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A Organização em Análise: Contribuições da Psicanálise
para o Entendimento das Organizações Humanas
Diego Canhada
O livro de Eugène Enriquez, ¨A Organização em Análise¨ demonstra como a psicanálise pode
ser útil para a análise organizacional. Partindo de um método analógico e um modo de pensar
metafórico, o autor afirma que os conceitos de Freud podem ser utilizados para evidenciar
aspectos inconscientes da conduta social que são negligenciados por outras abordagens teóri-
cas. Fica claro que Enriquez reconhece que a psicanálise não pode explicar aspectos sociais
que fogem ao seu domínio, já que possuem uma realidade que lhe é própria e histórica, pois
afirma que:
¨[...]…porquanto Freud mantém, apesar das ligações existentes, uma distância entre a reali-
dade psíquica e realidade histórica. Essas duas realidades que estão naturalmente em intera-
ções, como já salientei antes, procedem de universos diferentes, conhecem sua própria lógi-
ca, suas próprias leis de funcionamento e não podem se reduzir uma a outra (ENRIQUEZ,
1994, p. 28).¨
Após demarcar esses limites, Enriquez concebe a organização como um sistema simultanea-
mente cultural, simbólico e imaginário. Sistema cultural pois a organização oferece uma es-
trutura de valores e normas, um modo de apreender o mundo e de pensar. Esse sistema auxilia
na constituição de uma ¨armadura estrutural¨ que se cristaliza em determinada cultura, geran-
do expectativas de papéis, condutas mais ou menos estabilizadas e hábitos de pensamento e de
ação. Por fim, desenvolve um processo de formação e de socialização que permite que novos
atores tenham como se inserir nesse sistema, já que seleciona aquilo que é considerado bons
comportamentos e boas condutas.
É um sistema simbólico porque cria uma narrativa, uma saga em que os diferentes atores dão
sentido aos seus atos e legitimam suas condutas e práticas. Embora um sistema simbólico
nunca seja totalmente fechado, as organizações procuram, consciente ou inconscientemente,
arquitetá-lo e isso acontece exatamente pelo receio que os indivíduos possuem quanto à soli-
dez do sistema.
A organização vai produzir também um sistema imaginário para dar coerência ao sistema cul-
tural e simbólico. Enriquez afirma que esse sistema imaginário pode se dar em duas formas:
imaginário motor e imaginário enganador. ¨O imaginário é enganador, na medida em que a
organização tenta prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de afirma-
ção narcisista (ENRIQUEZ, 1994, p. 35)¨. Nessa forma de imaginário, a organização tenta
substituir o imaginário dos indivíduos pelo dela, seduzindo-os, aparecendo simultaneamente
como muito poderosa e possuindo extrema fragilidade, visando assim ocupar a totalidade psí-
quica do indivíduo. O imaginário motor se dá na medida em que a organização permite a cria-
tividade e que os indivíduos não se sintam reprimidos com as regras organizacionais. O autor
afirma que embora o imaginário seja sempre irreal, é ele que fecunda o real e por isso sua
importância. Portanto, se a organização consegue imprimir sua marca sobre o pensamento e
utilizar-se do aparelho psíquico humano, Enriquez propõe sete instâncias (ou níveis) de análi-
se das organizações, baseando-se no pensamento de Freud: a instância mítica, a instância só-
cio-histórica, a instância institucional, a instância organizacional, a instância grupal, a instân-
cia individual e a instância pulsional. Resumidamente, vamos a cada uma das instâncias pro-
postas.
A instância mítica diz respeito as narrativas que se colocam no nível da meta-história, já que
contam uma história sobre um tempo sem data, que possibilita que os atores, situados no tem-
po histórico, dêem sentido aos seus atos. O mito fala sobre a origem do mundo, das coisas e
nesse caso específico, da organização. O mito pode ser entendido como palavra afetiva, que
gera vínculos sociais, e como sistema conceitual, que articula as experiências cotidianas com
uma representação metafísica e proporciona coerência ao mundo e as organizações. Há dife-
rentes formas de mitos, mas ele é conservador por excelência, já que unifica os pensamentos,
comportamentos e clama por ações coerentes com a narrativa que ele conta.
