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         Ideologia e propaganda no livro didático do Ensino Médio


                                                                         Giselle da Silva Palhares1


Resumo: O presente trabalho traz uma análise a respeito da propaganda como objeto de leitura no livro
didático de Língua Portuguesa do Ensino Médio. A partir do conceito de ideologia produzido pela
Análise Crítica do Discurso, busca-se observar quais atividades foram elaboradas pelos autores de três
coleções para se atingir a compreensão do texto publicitário, no que se refere às ideologias que são
veiculadas e atribuem sentidos ao texto. Acredita-se que a utilização de textos publicitários na escola
possa contribuir de forma eficaz para a formação leitora e cidadã dos educandos, uma vez que exigem
um leitor atento e crítico em relação à manipulação do leitor. Ainda que os documentos curriculares
proponham a leitura numa perspectiva discursiva, como é o caso do PCN, e que os próprios livros
tragam esta concepção teórica, notamos que, na prática, ainda prevalece a leitura superficial ou aborda-
se apenas parte dos traços do discurso publicitário, fazendo com que o aluno tenha uma visão reduzida e
fragmentada dos textos de propaganda.

Palavras-chave: Ideologia, propaganda, leitura, livro didático, Ensino Médio.



        O livro didático e os Parâmetros Curriculares


        Após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90,
autores de livros didáticos têm tentado adequar-se às exigências deste documento, nas
várias áreas do conhecimento que são objetos de estudo nas escolas brasileiras. Trata-se
de novas teorias e novas metodologias de ensino produzidas pelos acadêmicos e
incorporadas ao discurso oficial como modelo a ser adotado na sala de aula.
        No ensino de Língua Portuguesa, isto significa o trabalho com a linguagem
numa perspectiva discursiva, ou seja, o texto como objeto de ensino vinculado às suas
condições de produção. A escola, ao abordar a linguagem em seu uso efetivo estaria, de
acordo com os PCN´s, preparando os educandos para atuar na sociedade de forma mais
competente por meio da linguagem (BRASIL, 2000: 21). Assim, grande relevância tem
ganhado os gêneros do discurso nos livros didáticos de Língua Portuguesa, que
comportam, desta forma, textos de variados gêneros, pertencentes, sobretudo, às esferas
literária, jornalística, escolar e publicitária.
        Deste modo, sendo o discurso publicitário um dos mais recorrentes nos manuais
didáticos para o ensino de língua materna e também um dos mais presentes no cotidiano
social, interessou-nos observar quais são as propostas de três coleções de livros

1
 Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de
São Paulo – USP, Faculdade de Letras– FFLCH, disciplina “Tópicos de Pragmática e Análise do Discurso”,
1º semestre de 2012.
2


destinados ao Ensino Médio de Língua Portuguesa para o trabalho com a leitura de
propaganda, dando aqui ênfase a uma das características dos discursos: a presença das
ideologias, que, no caso da publicidade, criam uma relação peculiar com seu público-
leitor, através dos efeitos de sentido que elas acrescentam ao seu texto persuasivo.
       De agora em diante, iremos nos referir aos gêneros do discurso publicitário
como gêneros da esfera da propaganda, sem estabelecer, portanto, distinção entre
propaganda e publicidade. A literatura sobre publicidade não apresenta consenso quanto
a esta distinção, conforme exposto por Fujisawa (2009: 294). Além disso, como aponta
Sandmann, o termo publicidade, em português, se refere à finalidade de vender
produtos ou serviços, enquanto propaganda é usado tanto como propagação de ideias
como no sentido de publicidade, considerando propaganda o mais abrangente (2000:
09). Parece-nos, portanto, propaganda, a denominação mais conveniente aos propósitos
deste trabalho e ao corpus selecionado para análise.


       Discurso, ideologia e propaganda


       Na perspectiva da Análise Crítica do Discurso, as ideologias estão articuladas ao
uso da linguagem. Afirma Teun Van Djik em “Semântica do discurso e ideologia” que
os indivíduos, quando falam ou escrevem, o fazem enquanto membros da sociedade e
de um grupo e, desta forma, produzem e reproduzem as ideologias. Estas se ligam assim
ao significado do discurso (1997: 105).
       No mesmo artigo, Van Djik define ideologia da seguinte maneira:

                                 As ideologias são modelos conceituais básicos de cognição social,
                        partilhados por membros de grupos sociais, constituídos por seleções
                        relevantes de valores socioculturais e organizados segundo um esquema
                        ideológico representativo da autodefinição de um grupo. Para além da
                        função social que desempenham ao defender os interesses dos grupos, as
                        ideologias têm a função cognitiva de organizar as representações sociais
                        (atitudes, conhecimentos) do grupo, orientando assim, indiretamente, as
                        práticas sociais relativas ao grupo e, consequentemente, também as
                        produções escritas e orais dos seus membros. (1997: 111-112)


       O autor afirma também que as ideologias não são verdadeiras ou falsas, no
sentido comumente usado destas palavras. Ao contrário, cada grupo social possui uma
verdade em função de seus objetivos. Nas palavras do analista, elas “são modelos de
interpretação (e de ação) mais ou menos relevantes ou eficazes para esses grupos
conforme forem capazes de favorecer os seus interesses” (1997: 109).
3


        Sobre a propaganda, citando Lagneau2, Carvalho relata que, originalmente, a
propaganda3 possuía um caráter mais informativo, restringindo-se a dizer qual produto
se vendia em determinado endereço. Com o tempo, foi adquirindo “uma lógica e uma
linguagem próprias”, substituindo a objetividade informativa pela sedução e pela
persuasão (1996: 12). Esta linguagem, portanto, visa à manipulação de seu leitor.
Segundo a autora, a função persuasiva na linguagem publicitária “consiste em tentar
mudar a atitude do receptor”. Para obter este resultado, durante a elaboração do texto, o
publicitário “leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual
a mensagem está sendo criada” (1996: 19). Sendo assim, o leitor deve ser capaz de
desvendar esta manipulação.
        Desta forma, as ideologias estão presentes nos textos de propaganda, fazendo
parte da construção desta aproximação entre mensagem e público-alvo. Sandmann, em
sua obra A linguagem da propaganda4, afirma que a propaganda traz valores e ideais,
visões de mundo de uma sociedade, em função de um momento histórico (2000: 34).
Considera que a propaganda não serve exclusivamente, mas com expressividade, às
ideologias da classe dominante. O autor destaca alguns dos valores aceitos
principalmente por esta classe e que aparecem com frequência nas propagandas (2000:
35).
        Vejamos como a propaganda tem sido objeto de leitura nos livros didáticos,
tendo em vista os elementos expostos acima.


