O documento descreve a presença de cristãos-novos e judeus na cidade de Recife no período colonial brasileiro sob domínio holandês. Muitos cristãos-novos fugiram da Inquisição em Portugal e reconstruíram publicamente sua fé judaica em Recife, deixando vestígios como a primeira sinagoga das Américas. A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais incentivou a migração de judeus portugueses para restaurar a economia de açúcar com seu dinheiro
2. RuadosJudeus,noRecife
Carl,F.H.,apartirdedesenhodeL.Schiappriz, 1878
Um número significativo dos judeus
convertidos à força, nos séculos XV e
XVI, em Portugal, partiram rumo aos
Países Baixos, em especial à Amsterdã,
considerada a “Jerusalém do Norte”,
para reconstruírem na medida do
possível, suas vidas. No entanto, no
século XVII, seus descendentes
acabaram, de certa forma, retornando
ao judaísmo e a terras portuguesas – no
caso, o Brasil.
Foi na capital do atual estado de
Pernambuco que muitos cristãos novos
criaram coragem para manifestar sua fé
e viver de novo a religião dos seus
antepassados em público, se
transformando , em “judeus novos” que
deixaram inúmeros vestígios de sua
presença na cidade de Recife – inclusive
a primeira sinagoga das Américas - e
arredores.
3. “A capital pernambucana era uma verdadeira ‘Jerusalém colonial’ por causa da
utopia da reconstrução do mundo judaico da diáspora. Era uma Babel cultural.
Recife, por certo tempo, foi a única cidade do mundo que reunia pessoas das três
crenças (judeus sefarditas, católicos e calvinistas) em um único ambiente de
tolerância religiosa. Nunca antes os judeus alcançaram tamanha liberdade
religiosa como no Brasil holandês, em especial durante o governo de Maurício de
Nassau. Os imigrantes estavam separados por mais de 100 anos do judaísmo dos
avós, não sabiam hebraico e só praticavam certos rituais domésticos. Não
conheciam nada ou pouco do judaísmo. Para a maioria dos convertidos, a
primeira comunidade judia que conheceram foi essa que criaram. Eram ‘judeus
novos’ que, no fundo, eram cristãos por formação”.
Ronaldo Vainfas, historiador, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de 'Jerusalém Colonial: Judeus
Portugueses no Brasil Holandês' (Civilização Brasileira). In Haag, Carlos. O paraíso religioso holandês. Revista de Pesquisa da
Fapesp. Maio de 2012.
4. O português era a língua falada por esses “judeus novos”, conhecidos por isso
pelos holandeses como “gente da nação portuguesa”. Eram os únicos que falavam
português e holandês, o que lhes permitia dominar o comércio da colônia. O
fato de serem bilíngues, aliado ao conhecimento profundo da indústria
açucareira – já que vários cristãos novos, pertencentes às primeiras levas de
europeus que aportaram no Brasil, se tornaram senhores de engenho – lhes dava
uma enorme vantagem. E se em Amsterdã eles só tinham permissão para morar,
no Brasil lhes era permitido ter lojas e tocar negócios.
“Quando os holandeses se instalaram no Brasil, os judeus vieram para o país, a
partir de 1635. Essa proteção aos judeus não foi uma decisão de Nassau, mas uma
política da WIC”.
Ronaldo Vainfas. In Haag, Carlos. O paraíso religioso holandês. Revista de Pesquisa da Fapesp. Maio de 2012.
5. “A Companhia não tinha fundos para financiar suas
operações e foram obrigados a encorajar a
migração de judeus portugueses, que se
transformaram em operadores e intermediários,
fornecendo dinheiro, crédito e os suprimentos
necessários para colocar a região de produção de
açúcar novamente em funcionamento (...)
