir do desenvolvimento ou amadurecimento de sua consciência. É justamente essa liberdade espiritual que indica, em seu conjunto, a característica fundamental do 20 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 549-550. v. 1. 21 Ibidem, p. 550. 22 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 234. v. 4. 23 KANT, Immanuel, Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (“Aufklärung”). In: ______, Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. p. 115. 24 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 233. v. 4.
  • 26. Iluminismo. Esse conjunto é constituído pelas seguintes características: a libertação do homem em relação aos dogmas metafísicos, os preconceitos morais, as superstições religiosas, as relações humanas, e as tiranias políticas. Rapidamente, por ser um movimento cultural, pedagógico e político da época, o Iluminismo tomou conta de toda a Europa, da Inglaterra à França e da Alemanha à Itália tornando-se uma filosofia hegemônica. Espalha-se por toda a Europa, cujas raízes e intenções estavam na confiança na razão humana, na certeza do progresso da humanidade e no exercício da liberdade contra os abusos das tradições que libertou o homem das explicações teológicas baseadas em explicações científicas. Esse movimento pelo progresso, pelo uso correto da razão, é caracterizado pela ascensão da burguesia. Segundo Kant, o uso correto da razão é de capacidade e domínio de todo o público. Contudo, não só o Humanismo, mas também o Iluminismo, devido a sua grande influência, foi capaz de questionar e interromper a cegueira humana diante da superstição e da coibição ilógica, uma espécie de repressão, ainda existente no Ocidente. A razão iluminista mais que derrubar a tirania política e, automaticamente, enfraquecer o poder dos tiranos e padres, possuía um ideal de liberdade religiosa que foi capaz de separar a Igreja do Estado. Ela também foi a responsável pelo estabelecimento de uma nova ordem social natural que enfrentou e derrubou os resquícios do feudalismo.25 1.2.2 IMMANUEL KANT Immaneul Kant nasceu na Prússia, em Königsberg, no ano de 1724. Sua mãe, Regina Reuter, criou-o segundo uma corrente do protestantismo, além de matriculá-lo numa escola pietista. Estudou a partir de 1740, na universidade de sua cidade natal, freqüentando os cursos de filosofia e ciência, pois o que lhe interessava, era o saber e a pesquisa. Após duras penas nos estudos consegue chegar ao doutorado, no ano de 1755, ingressando como livre-docente na Universidade de Königsberg. Tornou-se professor efetivo em 1770. Com os interesses voltados unicamente ao saber, 25 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 557. v. 1.
  • 27. recusa a cátedra em Halles, oferecida pelo barão von Zdlitz. Apresenta, em 1781, sua primeira crítica, a Crítica da razão pura. Posteriormente a Crítica da razão prática, em 1788, e a Critica do juízo, em 1790. Nos últimos anos de sua vida o filósofo passa por dois grandes conflitos. O primeiro, em 1794, chamado a desistir de suas idéias sobre a religião inseridas na obra A religião nos limites da pura razão; sobre esta ordem, obedeceu, mas não se retratou. O outro, mais historicamente importante, deve-se ao criticismo transcendental, que estava sendo interpretado como um idealismo espiritualista devido à obra de Fichte. Esse acontecimento era inevitável, pois o Iluminismo já havia se esgotado, dando lugar ao nascimento de um novo movimento cultural. Após lutar contra o inevitável, Kant silenciou até o final de sua vida, cuja memória e visão foram perdidas. Morreu em estado vegetativo no ano de 1804.26 Todo o conhecimento que Kant continha era canalizado para um conhecimento sem preconceitos, ressaltando os valores universais, tanto da moral, quanto do conhecimento dos homens. Uma de suas frases, que o resume, está contida na célebre obra Crítica da razão prática: “Duas coisas enchem o espírito de admiração e de reverência, sempre nova e crescente, quanto mais freqüente e longamente o pensamento nelas se detém: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”.27 Com a Crítica da razão pura, Kant determina a capacidade de alcance do conhecimento através da razão, tendo em vista que a mente humana já contém os universais ou, para ele, definido, as doze categorias ou formas do juízo. Elas estruturam e ordenam os objetos da experiência, a partir da tabela dos quatro juízos: qualidade, modalidade, relação e modo. Para ele a mente humana não é somente receptora, mas organizadora de todas as experiências ou percepções. Nessa obra, sua proposta foi desenvolvida com toda eficácia que propôs, ou seja, ofereceu plena satisfação à razão humana como aquela que emancipa, aquela que a coloca em prática. Na Critica da razão prática encontramos o conceito de liberdade, da vontade, ou seja, do desejo do sujeito relacionado com sua ação. Este conceito, em Kant, se encontra na ética aplicada da razão prática na qual chamará de livre-arbítrio. Além do mais, esse conceito é a priori, pois a liberdade é a condição para a lei moral. A unidade dessas duas críticas acontecerá a partir da Crítica do juízo, que busca a unidade da teoria, com a prática, do universal, com o particular, da necessidade, com a liberdade.28 26 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 347-349. v. 4. 27 KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. p. 172. 28 Cf. LEITE, Flamorion Tavares. 10 lições sobre Kant. p. 77-80.