        As coleções analisadas


        As três coleções analisadas fazem parte da lista de obras indicadas pelo Guia de
Livros Didáticos do PNLD5 de 2012 de Língua Portuguesa para o Ensino Médio
(BRASIL: 2011). As obras foram escolhidas por pertencerem ao acervo de uma escola
pública do Estado de São Paulo, tendo sido enviadas pelo Governo Estadual para
escolha pelos professores, em 2011, referente aos três próximos anos letivos.
Pretendemos, pois, conhecer algumas das propostas de ensino da leitura presentes em
livros didáticos distribuídos pela rede pública. As coleções são: Novas Palavras, de

2
  LAGNEAU, G. Os mitos da publicidade. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 131.
3
  A autora utiliza originalmente o termo publicidade.
4
  Tanto Carvalho quanto Sandmann se referem aos termos publicidade e propaganda como sinônimos.
5
  O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é responsável pela avaliação, compra e distribuição
dos livros didáticos nas escolas públicas de Educação Básica.
4


Emília Amaral e Mauro Ferreira, Português: Linguagens, de Willian Cereja e Thereza
Magalhães e Projeto Eco – Língua Portuguesa, de Roberta Fernandes e Vima Martin.
Esta última foi a escolhida pelos professores da escola, sendo que este ano, os alunos já
dispõem dos livros.
       Formadas por três volumes cada uma, as coleções apresentaram várias
semelhanças. Uma delas é a busca pela consonância com as metodologias priorizadas
nos PCN´s, no que diz respeito ao trabalho de leitura, escrita e análise linguística
baseados na concepção de gêneros do discurso. Os autores propõem, por exemplo, o
estudo dos elementos linguísticos a partir do texto, já que é desprestigiada no PCN a
prática descontextualizada do ensino gramatical, caracterizada pela análise de frases
soltas e também pela ênfase nas nomenclaturas e classificações gramaticais. Nota-se,
assim, nas três coleções, o uso de inúmeros gêneros do discurso citados nos livros como
exemplos de textos que contém determinadas categorias gramaticais destacadas nos
capítulos destinados ao seu ensino. O texto serve, então, ao ensino de gramática.
       Nesta situação, podemos encontrar muitos textos da esfera da propaganda nestas
coleções, citados como exemplos, principalmente, de texto verbal e texto não verbal,
ambiguidade, denotação e conotação, tempos verbais, figuras de linguagem,
substantivo, adjetivo, ortografia.
       Outra semelhança entre as obras é a atenção voltada aos critérios do PNLD
quanto aos cuidados na escolha dos textos, para que o material didático não seja
interpretado como veículo de propaganda de marcas, produtos ou serviços comerciais
(2011: 85). Deste modo, a maioria das propagandas que aparecem nos livros é composta
por cartazes e folhetos de caráter não comercial.
       Foram selecionados a seguir alguns trechos de capítulos em que houve uma
(tentativa de) sistematização dos traços dos gêneros de propaganda, buscando observar
se, nestes trechos, são contemplados os fatores ideológicos presentes nos textos, como
elementos importantes para a compreensão e, consequentemente, para uma leitura mais
ampla dos mesmos, já que as ideologias também produzem sentidos na linguagem, e
verificar também como a ideologia é vinculada ao discurso da propaganda.




       O livro Novas Palavras
5


        Cada volume deste material está organizado em três frentes: “Literatura”,
“Gramática” e “Redação e Leitura”. É nesta última em que os autores sugerem
atividades de leitura e de escrita focadas nos gêneros discursivos. Assim, gêneros de
várias esferas sociais aparecem aqui para sistematização de suas características, mas a
propaganda só aparece uma vez, e não para sistematização do gênero. Ela é citada
apenas para ser comparada a outros dois textos, de forma muito breve, em atividade na
qual os alunos deveriam identificar seus gêneros e semelhanças e diferenças de tema,
registro etc. (2010: 405, vol. 1).
        Na parte de gramática há uma seção nos finais dos capítulos denominada “Da
teoria à prática”, composta pela análise de um texto, feita pelos autores, a partir do tema
gramatical exposto no capítulo. As propagandas que aparecem nesta parte de gramática
são comerciais e, como também nas outras partes da coleção onde se trabalhou com
propagandas comerciais, elas não foram reproduzidas integralmente. Selecionou-se um
trecho do texto verbal, algumas vezes associado a uma ou outra imagem que pode
pertencer à propaganda ou não (pois esta informação não é dada), como ponto de
partida para a análise do termo a ser gramaticalmente evidenciado em seu uso efetivo,
como exemplo do conteúdo visto no capítulo.
        Em uma destas análises, cujo capítulo se refere a conjugação verbal, a exposição
inicia-se com um parafraseamento da propaganda selecionada, afirmando que há anos
existiu uma “campanha publicitária” de uma indústria têxtil para o lançamento do tecido
tergal. Enfatizam que “a estratégia da campanha era apresentar o tergal como um tecido
revolucionário, pois era leve, resistente e não amassava (...)” (2010: 318, vol. 2). Em
seguida, vem o título da propaganda, “Tergalize-se”, e a imagem de uma mulher,
vestida com um sobretudo longo, provavelmente confeccionado com aquele tecido, mas
a análise não dialoga em nenhum momento com a imagem, de forma que não sabemos
se ela faz parte do texto ou se foi colocada na página como ilustração do conteúdo,
embora seu traje possua marcas temporais6, o que sugere a autenticidade da imagem, já
que a propaganda é antiga. O corpo do texto foi, desta maneira, todo fragmentado,
provável estratégia de fuga em relação à possibilidade de críticas do PNLD sobre a
veiculação de propagandas comerciais e a consequente exclusão da lista dos livros



6
 A mulher se apresenta com um sobretudo, sapatos de salto e lenço da cabeça, lembrando a moda dos
anos 50-60, maquiada e com um largo sorriso, transmitindo a ideia de modernidade e de felicidade,
evidentemente proporcionadas pela roupa.
6


escolhidos para compra e distribuição nas escolas. O suporte do texto também não foi
mencionado.
       Embora haja uma tentativa de reconstrução do texto com a introdução, o título e,
possivelmente, a imagem, elementos importantes para a compreensão do texto foram
omitidas ao retirá-lo de sua forma original, como a marca e a presença ou o restante das
imagens e outros textos verbais que o componham, dificultando, assim, uma leitura
mais aprofundada do texto, tornando-se também fragmentada.
       A exposição dos autores se inicia com a afirmação de que, com o objetivo de
“persuadir o leitor a comprar o tecido”, usa-se o verbo “tergalize-se” que, além de estar
no imperativo, tempo verbal frequentemente empregado na linguagem da propaganda, é
um neologismo, que traz a ideia de modernidade, o que se intensifica com o reflexivo
“se”, pela sugestão que o leitor se atualize, se modernize, com a roupa de tergal.
       A análise termina com uma alerta ao aluno para “fique atento” ao ler
propagandas, cuja linguagem é muito “sutil” na tentativa de sedução de seu público-
alvo sendo, por isso, necessário ler com criticidade estes textos.
       Ainda que a fragmentação do texto tenha trazido danos à leitura, a possibilidade
de associação da propaganda com o seu conteúdo ideológico seria possível, por
exemplo, através do ideal de modernidade implícito no termo “tergalize-se”, como
reflexo da ideologia dominante naquele momento histórico, o que seria reforçado pela
imagem da mulher, com a roupa de tergal e, como membro de uma determinada classe,
com poder aquisitivo para “tergalizar-se”, definindo assim o público-alvo. No entanto,
não se faz uso do conceito de ideologia, nem na definição do discurso da propaganda,
nem na análise do texto.


