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Romance
Em
Cinco
Linhas
Romance
Em
Cinco
Linhas
Groucho Engels
Copyright © 2015 by Ataídes Braga
Todos os direitos reservados
Organizador e criador:
Ataídes Braga
Revisão:
Jefferson Assunção
Projeto gráfico e diagramação:
Letícia Santana Gomes
Costura e capa:
Phonte 88
Artesãos Tagarelas
Rua dos Goitacazes, 333, Sala 603
Belo Horizonte. MG
www.artesaostagarelas.com.br
Sumário
Prefácio I ..........................................................................9
Prefácio II ........................................................................13
Apresentação ...................................................................17
I - A idéia do Romance ...............................................19
II - Romance não é poesia nem prosa ...................25
III - Conto como é..........................................................33
IV - O Romance propriamente dito ........................41
9
Prefácio I
“Você tem a verdade e a verdade é seu
dom de iludir”
(Caetano Veloso)
Nem sempre é muito difícil apresentar
uma obra. Às vezes é absolutamente
impossível, ou parece ser. Como alguém pode
imaginar o que seja um “romance em cinco
linhas” além da inicial e aparente contradição
em termos?
Pois que o valoroso leitor não se iluda.
Groucho Engels é um enganador. O que pode
ser um romance em cinco linhas senão uma
enganação?
Os mais aventureiros podem tentar
encontrar outras coisas e é provável que as
encontre, ainda que cercada de mentiras.
Mas já tivemos tantos mentirosos ilustres,
poéticos, a quem devemos algumas de nossas
melhores lembranças. Por que Groucho
Engels não pode ter a pretensão de ser mais
um desses mentirosos?
10
Alter ego de si mesmo, como ele próprio
se define, o Ataídes já parte da presunção
de “romancear o nada”. Se Manoel de Barros
fez um poema sobre o nada, ele acredita –
com todo sentimento da alma – que também
pode. Tente tirar um cochilo com tamanha
bagunça!
O leitor pode tentar ler – o que é
recomendável. Mas não se deixe iludir com
Ataídes Braga. A não ser que seja daqueles
que olhem a ilusão com olhos bons.
É uma obra de um leitor feita para
outro leitor. E pense como é difícil ler algo
de quem não escreve, só lê. Pense agora a
tarefa ainda mais árdua para esse “leitor
semi-alfabetizado” escrever o que ainda será
lido. Mesmo que deixe a impressão – quiçá
verdadeira – de ter sido feita num único
fôlego.
Como o próprio autor – na verdade
outro leitor – adverte, “esta é uma obra sem
personagens. Personalidades também não há”.
Poderia pensar o leitor atento que sem essas
mínimas características, caráter também não
haveria de ter. Talvez não esteja de todo
despido de razão. Há que se lembrar que nas
primeiras décadas deste século abrimos os
olhos para o fato de que nossos heróis não
têm caráter.
11
Enveredar-se por esse romance em cinco
linhas pode ser uma aventura por vezes
perigosa, por vezes arriscada. Aos corajosos
de alma, a recompensa de algumas propostas
de histórias que bem poderiam ser roteiros. E
dentro desse “cavalo de Tróia”, inquietações
de um leitor que quer dividi-las com outro
colega seu.
Mas que não siga enganado. Ao fim,
o autor não se dá ao trabalho de fazer a
conclusão. As últimas linhas do romance
– que ao final do livro poderá soar como
ameaça para alguns dos mais atentos leitores
– é do Walter Benjamin. Recursos de um
leitor de gosto refinado.
Ana Paola Valente-Lleida
13
Prefácio II
Seria conveniente e ao mesmo tempo
óbvio escrever um prefácio de um romance
em cinco linhas se utilizando exatamente
de cinco linhas. Porém, prefiro deixar a
transgressão a cargo do autor (?) Ataídes
Braga.
Machado de Assis sempre gostava de
alertar seu leitor nos prefácios de suas obras
para algumas questões pontuais presentes
nelas. Acho que isso também vale para o
romance que será lido a seguir.
Em meu primeiro parágrafo coloquei
uma interrogação entre parênteses após me
referir ao autor deste livro. Fiz isso porque
quis já no início incutir na mente de quem me
lê um questionamento do qual parte Ataídes
Braga.
A partir do momento em que ele infringe
as características originais do romance (como
a crítica social, a descrição da vida burguesa,
etc.), o autor critica de forma subjetiva as
próprias convenções burguesas sobre a
14
literatura que dizem ser preciso um romance
ter esse ou aquele formato.