  • 28. Na época de Kant, havia um grande interesse pela razão e pela idéia de liberdade, idéia ainda não atingida, que só foi compreendida, pelo filósofo, a partir da Revolução Francesa cuja liberdade tornar-se-ia possível a todos os seres racionais. Com isso, a razão se voltaria para si própria. Kant encontra na história, um sentido de progresso, principalmente, a partir dos revolucionários, que fizeram dela palco de inúmeros conflitos: todos esses conflitos possuíam, interesse da razão pela liberdade, principalmente, a Revolução Francesa. A partir dessa busca desenfreada pela liberdade, ela passa a ser um critério racional para a compreensão e para a investigação dos acontecimentos históricos, ou seja, a razão pura é a idéia-chave para a filosofia kantiana.29 O que existe independente da capacidade do homem em alcançar, Kant determina como a coisa-em-si (númeno), ou seja, o supra sensível, pois para agir moralmente a ação deve fundamentar- se na boa vontade livre de determinações fenomênicas. Assim, o mundo inteligível constitui o mundo da moral. Esse foi um dos pontos da filosofia kantiana que sofreu fortes críticas inclusive as de Hegel. Hegel, irá além do pensamento kantiano e, determinará, ou melhor, mostrará o que é a coisa-em-si e que a mesma pode ser pensada.30 1.2.3 FORMAÇÃO E PECULIARIDADES DO MOVIMENTO ROMÂNTICO Mudanças radicais marcaram os últimos anos do século XVIII e os primeiros do XIX. No âmbito social e político, deu-se a Revolução Francesa, com a introdução da República e a queda monárquica, além do terror do novo sistema de execução: a guilhotina. Além desses fatores, o surgimento do novo despotismo, que levou Napoleão ao auge, consolidou de vez toda a esperança iluminista que ainda existia. Contudo, um movimento na Alemanha perdurava e em breve levaria à superação total do Iluminismo. Esse movimento, inicialmente, ficou conhecido como Sturm und Drang; pode ser traduzido por Tempestade e ímpeto – título do drama escrito em 1776 por Friedrich Maximilian Klinger. Esse é um movimento ou uma espécie de rebelião caracterizada pelo período em que os escritores alemães atacaram as restrições do governo, tentando libertar a cultura da dominação estrangeira. Suas principais idéias foram: a natureza, como fonte vital de vida; o gênio, entendido como regra, força originária da natureza; o panteísmo, numa contraposição ao iluminismo; o sentimento pátrio, expresso no ódio pelo soberano e na conquista pela liberdade; e, por fim, a exaltação e apreciação dos fortes sentimentos ou paixões.31 O Sturm und Drang, mesmo sendo um movimento cultural, 29 Cf. KEINERT, Maurício. Conflitos da razão. In: Mente, cérebro e filosofia, p. 27-28. n. 3. 30 Cf. SINGER, Peter. Hegel. p. 13. 31 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 3-4. v. 4.
  • 29. também sofreu fortes influências: poetas ingleses, como Macphersom, Lessing, Gottlieb Klopstock que supervalorizaram os sentimentos. Porém, foram Goethe e Schiller os protagonistas que mais deram ênfase a esse movimento.32 O Sturm und Drang foi considerado como um prelúdio ao Romantismo. Segundo Reale e Antisseri, o historiador G. de Ruggiero interpretou esse movimento como uma matéria bruta que estava à espera de ser forjada, lapidada pela arte e, principalmente, pela filosofia alemã. E mais: esse movimento, segundo o historiador, não era um acontecimento isolado, mas sim uma ação coletiva ou expressão espiritual de um povo. Sturm und Drang também foi um prelúdio aos pensamentos hegelianos, pois representava a juventude de Herder e Goethe tidos como símbolos da juventude de um povo, pois, através da poesia e da arte, apresentavam uma vitória sobre a crise da alma coletiva.33 O Classicismo (culto ao clássico repetitivo) surge como uma espécie de corretivo ao Sturm und Drang. Ele é o novo sentido do clássico que contém uma enorme importância na formação do espírito da época tornando se um pólo dialético do Romantismo. O classicismo tinha o desejo de recuperar a expressão clássica da arte grega e da romana. Durante a Revolução houve alguns artistas e também escritores que se empenharam para que a recapitulação desse espírito fosse possível. Isso se dava de modo mais forte, grandioso e sentimental que o classicismo anterior, desenvolvido pelos humanistas na época da Renascença.34 Esse novo sentido do clássico causou na história aquilo que Hegel chamará de tese, pois, por ser repetitivo, está privado de alma e de vida. A marca desse clássico é a medida, o limite e o equilíbrio. Sobre a repetição, segundo Reale e Antisseri, Johnn Winckelmann afirma em uma de suas publicações que, ao imitarmos os antigos, estaríamos nos tornando grandes e ímpares; portadores do olhar dos antigos. Tal imitação não levará o individuo à natureza das coisas, mas à idéia, ou seja, a natureza superior que o tornará capaz de relacioná-las com o belo, com o perfeito, com o superior. Esse é o início do neoclassicismo romântico, que almejava transformações: a natureza em forma e a vida em arte; num sistema não de repetição, mas de renovação daquilo que os gregos faziam. Hegel usará das idéias clássicas de dialética para elaborar seu próprio sistema, só que com a novidade do elemento especulativo, que será melhor abordado no quinto capítulo deste trabalho.35 32 Ibidem, p. 5. 33 Ibidem, p. 6-7. 34 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 563-564. v. 1. 35 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 7-8. v. 4.