       Português: Linguagens


       Os volumes desta coleção intercalam capítulos cujos conteúdos foram
identificados por “Literatura”, “Língua: uso e reflexão” e “Produção de texto”. No que
se refere à produção textual, nota-se a busca pela sistematização das características dos
gêneros discursivos. No segundo volume, há dois capítulos que tratam de gêneros da
esfera da propaganda. O primeiro, “O texto de campanha comunitária”, traz uma
campanha da ONU e do Ministério da Justiça sobre o tráfico internacional de mulheres.
É constituída de um longo texto verbal que busca posicionar o leitor sobre a situação da
mulher brasileira em relação a este tipo de crime e, na sequência, menciona algumas
7


“dicas de alerta sobre esse tipo de crime” e o telefone da Polícia Federal. Ao lado deste
texto, um fundo escuro com a imagem de uma mulher nua, sentada ao chão, com a
cabeça baixa e de costas, sobre cuja parte do corpo foi destacada a frase: “Primeiro eles
tiram o passaporte, depois a liberdade.” Abaixo, lemos: “Tráfico internacinal de
mulheres, denuncie”. (2010: 30)
          Os autores propõem uma atividade de oito questões. A partir de definições sobre
a finalidade da “campanha comunitária”, que seria a de “esclarecer e orientar a
população em geral sobre determinado assunto e persuadi-lo a colaborar”, e sobre quem
seriam seus locutores (“os folhetos de campanha comunitária costumam apresentar um
logotipo ou outra forma de identificação do órgão, entidade ou empresa que veicula a
mensagem”), definições estas presentes nas próprias perguntas, solicita que o aluno
identifique qual o objetivo desta campanha, quem são os interlocutores, onde teria sido
veiculada, como a mulher foi retratada na imagem, que linguagem foi empregada e que
formas verbais. Enfatiza-se, aqui, o uso do imperativo e sua “compatibilidade com o
texto de campanha comunitária”, mas outros tempos verbais são selecionados para
identificação, a fim de se observar os efeitos de sentido gerados. Uma das questões pede
que o aluno identifique alguns pronomes e seus referentes.
          Interessa-nos reproduzir integralmente a última questão, que é a seguinte:

                                  “Reúna-se com seus colegas de grupo e, juntos, concluam: quais são
                           as principais características do texto de campanha comunitária?
                           Respondam, considerando os seguintes critérios: finalidade do gênero, perfil
                           dos interlocutores, suporte ou veículo, tema, estrutura, linguagem”. (2010:
                           31)


          Podemos notar que a leitura do gênero “campanha comunitária” é superficial.
Como mostra a última questão da atividade, busca-se sistematizar as características da
propaganda através dos “critérios” mencionados na pergunta transcrita acima, mas ao
aluno cabe apenas identificar as informações no texto: ele descobre quem são os
interlocutores, qual a finalidade do texto, sua estrutura básica e suporte, mas os sentidos
que estes elementos agregam ao texto não são explorados.
          Levando-se em conta que o texto utilizado para estudo é uma propaganda
      7
social , pois busca orientar a população quanto ao tráfico internacional de mulheres,


7
 J. B. Pinho, em seu livro A propaganda institucional, faz distinção entre publicidade e propaganda,
dedicando-se ao estudo da propaganda institucional, cujo objetivo é, segundo o autor, informar e criar
uma imagem favorável da empresa perante o público. Quanto à função exercida, a propaganda social é
8


vemos que, no plano ideológico, o Governo Federal coloca-se no lugar de quem se
preocupa com as mulheres brasileiras, em especial as “mais humildes”, que, de acordo
com o texto da campanha, compõem a maioria das vítimas. O Governo as estaria
instruindo e fazendo valer os seus direitos, passando assim a imagem de um governo
que está alerta na defesa das classes menos favorecidas, compartilhando com elas o
ideal de liberdade e combatendo o crime, buscando o cumprimento das leis. Tal imagem
é reforçada no logotipo, onde se lê: “Brasil, um país de todos”, de todas as raças, cores,
gêneros e condições sociais. A propaganda estaria tentando, de forma indireta, ganhar a
simpatia do povo; entretanto, não há na atividade questão que destaque estas dimensões
ideológicas do texto.
        O outro capítulo sobre propaganda, “O anúncio publicitário”, segue com uma
metodologia semelhante, pois solicita que o aluno identifique os mesmos elementos
apontados no capítulo anterior (2010: 369, vol. 2). Agora, porém, acrescenta alguns
traços do gênero, como a estrutura que geralmente apresenta: título, subtítulo, corpo do
texto, marca, assinatura ou logotipo do anunciante. Insere também questões sobre a
linguagem da propaganda: figuras de linguagem, variedade linguística, imperativo, os
quais devem ser identificados no texto.
        A atividade inclui ainda uma questão sobre identificação do argumento principal
do texto, isto é, aquele “forte” o suficiente para persuadir o leitor a aderir à ideia
defendida no anúncio. Ainda que com maior abrangência em relação às características
da propaganda, a leitura ainda é superficializada, pois não proporciona que se construam
relações entre as condições de produção do texto e sua linguagem e os sentidos que
possam vir a acrescentar ao discurso. Do mesmo modo, nenhuma pergunta remete ao
domínio ideológico.
        Chama-nos à atenção o fato de o anúncio reproduzido nesta atividade ser uma
propaganda social contra o desperdício de água, cujo anunciante é um programa de
televisão. Os enunciados das questões enfatizam que a maioria destes anúncios seria
comercial, mas a propaganda comercial é evitada. Eles aparecem, no entanto, nas seções
de gramática da coleção, como o caso do anúncio do chocolate talento (2010: 322, vol.
2).




um tipo de propaganda institucional voltada para as causas sociais, como, desemprego, tóxicos, doenças
etc., visando orientar e incentivar a responsabilidade social (1990: 24).
9


       Projeto Eco: Língua Portuguesa


       Esta coleção se organiza em “Literatura”, “Produção de texto” e “A língua em
uso”, sendo que a leitura e a escrita baseadas nos gêneros do discurso é proposta nos
capítulos denominados “Produção de texto”. Há um capítulo nesta coleção destinado à
propaganda, que faz parte do primeiro volume. O gênero em estudo é o cartaz. Existe
uma introdução teórica, em que se caracteriza o gênero, cujo objetivo seria o de
“difundir um produto ou ideia” (2010: 52, vol.1). Um cartaz da Parada Gay de 2007 é
reproduzido como exemplo e comentado pelas autoras, que identificam o logotipo da
instituição que promove o evento e fazem uma leitura do texto: as cores do fundo, que
lembram o arco-íris, remetem ao movimento gay, enquanto a mensagem se constitui
pelo combate a todo tipo de preconceito, através do convite à participação das pessoas
no evento, como se nota na frase da propaganda: “Por um mundo sem racismo,
machismo e homofobia”.
       Em seguida, a seção de atividades traz dois exercícios. O primeiro propõe a
leitura comparativa de dois cartazes, um referente à divulgação da “Marcha Mundial das
Mulheres”, em ocasião da comemoração do dia oito de março, e outro, do shopping
Iguatemi Florianópolis. Algumas questões remetem aos significados das cores utilizadas
nas letras e fundo dos cartazes e a que público-alvo se dirigem, mas é nas figuras
femininas, presentes nos dois textos, em que a reflexão se concentra.
       Na primeira propaganda, o desenho formado por muitas mulheres de mãos dadas
e movimentando-se em forma de roda, acompanhadas do texto “Mulheres em
movimento mudam o mundo”. Na segunda, uma jovem mulher trajada com um vestido
longo e negro, sapatos, maquiagem, unhas e um ramo de flores, todos estes elementos
em tom de rosa claro. A moça, quase de perfil, se recosta delicadamente sobre um
balcão, situado dentro de um ambiente claro. Como molduras, arabescos em tons de
verde claro moldam a fotografia. Tal imagem soma-se ao enunciado: “A moda que você
vê aqui, desfila no Iguatemi Florianópolis”. Depois, no canto inferior direito: “Iguatemi
Florianópolis, único como o seu estilo” (2010: 54, vol. 1).
       Das dez questões propostas pelas autoras, três se direcionam aos elementos do
cartaz dois descritos acima, e uma, aos dois cartazes:


