Este documento apresenta um resumo de um "Romance em Cinco Linhas" escrito por Groucho Engels. O romance é dividido em quatro partes curtas que discutem a idéia por trás do romance, as diferenças entre romance, poesia e prosa, como os contos são, e o que constitui propriamente um romance. Apesar de ser um romance, a obra não contém personagens ou enredo tradicionais, servindo mais como uma reflexão metalinguística sobre a própria escrita e forma literária.
7. Sumário
Prefácio I ..........................................................................9
Prefácio II ........................................................................13
Apresentação ...................................................................17
I - A idéia do Romance ...............................................19
II - Romance não é poesia nem prosa ...................25
III - Conto como é..........................................................33
IV - O Romance propriamente dito ........................41
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Prefácio I
“Você tem a verdade e a verdade é seu
dom de iludir”
(Caetano Veloso)
Nem sempre é muito difícil apresentar
uma obra. Às vezes é absolutamente
impossível, ou parece ser. Como alguém pode
imaginar o que seja um “romance em cinco
linhas” além da inicial e aparente contradição
em termos?
Pois que o valoroso leitor não se iluda.
Groucho Engels é um enganador. O que pode
ser um romance em cinco linhas senão uma
enganação?
Os mais aventureiros podem tentar
encontrar outras coisas e é provável que as
encontre, ainda que cercada de mentiras.
Mas já tivemos tantos mentirosos ilustres,
poéticos, a quem devemos algumas de nossas
melhores lembranças. Por que Groucho
Engels não pode ter a pretensão de ser mais
um desses mentirosos?
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Alter ego de si mesmo, como ele próprio
se define, o Ataídes já parte da presunção
de “romancear o nada”. Se Manoel de Barros
fez um poema sobre o nada, ele acredita –
com todo sentimento da alma – que também
pode. Tente tirar um cochilo com tamanha
bagunça!
O leitor pode tentar ler – o que é
recomendável. Mas não se deixe iludir com
Ataídes Braga. A não ser que seja daqueles
que olhem a ilusão com olhos bons.
É uma obra de um leitor feita para
outro leitor. E pense como é difícil ler algo
de quem não escreve, só lê. Pense agora a
tarefa ainda mais árdua para esse “leitor
semi-alfabetizado” escrever o que ainda será
lido. Mesmo que deixe a impressão – quiçá
verdadeira – de ter sido feita num único
fôlego.
Como o próprio autor – na verdade
outro leitor – adverte, “esta é uma obra sem
personagens. Personalidades também não há”.
Poderia pensar o leitor atento que sem essas
mínimas características, caráter também não
haveria de ter. Talvez não esteja de todo
despido de razão. Há que se lembrar que nas
primeiras décadas deste século abrimos os
olhos para o fato de que nossos heróis não
têm caráter.
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Enveredar-se por esse romance em cinco
linhas pode ser uma aventura por vezes
perigosa, por vezes arriscada. Aos corajosos
de alma, a recompensa de algumas propostas
de histórias que bem poderiam ser roteiros. E
dentro desse “cavalo de Tróia”, inquietações
de um leitor que quer dividi-las com outro
colega seu.
Mas que não siga enganado. Ao fim,
o autor não se dá ao trabalho de fazer a
conclusão. As últimas linhas do romance
– que ao final do livro poderá soar como
ameaça para alguns dos mais atentos leitores
– é do Walter Benjamin. Recursos de um
leitor de gosto refinado.
Ana Paola Valente-Lleida
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Prefácio II
Seria conveniente e ao mesmo tempo
óbvio escrever um prefácio de um romance
em cinco linhas se utilizando exatamente
de cinco linhas. Porém, prefiro deixar a
transgressão a cargo do autor (?) Ataídes
Braga.
Machado de Assis sempre gostava de
alertar seu leitor nos prefácios de suas obras
para algumas questões pontuais presentes
nelas. Acho que isso também vale para o
romance que será lido a seguir.
Em meu primeiro parágrafo coloquei
uma interrogação entre parênteses após me
referir ao autor deste livro. Fiz isso porque
quis já no início incutir na mente de quem me
lê um questionamento do qual parte Ataídes
Braga.