  • 30. 1.2.3.1 O ROMANTISMO O Romantismo, numa visão geral, significa voltar à tradição. Esse é o principal pensamento considerado pelos românticos, que ressaltaram os interesses pelo transcendente e pelos sentimentos. A partir da observação da natureza, com suas formas e cores, os românticos afirmam o desenvolvimento da alma que é capaz de se superar, de se entregar a um ideal desinteressado e atingir a contemplação do absoluto. Relembrar o passado ou voltar à tradição faz com que o indivíduo, o país, a nação procure seus heróis, seus poetas ou a verdadeira manifestação do espírito.36 O movimento romântico nasce a partir da organização das descompostas forças do Sturm und Drang ou de um limite estabelecido por Herder, Schiller e Goethe a esse movimento. Friedrish Schiller foi o responsável pelo desenvolvimento fantástico da literatura romântica. Segundo Reale e Antisseri, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), ao escrever Fausto, em 1790, vindo a terminar um ano antes de sua morte, exprimiu e ressaltou a importância do espírito dos tempos modernos. Para Goethe, a liberdade do indivíduo é contínua e incessante em busca do domínio de todos os conhecimentos; uma inquietação perpétua, que mais tarde servirá para as reflexões de Hegel na construção de seu sistema.37 O termo romântico surge primeiro na Inglaterra, no século XVII, indicando o que é fabuloso, extravagante, fantástico ou irreal. Posteriormente o termo romantismo passou a designar o renascimento do instinto e da emoção. O movimento romântico caracterizou-se por ter sua forma própria, sua essência e peculiaridade diferentes das gregas. O romantismo, portanto, desenvolvido na Europa, mais precisamente em Jena e depois em Berlin, no alvorecer do século XIX, designou o movimento espiritual envolvendo a poesia, a filosofia, as artes e a música. As características espirituais desse movimento baseiam-se no comportamento psicológico ou estado de espírito necessário para o desenrolar de um conflito interior, bem como no desejo de novas aspirações. O homem romântico, enquanto ser espiritual é a pura expressão do sensível, ou seja, de uma excessiva impressionabilidade, irritabilidade e reatividade, conforme afirma o psicólogo L. Mittner. E mais, é a busca pelo desejo, o desejo de desejar aquilo que ainda não conhece.38 Suas principais idéias são: a sede do infinito, o pânico de se pertencer ao uno-todo, a expressão do verdadeiro ou função do gênio, o anseio pela liberdade, a reavaliação da religião e a influência dos elementos clássicos. A primeira idéia fundamental do movimento romântico, associada ao sentimento, é a sede do infinito; essa é a ansiedade que todo romântico tem. Essa sede incessante do infinito se dá pelas 36 Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 242. 37 Cf. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 571-572. v. 1. 38 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 10-11. v. 4.
  • 31. obras de arte. A segunda idéia do romantismo apresenta o novo sentido da natureza cuja importância fundamental está em criar eternamente, num jogo de forças, no qual, segundo Goethe, morte é o elemento para se ter mais vida e, segundo Schelling, a natureza é a manifestação do espírito, ou seja, o espírito que se faz visível. A terceira idéia ou característica, intimamente ligada à segunda, é o sentimento de pânico pela pertença ao uno-todo. Conforme relata Hölderlin: “[...] o céu para o homem é ser um com o todo, com tudo o que vive e em feliz esquecimento de si mesmo”. Usa-se essa expressão para afirmar que o todo se reflete no homem e o homem se reflete no todo; um movimento orgânico. A função do gênio é a quarta expressão ou idéia apresentada pelo romantismo. Segundo Novalis – poeta principal do grupo dos românticos – o gênio é necessário ao espírito para a compreensão do absoluto. É através da arte que se compreende a natureza. Schelling também ressalta a importância da arte e a usa como necessidade da filosofia transcendental. Na quinta idéia tem-se o anseio pela liberdade (um dos fatores primordiais para Hegel na elaboração da tríade principal do espírito). Essa é uma das principais características dos românticos. Novalis também afirma que tudo leva à liberdade. É justamente essa liberdade que representa a essência e a potência da consciência. Hegel fará da liberdade a essência do espírito. A sexta idéia fundamental do romantismo é a reavaliação da religião. A religião é reavaliada por causa do Iluminismo que a reduziu. Para o Romantismo, a religião se faz necessária na relação do homem com o infinito. Hegel fará da religião cristã, de todos os momentos, exceto a filosofia, o mais elevado da trajetória do espírito. E, por fim, a influência do elemento clássico a partir de um sentimento nacional, no amor pelas origens e no interesse pela história, em especial, a da idade média.39 Logo, o Romantismo, por expressar de modo incomparável interesses espirituais da época, difunde-se não só na Alemanha, mas também em toda a Europa. Jena foi a cidade da Alemanha que mais contribuiu para a propagação do círculo romântico. Esse círculo era composto pelos irmãos Schlegel, August Wilhelm (1767-1845) e Friedrich (1722-1829), por expressarem o modelo espiritual da nova época. Friedrich levou o movimento para Berlim, em 1798, tendo como propagadora a revista Athenaeum, que perdurou apenas dois anos. Mesmo assim Novalis, Tieck, Wackenroder, Fichte, Scheling e Schleiermacher aderiram ao movimento. Hegel, por sua concepção filosófica, sendo também um romântico, foi influenciado diretamente por Fichte e Schelling. Dessa forma, o pensamento do romantismo alemão será necessário à compreensão da história do pensamento filosófico.40 39 Ibidem, 12-13. 40 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 15. v. 4.