Braga,originariamenteumpoeta,transpõe
o formato da poesia para seu romance e
discorre, de maneira metalingüística, em cada
estrofe (suas cinco linhas de cada página), em
cada verso, em cada palavra, sobre o fazer
literatura e sobre o fazer arte, tudo isso com
sua inteligente ironia e suas observações sobre
o mundo, rindo do ego inflado dos autores e
das convenções literárias industrialistas que
os impede de fazer uma arte libertária.
Dessa maneira, Braga desconstrói,
inclusive, a própria idéia de autoria, pois
se vale de um espírito zombeteiro, como
se encarnasse o antropofágico Oswald de
Andrade, e vomitasse em sua obra todas as
suas referências e sua transgressão da ordem
vigente.
Aocolocarainterrogaçãoentreparênteses
após a palavra autor, eu quis dar a entender
isso, uma vez que, apesar de ser realmente
um autor, Braga foge das convenções e do
início ao fim de sua obra deixa claro que não
quer ser tomado como um gênio e que, aliás,
despreza esse tratamento dado ao artista,
indo de encontro a uma discussão de Roland
Barthes presente no artigo A morte do autor,
de 1968, no qual, dentre outras coisas, ele diz
15
que “o nascimento do leitor tem de pagar-se
com a morte do Autor”. Braga parece munido
desse mesmo pensamento ao transferir
seu espírito de libertação das amarras do
convencionalismo para seu leitor.
Conheço Ataídes Braga há muito tempo.
Confesso que ele é um verdadeiro mestre e
até mesmo uma figura paterna (e tenho a
honra de poder tê-lo como sócio e de chamá-
lo de amigo). Desde quando o conheci,
ele me ajudou a libertar minhas idéias e
sempre bancou todas as insanidades não
convencionais que propus ao meu modo de
fazer arte, as quais antes tinha medo e receio
de revelar.
Espero que com suas palavras –
aparentemente sobre o nada, mas no fundo
questionadoras – Braga ajude o amigo leitor
a, como eu, ver o mundo e a arte com outros
olhos, longe do cabresto imposto pelo poder
e pela sociedade ainda conservadora onde
vivemos. Transgressores de todo o mundo,
uni-vos...
Jefferson Assunção
17
Apresentação
“Eu queria escrever um livro. Mas
onde estão as palavras? Esgotaram-se
os significados. Como surdos e mudos
comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que
me dessem licença para eu escrever ao som
harpejado e agreste a sucata da palavra. E
prescindir de ser discursivo. Assim: poluição.
Escrevo ou não escrevo? (...)
Tenho medo de escrever. É tão perigoso.
Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que
está oculto – e o mundo não está à tona,
está oculto em suas raízes submersas em
profundidades de mar (...)
Escrever existe por si mesmo? Não. É
apenas o reflexo de uma coisa que pergunta.
Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como
escrevo sem saber como e porque – é por
fatalidade de voz. O meu timbre sou eu.
Escrever é uma indagação. É assim?”
	
Clarice Lispector (Um sopro de vida, p.13).
I - A idéia do Romance
20
Iniciar um romance com uma
citação de um autor consagrado é
sempre óbvio e necessário. Eu, alter ego
de mim mesmo, considero enriquecedor
e tenho certeza que Clarice gostaria.
21
A idéia para a existência do
romance (de agora em diante escrito)
foi que ele poderia ser escrito,
sua forma e conteúdo, com final
moralista, em cinco linhas.
22
Este não é um romance de escritor;
é de leitor: tem diferença? Claro.
Qual é? No final saberemos, ou não.
O escritor escreve, desenha situações
e o leitor lê.
23
O leitor que escreve este romance
não é escritor. É semi-alfabetizado.
Sabe ler, mas escreve pouco.
Portanto, sempre que o leitor/escritor
estiver escrevendo, estará lendo.
24
O leitor sabe que escrever é
muito difícil. Ler é sempre fácil.
Entretanto, o escritor, leitor, prefere
sempre ler a escrever.
Lendo muito sempre escreverá.
II - Romance não é poesia nem prosa
26
Eu sei diferenciar poesia de
prosa, saberá o leitor?
A poesia exprime. A prosa
espreme. O romance alonga,
enrola, enche.
27
A poesia é o sentimento mudo,
expresso com dor. Os poetas
não prosam muito. Às vezes
são românticos, nem sempre de
romances.
28
A prosa é coisa de botequim,
ou de jornais diários ou
de grupos de adolescentes ou
de idosos aposentados.
Em geral, casos de polícia.
29
A poesia é coisa de desocupados
sociais, universitários boêmios,
loucos e bichas. Não tem
utilidades sócio-políticas nem
atinge a consciência essencial.