A partir do momento em que ele infringe
as características originais do romance (como
a crítica social, a descrição da vida burguesa,
etc.), o autor critica de forma subjetiva as
próprias convenções burguesas sobre a
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literatura que dizem ser preciso um romance
ter esse ou aquele formato.
Braga,originariamenteumpoeta,transpõe
o formato da poesia para seu romance e
discorre, de maneira metalingüística, em cada
estrofe (suas cinco linhas de cada página), em
cada verso, em cada palavra, sobre o fazer
literatura e sobre o fazer arte, tudo isso com
sua inteligente ironia e suas observações sobre
o mundo, rindo do ego inflado dos autores e
das convenções literárias industrialistas que
os impede de fazer uma arte libertária.
Dessa maneira, Braga desconstrói,
inclusive, a própria idéia de autoria, pois
se vale de um espírito zombeteiro, como
se encarnasse o antropofágico Oswald de
Andrade, e vomitasse em sua obra todas as
suas referências e sua transgressão da ordem
vigente.
Aocolocarainterrogaçãoentreparênteses
após a palavra autor, eu quis dar a entender
isso, uma vez que, apesar de ser realmente
um autor, Braga foge das convenções e do
início ao fim de sua obra deixa claro que não
quer ser tomado como um gênio e que, aliás,
despreza esse tratamento dado ao artista,
indo de encontro a uma discussão de Roland
Barthes presente no artigo A morte do autor,
de 1968, no qual, dentre outras coisas, ele diz
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que “o nascimento do leitor tem de pagar-se
com a morte do Autor”. Braga parece munido
desse mesmo pensamento ao transferir
seu espírito de libertação das amarras do
convencionalismo para seu leitor.
Conheço Ataídes Braga há muito tempo.
Confesso que ele é um verdadeiro mestre e
até mesmo uma figura paterna (e tenho a
honra de poder tê-lo como sócio e de chamá-
lo de amigo). Desde quando o conheci,
ele me ajudou a libertar minhas idéias e
sempre bancou todas as insanidades não
convencionais que propus ao meu modo de
fazer arte, as quais antes tinha medo e receio
de revelar.
Espero que com suas palavras –
aparentemente sobre o nada, mas no fundo
questionadoras – Braga ajude o amigo leitor
a, como eu, ver o mundo e a arte com outros
olhos, longe do cabresto imposto pelo poder
e pela sociedade ainda conservadora onde
vivemos. Transgressores de todo o mundo,
uni-vos...
Jefferson Assunção
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Apresentação
“Eu queria escrever um livro. Mas
onde estão as palavras? Esgotaram-se
os significados. Como surdos e mudos
comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que
me dessem licença para eu escrever ao som
harpejado e agreste a sucata da palavra. E
prescindir de ser discursivo. Assim: poluição.
Escrevo ou não escrevo? (...)
Tenho medo de escrever. É tão perigoso.
Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que
está oculto – e o mundo não está à tona,
está oculto em suas raízes submersas em
profundidades de mar (...)
Escrever existe por si mesmo? Não. É
apenas o reflexo de uma coisa que pergunta.
Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como
escrevo sem saber como e porque – é por
fatalidade de voz. O meu timbre sou eu.
Escrever é uma indagação. É assim?”
Clarice Lispector (Um sopro de vida, p.13).
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Iniciar um romance com uma
citação de um autor consagrado é
sempre óbvio e necessário. Eu, alter ego
de mim mesmo, considero enriquecedor
e tenho certeza que Clarice gostaria.
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A idéia para a existência do
romance (de agora em diante escrito)
foi que ele poderia ser escrito,
sua forma e conteúdo, com final
moralista, em cinco linhas.
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Este não é um romance de escritor;
é de leitor: tem diferença? Claro.
Qual é? No final saberemos, ou não.
O escritor escreve, desenha situações
e o leitor lê.
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O leitor que escreve este romance
não é escritor. É semi-alfabetizado.
Sabe ler, mas escreve pouco.
Portanto, sempre que o leitor/escritor
estiver escrevendo, estará lendo.
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O leitor sabe que escrever é
muito difícil. Ler é sempre fácil.
Entretanto, o escritor, leitor, prefere
sempre ler a escrever.
Lendo muito sempre escreverá.
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Eu sei diferenciar poesia de
prosa, saberá o leitor?
A poesia exprime. A prosa
espreme. O romance alonga,
enrola, enche.