A instância social-histórica faz-se necessária já que nas sociedades modernas, o mito não po-
de abarcar toda representação coletiva de uma sociedade ou uma organização. Nesse caso,
surge a necessidade de revestir a forma social com algo que garanta uma maior coesão e essa
função é preenchida pela ideologia. Como vivemos em uma sociedade de classes e assimetria
nas relações de poder, a ideologia pretende mascarar essas disputas e lutas, mascarando a rea-
lidade. Interessante a análise que Enriquez faz da ideologia, pois afirma que simultaneamente
a ideologia expressa e mascara a realidade. Expressa porque caso não estivesse fundamentada
em algum nível de verdade, não faria nenhum sentido. Mascara porque pretende ocultar os
conflitos, assimetrias e relações de dominação existentes em qualquer sociedade com classes.
Obviamente que em uma organização que possui relação de co-determinação e reciprocidade
com a sociedade na qual está inserida, essas disputas perpassam a organização e a ideologia
estará presente para buscar a coesão organizacional.
A instância institucional é onde se encontram os verdadeiros fenômenos de poder que advêm
da instância sócio-histórica. A instituição visa manter um estado de coisas, estabelece uma
repetição de comportamentos e assim como a ideologia: expressa os conflitos e violências,
assim como mascara. Mascara pois produz uma repetição, uma canalização para as pulsões e
possíveis revoltas, indica um caminho e um modo de agir, produz um consenso de como as
coisas devem se dar. Expressa os conflitos pois não nega suas origens, cristaliza as diferenças
e assimetrias com suas normas, regras, valores e comportamentos aceitáveis.
A instância organizacional é o que materializa a instituição e busca servir como porta-voz
legítimo dessa. A organização é uma forma específica de estruturação de uma instituição e
traduz as assimetrias de poder em divisão do trabalho e em sistemas de autoridade. Se a insti-
tuição é o lugar das disputas políticas, a organização é o lugar onde se dão as relações de for-
ça, as lutas explícitas e implícitas e as estratégias dos atores. Para Enriquez, esse nível de pes-
quisa é simultaneamente essencial e limitado. Essencial porque na organização há uma ten-
dência que os objetivos sejam abandonados e os meios tomados como fins. Ao mesmo tempo
é limitado porque não é possível entender uma organização sem consciência do projeto social
que elas expressa, bem como do imaginário social que a faz existir.
A instância grupal é onde se estudam os grupos, sendo que esse é um nível de análise privile-
giado para a compreensão dos fenômenos coletivos. Enriquez afirma que esse é um nível de
análise desconsiderado por grande parte dos sociólogos, o que ele considera um equívoco. O
autor afirma que a dinâmica que se dá nos grupos e não faz parte da estrutura formal de uma
organização é indispensável para que essa mesma organização consiga funcionar, e ao mesmo
tempo, é onde os trabalhadores se agrupam para resistir e lutar. É nos grupos que se expressa
a solidariedade entre os trabalhadores, onde as pessoas se agrupam para resolver seus proble-
mas no trabalho e simultaneamente onde surgem as estratégias de resistência e luta. Na essên-
cia de um grupo está a noção de comunidade. Por comunidade entende-se:
¨[...]uma associação voluntária de pessoas que experimentam em comum a necessidade de
trabalharem juntos em conjunto ou de viverem juntas de maneira intensa, a fim de realizarem
um ou diversos projetos que assinalam sua razão de existir (ENRIQUEZ, 1994, p. 103).¨
A instância individual, também tradicionalmente omitida pelos sociólogos, preocupa-se com
as condutas normais e patológicas do indivíduo na construção social. Enriquez não nega que o
indivíduo nasce em uma sociedade já com uma cultura e que essa cultura vai estruturar a con-
duta do indivíduo. No entanto, o indivíduo possui certa autonomia na construção do social e
para o autor, retirar o indivíduo do estudo é cair no determinismo absoluto dos processos so-
ciais.