30
A prosa, geralmente, é utilizada por
jornalistas reacionários e políticos
despreparados, críticos literários que
sonharam autores de clássicos e a
escória das escolas de comunicação.
31
A poesia tem ranço com a realidade,
nunca é concreta. Desmancha-se
no ar (cade). É juvenil. Prazer de
punheteiros. É apolítica. Orgasmo
de diletantes.
32
A prosa bem feita é pura. Pura
bobagem. Mal feita é escárnio.
Putrefação. Boçal, sem adjetivos.
A vantagem da prosa e da poesia,
é serem curtas. Prosahaicais.
33
III - Conto como é
34
Este é um romance sem estória. Porém,
histórico. Faz uso da história oral,
verbal e de vida (dos outros).
É também acéfalo. Sem estrutura (lismo).
Marxista diabético.
35
Este é um romance sem influência. Os
críticos literários sempre procuram.
influências. Más influências e
referências, de certo, existirão.
Impertinências.
36
Este é um romance histérico dialético.
Na forma e no conteúdo,
ainda por cima, didático.
Objetivo e pretensioso.
Nada criativo.
37
Este é um romance sem poesia
e com muita prosa.
Protético, prosaico,
protuberante e
pernicioso.
38
Este é um romance, note o leitor,
cheio de este, por que será?
Por que não esse?
Obra repleta de erros gramaticais,
não concordam?
39
Como contar um romance?
Não como poesia?
Nem, ao menos, prosa,
quisera ser um conto.
Conto como seria.
IV - O Romance propriamente dito
42
O romance já feito
se inicia pelo fim.
Tendo o final, teremos,
inevitavelmente, o início.
E consequentemente, o fim.
43
Esta é uma obra sem personagens.
Personalidades, também não há.
Por isso, personal.
Impessoal e performático.
Além-vanguarda.
44
A estória que não vamos contar (narrar)
acontece, ou poderia acontecer
em qualquer lugar.
Aqui, por exemplo,
após o almoço.
45
Neste, caro leitor, não se encontrará
uma relação amorosa.
Nem violência.
Tampouco, problemas sociais.
Menos ainda, existencialismos.
46
Não sendo uma autobiografia,
nem minha, nem de ninguém,
é um relato que nada relata.
Relaciona nada com algo
tudo com nada.
47
Nossa personagem, que não
existe, não esqueça o leitor,
diz coisas que não tem
razão de ser.
Inconclusas e impenetráveis.
48
O romance precisa ser
não-romance.
Descre/ver/a escrita.
Re/escrever a literatura.
Pre/escrever a vida.
49
O romance não tem que ter um
assunto. Qualquer coisa serve.
Até mesmo o nada. Manoel
de Barros poetou o nada. Eu
vou romanceá-lo.
50
Um livro deve se escrever
por ele mesmo. Não precisa
do escritor. Só do leitor.
O leitor é o escritor do
livro que se escreve.
51
O romance não deve
ser intelectual e
sim intelegível.
Erudito e simples.
Acontecimento cotidiano.
52
Este é um romance diferente.
Diferenciado e intransferível.
Prosa poética patética,
com palavras num interminável
jogo de palavras.
53
Não é propriamente um livro. Seria um
livro/arbítrio?
É a expressão de uma forma de
articular conteúdos e formas,
desinformado.
54
Voltemos à estória que não existe,
mas que precisa ser re/contada.
Não se trata de falar de alguma coisa,
mas de ter alguma coisa
para falar. Dizer/escrever.
55
Não há bandidos nem mocinhos,
só imagens dos mesmos,
bons ou maus.
Não é sobre a ditadura
e sim sobre a dita cuja.
56
De uma vez por todas,
passemos à história.
Sempre quis escrever
um romance.
Por isso, tudo isso.
57
A escrita é para ser lida.
Lidar com palavras
é luta vã, dizia CDA.
Poderia um escritor
escrever para não ser lido?
58
Escrever um romance
deve ser fácil.
Existem muitos.
Muitos, no entanto,
não lêem.
59
Quero fazer um romance
para ser lido, por todos
cidadãos de todas as
ordens e desordens.
Leiam-me!
60
Proponho um romance simples,
desses que choramos,
indicamos para os amigos,
que nos enternece.
Receita para a vida.
61
Não tenho intenções comerciais.
Não utilizo fórmulas esotéricas.
Nem ficção.
Nem realidade.
Literatura.
62
Queria que este romance
fizesse a revolução.
Interior nas pessoas,
exterior na literatura.
Mudança no mundo.
63
A ausência de assunto
deste romance,
é muito séria.