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A poesia é o sentimento mudo,
expresso com dor. Os poetas
não prosam muito. Às vezes
são românticos, nem sempre de
romances.
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A prosa é coisa de botequim,
ou de jornais diários ou
de grupos de adolescentes ou
de idosos aposentados.
Em geral, casos de polícia.
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A poesia é coisa de desocupados
sociais, universitários boêmios,
loucos e bichas. Não tem
utilidades sócio-políticas nem
atinge a consciência essencial.
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A prosa, geralmente, é utilizada por
jornalistas reacionários e políticos
despreparados, críticos literários que
sonharam autores de clássicos e a
escória das escolas de comunicação.
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A poesia tem ranço com a realidade,
nunca é concreta. Desmancha-se
no ar (cade). É juvenil. Prazer de
punheteiros. É apolítica. Orgasmo
de diletantes.
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A prosa bem feita é pura. Pura
bobagem. Mal feita é escárnio.
Putrefação. Boçal, sem adjetivos.
A vantagem da prosa e da poesia,
é serem curtas. Prosahaicais.
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Este é um romance sem estória. Porém,
histórico. Faz uso da história oral,
verbal e de vida (dos outros).
É também acéfalo. Sem estrutura (lismo).
Marxista diabético.
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Este é um romance sem influência. Os
críticos literários sempre procuram.
influências. Más influências e
referências, de certo, existirão.
Impertinências.
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Este é um romance histérico dialético.
Na forma e no conteúdo,
ainda por cima, didático.
Objetivo e pretensioso.
Nada criativo.
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Este é um romance sem poesia
e com muita prosa.
Protético, prosaico,
protuberante e
pernicioso.
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Este é um romance, note o leitor,
cheio de este, por que será?
Por que não esse?
Obra repleta de erros gramaticais,
não concordam?
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Como contar um romance?
Não como poesia?
Nem, ao menos, prosa,
quisera ser um conto.
Conto como seria.
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O romance já feito
se inicia pelo fim.
Tendo o final, teremos,
inevitavelmente, o início.
E consequentemente, o fim.
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Esta é uma obra sem personagens.
Personalidades, também não há.
Por isso, personal.
Impessoal e performático.
Além-vanguarda.
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A estória que não vamos contar (narrar)
acontece, ou poderia acontecer
em qualquer lugar.
Aqui, por exemplo,
após o almoço.
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Neste, caro leitor, não se encontrará
uma relação amorosa.
Nem violência.
Tampouco, problemas sociais.
Menos ainda, existencialismos.
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Não sendo uma autobiografia,
nem minha, nem de ninguém,
é um relato que nada relata.
Relaciona nada com algo
tudo com nada.
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Nossa personagem, que não
existe, não esqueça o leitor,
diz coisas que não tem
razão de ser.
Inconclusas e impenetráveis.
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O romance precisa ser
não-romance.
Descre/ver/a escrita.
Re/escrever a literatura.
Pre/escrever a vida.
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O romance não tem que ter um
assunto. Qualquer coisa serve.
Até mesmo o nada. Manoel
de Barros poetou o nada. Eu
vou romanceá-lo.
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Um livro deve se escrever
por ele mesmo. Não precisa
do escritor. Só do leitor.
O leitor é o escritor do
livro que se escreve.
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O romance não deve
ser intelectual e
sim intelegível.
Erudito e simples.
Acontecimento cotidiano.
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Este é um romance diferente.
Diferenciado e intransferível.
Prosa poética patética,
com palavras num interminável
jogo de palavras.
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Não é propriamente um livro. Seria um
livro/arbítrio?
É a expressão de uma forma de
articular conteúdos e formas,
desinformado.
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Voltemos à estória que não existe,
mas que precisa ser re/contada.
Não se trata de falar de alguma coisa,
mas de ter alguma coisa
para falar. Dizer/escrever.
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Não há bandidos nem mocinhos,
só imagens dos mesmos,
bons ou maus.
Não é sobre a ditadura
e sim sobre a dita cuja.
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De uma vez por todas,
passemos à história.
Sempre quis escrever
um romance.
Por isso, tudo isso.
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A escrita é para ser lida.
Lidar com palavras
é luta vã, dizia CDA.
Poderia um escritor
escrever para não ser lido?