Por fim, há a instância pulsional, que perpassa todas as outras instâncias. A instância pulsio-
nal, que nunca é diretamente apreendida senão pelos seus efeitos e representantes psíquicos, é
constituída pela pulsão de vida e pela pulsão de morte, entendendo pulsão como ¨um processo
dinâmico consistindo num impulso que faz o organismo tender para um objetivo (ENRI-
QUEZ, 1994, p. 123).¨ A pulsão de vida favorece o amor e amizade entre os seres, pois repre-
senta as exigências da libido, mas é canalizada ou sublimada para o fortalecimento dos elos
sociais. Nas organizações essa pulsão se dá com busca de eficiência, dinamismo, mudança e
criatividade e põe em funcionamento o processo de ligação favorecendo a coesão e harmonia.
A pulsão de morte é uma compulsão a repetição e a tendência à redução das tensões ao estado
zero. Essa pulsão manifesta-se nas organizações como uma força que tende à homogeneização
do trabalho, à recusa da criatividade, à repetição e a própria burocratização.
Referência Bibliográfica
ENRIQUEZ, Eugène. A Organização em Análise. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 11 a 133.
Texto postado a pedido do meu amigo Bruno Vanhoni. Trabalho elaborado no primeiro se-
mestre de 2008 como uma resenha para a disciplina de ¨Economia do Poder, Estado e Socie-
dade¨, ministrada pelo Prof. Dr. José Henrique de Faria no curso de Mestrado em Adminis-
tração da UFPR. O autor do livro citado, Eugène Enriquez, é Doutor em Sociologia pela
École de Hautes Études en Science Sociale de Paris e Professor Emérito da Universidade de
Paris VII. No campo dos estudos organizacionais, área de conhecimento marcada pela inter-
disciplinaridade, é tido como o maior nome da psicanálise organizacional.

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  • 1. A Organização em Análise: Contribuições da Psicanálise para o Entendimento das Organizações Humanas Diego Canhada O livro de Eugène Enriquez, ¨A Organização em Análise¨ demonstra como a psicanálise pode ser útil para a análise organizacional. Partindo de um método analógico e um modo de pensar metafórico, o autor afirma que os conceitos de Freud podem ser utilizados para evidenciar aspectos inconscientes da conduta social que são negligenciados por outras abordagens teóri- cas. Fica claro que Enriquez reconhece que a psicanálise não pode explicar aspectos sociais que fogem ao seu domínio, já que possuem uma realidade que lhe é própria e histórica, pois afirma que: ¨[...]…porquanto Freud mantém, apesar das ligações existentes, uma distância entre a reali- dade psíquica e realidade histórica. Essas duas realidades que estão naturalmente em intera- ções, como já salientei antes, procedem de universos diferentes, conhecem sua própria lógi- ca, suas próprias leis de funcionamento e não podem se reduzir uma a outra (ENRIQUEZ, 1994, p. 28).¨ Após demarcar esses limites, Enriquez concebe a organização como um sistema simultanea- mente cultural, simbólico e imaginário. Sistema cultural pois a organização oferece uma es- trutura de valores e normas, um modo de apreender o mundo e de pensar. Esse sistema auxilia na constituição de uma ¨armadura estrutural¨ que se cristaliza em determinada cultura, geran- do expectativas de papéis, condutas mais ou menos estabilizadas e hábitos de pensamento e de ação. Por fim, desenvolve um processo de formação e de socialização que permite que novos atores tenham como se inserir nesse sistema, já que seleciona aquilo que é considerado bons comportamentos e boas condutas. É um sistema simbólico porque cria uma narrativa, uma saga em que os diferentes atores dão sentido aos seus atos e legitimam suas condutas e práticas. Embora um sistema simbólico nunca seja totalmente fechado, as organizações procuram, consciente ou inconscientemente, arquitetá-lo e isso acontece exatamente pelo receio que os indivíduos possuem quanto à soli- dez do sistema. A organização vai produzir