  • 32. 1.2.4 O IDEALISMO O Idealismo é caracterizado pela tendência filosófica que reduz toda a existência ao pensamento. Nessa tendência o ser é reduzido à consciência. Kant, Fichte e Schelling marcam o idealismo com seus pensamentos filosóficos. Porém, a filosofia que mais se sobressai é a kantiana: o idealismo transcendental. Fiche e Schelling não irão se opor ao pensamento de Kant, mas o interpretarão de forma subjetiva, pois suas filosofias ainda não possuem a noção de coisa-em-si. Trata-se de um idealismo transcendental e não absoluto. O idealismo absoluto é a marca do desenvolvimento e pensamento hegeliano. Hegel critica Kant, critica Fichte, e dá uma nova interpretação à filosofia de Schelling. Antes o real era a consciência; após Hegel passará a ser a idéia com todas as suas conseqüências.41 1.2.4.1 FICHTE: O IDEALISMO ÉTICO Johann Gottlied Fichte nasceu em Rammenau no ano de 1762, contemporâneo de Schelling e Hegel. Freqüentou o ginásio em Pforta e iniciou a faculdade de teologia em Jena, com a contribuição de von Miltitz. Posteriormente, vivia de aulas particulares como preceptor. Até meados de 1790 Fichte era spinoziano, determinista e revelava interesses pelo pensamento de Montesquieu (1689-1755), além de aprovar as idéias da Revolução Francesa. Conhecia Kant só de nome, mas, como era professor viu-se obrigado a estudar o filósofo. As obras do Kant foram uma revelação a Fichte, especialmente a Crítica da razão prática, a partir dos desígnios da liberdade – obra que posteriormente viria a superar. Após êxito na compreensão das obras kantianas, escreve sua primeira obra, denominada Ensaio de crítica de toda revelação e consegue publicá-la com a intervenção do próprio Kant.42 Inúmeras obras foram escritas por Fichte, principalmente depois de se ter mudado para Berlim, lecionando na Universidade de Erlangen e, posteriormente, na própria Universidade de Berlim, onde chegou ao cargo de reitor. Seu maior sucesso, escrito em 1794, foi a obra Doutrina da ciência, que unificava as três críticas kantianas, constituindo um novo sistema filosófico.43 Em Kant, o sujeito exerce o principal papel na construção do mundo ou da natureza, porém limitado pelo númeno, ou seja, a coisa-em-si ou o ser-em-si. Em Fichte o númeno desaparece, 41 Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 245. 42 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 47-48. v. 4. 43 Ibidem, p. 48-49.
  • 33. sobressaindo-se a criatividade ilimitada do eu, ou do sujeito. O pensamento fichteano descreve unicamente a existência do eu e do não-eu – o sujeito pensante e o sujeito pensado – uma relação de contraposição, cuja origem se dá a partir de uma ação principal, inconsciente e imediata de um eu puro. O eu puro é a identidade do pensamento ainda em-si-mesmo. De todos os sistemas filosóficos, Ficthe destaca unicamente dois: o dogmatismo e o idealismo; os únicos possíveis para ele. Um, por afirmar a coisa-em-si – uma espécie de consciência filosófica ingênua em que apenas se reproduz aquilo que se julga ser externo; e o outro, por negar – assegurando a liberdade, independência e a espiritualidade do eu. Contudo, Fiche, ao afirmar que a realidade é o pensamento, utiliza-se do eu puro, do eu e do não-eu (os três princípios fundamentais da doutrina da ciência) para explicar a criação de toda a realidade.44 Os três princípios fundamentais compostos pela doutrina da ciência são: o eu, enquanto tese (afirmação), que se põe absolutamente a si mesmo; o não-eu, enquanto antítese (negação), que é a oposição do eu a si mesmo; e o eu absoluto, como síntese (limitação), ou seja, isso é possível quando os dois primeiros princípios limitam-se reciprocamente: o eu é determinado pelo não-eu (atividade cognoscitiva) e, o eu determina o não-eu (atividade prática). Quando o eu (sujeito) determinar o não- eu (objeto) significará o alcance da liberdade da consciência; é a ação real alcançada pela vida moral.45 O idealismo de Fichte, por ser ético, fundamenta-se na liberdade do homem, na liberdade de consciência, e consciência individual, que é capaz de ver, no idealismo, pela filosofia, a verdadeira liberdade espiritual.46 1.2.4.2 SCHELLING: O IDEALISMO OBJETIVO Friederich Wilhelm Joseph Schelling nasceu no ano de 1775, em Leonberg, na Alemanha. Faleceu em Ragaz, na Suíça, no ano de 1854. Quando jovem, estudou no seminário protestante em Tübingen, estreitando amizades com Hölderlin e Hegel. Estudou filosofia em Jena, sob orientação de Fichte, tornando-se seu sucessor em 1799. Teve vários contatos com o círculo dos românticos no ano de 1800, conhecendo Goethe, Novalis, Tieck e os irmãos Schelegel. Publica, em 1801, o Sistema do idealismo transcendental (obra que Hegel buscará para enquadrar seu sistema filosófico, embasando-se em problemas ético-políticos). Em 1803 passou a ensinar na Universidade de Würzburg, até 1806. Exerceu magistério na universidade de Munique e em Erlanger no ano de 1820. Em 1841, dez anos após a morte de Hegel, mesmo com saúde fraca e pouco prestígio com os alunos, foi chamado para ocupar a cadeira de Hegel em Berlim.47 44 Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 246-247. 45 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 60. v. 4. 46 Ibidem, p. 59. 47 Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 248.