                              “Que efeito de sentido produz a imagem no cartaz?
10


                                Que outros elementos do cartaz reforçam a associação com
                        estereótipos do universo feminino?
                                Qual foi a intenção do autor desta peça publicitária, ao optar pelo
                        uso da palavra “desfila”, em vez de, por exemplo, “está” no texto escrito?
                        (...)
                                Considerando que os cartazes 1 e 2 se referem ao universo feminino,
                        qual deles pressupõe uma mulher socialmente engajada? Justifique sua
                        resposta.” (2010: 54, vol. 1).


       As questões parecem referir-se ao fato de as imagens do segundo cartaz se
caracterizarem pela escolha de tons pastéis, tanto no ambiente quanto na modelo, exceto
pelo traje preto. A ideologia presente no cartaz é a da representação da mulher com
traços de delicadeza e elegância, valores pressupostos das mulheres da classe média
alta, público-alvo constituído na própria propaganda pela modelo, que não apenas se
veste, mas “desfila” com a “moda” do Shopping Iguatemi, exclusivo, perfeito para o
estilo da mulher desta classe social. Ao citar o vocabulário da moda, a propaganda
dialoga com seu público-alvo também por remeter aos desfiles, dando um ar de glamour
aos seus produtos, ao mesmo tempo em que estas próprias mulheres seriam como
modelos desfilando, ao usar uma roupa comprada no referido shopping. Desta maneira,
estar na moda e ter uma vida glamourosa também integram os valores do grupo
retratado no cartaz.
       A última questão se refere ao posicionamento ideológico do cartaz de divulgação
da Marcha Mundial das Mulheres, que, como se pode supor, não possuem seus direitos
respeitados, daí a necessidade de se unirem e lutarem coletivamente contra sua posição
desfavorecida, sendo, portanto, mulheres “socialmente engajadas”.
       Na continuidade do capítulo, há um segundo exercício em que o aluno deve
identificar público-alvo e diálogo entre texto escrito e imagem, inferir o suporte e dizer
quais são as diferentes vozes que aparecem no texto. A propaganda a que o exercício se
refere pertence a uma empresa de publicidade, que divulga seus serviços. As “vozes”
participantes do anúncio são a do concorrente e a do anunciante, uma vez que o texto é
formado por várias negativas: “Não acorde. Não escove os dentes. Não saia para
trabalhar. Não feche ótimos negócios. (...) Não tente. Não seja. Não viva. Não anuncie
na internet.” (2010: 55, vol. 1). O anunciante coloca na voz da concorrência todos os
valores que o seu público-alvo, o homem de negócios, supostamente possui, de forma
que, não anunciando na internet, o empresário estaria fazendo a vontade de seu
11


concorrente, ou seja, deixando de obter êxito nos negócios. Isso se confirma em
seguida, com a frase “Não escute seus concorrentes. Eles querem que o seu negócio
exploda.” Ao fundo, a imagem da explosão de uma bomba atômica. O exercício, porém,
não abarca explicitamente a ideologia presente no cartaz, embora pergunte sobre as
vozes que compõem o anúncio. É interessante notar que as autoras inserem o conceito
de ideologia um pouco antes deste capítulo, relacionada, no entanto, ao discurso
literário (2010: 33, vol. 1).


        Considerações finais


        Como foi possível observar, a análise mostrou que as escolhas dos gêneros feitas
pelos autores de livros didáticos para o Ensino Médio, bem como a metodologia a ser
adotada, buscam uma consonância com os PCN´s e com o PNLD. Contraditoriamente,
na tentativa de atender às orientações destes documentos, a forma de reprodução dos
textos ou o tipo de abordagem metodológica acabam, muitas vezes, obtendo o efeito
contrário, pois utiliza-se o texto como pretexto para o ensino de gramática, ou prioriza-
se as características formais dos gêneros, enquanto a leitura, quase sempre, não é
colocada em primeiro plano, mostrando-se, em grande parte, superficializada, estando
ela a serviço da aprendizagem formal dos gêneros, e não a noção de gêneros como
subsídio para a leitura e para a escrita.
        Quanto ao ensino da leitura através de gêneros da esfera da propaganda,
constatamos que as seções dos livros que se dedicam a estes gêneros não desenvolvem
uma definição dos gêneros que abarque todas as suas dimensões numa única exposição:
algumas características discursivas são identificadas, bem como as estruturais, mas a
linguagem da propaganda é mencionada várias vezes em capítulos de gramática, de
forma que não se tem uma visão total, mas fragmentada, da propaganda como discurso.
A ideologia presente na linguagem da propaganda, foco deste trabalho, também não é
explorada na maioria dos capítulos, ou não é sistematizada como característica do texto
de propaganda. O texto, assim, perde muito em termos de sentidos a serem construídos.
        Sendo assim, acreditamos que o ensino da leitura, tal como se mostra, deve
buscar mais eficácia na formação de leitores críticos, sendo necessário rever as
estratégias de diálogo com os documentos oficiais e também as metodologias, que ainda
oscilam entre as práticas tradicionais e aquelas propostas pelos PCN´s.
12


Referências bibliográficas


AMARAL, E.; FERREIRA, M. Novas Palavras – Língua Portuguesa. Ensino Médio.
São Paulo: FTD, 2010.
CARVALHO, N. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 1996.
CEREJA, W.; MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens. Ensino Médio. São
Paulo: Saraiva, 2010, 7ª Ed., vol. 1, 2 e 3.
FUJISAWA, K. S. “Gêneros publicitários nos livros didáticos de Língua Portuguesa”.
In: Língua, Literatura e Ensino. São Paulo: UMICAMP, 2009, vol. IV, pp. 291-299.
HERNANDES, R.; MARTIN, V. L. Projeto Eco – Língua Portuguesa. Ensino Médio.
Curitiba: Positivo, 2010, vol. 1, 2 e 3.
MEC/SEB. Guia de Livros Didáticos - PNLD 2012: Língua Portuguesa. Brasília,
2011.
MEC/SEB. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio – Área de
Linguagens, Códigos e sua Tecnologias. Brasília, 2000.
PINHO, J. B. Propaganda institucional: usos e funções da propaganda em relações
públicas. São Paulo: Summus, 1990, 5ª Ed.
SANDMANN, A. A Linguagem da propaganda. São Paulo: Contexto, 2000, 4ª Ed.
VAN DJIK, T. “Semântica do discurso e ideologia”. In: PEDRO, E. R. Análise Crítica
do Discurso – Uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Editorial Caminho,
1997, pp. 105-167.