também um sistema imaginário para dar coerência ao sistema cul- tural e simbólico. Enriquez afirma que esse sistema imaginário pode se dar em duas formas: imaginário motor e imaginário enganador. ¨O imaginário é enganador, na medida em que a organização tenta prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de afirma- ção narcisista (ENRIQUEZ, 1994, p. 35)¨. Nessa forma de imaginário, a organização tenta substituir o imaginário dos indivíduos pelo dela, seduzindo-os, aparecendo simultaneamente como muito poderosa e possuindo extrema fragilidade, visando assim ocupar a totalidade psí- quica do indivíduo. O imaginário motor se dá na medida em que a organização permite a cria- tividade e que os indivíduos não se sintam reprimidos com as regras organizacionais. O autor afirma que embora o imaginário seja sempre irreal, é ele que fecunda o real e por isso sua importância. Portanto, se a organização consegue imprimir sua marca sobre o pensamento e
  • 2. utilizar-se do aparelho psíquico humano, Enriquez propõe sete instâncias (ou níveis) de análi- se das organizações, baseando-se no pensamento de Freud: a instância mítica, a instância só- cio-histórica, a instância institucional, a instância organizacional, a instância grupal, a instân- cia individual e a instância pulsional. Resumidamente, vamos a cada uma das instâncias pro- postas. A instância mítica diz respeito as narrativas que se colocam no nível da meta-história, já que contam uma história sobre um tempo sem data, que possibilita que os atores, situados no tem- po histórico, dêem sentido aos seus atos. O mito fala sobre a origem do mundo, das coisas e nesse caso específico, da organização. O mito pode ser entendido como palavra afetiva, que gera vínculos sociais, e como sistema conceitual, que articula as experiências cotidianas com uma representação metafísica e proporciona coerência ao mundo e as organizações. Há dife- rentes formas de mitos, mas ele é conservador por excelência, já que unifica os pensamentos, comportamentos e clama por ações coerentes com a narrativa que ele conta. A instância social-histórica faz-se necessária já que nas sociedades modernas, o mito não po- de abarcar toda representação coletiva de uma sociedade ou uma organização. Nesse caso, surge a necessidade de revestir a forma social com algo que garanta uma maior coesão e essa função é preenchida pela ideologia. Como vivemos em uma sociedade de classes e assimetria nas relações de poder, a ideologia pretende mascarar essas disputas e lutas, mascarando a rea- lidade. Interessante a análise que Enriquez faz da ideologia, pois afirma que simultaneamente a ideologia expressa e mascara a realidade. Expressa porque caso não estivesse fundamentada em algum nível de verdade, não faria nenhum sentido. Mascara porque pretende ocultar os conflitos, assimetrias e relações de dominação existentes em qualquer sociedade com classes. Obviamente que em uma organização que possui relação de co-determinação e reciprocidade com a sociedade na qual está inserida, essas disputas perpassam a organização e a ideologia estará presente para buscar a coesão organizacional. A instância institucional é onde se encontram os verdadeiros fenômenos de poder que advêm da instância sócio-histórica. A instituição visa manter um estado de coisas, estabelece uma repetição de comportamentos e assim como a ideologia: expressa os conflitos e violências, assim como mascara. Mascara pois produz uma repetição, uma canalização para as pulsões e possíveis revoltas, indica um caminho e um modo de agir, produz um consenso de como as coisas devem se dar. Expressa os conflitos pois não nega suas origens, cristaliza as diferenças e assimetrias com suas normas, regras, valores e comportamentos aceitáveis. A instância organizacional é o que materializa a instituição e busca servir como porta-voz legítimo dessa. A organização é uma forma específica de estruturação de uma