Pode um autor
enganar mil leitores?
64
Veja, Sr. Leitor,
quem vos escreve,
não é muito ético.
Pode ser estético
ou político.
65
Não toca na realidade
do país.
Esta é
Intocável.
Irretocável.
66
Não é de auto-defesa.
É de ataque
de nervos.
Estratégico e
Periférico.
67
Este é um livro
contra as letras.
Au pied de la letre.
Disposto ao
pós.
68
Voltemos à vaca louca.
Será que não é possível
contar uma coisa,
que ainda não aconteceu,
ou que não vai acontecer?
69
Este não é um romance.
Imaginação.
É um livro problema.
Obscuro.
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É o livro que poderia
não ser.
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Livro surpresa.
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71
Não é um retrato
de minha geração.
A minha, é uma
geração em negativo.
Não se revelou.
72
O editor que pagou
por este livro,
hoje não dorme.
Retorce-se de ódio.
Quer privá-lo, leitor!
73
Surgiu o tema que
tanto procurei.
Este livro narra
a estória ou seria
história?
74
De um abnegado
leitor que ao
tentar alçar um
vôo mais alto,
escreve.
75
Morreu pelas mãos
de um editor irado,
que investiu tudo
em seu romance
fracassado.
76
Muito óbvio?
Mudemos o final.
O editor o perdoa,
desde que escreva,
cinco obras por ano.
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Muito cinema americano?
Mudemos o meio.
O editor quer matá-lo,
por se envolver com
sua esposa.
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Por que não matamos
o editor?
O cinema não mata
sempre os roteiristas?
Ou, quase sempre.
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Invertemos a estória.
Editor alcoólatra
procura escritor
que salve
sua vida.
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Encomenda-lhe
a obra-prima,
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Lair Ribeiro.
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Escritor procura
auto-ajuda,
em si mesmo,
ou em sua inteligência emocional.
V - Finis Obra
84
Esta obra não é machista.
É feminina. Não feminista.
De Alices a Zélias (é melhor não!).
Clarices. Passando por Raquel
e tantas outras.
85
Suplicai, ó leitor!
Que eu pare.
Oquei, parei.
Desculpe leitor, mas este livro
não tem fim.
86
Que fim poderia ter
Um livro que nem se iniciou?
Tudo o que se leu,
foi o meio.
Romance.
87
Este não é um romance/literatura.
É um romance/cinema.
Repleto de flash-backs,
cortes secos e
montagem de atração.
88
Romance Méliès/Chaplin.
Buster Keaton/Eisenstein.
Rossellini/Godard.
Humberto Mauro, Mário Peixoto,
Glauber Rocha.
89
Romance não interativo.
Desconexo e integrador.
Anti-literário.
Desmistificador.
Polêmico e instigador.
90
Pode um livro fazer a
revolução?
Um livro poderá
romper a estrutura
caótica da literatura?
91
Qual a contribuição
de uma obra
como esta?
Romperia os grilhões
da estupidez humana?
92
O uso político de
um livro
pode revelar um autor?
Ou uma autoria
política salvaria esta obra?
93
Este é um livro/transformação
cheio de idéias
na cabeça e
uma imagem corroída
no coração.
94
Este livro pretende
discutir o autor.
Dessacralizá-lo.
Destruí-lo.
Assassiná-lo.
95
Morto, o autor,
o livro se escreve.
Livro/leitor.
Livre do arbítrio
da literatura.
96
Não importa quem
escreve um livro,
só interessa
quem o lê.
Isso é que o determina.
97
Qual o tempo de
duração de um livro?
Um mês?
Um ano?
Uma década?
98
Qual a permanência
do assunto lido?
Um instante ou
toda uma vida,
eternamente.
99
Por que escrevemos
mais do que
lemos?
Será um defeito
da leitura?
100
Ou seria da escrita?
Somos filhos da
ausência da
leitura,
já no berço.
101
O sonho de todo
leitor
é escrever.
Para poder
ler mais.
102
Muitos escritores
nada lêem.
Alegam sempre
estarem
escrevendo.
103
Muitos leitores
nada escrevem.
Alegam sempre
estarem
lendo.
104
Este livro se
escreve lendo.
O que se lê,
se escreve.
Lendo.
105
É possível
ex-crever
a própria
obra?
Leitura/escritura.
106
A escritura se faz
com palavras.
A leitura com
imagens das
palavras escritas.
107
A escritura das
imagens se
faz com
imagens das
palavras escritas.
108
A leitura das
palavras escritas
se faz com
imagens escritas
com palavras.