  • 34. Schelling vê na natureza o desdobramento da inteligência consciente. Ele não nega o idealismo transcendental, mas o reorganiza, partindo do subjetivo para atingir o objetivo, ou seja, a natureza, o real, a arte. Dessa forma proporciona uma unidade do espírito com a natureza, denominando-a como espírito visível e momento do absoluto. Em Fichte a relação entre sujeito e objeto era resolvida pelo idealismo e não pelo dogmatismo. Schelling, na superação de Fichte, afirma que o dogmatismo não pode ser descartado; é necessário ter ambos os elementos numa concepção filosófica para se entender a relação do eu e não-eu e espírito e natureza. Para Schelling, a filosofia deve partir de uma diferença, e diferença absoluta, ou seja, um ponto de equilíbrio entre o subjetivo e o objetivo (por isso é que ele não descarta nem o dogmatismo, nem o idealismo). Esse equilíbrio trata-se do absoluto (síntese), fusão perfeita dos opostos; dele precede todas as antíteses devendo sempre emergir uma liberdade. O eu absoluto é representado por uma esfera absoluta de realidade absoluta e infinita, contendo inúmeras finitas. Essas realidades ou esferas finitas – que nascem da síntese ou limitação do absoluto – nada mais são que resultados do pensamento teórico. Por serem do pensamento, elas se separam e se isolam, separando o que é indivisível. Schelling, por ver na natureza o desdobramento do pensamento, ou a concretização do mesmo, afirma que ela não se contrapõe ao espírito, mas participa de uma harmonia como o espírito caracterizando fases de um todo. O absoluto, ao adquirir a consciência de si mesmo, tornar-se espírito no homem que permite a sua manifestação, a manifestação do verdadeiro gênio: a obra de arte, o gênio criador, ou seja, a inteligência que opera como natureza, revelando o absoluto.48 Schelling, tendo conhecimento da filosofia do espírito, já dito por Fichte e Kant, repensa a Doutrina da ciência de Fichte, retoma a filosofia da consciência (de como a natureza chega à consciência) para entender melhor o seu inverso: como a inteligência chega à natureza. Dessa reflexão surge uma de suas obras, uma das mais importantes, O sistema do idealismo transcendental na qual descreve o inicio da filosofia transcendental. Ao contrário da filosofia da natureza que tem como pressuposto o objetivo para dele decorrer o subjetivo, a filosofia transcendental segue o caminho oposto; coloca o subjetivo como primeiro fazendo derivar dele o objetivo.49 1.2.4.3 CRÍTICA A FICHTE E A SCHELLING: A ENTRONIZAÇÃO DO IDEALISMO LÓGICO A partir da compreensão da filosofia de Kant, Fichte e de Schelling poderemos entender a crítica que Hegel fará aos filósofos. Hegel vai além das afirmações de Fichte que se estagnam na 48 Cf. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. p. 248-279. 49 Cf. REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da filosofia. p. 82. v. 4.
  • 35. afirmação de que a realidade não é substância, mas sujeito e espírito em constante movimento. Critica Fichte quando o eu põe-se a si mesmo e, em seguida, opõe a si o não-eu, estabelece um limite, procurando superá-lo dinamicamente. Esse limite não permite que o eu de Fichte seja inteiramente superado; surge uma oposição não superada.50 Já Schelling usa da realidade como identidade para poder superar o problema da oposição em Fichte; atitude louvável por Hegel, porém vazia. Schelling é criticado nos próprios escritos da Fenomenologia do espírito por não deduzir nem justificar seus conteúdos, bem como por usá-los somente como dados. Hegel relembra que sua filosofia não é uma filosofia da consciência. Censurou de tal modo Kant e Fichte que os chamou de filósofos da consciência por não a terem transformado em ciência absoluta; assim Hegel o faz por meio da fenomenologia. Kant concebe o espírito como consciência e em Fichte o não-eu é determinado somente como objeto do eu; e isso ocorre somente na consciência. O importante para Hegel é o espírito, como ele é em-si e por-si, ponto em que a filosofias kantiana e fichteana não atingem; essas definem o espírito somente como ele é em relação à outra coisa. Hegel vai mais além que essas filosofias. Ele fundamenta o ponto inicial de toda a filosofia. Todo o conteúdo que a filosofia possui é a consciência que lhe fornece. O papel da filosofia se restringe à elaboração conceitual do conteúdo fornecido a ponto de adquirir absoluta verdade e realidade: torna-se espírito, torna-se conceito.51 Hegel elabora a forma mais completa e complexa de idealismo procurando explicar os fatos da história que estariam em função do real e do racional: “Tudo o que é real é racional, tudo o que é racional é real”.52 1.2.5 O IDEALISMO LÓGICO Em Fichte a unidade entre o finito e o infinito se manifesta no eu absoluto, a partir duma atividade ética; em Schelling, na filosofia da identidade, a partir da fantasia criadora. Segundo Hegel, esse desempenho não é o correto, pois os termos não se ajustam: o infinito apresenta o finito que tende adequar-se, sem êxitos, ao infinito. O desempenho do finito ao infinito é tido como falso infinito, ou negativo. Ao ressaltar a importância do infinito, Hegel afirma que ele é a substância de toda a coisa; o infinito é; é o único afirmativo ao passo que o finito torna-se anulado ou superado. Essa unidade representa o pensamento lógico, representa a ciência do absoluto. 50 Ibidem, p. 101. 51 Cf. VAZ, Henrique Cláudio de Lima. A significação da Fenomenologia do espírito. In: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. p. 9-10. 52 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do direito. Prefácio. apud CORBISIER, Roland. Hegel: textos escolhidos. p. 18.