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Ideologia e propaganda no livro didático do Ensino Médio

  • 1. 1 Ideologia e propaganda no livro didático do Ensino Médio Giselle da Silva Palhares1 Resumo: O presente trabalho traz uma análise a respeito da propaganda como objeto de leitura no livro didático de Língua Portuguesa do Ensino Médio. A partir do conceito de ideologia produzido pela Análise Crítica do Discurso, busca-se observar quais atividades foram elaboradas pelos autores de três coleções para se atingir a compreensão do texto publicitário, no que se refere às ideologias que são veiculadas e atribuem sentidos ao texto. Acredita-se que a utilização de textos publicitários na escola possa contribuir de forma eficaz para a formação leitora e cidadã dos educandos, uma vez que exigem um leitor atento e crítico em relação à manipulação do leitor. Ainda que os documentos curriculares proponham a leitura numa perspectiva discursiva, como é o caso do PCN, e que os próprios livros tragam esta concepção teórica, notamos que, na prática, ainda prevalece a leitura superficial ou aborda- se apenas parte dos traços do discurso publicitário, fazendo com que o aluno tenha uma visão reduzida e fragmentada dos textos de propaganda. Palavras-chave: Ideologia, propaganda, leitura, livro didático, Ensino Médio. O livro didático e os Parâmetros Curriculares Após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90, autores de livros didáticos têm tentado adequar-se às exigências deste documento, nas várias áreas do conhecimento que são objetos de estudo nas escolas brasileiras. Trata-se de novas teorias e novas metodologias de ensino produzidas pelos acadêmicos e incorporadas ao discurso oficial como modelo a ser adotado na sala de aula. No ensino de Língua Portuguesa, isto significa o trabalho com a linguagem numa perspectiva discursiva, ou seja, o texto como objeto de ensino vinculado às suas condições de produção. A escola, ao abordar a linguagem em seu uso efetivo estaria, de acordo com os PCN´s, preparando os educandos para atuar na sociedade de forma mais competente por meio da linguagem (BRASIL, 2000: 21). Assim, grande relevância tem ganhado os gêneros do discurso nos livros didáticos de Língua Portuguesa, que comportam, desta forma, textos de variados gêneros, pertencentes, sobretudo, às esferas literária, jornalística, escolar e publicitária. Deste modo, sendo o discurso publicitário um dos mais recorrentes nos manuais didáticos para o ensino de língua materna e também um dos mais presentes no cotidiano social, interessou-nos observar quais são as propostas de três coleções de livros 1 Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Letras– FFLCH, disciplina “Tópicos de Pragmática e Análise do Discurso”, 1º semestre de 2012.
  • 2. 2 destinados ao Ensino Médio de Língua Portuguesa para o trabalho com a leitura de propaganda, dando aqui ênfase a uma das características dos discursos: a presença das ideologias, que, no caso da publicidade, criam uma relação peculiar com seu público- leitor, através dos efeitos de sentido que elas acrescentam ao seu texto persuasivo. De agora em diante, iremos nos referir aos gêneros do discurso publicitário como gêneros da esfera da propaganda, sem estabelecer, portanto, distinção entre propaganda e publicidade. A literatura sobre publicidade não apresenta consenso quanto a esta distinção, conforme exposto por Fujisawa (2009: 294). Além disso, como aponta Sandmann, o termo publicidade, em português, se refere à finalidade de vender produtos ou serviços, enquanto propaganda é usado tanto como propagação de ideias como no sentido de publicidade, considerando propaganda o mais abrangente (2000: 09). Parece-nos, portanto, propaganda, a denominação mais conveniente aos propósitos deste trabalho e ao corpus selecionado para análise. Discurso, ideologia e propaganda Na perspectiva da Análise Crítica do Discurso, as ideologias estão articuladas ao uso da linguagem. Afirma Teun Van Djik em “Semântica do discurso e ideologia” que os indivíduos, quando falam ou escrevem, o fazem enquanto membros da sociedade e de um grupo e, desta forma, produzem e reproduzem as ideologias. Estas se ligam assim ao significado do discurso (1997: 105). No mesmo artigo, Van Djik define ideologia da seguinte maneira: As ideologias são modelos conceituais básicos de cognição social, partilhados por membros de grupos sociais, constituídos por seleções relevantes de valores socioculturais e organizados segundo um esquema ideológico representativo da autodefinição de um grupo. Para além da função social que desempenham ao defender os interesses dos grupos, as ideologias têm a função cognitiva de organizar as representações sociais (atitudes, conhecimentos) do grupo, orientando assim, indiretamente, as práticas sociais relativas ao grupo e, consequentemente, também as produções escritas e orais dos seus membros. (1997: 111-112) O autor afirma também que as ideologias não são verdadeiras ou falsas, no sentido comumente usado destas palavras. Ao contrário, cada grupo social possui uma verdade em função de seus objetivos. Nas palavras do analista, elas “são modelos de interpretação (e de ação) mais ou menos relevantes ou eficazes para esses grupos conforme forem capazes de favorecer os seus interesses” (1997: 109).
  • 3. 3 Sobre a propaganda, citando Lagneau2, Carvalho relata que, originalmente, a propaganda3 possuía um caráter mais informativo, restringindo-se a dizer qual produto se vendia em determinado endereço. Com o tempo, foi adquirindo “uma lógica e uma linguagem próprias”, substituindo a objetividade informativa pela sedução e pela persuasão (1996: 12). Esta linguagem, portanto, visa à manipulação de seu leitor. Segundo a autora, a função persuasiva na linguagem publicitária “consiste em tentar mudar a atitude do receptor”. Para obter este resultado, durante a elaboração do texto, o publicitário “leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada” (1996: 19). Sendo assim, o leitor deve ser capaz de desvendar esta manipulação. Desta forma, as ideologias estão presentes nos textos de propaganda, fazendo parte da construção desta aproximação entre mensagem e público-alvo. Sandmann, em sua obra A linguagem da propaganda4, afirma que a propaganda traz valores e ideais, visões de mundo de uma sociedade, em função de um momento histórico (2000: 34). Considera que a propaganda não serve exclusivamente, mas com expressividade, às ideologias da classe dominante. O autor destaca alguns dos valores aceitos principalmente por esta classe e que aparecem com frequência nas propagandas (2000: 35). Vejamos como a propaganda tem sido objeto de leitura nos livros didáticos, tendo em vista os elementos expostos acima. As coleções analisadas As três coleções analisadas fazem parte da lista de obras indicadas pelo Guia de Livros Didáticos do PNLD5 de 2012 de Língua Portuguesa para o Ensino Médio (BRASIL: 2011). As obras foram escolhidas por pertencerem ao acervo de uma escola pública do Estado de São Paulo, tendo sido enviadas pelo Governo Estadual para escolha pelos professores, em 2011, referente aos três próximos anos letivos. Pretendemos, pois, conhecer algumas das propostas de ensino da leitura presentes em livros didáticos distribuídos pela rede pública. As coleções são: Novas Palavras, de 2 LAGNEAU, G. Os mitos da publicidade. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 131. 3 A autora utiliza originalmente o termo publicidade. 4 Tanto Carvalho quanto Sandmann se referem aos termos publicidade e propaganda como sinônimos. 5 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é responsável pela avaliação, compra e distribuição dos livros didáticos nas escolas públicas de Educação Básica.