109
A cada instante,
o leitor está pronto a
converter-se num
escritor”
(Walter Benjamin)
FIM
Este livro foi composto em
tipologia Attic, no outono
de dois mil e quinze.
Romance em cinco linhas

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Os Memoráveis de Lídia JorgeCarolina Sobrenome
 

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Romance em cinco linhas

  • 1.
  • 2.
  • 4.
  • 6. Copyright © 2015 by Ataídes Braga Todos os direitos reservados Organizador e criador: Ataídes Braga Revisão: Jefferson Assunção Projeto gráfico e diagramação: Letícia Santana Gomes Costura e capa: Phonte 88 Artesãos Tagarelas Rua dos Goitacazes, 333, Sala 603 Belo Horizonte. MG www.artesaostagarelas.com.br
  • 7. Sumário Prefácio I ..........................................................................9 Prefácio II ........................................................................13 Apresentação ...................................................................17 I - A idéia do Romance ...............................................19 II - Romance não é poesia nem prosa ...................25 III - Conto como é..........................................................33 IV - O Romance propriamente dito ........................41
  • 8.
  • 9. 9 Prefácio I “Você tem a verdade e a verdade é seu dom de iludir” (Caetano Veloso) Nem sempre é muito difícil apresentar uma obra. Às vezes é absolutamente impossível, ou parece ser. Como alguém pode imaginar o que seja um “romance em cinco linhas” além da inicial e aparente contradição em termos? Pois que o valoroso leitor não se iluda. Groucho Engels é um enganador. O que pode ser um romance em cinco linhas senão uma enganação? Os mais aventureiros podem tentar encontrar outras coisas e é provável que as encontre, ainda que cercada de mentiras. Mas já tivemos tantos mentirosos ilustres, poéticos, a quem devemos algumas de nossas melhores lembranças. Por que Groucho Engels não pode ter a pretensão de ser mais um desses mentirosos?
  • 10. 10 Alter ego de si mesmo, como ele próprio se define, o Ataídes já parte da presunção de “romancear o nada”. Se Manoel de Barros fez um poema sobre o nada, ele acredita – com todo sentimento da alma – que também pode. Tente tirar um cochilo com tamanha bagunça! O leitor pode tentar ler – o que é recomendável. Mas não se deixe iludir com Ataídes Braga. A não ser que seja daqueles que olhem a ilusão com olhos bons. É uma obra de um leitor feita para outro leitor. E pense como é difícil ler algo de quem não escreve, só lê. Pense agora a tarefa ainda mais árdua para esse “leitor semi-alfabetizado” escrever o que ainda será lido. Mesmo que deixe a impressão – quiçá verdadeira – de ter sido feita num único fôlego. Como o próprio autor – na verdade outro leitor – adverte, “esta é uma obra sem personagens. Personalidades também não há”. Poderia pensar o leitor atento que sem essas mínimas características, caráter também não haveria de ter. Talvez não esteja de todo despido de razão. Há que se lembrar que nas primeiras décadas deste século abrimos os olhos para o fato de que nossos heróis não têm caráter.
  • 11. 11 Enveredar-se por esse romance em cinco linhas pode ser uma aventura por vezes perigosa, por vezes arriscada. Aos corajosos de alma, a recompensa de algumas propostas de histórias que bem poderiam ser roteiros. E dentro desse “cavalo de Tróia”, inquietações de um leitor que quer dividi-las com outro colega seu. Mas que não siga enganado. Ao fim, o autor não se dá ao trabalho de fazer a conclusão. As últimas linhas do romance – que ao final do livro poderá soar como ameaça para alguns dos mais atentos leitores – é do Walter Benjamin. Recursos de um leitor de gosto refinado. Ana Paola Valente-Lleida
  • 12.