  • 36. Por sua sistematização lógica, Hegel tanto é considerado como filósofo da razão como o apaixonado romântico. E isso confere, ao se identificar com a história, ou com o real. Além de não descartar o sentimento, o particular, o subjetivo, o individual, a arte, a religião, utiliza deles como momentos do seu processo dialético; que os ajusta-os e os supera e os eleva a conceitos. Dessa forma, pretende reorganizar as posições românticas a fim de encontrar uma síntese que afirmará que todos os momentos da atividade do espírito serão primeiramente superados e, posteriormente, conservados em um terceiro momento: o superior. Essa é a síntese do positivo e do negativo ou a dialética dos opostos. Essa dialética resulta o princípio de toda a realidade pelo qual o real e o racional se coincidem.53 2 VIDA E PRINCIPAIS OBRAS Hegel, filósofo alemão do final do século XVIII e início do século XIX, procurou, desde sua juventude, formular uma filosofia da liberdade. Todos os seus trabalhos, seus escritos, suas aulas e suas obras levam-nos a perceber, segundo os moldes dialéticos, a busca pela expressão de uma filosofia à altura de sua época. Entre seus escritos, encontram-se os principais como: Princípios da filosofia do direito, que tenta unir o direito (objetivo), ou seja, a vontade, que parte do exterior, e a moral (subjetivo), ou seja, a vontade que parte do interior; ambos separados a partir de Kant; Enciclopédia das ciências, uma obra menos densa, mais subdividida para a apresentação de suas aulas; Ciência da lógica, que descreve a importância do desenvolvimento dialético; e, por fim, sua grande obra, a Fenomenologia do espírito, na qual Hegel reconhece e descreve o movimento da consciência dentro de um processo dialético que parte da sua ingenuidade ao saber absoluto. Contudo, diante dessas 53 Cf. SCIACCA, Michele Federico. História da filosofia III: do século XIX aos nossos dias. p. 34-35.
  • 37. obras filosóficas, Hegel apresentará a filosofia como a razão que se apreende na forma do pensamento consciente. 2.1 VIDA E DESENVOLVIMENTO Georg Wilhelm Friedrich Hegel, pensador alemão, sofreu influências de três movimentos intelectuais ocorridos na história, importantes e fundamentais para o desenvolvimento de sua filosofia. São consideradas as influências da teologia neotestamentária do cristianismo (importantes para os seus escritos iniciais), a literatura romântica alemã e, principalmente, o idealismo lógico de Kant. Seu pensamento, por se referir de modo expressivo à vida política do homem, o tornou pensador oficial do Estado Prussiano em que todos buscavam respostas.54 Filho de Georg Ludwig, funcionário público, e de Maria Magdalena, Hegel nasce em Stuttgart, na Alemanha, aos 27 de agosto de 1770. Cursou o ginásio em sua cidade e, posteriormente, aos 18, em 1778, ingressou no seminário protestante. Foi nesse seminário, o da Universidade Teológica de Tübingen, que se tornou amigo de Schelling – com o qual irá dialogar filosoficamente – e Hölderlin, poeta do movimento romântico. Nessa época, envolta pelos acontecimentos da Revolução Francesa, a discussão que tomava conta daquele âmbito acadêmico era justamente a atual condição do reino que se contrapunha aos ideais, antes apresentados pelo imperador Frederico Guilherme II. Schelling e, principalmente, Hegel encontravam-se à frente da retomada desses ideais de liberdade e dignidade do homem. Hegel, desde a sua juventude, já ansiava por renovações no mundo político aos moldes da pólis grega. Intrinsecamente ligada a esse molde governamental está a liberdade, fator fundamental para se chegar à razão. Sua intenção era proporcionar a aquisição da liberdade e, conseqüentemente, do conhecimento, sem que a unidade e o ideal político fossem desfigurados, mantendo uma relação entre o indivíduo e a pólis. Essa relação só seria possível a partir da religião do povo, voltada para a razão e para a liberdade, na qual seria possível conhecer o ser mais profundo do homem. Para que isso fosse possível, haveria a necessidade da transformação da religião privada ou despótica em pública ou da liberdade.55 Com seus estudos, Hegel poderia credenciar-se como pastor protestante; porém, por falta de vocação, renunciou, em 1793, iniciando seus trabalhos como preceptor, ou seja, um cargo extraordinário de pouca duração, em Berna, que durou até o ano de 1796. Morou em Frankfurt, desenvolvendo também a função de preceptor até o ano de 1800. Em 1801, ao 54 Cf. SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna: de Descartes a Wittgenstein. p. 164. 55 Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel. In: Hegel. p. 593.