  • 4. 4 Emília Amaral e Mauro Ferreira, Português: Linguagens, de Willian Cereja e Thereza Magalhães e Projeto Eco – Língua Portuguesa, de Roberta Fernandes e Vima Martin. Esta última foi a escolhida pelos professores da escola, sendo que este ano, os alunos já dispõem dos livros. Formadas por três volumes cada uma, as coleções apresentaram várias semelhanças. Uma delas é a busca pela consonância com as metodologias priorizadas nos PCN´s, no que diz respeito ao trabalho de leitura, escrita e análise linguística baseados na concepção de gêneros do discurso. Os autores propõem, por exemplo, o estudo dos elementos linguísticos a partir do texto, já que é desprestigiada no PCN a prática descontextualizada do ensino gramatical, caracterizada pela análise de frases soltas e também pela ênfase nas nomenclaturas e classificações gramaticais. Nota-se, assim, nas três coleções, o uso de inúmeros gêneros do discurso citados nos livros como exemplos de textos que contém determinadas categorias gramaticais destacadas nos capítulos destinados ao seu ensino. O texto serve, então, ao ensino de gramática. Nesta situação, podemos encontrar muitos textos da esfera da propaganda nestas coleções, citados como exemplos, principalmente, de texto verbal e texto não verbal, ambiguidade, denotação e conotação, tempos verbais, figuras de linguagem, substantivo, adjetivo, ortografia. Outra semelhança entre as obras é a atenção voltada aos critérios do PNLD quanto aos cuidados na escolha dos textos, para que o material didático não seja interpretado como veículo de propaganda de marcas, produtos ou serviços comerciais (2011: 85). Deste modo, a maioria das propagandas que aparecem nos livros é composta por cartazes e folhetos de caráter não comercial. Foram selecionados a seguir alguns trechos de capítulos em que houve uma (tentativa de) sistematização dos traços dos gêneros de propaganda, buscando observar se, nestes trechos, são contemplados os fatores ideológicos presentes nos textos, como elementos importantes para a compreensão e, consequentemente, para uma leitura mais ampla dos mesmos, já que as ideologias também produzem sentidos na linguagem, e verificar também como a ideologia é vinculada ao discurso da propaganda. O livro Novas Palavras
  • 5. 5 Cada volume deste material está organizado em três frentes: “Literatura”, “Gramática” e “Redação e Leitura”. É nesta última em que os autores sugerem atividades de leitura e de escrita focadas nos gêneros discursivos. Assim, gêneros de várias esferas sociais aparecem aqui para sistematização de suas características, mas a propaganda só aparece uma vez, e não para sistematização do gênero. Ela é citada apenas para ser comparada a outros dois textos, de forma muito breve, em atividade na qual os alunos deveriam identificar seus gêneros e semelhanças e diferenças de tema, registro etc. (2010: 405, vol. 1). Na parte de gramática há uma seção nos finais dos capítulos denominada “Da teoria à prática”, composta pela análise de um texto, feita pelos autores, a partir do tema gramatical exposto no capítulo. As propagandas que aparecem nesta parte de gramática são comerciais e, como também nas outras partes da coleção onde se trabalhou com propagandas comerciais, elas não foram reproduzidas integralmente. Selecionou-se um trecho do texto verbal, algumas vezes associado a uma ou outra imagem que pode pertencer à propaganda ou não (pois esta informação não é dada), como ponto de partida para a análise do termo a ser gramaticalmente evidenciado em seu uso efetivo, como exemplo do conteúdo visto no capítulo. Em uma destas análises, cujo capítulo se refere a conjugação verbal, a exposição inicia-se com um parafraseamento da propaganda selecionada, afirmando que há anos existiu uma “campanha publicitária” de uma indústria têxtil para o lançamento do tecido tergal. Enfatizam que “a estratégia da campanha era apresentar o tergal como um tecido revolucionário, pois era leve, resistente e não amassava (...)” (2010: 318, vol. 2). Em seguida, vem o título da propaganda, “Tergalize-se”, e a imagem de uma mulher, vestida com um sobretudo longo, provavelmente confeccionado com aquele tecido, mas a análise não dialoga em nenhum momento com a imagem, de forma que não sabemos se ela faz parte do texto ou se foi colocada na página como ilustração do conteúdo, embora seu traje possua marcas temporais6, o que sugere a autenticidade da imagem, já que a propaganda é antiga. O corpo do texto foi, desta maneira, todo fragmentado, provável estratégia de fuga em relação à possibilidade de críticas do PNLD sobre a veiculação de propagandas comerciais e a consequente exclusão da lista dos livros 6 A mulher se apresenta com um sobretudo, sapatos de salto e lenço da cabeça, lembrando a moda dos anos 50-60, maquiada e com um largo sorriso, transmitindo a ideia de modernidade e de felicidade, evidentemente proporcionadas pela roupa.
  • 6. 6 escolhidos para compra e distribuição nas escolas. O suporte do texto também não foi mencionado. Embora haja uma tentativa de reconstrução do texto com a introdução, o título e, possivelmente, a imagem, elementos importantes para a compreensão do texto foram omitidas ao retirá-lo de sua forma original, como a marca e a presença ou o restante das imagens e outros textos verbais que o componham, dificultando, assim, uma leitura mais aprofundada do texto, tornando-se também fragmentada. A exposição dos autores se inicia com a afirmação de que, com o objetivo de “persuadir o leitor a comprar o tecido”, usa-se o verbo “tergalize-se” que, além de estar no imperativo, tempo verbal frequentemente empregado na linguagem da propaganda, é um neologismo, que traz a ideia de modernidade, o que se intensifica com o reflexivo “se”, pela sugestão que o leitor se atualize, se modernize, com a roupa de tergal. A análise termina com uma alerta ao aluno para “fique atento” ao ler propagandas, cuja linguagem é muito “sutil” na tentativa de sedução de seu público- alvo sendo, por isso, necessário ler com criticidade estes textos. Ainda que a fragmentação do texto tenha trazido danos à leitura, a possibilidade de associação da propaganda com o seu conteúdo ideológico seria possível, por exemplo, através do ideal de modernidade implícito no termo “tergalize-se”, como reflexo da ideologia dominante naquele momento histórico, o que seria reforçado pela imagem da mulher, com a roupa de tergal e, como membro de uma determinada classe, com poder aquisitivo para “tergalizar-se”, definindo assim o público-alvo. No entanto, não se faz uso do conceito de ideologia, nem na definição do discurso da propaganda, nem na análise do texto. Português: Linguagens Os volumes desta coleção intercalam capítulos cujos conteúdos foram identificados por “Literatura”, “Língua: uso e reflexão” e “Produção de texto”. No que se refere à produção textual, nota-se a busca pela sistematização das características dos gêneros discursivos. No segundo volume, há dois capítulos que tratam de gêneros da esfera da propaganda. O primeiro, “O texto de campanha comunitária”, traz uma campanha da ONU e do Ministério da Justiça sobre o tráfico internacional de mulheres. É constituída de um longo texto verbal que busca posicionar o leitor sobre a situação da mulher brasileira em relação a este tipo de crime e, na sequência, menciona algumas