  • 13. 13 Prefácio II Seria conveniente e ao mesmo tempo óbvio escrever um prefácio de um romance em cinco linhas se utilizando exatamente de cinco linhas. Porém, prefiro deixar a transgressão a cargo do autor (?) Ataídes Braga. Machado de Assis sempre gostava de alertar seu leitor nos prefácios de suas obras para algumas questões pontuais presentes nelas. Acho que isso também vale para o romance que será lido a seguir. Em meu primeiro parágrafo coloquei uma interrogação entre parênteses após me referir ao autor deste livro. Fiz isso porque quis já no início incutir na mente de quem me lê um questionamento do qual parte Ataídes Braga. A partir do momento em que ele infringe as características originais do romance (como a crítica social, a descrição da vida burguesa, etc.), o autor critica de forma subjetiva as próprias convenções burguesas sobre a
  • 14. 14 literatura que dizem ser preciso um romance ter esse ou aquele formato. Braga,originariamenteumpoeta,transpõe o formato da poesia para seu romance e discorre, de maneira metalingüística, em cada estrofe (suas cinco linhas de cada página), em cada verso, em cada palavra, sobre o fazer literatura e sobre o fazer arte, tudo isso com sua inteligente ironia e suas observações sobre o mundo, rindo do ego inflado dos autores e das convenções literárias industrialistas que os impede de fazer uma arte libertária. Dessa maneira, Braga desconstrói, inclusive, a própria idéia de autoria, pois se vale de um espírito zombeteiro, como se encarnasse o antropofágico Oswald de Andrade, e vomitasse em sua obra todas as suas referências e sua transgressão da ordem vigente. Aocolocarainterrogaçãoentreparênteses após a palavra autor, eu quis dar a entender isso, uma vez que, apesar de ser realmente um autor, Braga foge das convenções e do início ao fim de sua obra deixa claro que não quer ser tomado como um gênio e que, aliás, despreza esse tratamento dado ao artista, indo de encontro a uma discussão de Roland Barthes presente no artigo A morte do autor, de 1968, no qual, dentre outras coisas, ele diz
  • 15. 15 que “o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor”. Braga parece munido desse mesmo pensamento ao transferir seu espírito de libertação das amarras do convencionalismo para seu leitor. Conheço Ataídes Braga há muito tempo. Confesso que ele é um verdadeiro mestre e até mesmo uma figura paterna (e tenho a honra de poder tê-lo como sócio e de chamá- lo de amigo). Desde quando o conheci, ele me ajudou a libertar minhas idéias e sempre bancou todas as insanidades não convencionais que propus ao meu modo de fazer arte, as quais antes tinha medo e receio de revelar. Espero que com suas palavras – aparentemente sobre o nada, mas no fundo questionadoras – Braga ajude o amigo leitor a, como eu, ver o mundo e a arte com outros olhos, longe do cabresto imposto pelo poder e pela sociedade ainda conservadora onde vivemos. Transgressores de todo o mundo, uni-vos... Jefferson Assunção
  • 16.
  • 17. 17 Apresentação “Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? Esgotaram-se os significados. Como surdos e mudos comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que me dessem licença para eu escrever ao som harpejado e agreste a sucata da palavra. E prescindir de ser discursivo. Assim: poluição. Escrevo ou não escrevo? (...) Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades de mar (...) Escrever existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e porque – é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim?” Clarice Lispector (Um sopro de vida, p.13).
  • 18.
  • 19. I - A idéia do Romance
  • 20. 20 Iniciar um romance com uma citação de um autor consagrado é sempre óbvio e necessário. Eu, alter ego de mim mesmo, considero enriquecedor e tenho certeza que Clarice gostaria.
  • 21. 21 A idéia para a existência do romance (de agora em diante escrito) foi que ele poderia ser escrito, sua forma e conteúdo, com final moralista, em cinco linhas.
  • 22. 22 Este não é um romance de escritor; é de leitor: tem diferença? Claro. Qual é? No final saberemos, ou não. O escritor escreve, desenha situações e o leitor lê.
  • 23. 23 O leitor que escreve este romance não é escritor. É semi-alfabetizado. Sabe ler, mas escreve pouco. Portanto, sempre que o leitor/escritor estiver escrevendo, estará lendo.
  • 24. 24 O leitor sabe que escrever é muito difícil. Ler é sempre fácil. Entretanto, o escritor, leitor, prefere sempre ler a escrever. Lendo muito sempre escreverá.
  • 25. II - Romance não é poesia nem prosa
  • 26. 26 Eu sei diferenciar poesia de prosa, saberá o leitor? A poesia exprime. A prosa espreme. O romance alonga, enrola, enche.
  • 27. 27 A poesia é o sentimento mudo, expresso com dor. Os poetas não prosam muito. Às vezes são românticos, nem sempre de romances.
  • 28. 28 A prosa é coisa de botequim, ou de jornais diários ou de grupos de adolescentes ou de idosos aposentados. Em geral, casos de polícia.
  • 29. 29 A poesia é coisa de desocupados sociais, universitários boêmios, loucos e bichas. Não tem utilidades sócio-políticas nem atinge a consciência essencial.
  • 30. 30 A prosa, geralmente, é utilizada por jornalistas reacionários e políticos despreparados, críticos literários que sonharam autores de clássicos e a escória das escolas de comunicação.
  • 31. 31 A poesia tem ranço com a realidade, nunca é concreta. Desmancha-se no ar (cade). É juvenil. Prazer de punheteiros. É apolítica. Orgasmo de diletantes.