instituição e traduz as assimetrias de poder em divisão do trabalho e em sistemas de autoridade. Se a insti- tuição é o lugar das disputas políticas, a organização é o lugar onde se dão as relações de for- ça, as lutas explícitas e implícitas e as estratégias dos atores. Para Enriquez, esse nível de pes- quisa é simultaneamente essencial e limitado. Essencial porque na organização há uma ten- dência que os objetivos sejam abandonados e os meios tomados como fins. Ao mesmo tempo é limitado porque não é possível entender uma organização sem consciência do projeto social que elas expressa, bem como do imaginário social que a faz existir. A instância grupal é onde se estudam os grupos, sendo que esse é um nível de análise privile- giado para a compreensão dos fenômenos coletivos. Enriquez afirma que esse é um nível de análise desconsiderado por grande parte dos sociólogos, o que ele considera um equívoco. O autor afirma que a dinâmica que se dá nos grupos e não faz parte da estrutura formal de uma
  • 3. organização é indispensável para que essa mesma organização consiga funcionar, e ao mesmo tempo, é onde os trabalhadores se agrupam para resistir e lutar. É nos grupos que se expressa a solidariedade entre os trabalhadores, onde as pessoas se agrupam para resolver seus proble- mas no trabalho e simultaneamente onde surgem as estratégias de resistência e luta. Na essên- cia de um grupo está a noção de comunidade. Por comunidade entende-se: ¨[...]uma associação voluntária de pessoas que experimentam em comum a necessidade de trabalharem juntos em conjunto ou de viverem juntas de maneira intensa, a fim de realizarem um ou diversos projetos que assinalam sua razão de existir (ENRIQUEZ, 1994, p. 103).¨ A instância individual, também tradicionalmente omitida pelos sociólogos, preocupa-se com as condutas normais e patológicas do indivíduo na construção social. Enriquez não nega que o indivíduo nasce em uma sociedade já com uma cultura e que essa cultura vai estruturar a con- duta do indivíduo. No entanto, o indivíduo possui certa autonomia na construção do social e para o autor, retirar o indivíduo do estudo é cair no determinismo absoluto dos processos so- ciais. Por fim, há a instância pulsional, que perpassa todas as outras instâncias. A instância pulsio- nal, que nunca é diretamente apreendida senão pelos seus efeitos e representantes psíquicos, é constituída pela pulsão de vida e pela pulsão de morte, entendendo pulsão como ¨um processo dinâmico consistindo num impulso que faz o organismo tender para um objetivo (ENRI- QUEZ, 1994, p. 123).¨ A pulsão de vida favorece o amor e amizade entre os seres, pois repre- senta as exigências da libido, mas é canalizada ou sublimada para o fortalecimento dos elos sociais. Nas organizações essa pulsão se dá com busca de eficiência, dinamismo, mudança e criatividade e põe em funcionamento o processo de ligação favorecendo a coesão e harmonia. A pulsão de morte é uma compulsão a repetição e a tendência à redução das tensões ao estado zero. Essa pulsão manifesta-se nas organizações como uma força que tende à homogeneização do trabalho, à recusa da criatividade, à repetição e a própria burocratização. Referência Bibliográfica ENRIQUEZ, Eugène. A Organização em Análise. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 11 a 133. Texto postado a pedido do meu amigo Bruno Vanhoni. Trabalho elaborado no primeiro se- mestre de 2008 como uma resenha para a disciplina de ¨Economia do Poder, Estado e Socie- dade¨, ministrada pelo Prof. Dr. José Henrique de Faria no curso de Mestrado em Adminis- tração da UFPR. O autor do livro citado, Eugène Enriquez, é Doutor em Sociologia pela École de Hautes Études en Science Sociale de Paris e Professor Emérito da Universidade de Paris VII. No campo dos estudos organizacionais, área de conhecimento marcada pela inter- disciplinaridade, é tido como o maior nome da psicanálise organizacional.