  • 7. 7 “dicas de alerta sobre esse tipo de crime” e o telefone da Polícia Federal. Ao lado deste texto, um fundo escuro com a imagem de uma mulher nua, sentada ao chão, com a cabeça baixa e de costas, sobre cuja parte do corpo foi destacada a frase: “Primeiro eles tiram o passaporte, depois a liberdade.” Abaixo, lemos: “Tráfico internacinal de mulheres, denuncie”. (2010: 30) Os autores propõem uma atividade de oito questões. A partir de definições sobre a finalidade da “campanha comunitária”, que seria a de “esclarecer e orientar a população em geral sobre determinado assunto e persuadi-lo a colaborar”, e sobre quem seriam seus locutores (“os folhetos de campanha comunitária costumam apresentar um logotipo ou outra forma de identificação do órgão, entidade ou empresa que veicula a mensagem”), definições estas presentes nas próprias perguntas, solicita que o aluno identifique qual o objetivo desta campanha, quem são os interlocutores, onde teria sido veiculada, como a mulher foi retratada na imagem, que linguagem foi empregada e que formas verbais. Enfatiza-se, aqui, o uso do imperativo e sua “compatibilidade com o texto de campanha comunitária”, mas outros tempos verbais são selecionados para identificação, a fim de se observar os efeitos de sentido gerados. Uma das questões pede que o aluno identifique alguns pronomes e seus referentes. Interessa-nos reproduzir integralmente a última questão, que é a seguinte: “Reúna-se com seus colegas de grupo e, juntos, concluam: quais são as principais características do texto de campanha comunitária? Respondam, considerando os seguintes critérios: finalidade do gênero, perfil dos interlocutores, suporte ou veículo, tema, estrutura, linguagem”. (2010: 31) Podemos notar que a leitura do gênero “campanha comunitária” é superficial. Como mostra a última questão da atividade, busca-se sistematizar as características da propaganda através dos “critérios” mencionados na pergunta transcrita acima, mas ao aluno cabe apenas identificar as informações no texto: ele descobre quem são os interlocutores, qual a finalidade do texto, sua estrutura básica e suporte, mas os sentidos que estes elementos agregam ao texto não são explorados. Levando-se em conta que o texto utilizado para estudo é uma propaganda 7 social , pois busca orientar a população quanto ao tráfico internacional de mulheres, 7 J. B. Pinho, em seu livro A propaganda institucional, faz distinção entre publicidade e propaganda, dedicando-se ao estudo da propaganda institucional, cujo objetivo é, segundo o autor, informar e criar uma imagem favorável da empresa perante o público. Quanto à função exercida, a propaganda social é
  • 8. 8 vemos que, no plano ideológico, o Governo Federal coloca-se no lugar de quem se preocupa com as mulheres brasileiras, em especial as “mais humildes”, que, de acordo com o texto da campanha, compõem a maioria das vítimas. O Governo as estaria instruindo e fazendo valer os seus direitos, passando assim a imagem de um governo que está alerta na defesa das classes menos favorecidas, compartilhando com elas o ideal de liberdade e combatendo o crime, buscando o cumprimento das leis. Tal imagem é reforçada no logotipo, onde se lê: “Brasil, um país de todos”, de todas as raças, cores, gêneros e condições sociais. A propaganda estaria tentando, de forma indireta, ganhar a simpatia do povo; entretanto, não há na atividade questão que destaque estas dimensões ideológicas do texto. O outro capítulo sobre propaganda, “O anúncio publicitário”, segue com uma metodologia semelhante, pois solicita que o aluno identifique os mesmos elementos apontados no capítulo anterior (2010: 369, vol. 2). Agora, porém, acrescenta alguns traços do gênero, como a estrutura que geralmente apresenta: título, subtítulo, corpo do texto, marca, assinatura ou logotipo do anunciante. Insere também questões sobre a linguagem da propaganda: figuras de linguagem, variedade linguística, imperativo, os quais devem ser identificados no texto. A atividade inclui ainda uma questão sobre identificação do argumento principal do texto, isto é, aquele “forte” o suficiente para persuadir o leitor a aderir à ideia defendida no anúncio. Ainda que com maior abrangência em relação às características da propaganda, a leitura ainda é superficializada, pois não proporciona que se construam relações entre as condições de produção do texto e sua linguagem e os sentidos que possam vir a acrescentar ao discurso. Do mesmo modo, nenhuma pergunta remete ao domínio ideológico. Chama-nos à atenção o fato de o anúncio reproduzido nesta atividade ser uma propaganda social contra o desperdício de água, cujo anunciante é um programa de televisão. Os enunciados das questões enfatizam que a maioria destes anúncios seria comercial, mas a propaganda comercial é evitada. Eles aparecem, no entanto, nas seções de gramática da coleção, como o caso do anúncio do chocolate talento (2010: 322, vol. 2). um tipo de propaganda institucional voltada para as causas sociais, como, desemprego, tóxicos, doenças etc., visando orientar e incentivar a responsabilidade social (1990: 24).
  • 9. 9 Projeto Eco: Língua Portuguesa Esta coleção se organiza em “Literatura”, “Produção de texto” e “A língua em uso”, sendo que a leitura e a escrita baseadas nos gêneros do discurso é proposta nos capítulos denominados “Produção de texto”. Há um capítulo nesta coleção destinado à propaganda, que faz parte do primeiro volume. O gênero em estudo é o cartaz. Existe uma introdução teórica, em que se caracteriza o gênero, cujo objetivo seria o de “difundir um produto ou ideia” (2010: 52, vol.1). Um cartaz da Parada Gay de 2007 é reproduzido como exemplo e comentado pelas autoras, que identificam o logotipo da instituição que promove o evento e fazem uma leitura do texto: as cores do fundo, que lembram o arco-íris, remetem ao movimento gay, enquanto a mensagem se constitui pelo combate a todo tipo de preconceito, através do convite à participação das pessoas no evento, como se nota na frase da propaganda: “Por um mundo sem racismo, machismo e homofobia”. Em seguida, a seção de atividades traz dois exercícios. O primeiro propõe a leitura comparativa de dois cartazes, um referente à divulgação da “Marcha Mundial das Mulheres”, em ocasião da comemoração do dia oito de março, e outro, do shopping Iguatemi Florianópolis. Algumas questões remetem aos significados das cores utilizadas nas letras e fundo dos cartazes e a que público-alvo se dirigem, mas é nas figuras femininas, presentes nos dois textos, em que a reflexão se concentra. Na primeira propaganda, o desenho formado por muitas mulheres de mãos dadas e movimentando-se em forma de roda, acompanhadas do texto “Mulheres em movimento mudam o mundo”. Na segunda, uma jovem mulher trajada com um vestido longo e negro, sapatos, maquiagem, unhas e um ramo de flores, todos estes elementos em tom de rosa claro. A moça, quase de perfil, se recosta delicadamente sobre um balcão, situado dentro de um ambiente claro. Como molduras, arabescos em tons de verde claro moldam a fotografia. Tal imagem soma-se ao enunciado: “A moda que você vê aqui, desfila no Iguatemi Florianópolis”. Depois, no canto inferior direito: “Iguatemi Florianópolis, único como o seu estilo” (2010: 54, vol. 1). Das dez questões propostas pelas autoras, três se direcionam aos elementos do cartaz dois descritos acima, e uma, aos dois cartazes: “Que efeito de sentido produz a imagem no cartaz?