Essa tolerância, porém, não era gratuita, mas fruto
da necessidade. A maioria das plantações de açúcar
em Recife tinha sido destruída na conquista e não
havia dinheiro da WIC capaz de restaurar a
economia. Foi um caso especial, que não se repetiu
em outras regiões dominadas pelos holandeses,
como o Caribe ou a Nova Amsterdã”.
Jonathan Israel, historiador americano e professor do Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de Princeton, autor de 'The Expansion of
Tolerance: Religion in Dutch Brazil'. In Haag, Carlos. O paraíso religioso
holandês. Revista de Pesquisa da Fapesp. Maio de 2012.
Umengenhodecana-de-açúcar emPernambucocolonial,
pelopintorneerlandêsFrans Post(séculoXVII).
6. A marca mais visível da presença dos judeus é o Centro Cultural Judaico de Pernambuco/Primeira Sinagoga
das Américas, na Rua do Bom Jesus, Bairro do Recife, onde é possível perceber onde viveram, como viviam e o
que faziam os cristãos novos e judeus que chegaram ao Recife.
O propósito de transformar a antiga edificação na Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife, em patrimônio
histórico consolidou-se em 1998.
Um projeto arquitetônico recriou as características originais da edificação na época. A prospecção
arqueológica levou a descobertas de detalhes relacionados com datas e materiais das paredes, pisos e telhado.
O piso original do século XVII, assim como as paredes, foram preservados, uma vez que revelavam aspectos
topográficos interessantes sobre o nivelamento da antiga vila conhecida como Povo ou Povoado.
As ações de intervenção fundamentaram-se em um manuscrito com data de 1657 publicado em 1839,
descoberto pelo professor José Antônio Gonçalves de Mello, em suas pesquisas na Holanda. Seu conteúdo
mostrou o inventário das casas do Recife "construídas ou reformadas por Flamengos ou Judeus" durante a fase
do Brasil Holandês (1630-1654). Nele, a Sinagoga do Recife, está localizada na antiga Rua dos Judeus.
7. Nas escavações arqueológicas, entre outros artefatos, foi
descoberto o "Bor" poço que alimenta o "Miqvê", utilizado
para os banhos de purificação espiritual e de renovação dos
judeus. No piso térreo da edificação restaurada mostra-se o
resultado da prospecção arqueológica feita no sítio.
Fragmentos encontrados durante prospecção
arqueológica no local onde hoje funciona o Centro
Cultural Judaico de Pernambuco.
8. O circuito segue por lugares como a
primeira ponte do Recife, construída
por um engenheiro judeu.
Posteriormente, ela passou por
algumas reformas que levaram à
substituição total por uma ponte de
ferro, inaugurada em 1865 e que, em
1917 se transformaria, na atual Ponte
Maurício de Nassau.
A casa de Duarte Saraiva, rico
comerciante e líder da comunidade
sefardi, em cuja casa realizavam-se
os cultos religiosos judaicos antes da
construção da Sinagoga.
9. O Engenho Camaragibe foi um centro espiritual judaico, liderado por Diogo Fernandes e Branca Dias
em terras pertencentes a Bento Dias Santiago, rico cristão novo.
“...Especialmente interessantes são as treze denúncias feitas contra o falecido Diogo Fernandes e sua
mulher Branca Dias, diante da Comissão Inquisitorial de Olinda. Diogo, já citado como importante
técnico da indústria açucareira, seguiu sua mulher após ela ter sido perseguida pela Inquisição em
Portugal e ter fugido para o Brasil, entre os anos de 1535 e 1542.
Em Olinda Diogo Fernandes e Branca Dias estabeleceram um internato para môças, onde elas eram
ensinadas a cozinhar e costurar. Mais tarde mudaram-se para Camaragibe, onde Diogo Fernandes se
tornou administrador do engenho de açúcar e da fazenda de Bento Dias Santiago, rico cristão-nôvo e
parente de Branca Dias. Santiago era coletor de impostos das Capitanias da Bahia, Pernambuco e
Itamaracá, desde 1575.”
Mello, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654