  • 32. 32 A prosa bem feita é pura. Pura bobagem. Mal feita é escárnio. Putrefação. Boçal, sem adjetivos. A vantagem da prosa e da poesia, é serem curtas. Prosahaicais.
  • 33. 33 III - Conto como é
  • 34. 34 Este é um romance sem estória. Porém, histórico. Faz uso da história oral, verbal e de vida (dos outros). É também acéfalo. Sem estrutura (lismo). Marxista diabético.
  • 35. 35 Este é um romance sem influência. Os críticos literários sempre procuram. influências. Más influências e referências, de certo, existirão. Impertinências.
  • 36. 36 Este é um romance histérico dialético. Na forma e no conteúdo, ainda por cima, didático. Objetivo e pretensioso. Nada criativo.
  • 37. 37 Este é um romance sem poesia e com muita prosa. Protético, prosaico, protuberante e pernicioso.
  • 38. 38 Este é um romance, note o leitor, cheio de este, por que será? Por que não esse? Obra repleta de erros gramaticais, não concordam?
  • 39. 39 Como contar um romance? Não como poesia? Nem, ao menos, prosa, quisera ser um conto. Conto como seria.
  • 40.
  • 41. IV - O Romance propriamente dito
  • 42. 42 O romance já feito se inicia pelo fim. Tendo o final, teremos, inevitavelmente, o início. E consequentemente, o fim.
  • 43. 43 Esta é uma obra sem personagens. Personalidades, também não há. Por isso, personal. Impessoal e performático. Além-vanguarda.
  • 44. 44 A estória que não vamos contar (narrar) acontece, ou poderia acontecer em qualquer lugar. Aqui, por exemplo, após o almoço.
  • 45. 45 Neste, caro leitor, não se encontrará uma relação amorosa. Nem violência. Tampouco, problemas sociais. Menos ainda, existencialismos.
  • 46. 46 Não sendo uma autobiografia, nem minha, nem de ninguém, é um relato que nada relata. Relaciona nada com algo tudo com nada.
  • 47. 47 Nossa personagem, que não existe, não esqueça o leitor, diz coisas que não tem razão de ser. Inconclusas e impenetráveis.
  • 48. 48 O romance precisa ser não-romance. Descre/ver/a escrita. Re/escrever a literatura. Pre/escrever a vida.
  • 49. 49 O romance não tem que ter um assunto. Qualquer coisa serve. Até mesmo o nada. Manoel de Barros poetou o nada. Eu vou romanceá-lo.
  • 50. 50 Um livro deve se escrever por ele mesmo. Não precisa do escritor. Só do leitor. O leitor é o escritor do livro que se escreve.
  • 51. 51 O romance não deve ser intelectual e sim intelegível. Erudito e simples. Acontecimento cotidiano.
  • 52. 52 Este é um romance diferente. Diferenciado e intransferível. Prosa poética patética, com palavras num interminável jogo de palavras.
  • 53. 53 Não é propriamente um livro. Seria um livro/arbítrio? É a expressão de uma forma de articular conteúdos e formas, desinformado.
  • 54. 54 Voltemos à estória que não existe, mas que precisa ser re/contada. Não se trata de falar de alguma coisa, mas de ter alguma coisa para falar. Dizer/escrever.
  • 55. 55 Não há bandidos nem mocinhos, só imagens dos mesmos, bons ou maus. Não é sobre a ditadura e sim sobre a dita cuja.
  • 56. 56 De uma vez por todas, passemos à história. Sempre quis escrever um romance. Por isso, tudo isso.
  • 57. 57 A escrita é para ser lida. Lidar com palavras é luta vã, dizia CDA. Poderia um escritor escrever para não ser lido?
  • 58. 58 Escrever um romance deve ser fácil. Existem muitos. Muitos, no entanto, não lêem.
  • 59. 59 Quero fazer um romance para ser lido, por todos cidadãos de todas as ordens e desordens. Leiam-me!
  • 60. 60 Proponho um romance simples, desses que choramos, indicamos para os amigos, que nos enternece. Receita para a vida.
  • 61. 61 Não tenho intenções comerciais. Não utilizo fórmulas esotéricas. Nem ficção. Nem realidade. Literatura.
  • 62. 62 Queria que este romance fizesse a revolução. Interior nas pessoas, exterior na literatura. Mudança no mundo.
  • 63. 63 A ausência de assunto deste romance, é muito séria. Pode um autor enganar mil leitores?
  • 64. 64 Veja, Sr. Leitor, quem vos escreve, não é muito ético. Pode ser estético ou político.