  • 10. 10 Que outros elementos do cartaz reforçam a associação com estereótipos do universo feminino? Qual foi a intenção do autor desta peça publicitária, ao optar pelo uso da palavra “desfila”, em vez de, por exemplo, “está” no texto escrito? (...) Considerando que os cartazes 1 e 2 se referem ao universo feminino, qual deles pressupõe uma mulher socialmente engajada? Justifique sua resposta.” (2010: 54, vol. 1). As questões parecem referir-se ao fato de as imagens do segundo cartaz se caracterizarem pela escolha de tons pastéis, tanto no ambiente quanto na modelo, exceto pelo traje preto. A ideologia presente no cartaz é a da representação da mulher com traços de delicadeza e elegância, valores pressupostos das mulheres da classe média alta, público-alvo constituído na própria propaganda pela modelo, que não apenas se veste, mas “desfila” com a “moda” do Shopping Iguatemi, exclusivo, perfeito para o estilo da mulher desta classe social. Ao citar o vocabulário da moda, a propaganda dialoga com seu público-alvo também por remeter aos desfiles, dando um ar de glamour aos seus produtos, ao mesmo tempo em que estas próprias mulheres seriam como modelos desfilando, ao usar uma roupa comprada no referido shopping. Desta maneira, estar na moda e ter uma vida glamourosa também integram os valores do grupo retratado no cartaz. A última questão se refere ao posicionamento ideológico do cartaz de divulgação da Marcha Mundial das Mulheres, que, como se pode supor, não possuem seus direitos respeitados, daí a necessidade de se unirem e lutarem coletivamente contra sua posição desfavorecida, sendo, portanto, mulheres “socialmente engajadas”. Na continuidade do capítulo, há um segundo exercício em que o aluno deve identificar público-alvo e diálogo entre texto escrito e imagem, inferir o suporte e dizer quais são as diferentes vozes que aparecem no texto. A propaganda a que o exercício se refere pertence a uma empresa de publicidade, que divulga seus serviços. As “vozes” participantes do anúncio são a do concorrente e a do anunciante, uma vez que o texto é formado por várias negativas: “Não acorde. Não escove os dentes. Não saia para trabalhar. Não feche ótimos negócios. (...) Não tente. Não seja. Não viva. Não anuncie na internet.” (2010: 55, vol. 1). O anunciante coloca na voz da concorrência todos os valores que o seu público-alvo, o homem de negócios, supostamente possui, de forma que, não anunciando na internet, o empresário estaria fazendo a vontade de seu
  • 11. 11 concorrente, ou seja, deixando de obter êxito nos negócios. Isso se confirma em seguida, com a frase “Não escute seus concorrentes. Eles querem que o seu negócio exploda.” Ao fundo, a imagem da explosão de uma bomba atômica. O exercício, porém, não abarca explicitamente a ideologia presente no cartaz, embora pergunte sobre as vozes que compõem o anúncio. É interessante notar que as autoras inserem o conceito de ideologia um pouco antes deste capítulo, relacionada, no entanto, ao discurso literário (2010: 33, vol. 1). Considerações finais Como foi possível observar, a análise mostrou que as escolhas dos gêneros feitas pelos autores de livros didáticos para o Ensino Médio, bem como a metodologia a ser adotada, buscam uma consonância com os PCN´s e com o PNLD. Contraditoriamente, na tentativa de atender às orientações destes documentos, a forma de reprodução dos textos ou o tipo de abordagem metodológica acabam, muitas vezes, obtendo o efeito contrário, pois utiliza-se o texto como pretexto para o ensino de gramática, ou prioriza- se as características formais dos gêneros, enquanto a leitura, quase sempre, não é colocada em primeiro plano, mostrando-se, em grande parte, superficializada, estando ela a serviço da aprendizagem formal dos gêneros, e não a noção de gêneros como subsídio para a leitura e para a escrita. Quanto ao ensino da leitura através de gêneros da esfera da propaganda, constatamos que as seções dos livros que se dedicam a estes gêneros não desenvolvem uma definição dos gêneros que abarque todas as suas dimensões numa única exposição: algumas características discursivas são identificadas, bem como as estruturais, mas a linguagem da propaganda é mencionada várias vezes em capítulos de gramática, de forma que não se tem uma visão total, mas fragmentada, da propaganda como discurso. A ideologia presente na linguagem da propaganda, foco deste trabalho, também não é explorada na maioria dos capítulos, ou não é sistematizada como característica do texto de propaganda. O texto, assim, perde muito em termos de sentidos a serem construídos. Sendo assim, acreditamos que o ensino da leitura, tal como se mostra, deve buscar mais eficácia na formação de leitores críticos, sendo necessário rever as estratégias de diálogo com os documentos oficiais e também as metodologias, que ainda oscilam entre as práticas tradicionais e aquelas propostas pelos PCN´s.
  • 12. 12 Referências bibliográficas AMARAL, E.; FERREIRA, M. Novas Palavras – Língua Portuguesa. Ensino Médio. São Paulo: FTD, 2010. CARVALHO, N. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 1996. CEREJA, W.; MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens. Ensino Médio. São Paulo: Saraiva, 2010, 7ª Ed., vol. 1, 2 e 3. FUJISAWA, K. S. “Gêneros publicitários nos livros didáticos de Língua Portuguesa”. In: Língua, Literatura e Ensino. São Paulo: UMICAMP, 2009, vol. IV, pp. 291-299. HERNANDES, R.; MARTIN, V. L. Projeto Eco – Língua Portuguesa. Ensino Médio. Curitiba: Positivo, 2010, vol. 1, 2 e 3. MEC/SEB. Guia de Livros Didáticos - PNLD 2012: Língua Portuguesa. Brasília, 2011. MEC/SEB. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio – Área de Linguagens, Códigos e sua Tecnologias. Brasília, 2000. PINHO, J. B. Propaganda institucional: usos e funções da propaganda em relações públicas. São Paulo: Summus, 1990, 5ª Ed. SANDMANN, A. A Linguagem da propaganda. São Paulo: Contexto, 2000, 4ª Ed. VAN DJIK, T. “Semântica do discurso e ideologia”. In: PEDRO, E. R. Análise Crítica do Discurso – Uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Editorial Caminho, 1997, pp. 105-167.