  • 38. mudar-se para Jena, onde permaneceu até 1807, tornou-se livre docente com a tese Sobre as Órbitas dos Planetas e, pela interferência de Goethe, se tornar-se-ia professor extraordinário de alta fama naquela Universidade. Mesmo a amizade sendo forte entre Schelling, Hölderlin e Hegel, os ideais começaram a se distanciar. Schelling passa a seguir o caminho da reação romântica, que preparou a contra-revolução de 1848. Hölderlin, por ter adotado uma rigorosa moral, via-se impossibilitado de compreender as novas idéias ou ideais da língua e da cultura. Já Hegel, com outra vertente, reconheceu, nas guerras napoleônicas, o exemplo das etapas necessárias para concretização de um novo estado, de uma nova ordem social.56 No ponto de vista de sua filosofia, ressalta a importância do contexto ou da vida do filósofo que “[...] está ligado ao pano de fundo histórico universal: ‘o filósofo é filho de seu tempo’, mesmo quando consegue apreender intelectualmente o intemporal”.57 O período de maior produção do filósofo ocorreu em Jena. Ali conseguiu aglomerar e sistematizar, pela primeira vez, o seu pensamento, dando origem ao seu sistema filosófico. Escreve a Fenomenologia do espírito com a intenção de ser a introdução dele. Mesmo sendo concluída em meio a turbulências ocorridas na época, a obra, devido a sua grande importância e complexidade (como será melhor apresentado no capítulo terceiro deste trabalho), tornou-se o mais importante escrito da filosofia ocidental moderna. Os escritos, já sistematizados, foram entregues por um mensageiro ao editor, em Banberg, que os publicou alguns meses depois.58 Sua vida também foi marcada pela Revolução Francesa, qualificando-a como a queda gloriosa em que todos os pensantes compartilhem com a importância dessa época. Essa alegria da aquisição da liberdade da razão foi saudada ou representada pelo plantio de uma árvore, um símbolo de esperança; ato que realizou juntamente com seus amigos. Naquela época, a Alemanha era constituída por cerca de trezentos Estados ligados ao Sacro Império Romano Germânico, sob o domínio do Imperador austríaco Francisco I, e estava prestes a ser dominada pelos revolucionários. Com isso exclamou: “Eu vi o imperador – esta alma do mundo – percorrendo as cidades para inspecionar suas tropas; é realmente uma emoção maravilhosa ver tal homem, um homem que, concentrado numa questão particular aqui, sentado sobre um cavalo, alcança o mundo e o domina.”59 Isso, para se referir a Napoleão quando, em 1806, pôs fim ao império austríaco que durou mais de mil, anos proporcionando na Alemanha a libertação dos servos e uma reforma 56 Ibidem, p. 587-588. 57 HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. p. 465. 58 Cf. PLANT, Raymond. Hegel. p. 16-17. 59 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A razão na história. p. 447. apud SINGER, Peter. Hegel. p.12.
  • 39. geral do exército e da administração. Além disso, esses dizeres revelam pressupostos usados em sua grande obra Fenomenologia do espírito. Nela estão contidas as preocupações do filósofo com problemas políticos e a busca incessante da soberania da razão no tempo. 60 Logo em seguida Napoleão causou o fechamento da Universidade em Jena, onde Hegel lecionava, forçando-o a procurar novos rumos. Por algum tempo exerceu, no periódico católico Bamberg Gazette, a função de editor. Volta a seu posto de ensino, agora como reitor em Nuremberg, de 1808 até 1816. Foi um período produtivo, cujo fruto foi a Propedêutica filosófica, que abrangia a lógica, a filosofia da natureza, a filosofia da mente (espírito subjetivo), a filosofia do espírito objetivo (ciência do direito, a moral e a religião), e a filosofia do espírito absoluto na qual engloba a filosofia, a arte e a religião.61 2.2 OS ESCRITOS DE JENA Os escritos gerados por Hegel na época em que viveu em Jena são divididos em dois grupos e antecedem sua grande obra, a Fenomenologia do espírito. Os ético-políticos são compostos por: A Constituição da Alemanha e o Sistema da eticidade; e os teóricos são compostos por: Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling e Fé e saber. Esses escritos retratam principalmente o pensamento hegeliano intimamente preocupado com as ocorrências políticas daquela época, bem como as filosóficas, especialmente os sistemas de Fichte e Schelling. No campo ético-político situa-se o escrito: A Constituição da Alemanha. Esse escrito foi desenvolvido entre os anos de 1801 e 1803, após uma das vitórias de Napoleão e, conseqüentemente, a divisão da Alemanha em vários Estados. Ele não chegou a ser publicado por Hegel. Seu conteúdo era bastante polêmico, pois revelava uma nova visão de Estado (Gewalt) que ia contra ao modelo de Berna. Nesse escrito Hegel busca a resposta para a compreensão de por que a Alemanha não é mais um Estado.62 Descreve: Os pensamentos que este escrito contém não podem ter, com sua publicação, nenhum outro objetivo ou efeito senão o de compreender o que é, e com isso transmitir uma opinião mais serena, assim como uma moderada tolerância nos contatos reais [na maneira de comportar-se] e nas palavras. Pois o que nos torna impetuosos e nos faz sofrer não é o que é, mas o fato de não ser como deve ser; porém, se reconhecermos que isso é como é necessário que seja, ou seja, não por arbítrio ou por acaso, reconheceremos também que deve ser assim.63 60 Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel. In: Hegel. p. 588-589. 61 Cf. PLANT, Raymond. Hegel. p. 17. 62 Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 708. 63 ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 709.