  • 65. 65 Não toca na realidade do país. Esta é Intocável. Irretocável.
  • 66. 66 Não é de auto-defesa. É de ataque de nervos. Estratégico e Periférico.
  • 67. 67 Este é um livro contra as letras. Au pied de la letre. Disposto ao pós.
  • 68. 68 Voltemos à vaca louca. Será que não é possível contar uma coisa, que ainda não aconteceu, ou que não vai acontecer?
  • 69. 69 Este não é um romance. Imaginação. É um livro problema. Obscuro. Imaginativo.
  • 70. 70 É o livro que poderia não ser. Sendo. É. Livro surpresa. Surpreendente.
  • 71. 71 Não é um retrato de minha geração. A minha, é uma geração em negativo. Não se revelou.
  • 72. 72 O editor que pagou por este livro, hoje não dorme. Retorce-se de ódio. Quer privá-lo, leitor!
  • 73. 73 Surgiu o tema que tanto procurei. Este livro narra a estória ou seria história?
  • 74. 74 De um abnegado leitor que ao tentar alçar um vôo mais alto, escreve.
  • 75. 75 Morreu pelas mãos de um editor irado, que investiu tudo em seu romance fracassado.
  • 76. 76 Muito óbvio? Mudemos o final. O editor o perdoa, desde que escreva, cinco obras por ano.
  • 77. 77 Muito cinema americano? Mudemos o meio. O editor quer matá-lo, por se envolver com sua esposa.
  • 78. 78 Por que não matamos o editor? O cinema não mata sempre os roteiristas? Ou, quase sempre.
  • 79. 79 Invertemos a estória. Editor alcoólatra procura escritor que salve sua vida.
  • 80. 80 Encomenda-lhe a obra-prima, com fórmulas de sucessos como Lair Ribeiro.
  • 81. 81 Ou então: Escritor procura auto-ajuda, em si mesmo, ou em sua inteligência emocional.
  • 82.
  • 83. V - Finis Obra
  • 84. 84 Esta obra não é machista. É feminina. Não feminista. De Alices a Zélias (é melhor não!). Clarices. Passando por Raquel e tantas outras.
  • 85. 85 Suplicai, ó leitor! Que eu pare. Oquei, parei. Desculpe leitor, mas este livro não tem fim.
  • 86. 86 Que fim poderia ter Um livro que nem se iniciou? Tudo o que se leu, foi o meio. Romance.
  • 87. 87 Este não é um romance/literatura. É um romance/cinema. Repleto de flash-backs, cortes secos e montagem de atração.
  • 89. 89 Romance não interativo. Desconexo e integrador. Anti-literário. Desmistificador. Polêmico e instigador.
  • 90. 90 Pode um livro fazer a revolução? Um livro poderá romper a estrutura caótica da literatura?
  • 91. 91 Qual a contribuição de uma obra como esta? Romperia os grilhões da estupidez humana?
  • 92. 92 O uso político de um livro pode revelar um autor? Ou uma autoria política salvaria esta obra?
  • 93. 93 Este é um livro/transformação cheio de idéias na cabeça e uma imagem corroída no coração.
  • 94. 94 Este livro pretende discutir o autor. Dessacralizá-lo. Destruí-lo. Assassiná-lo.
  • 95. 95 Morto, o autor, o livro se escreve. Livro/leitor. Livre do arbítrio da literatura.
  • 96. 96 Não importa quem escreve um livro, só interessa quem o lê. Isso é que o determina.
  • 97. 97 Qual o tempo de duração de um livro? Um mês? Um ano? Uma década?
  • 98. 98 Qual a permanência do assunto lido? Um instante ou toda uma vida, eternamente.
  • 99. 99 Por que escrevemos mais do que lemos? Será um defeito da leitura?
  • 100. 100 Ou seria da escrita? Somos filhos da ausência da leitura, já no berço.
  • 101. 101 O sonho de todo leitor é escrever. Para poder ler mais.
  • 102. 102 Muitos escritores nada lêem. Alegam sempre estarem escrevendo.
  • 104. 104 Este livro se escreve lendo. O que se lê, se escreve. Lendo.
  • 106. 106 A escritura se faz com palavras. A leitura com imagens das palavras escritas.
  • 107. 107 A escritura das imagens se faz com imagens das palavras escritas.
  • 108. 108 A leitura das palavras escritas se faz com imagens escritas com palavras.
  • 109. 109 A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num escritor” (Walter Benjamin)
  • 110.
  • 111. FIM
  • 112. Este livro foi composto em tipologia Attic, no outono de dois mil e quinze.