  • 40. Essa parte do escrito sobre A Constituição da Alemanha descreve uma positividade histórica e necessária. Leva o leitor a perceber e a quietar-se diante da situação negativa vivida na história (no fundo Hegel já apresenta a importância do papel do negativo que será melhor apresentado segundo seu sistema filosófico). Para ele, essa negatividade, ou esse estado de guerra, ou a dissolução da Alemanha, mais de que uma permanência harmoniosa, é um importante fator para o seu desenvolvimento, ou para o desenvolvimento de qualquer Estado, bem como a valorização da liberdade do indivíduo. E mais, Hegel tinha a plena certeza que, embora a Alemanha tenha sido dividida, no fundo ela continha o estímulo à liberdade do indivíduo; liberdade cujos indivíduos ou Estados sacrificassem suas peculiaridades para reencontrá-las enquanto universal. Com isso já está anunciando pressupostos de seu sistema filosófico.64 Ainda no campo ético-político encontra-se o escrito Sistema da eticidade que só foi publicado em 1893. É um considerável escrito de sua juventude. Sobre o campo ético-político Hegel produziu outro escrito chamado As diversas maneiras de tratar o direito natural 1802-1803; porém, o primeiro tornou-se mais conhecido e importante. A respeito desse escrito sabe-se que, além de ser extremamente difícil, o que é comum em Hegel, é tido como introdutório à Fenomenologia do espírito, por já conter a narração de momentos históricos. Além disso, é muito complexo e cheio de divisões e subdivisões. Um aspecto importante dele, talvez o principal, é o surgimento da consciência na natureza como realidade indiferenciada que, como a consciência (que será abordado na Fenomenologia do espírito), contém a necessidade uma separação, de uma busca pela satisfação cujo encontro se dá pelo trabalho, para a transformação e concretização de um objeto externo. O Sistema da eticidade traz a importância da família como totalidade a ser desempenhada; porém, não como a mais importante, pois a mais importante é a vida de um povo, ou seja, a vida de cada um, mas desenvolvida a favor de todo o povo. Com isso, explica Hegel: De maneira eterna existe, portanto, o indivíduo na eticidade; seu ser empírico e seu agir sem dúvida são universais: de fato, não é o individual que age, mas o espírito absoluto universal que está nele. A visão do mundo e da necessidade que é próprio da filosofia, segundo a qual todas as coisas estão em Deus, e não existe nenhuma singularidade, é completamente realizada (...) no fato de singularidade do agir, do pensar ou do se ter a sua essência e significado apenas no inteiro (...) Mas a intuição dessa idéia de eticidade é o povo (...) No momento em que o povo é a diferença viva, anula-se toda a diferença natural (...); e é justamente por isso que essa identidade de todos não é abstrata, não é igualdade do cidadão como bourgeois, mas uma identidade absoluta [...]65 64 Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 709. 65 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Escritos de filosofia do direito. p. 201-202. apud ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 711.
  • 41. Já é de nosso conhecimento que Schelling publicou, em 1801, o seu sistema com o nome de Sistema do idealismo transcendental. Hegel, no mesmo ano, ainda em Jena, além dos problemas ético-políticos, começa a se contrapor a sistemas filosóficos existentes. Escreve o teórico sobre Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling. Nele, contém divisões enfocando sobre as formas do filosofar, a exposição do sistema fichteano, a comparação entre os sistemas de Fichte e Schelling. Esse escrito afirma o espírito como identidade de sujeito e objeto. É justamente no prefácio da Diferença que Hegel aponta a diferença entre espírito absoluto e o espírito da filosofia kantiana. Começa o início de uma grande discussão. Para Hegel compor a Diferença, inúmeras discussões são geradas. Primeiramente pelo fato de Kant limitar a identidade do sujeito-objeto a doze categorias e por não incluir nessa identidade o conteúdo empírico. Hegel concorda com Kant quando afirma que a identidade do sujeito é constituída pelo intelecto; o que ele não concorda é que essa unidade entre sujeito e objeto seja limitada simplesmente ao fenômeno, não valendo para as coisas-em-si. Kant, com isso, acaba de abandonar a razão ao intelecto. Outro motivo que causou discussões foi justamente o problema de Fichte ao desenvolver seu sistema. A princípio – discordando de Kant – afirma que tal identidade entre sujeito e objeto (para ele eu e não-eu) não é apenas limitada ao fenômeno, mas vale para todo o real. Depois, desviando-se de tais princípios, permite que a razão seja abandonada ao intelecto, impossibilitando a união dos opostos.66 Mais que discutir com Kant e com Fichte, encontra e elogia a filosofia de Schelling que apresenta com júbilo uma necessidade de reconciliação entre os opostos, cuja identidade se atualiza conservando-se em-si. Porém, interpreta de sua maneira e distingue a identidade schellinguiana da sua na qual apresentará o desaparecimento de todas as diferenças entre os opostos. Em suma, afirma: A cisão (Entzweiung) é a origem da necessidade da filosofia. (...) Quando a força que unifica (Macht der Vereinigung) desaparece da vida do homem, quando os opostos perderam sua relação viva e sua ação recíproca e tornaram-se coisas estanques em si, então surge a necessidade da filosofia.67 Além de Diferença entre o sistema de Fichte e Schelling, produz em 1802, outro escrito importante: Fé e saber. Uma espécie de reação ao Iluminismo que absolutiza a realidade empírica e finita, chegando ao ponto de afirmar a impossibilidade do conhecimento do absoluto por meio da razão. Com esse escrito dialoga, discute e discorda das filosofias de Kant, de Fichte e de Jacobi. A de Kant por dar e apresentar a lei moral como a mais 66 Cf. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 712-713. 67 ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. p. 713.